MIA > Biblioteca > Martens > Novidades
Primeira Edição: ....
Fonte: Nova Cultura
Tradução: Gabriel Duccini e Ícaro Leal Alves
HTML: Fernando Araújo.
Quando elaboramos nossas posições políticas é essencial combater não somente os desvios oportunistas de direita, senão também as tendências esquerdistas. Também há que esforçar-se em localizar os aspectos contraditórios das questões que se debatem.
Desde 1978, quando o Partido do Trabalho da Albânia formulou críticas exageradas e acusações gratuitas contra o Partido Comunista chinês, deixamos de estudar suas análises. Ainda que muitos dos nossos desacordos com o PTA tivessem fundamento, esta atitude não podia justificar-se. Inclusive se alguns partidos marxista-leninistas cometem graves erros, se desviam pela via do revisionismo ou do esquerdismo, devemos estudar sua evolução, tirar lições de seus erros enquanto seguimos tirando lições de suas experiências válidas. Nas críticas ao oportunismo e do revisionismo que formulou o camarada Enver Hoxha, podemos encontrar muitos elementos válidos. Poderíamos aproveita-las sem por isso estar de acordo com a orientação global de sua linha. Ao mesmo tempo, a observação crítica dos erros de Enver Hoxha poderia haver-nos posto em guarda contra os erros similares em nosso próprio partido.
A seguir analisamos alguns aspectos dos dois tomos que Enver Hoxha publicou sob o título de Reflexões sobre a China, publicados em Tirana em 1979.
Enver Hoxha deu mostras de uma grande vigilância frente ao oportunismo. Sempre teve em conta as possíveis consequências de certos giros direitistas.
Ao começo dos anos 60, quando os revisionistas Khrushchevistas deram alguns passos “a esquerda”, Enver Hoxha desmonta rapidamente seu duplo jogo e revela suas intenções reais.
Em 1962, quando Khrushchev pede o fim da luta ideológica, Enver Hoxha sublinha que ele busca a tranquilidade para poder avançar mais longe pelo caminho da traição.
Em 1965, após a queda de Khrushchev, Brejnev propõe a todos os revolucionários a formação de uma “frente comum anti-imperialista”. Enver Hoxha vê imediatamente quais são os objetivos desta nova tática. Primeiro, atacar verbalmente e demagogicamente os imperialistas para persuadir os revolucionários. Depois, controlar aos comunistas chineses e apelidando-os de “sectários” e “antiunitários” em caso de que ousassem seguir lutando contra o revisionismo soviético. Finalmente, prosseguir com a colaboração com o imperialismo americano, porém com uma maior discrição do que teve Khrushchev, enquanto faz algumas pequenas chantagens aos Estados Unidos. E Enver Hoxha conclui que uma unidade revolucionária, combativa, contra o imperialismo não é possível enquanto os soviéticos não renunciem a suas concepções oportunistas fundamentais.
Porém também podemos notar, desde o princípio, alguns aspectos esquerdistas nas análises do PTA.
Em 1962, o Partido Comunista chinês propõe aceitar uma reunião com o PCUS para eliminar as divergências e reforçar a unidade do campo socialista. O PCCh diz que faz falta manter uma certa aparência de unidade e levantar a bandeira do marxismo-leninismo, a luta anti-imperialista e a unidade; isto proporcionaria melhores condições para que se desenvolvam núcleos revolucionários em diferentes partidos comunistas dirigidos por revisionistas.
Enver Hoxha conclui em seguida: “Este é um caminho vacilante, oportunista e com consequências”. Entretanto, esta flexibilidade do PCCh estava justificada e havia de ter em conta a possibilidade de viragens políticas no seio do PCUS. Havia que manter contatos tão amplos quanto fosse possível com o PCUS para influenciar aos membros e aos quadros em um sentido marxista-leninista. Enver Hoxha vê aí “uma acentuada tendência face a moderação e a passividade”. Lênin sempre defendeu a firmeza nos princípios e a flexibilidade na tática. Hoxha defende a firmeza nos princípios rechaçando a flexibilidade, que segundo ele sempre suporá vacilação e concessões.
Hoxha defende sua tática esquerdista a partir de uma análise otimista e subjetivista da situação no movimento comunista: “Os camaradas chineses parecem ter a moral afundada, suspeitam da luta contra os revisionistas, superestimam as forças do inimigo e subestimam as nossas”.
Em 1964, Enver Hoxha desvelou com grande perspicácia a tendência à aproximação entre os revisionistas iugoslavos, romenos e italianos, tendência que vem a luz no seio do Partido Comunista chinês. Sublinha com muita pertinência: “Os grupos revisionistas, titistas e Khrushchevistas estão a cabeça do revisionismo moderno e se observa claramente neles a tendência ao reagrupamento de dois polos em seu seio: o polo soviético e o polo iugoslavo-policentrista italiano. Os titistas trabalham para consolidar os agrupamentos que dirigem e o fazem como sempre, para fazer degenerar o marxismo-leninismo”.
Em 1968, Enver Hoxha destaca quatro debilidades e erros na luta levada pelo Partido Comunista chinês contra o revisionismo.
“Os camaradas chineses não têm uma clara visão ideológica das coisas. Não concebem claramente o que é o revisionismo moderno, o revisionismo titista e khrushchevista, nem em que consiste sua grande novidade. (…)
Em segundo lugar, acerca de Tito e do titismo, seguem pensando que 'não é Tito quem se equivocou, senão que foi Stalin quem se equivocou ao respeito dele'. E quando a conjuntura leva a Tito a ter divergências com os soviéticos, os camaradas chineses o veem com melhores olhos. (…)
Em terceiro lugar, os camaradas chineses manifestam em sua luta algumas tendências ao chauvinismo contra a União Soviética, emitem algumas pretensões territoriais e juízos pouco fundados sobre os supostos erros de Stalin no movimento comunista internacional.
Em quarto lugar, para os camaradas chineses, qualquer um que se apresente como adversário dos soviéticos é um possível aliado, sem considerar a identidade deste pseudo-aliado”.
Porém o mesmo Enver Hoxha também declara:
“O revisionismo moderno deve ser combatido pelos marxista-leninistas com perseverança, sem vacilar, até o final, sob a forma que seja, em qualquer tempo e circunstância”. “Não faremos nenhuma concessão a Khrushchev, não chegaríamos a nenhum compromisso com ele, porque é um traidor”. É necessária “a ruptura definitiva com os revisionistas”. “Educar as massas para a revolução nos países revisionistas da Europa é uma tarefa indispensável. (…) (Os marxista-leninistas devem) aceitar a luta ferrenha contra as camarilhas revisionistas-fascistas e consentir grandes sacrificios”.
Se podemos estar de acordo com Enver Hoxha na necessidade de mostramo-nos firmes na luta de princípios contra o revisionismo, a flexibilidade na tática durante esta luta também tem uma grande importância. Faz falta uma análise concreta das diversas correntes políticas nos países socialistas, há que saber onde podem produzir-se agrupamentos de forças marxista-leninistas, há que manter contato com as forças comunistas sãs, chegar a compromissos com traidores para estar em condições de manter relações com os autênticos comunistas. Enver Hoxha nega todos estes princípios. Entretanto, sem flexibilidade na tática, não se pode fazer triunfar os princípios justos. Conformar-se com proclamar alto e claro os princípios justos sem buscar a tática que permita fazê-los triunfar demonstra esquerdismo e leva a derrota. O radicalismo esquerdista se baseia numa falsa apreciação da realidade política nos países dominados pelos revisionistas. Como pretende Enver Hoxha “educar as massas para a revolução contra os revisionista-fascistas”? Por acaso será uma revolução sem partido comunista para dirigi-la? Por acaso crê que os verdadeiros comunistas já se organizam fora do partido para uma nova revolução proletária? Não havia nem o menor indício do surgimento de um movimento comunista forte do partido, nem de um movimento de massas de carácter revolucionário e proletário. Partindo destes dogmas ideológicos, Hoxha se aferrenha em não ver que os autênticos comunistas ainda permanecem dentro do partido, apesar da traição dos dirigentes revisionistas.
Aferrando-se a sua posição esquerdista, Enver Hoxha sempre está a dois passos de açoitar o Partido Comunista chinês, que apelida de “vacilante”.
Em novembro de 1964, depois da queda de Khrushchev, Chou En-Lai viajou a Moscou para ter discussões com os dirigentes soviéticos a fim de ajudá-los a deixar a via revisionista. Chen Yi expôs aos camaradas albaneses a tática do PCCh a respeito da direção do PCUS. Se os líderes soviéticos têm a intenção de deixar o caminho de Khrushchev, devem fazê-lo com cautela e prudência, ou então os krushchevistas, que continuam fortes, contra-atacarão. "Convêm retificar os erros gradualmente, tratando-o com um espírito amistoso; não se deve evocar estes erros além do que no interior dos partidos irmãos e não os fazer públicos”.
Esta tática é correta, sempre que parta de uma firmeza nos princípios. Inclusive se pode dar outro argumento: ainda se se rechaça entrar em uma polêmica com um partido irmão, tem-se o dever de expor publicamente seus próprios pontos de vista e rechaçar as posições que considera burguesas e pequeno-burguesas.
Porém Enver Hoxha denuncia imediatamente a “linha oportunista e conciliadora” e inclusive levanta a hipótese de que “a delegação chinesa trairá”.
Em setembro de 1969, depois do falecimento de Ho Chi Ming, Kosyguin se encontrou com Chou En-Lai no aeroporto de Pequim. Abordaram o problema das fronteiras e Chou En-Lai propôs o fim dos enfrentamentos militares, a manutenção do status quo e a retirada das tropas dos dois partidos das zonas disputadas. Trataram sobre problemas comerciais. As condições preliminares dos chineses eram que não se detivesse a polêmica ideológica e que as bases nucleares chinesas não sejam atacadas. Chou En-Lai disse aos responsáveis albaneses que a URSS se dispõe a atacar a China, porém também que a direção do PCUS estava vivendo uma crise. A China queria dividir a pombos e falcões e trabalhar para iniciar uma distensão com a URSS.
Rita Marko, membro do Birô Político do Partido albanês, disse a Chou En-Lai que este encontro era um erro e que daria vantagem aos revisionistas. Chou En-Lai o contestou: “Está sendo extremista”. Segundo Enver Hoxha, este último comentário dá mostras de uma “arrogância inaudita”. “Agora Chou En-Lai montou o cavalo revisionista-oportunista”.
As declarações de Enver Hoxha são efetivamente esquerdistas e extremistas.
Evidentemente, os marxista-leninistas devem ser vigilantes. E um acercamento a uma direção revisionista pode ser o começo de uma viragem ao revisionismo se sabe que o espírito de conciliação frente ao oportunismo pode, pouco a pouco, arrastar a um partido em direção ao pântano do oportunismo. Um erro, por menor que seja ano começo, pode alcançar grandes proporções caso se aprofunde nele. Quando se inicia um processo, é preciso refletir sobre suas possíveis evoluções.
Porém dos passos táticos empreendidos pelo Partido Comunista chinês – e que de fato estão completamente justificados – Enver Hoxha faz as extrapolações mais extremas e negativas. Somente tem em conta as evoluções mais nefastas e se comporta como se essas evoluções já se houvessem dado. Isto já não é vigilância, senão esquerdismo e sectarismo.
Ademais, se tratava essencialmente de relações entre Estados e é difícil de compreender como um contato com o representante do Estado soviético, destinado a atenuar a tensão nas fronteiras, pode ser intitulado de antemão de erro político.
Em julho de 1971, Enver Hoxha exclama: “Receber o presidente Nixon e ter uma entrevista com ele, não é justo e não será aceito pelos povos, nem pelos revolucionários, nem pelos autênticos comunistas”. “Com este ato político, os chineses desorientam o movimento revolucionário mundial e apagam o ardor revolucionário”.
Com estas posições, Enver Hoxha roça o trotskismo.
Os comunistas se pronunciaram sempre pela coexistência pacífica com os Estados capitalistas. E desde o primeiro ano de existência da União Soviética, Lenin manteve negociações com os Nixon da sua época. Depois da Revolução de Outubro, Lenin aceitou negociar a paz com a Alemanha do imperador Guilherme, em Brest-Litovsk. Se sabe que Trotsky se opôs a essas negociações. A começos de 1922, Lloyd George, o primeiro-ministro da Grã-Bretanha, a maior potência imperialista da época, convocou uma conferência internacional para o endireitamento da Europa, a qual foi convidada a URSS. Lenin pediu imediatamente que a União Soviética enviasse ali a seus representantes para defender o sistema socialista e dividir a seus inimigos. Depois da conferência de Genova, em abril de 1922, a URSS firmou o tratado de Rapallo com a Alemanha arruinada, assegurando assim ao Estado soviético melhores condições políticas e econômicas para a construção socialista.
Em 1935, Stalin firmou um acordo com Laval, o reacionário francês, contra o expansionismo do fascismo alemão. Também naquela ocasião, os trotskistas gritaram acusando-lhe de traição. Em 1939, Stalin recebeu a Von Ribbentrop para firmar o Pacto germano-soviético que deu ao Estado soviético um ano e meio de pausa antes da guerra. A reação mundial e o trotskismo agitaram-se contra esse acordo.
Foi o imperialismo americano quem havia rechaçado reconhecer a China socialista, de 1949 até 1971. Em consequência da luta dos povos do mundo inteiro, Nixon se viu obrigado a reconhecer o regime de Mao e aceitou viajar a Pequim. Era o primeiro passo perante o restabelecimento dos direitos da China na ONU e nas organizações internacionais. Que o imperialismo americano se veja obrigado, depois de 22 anos de boicote, a tratar a China de igual para igual, era uma grande vitória para o socialismo na China.
Então, é difícil compreender como Enver Hoxha poderia chegar a certas extravagâncias pueris. Se enfurece porque Chou En-Lai dissera: “O povo chinês e o povo americano são amigos”: E se indigna dizendo: “Para Chou, Nixon deixou de ser um imperialista, um fascista, um verdugo do povo. Isto se chama passar-se ao bando dos lacaios do imperialismo”. Parecia ouvir-se a um trotskista falando sobre o pacto germano-soviético.
A partir de 1973, quando a política externa da China começou a dar um giro direitista, Enver Hoxha fez algumas observações pertinentes acerca da luta de classes a âmbito internacional. É indiscutível que o Partido Comunista Chinês, assim como nosso próprio partido de certa forma, poderia ter usufruído algum proveito destas críticas e evitado adotar posições demasiado unilaterais.
Quando a China começou a apoiar a Europa unida frente às duas superpotências, tanto no campo político como no econômico e militar, Enver Hoxha fez as seguintes observações: “Lutamos por acentuar as contradições, disse Chou En-lai. Até aqui podemos concordar. Mas a favor de quem deveríamos acentuá-las? Existem apenas estas contradições? (...) Devíamos esquecer a grande questão de classe, da luta do proletariado, ou seja a solução da grande contradição entre o proletariado e a burguesia?
Enver Hoxha jamais compartilhou da análise do Partido Comunista Chinês que enxergava a URSS dos anos de 1975 a 1985 como a superpotência mais perigosa. Tampouco esteve de acordo com a previsão segundo a qual a União Soviética desencadearia uma guerra para tomar controle da Europa Ocidental. Para o PTA, a União Soviética ao invés de desencadear a guerra contra o elo mais fraco do sistema capitalista mundial, golpearia onde pensaria obter maior proveito
Também carecem de fundamento as observações de Enver Hoxha sobre o caráter nacionalista e antissoviético da política externa chinesa dos anos 70: “Esta política é regida por dois critérios fundamentais. O primeiro é a benevolência ou a falta dela por parte da China(...) Se canta louvores a ela ou manifesta apoio, pode ser quem for. O segundo é que se está contra os revisionistas soviéticos, são amigos dos chineses, seja quem for”.
Enver Hoxha também teve razão ao criticar a estratégia de Deng Xiaoping, que declarou em 1977:
“Temos que destruir o plano de guerra global preparado pela União Soviética, e espero que nesta luta se una o mundo inteiro, o terceiro mundo, o segundo mundo, e mesmo os Estados Unidos, que pertencem ao primeiro mundo.(...) É preciso que esta mobilização seja multilateral, política, ideológica, econômica e militar”. Enver Hoxha denuncia o caráter aventureiro e provocador desta estratégia: “Pouco importa para Deng Xiaoping se as ações que propõe terão como consequência levar os povos e o proletariado de todos os países a um banho de sangue. Este fascista não tem interesse na luta de libertação dos povos contra o imperialismo e o social-imperialismo bem como contra a burguesia reacionária de seus países.”
Mas quando critica os desvios oportunistas do Partido Comunista Chinês, Enver Hoxha se perdeu em uma verborragia esquerdista não menos perigosa.
Desde o momento que Nixon fora recebido na China em 1971, Enver Hoxha levantou a hipótese de que a China havia se convertido em uma nova “superpotência”! Quando houve a eliminação do Bando dos Quatro, voltou a evocar esta ideia: “A mesma China tenderá a se converter em uma grande potência social-imperialista”! A via de Mao, Chou, Deng e Hua Kuo-Feng é a via capitalista, a via da reação e do social-imperialismo.”. Acusando a China de ser conivente com anticomunistas, Enver Hoxha se afundou em um delírio esquerdista que atende também ao discurso de certa extrema-direita: “A luta que levou a China contra o social-imperialismo soviético tem apenas um caráter de expansão territorial. A China tem a ambição de ocupar os territórios vizinhos do Norte, como da Sibéria, Mongólia, etc. Por outro lado, também quis, ainda que não rapiná-los, ao menos extender sua influência na Índia e em outros países do sudeste asiático, como Indonésia, Filipinas, os países do Extremo Oriente, Austrália, etc.” Estas são, letra por letra, as teses propagadas pela extrema-direita norte-americana.
O esquerdismo e o revisionismo abandonam a análise materialista e rigorosa das realidades em transformação e contraditórias entre si. Muitas vezes resultam de premissas idealistas, se centram cegamente em um aspecto das coisas e desenvolvem de forma unilateral. A partir de algumas constatações reais, porém parciais, extrapolam de forma idealista e arbitrária. Por causa de uma visita de Nixon e alguns gestos de reconciliação e compromisso com o Imperialismo americano por parte da China, Enver Hoxha evocou a hipótese de uma superpotência chinesa que está se encaminhando para o expansionismo, lutando pela hegemonia mundial. Não se pode basear uma política marxista-leninista com tais tolices. De fato, partindo das premissas de Enver Hoxha, se poderia perfeitamente considerar um futuro diametralmente oposto: o revisionismo na China restaurar o capitalismo, e a anarquia capitalista causar o colapso das autoridades centrais, e a China se dividir e se converter novamente em uma neocolônia de várias potências imperialistas.
A forma unilateral, arbitrária e extremista de analisar as divergências ideológicas e políticas se manifesta sobretudo na seguinte observação, que Enver Hoxha formula em 1976, quando prevê que a China se converterá em uma superpotência: “Já prevíamos esta situação desde muito tempo, em 1960(!), quando os dirigentes chineses fingiam nos defender contra os Khrushchevistas”. Da pior indecisão tática para a completa degeneração em uma superpotência expansionista: para Enver Hoxha, é impossível escapar desta sequência lógica…
É correto que Enver Hoxha alertou acerca do perigo de reconciliação da direção chinesa com algumas correntes revisionistas.
Em 1977, previu que após a reconciliação política com o revisionismo iugoslavo e romeno, a China se direcionará para a Polônia e Hungria. “Assim pensam unir esses países ou separá-los da União Soviética. Está aí uma velha política do Imperialismo americano e britânico sob o qual, Tito, sob a máscara do suposto socialismo científico, é a vanguarda com suas manobras políticas”. E Enver Hoxha denuncia o “socialismo específico com as cores do país” defendido por Tito, Togliatti e agora também pela China. “É a via da aliança com todos os demais partidos revisionistas do Ocidente ou de outros continentes”. Nisso, Enver Hoxha acertou.
Mas ao invés de fazer uma análise concreta das lutas políticas no seio do Partido Comunista Chinês–das tendências revisionistas que indiscutivelmente estão presentes, assim como a corrente marxista-leninista–, Enver Hoxha se perdeu novamente em exageros esquerdistas e afirmações arbitrárias. Não sobra muito espaço para a dialética quando se declara autoritariamente que todos estão podres e que vão lutar contra todos eles sem hesitação.
“Não devemos alimentar nenhuma esperança que os revisionistas chineses possam mudar, nem ter a mínima indecisão em nossa atitude para com eles”. Mas Enver Hoxha acredita que ainda tem mais material para demonstrar, em particular, que Mao tsé-Tung nunca foi um marxista! “Mao segue afirmando que ‘o campesinato é a força dirigente mais revolucionária, e que é sobre ela que a revolução deve se apoiar’. Para Mao, o papel do proletariado na revolução não vai além de um papel secundário, e porque não dizer, em terceiro lugar”. “Outra expressão desta linha antimarxista de Mao é a concepção segundo a qual ‘as cidades devem ser cercadas pelo campo’. Em outras palavras, é o campesinato pobre que deve guiar a revolução, porque ‘o proletariado das cidades havia perdido seu espírito revolucionário, se tornou conservador’”. O primeiro texto do primeiro volume de Mao, ‘Análise das classses da sociedade chinesa’, publicado em 1926, já permite refutar estas especulações de Enver Hoxha. Durante toda a revolução, o Partido Comunista Chinês empreendeu um intenso trabalho clandestino entre os operários. Muitos quadros operários, a ponto de serem descobertos pela polícia, foram transferidos para as zonas de guerrilha onde se reuniram com os quadros proletários que sempre formaram o quadro político do exército camponês.
Também é interessante constastar, novamente, que as “análises” esquerdistas e extremistas se distanciam da realidade e desconhecem a dialética. Por este motivo, podem facilmente se juntar às “análises” revisionistas. De fato, as inverdades flagrantes de Enver Hoxha que acabamos de mencionar, parecem ser retiradas das incontáveis obras que os brezhnevistas escreveram sobre o “maoismo”.
Enver Hoxha fez algumas críticas a respeito da forma com que o Partido Comunista Chinês leva a luta interna. Merecem uma reflexão. Em 1966 e 67, traçou os seguintes comentários sobre a luta contra os revisionistas durante a Revolução Cultural.
“Precisamos golpear os inimigos, não apenas com palavras e cartazes, mas também, se necessário, com uma bala na cabeça. O inimigo deve sentir profundamente, até a medula, os golpes da ditadura do proletariado”. “Caso se siga pela via oportunista da ‘educação e reeducação’, nos expomos a grandes perigos”. “Uma revolução que não golpeia os grandes traidores, não é uma revolução”. “Atualmente, enquanto se desenvolve a revolução para tirar o poder das mãos dos revisionistas, observamos manifestações de diletantismo, tolerância, indolência e liberalismo dos elementos antipartido. Observamos que se destaca a ausência da disciplina de ferro que deve existir no Partido na revolução”. “Se observa uma atitude oportunista, liberal-burguesa por partes destes elementos hostis, antipartido. Khrushchev elogiava os chineses por isso e Mikoyan qualificou de ‘boa atitude dos camaradas chineses’, e de ‘não ter nada em comum com a política que Stalin tomava com os quadros’. “Junto ao resto do grupo, Liu Shao-Shi abaixava novamente a cabeça, como o fez outras vezes e a levantava, da mesma forma que levantou outras vezes. Mas Mao já não estava lá para salvar a situação”.
Os acontecimentos destes últimos quinze anos deram toda a significação a estas observações. Deng Xiaoping e os demais membros do grupo de Liu Shao-shi fizeram sua autocrítica e prometeram que não voltariam a pôr em cheque as justas conclusões da Revolução Cultural. Mas uma vez no poder, permitiram que Hu Yaobang e Zhao Ziyang praticassem um revisionismo muito mais extremo do que o que Mao combateu em 1966. Está claro que o PCCh se encontra com grandes dificuldades para definir uma linha marxista-leninista coerente que respeite a ditadura do proletariado, a luta de classes sob o socialismo e a educação marxista-leninista. O partido não tem sido capaz de discernir a diferença entre crítica-educação de quadros que cometeram erros oportunistas e a depuração dos revisionistas recalcitrantes. E torna-se claro que os revisionistas melhoram suas táticas para esconder as suas intenções a fim de ocupar posições de liderança e recrutar elementos burgueses.
Porém, Enver Hoxha tira conclusões arbitrárias e exageradas de sua constatação dos erros oportunistas. Apenas desenvolve o conceito de “luta política, crítica, educação e reeducação dos quadros” e enfatiza de forma unilateral a depuração e repressão.
Em 1975, vários quadros do PTA, entre os quais estava Beqir Balluku, ministro de Defesa e membro do Politburo, foram executados. Enver Hoxha fala do “complô militar-econômico conduzido por Beqir Balluku, Petrit Dume, Hito Kato, Abdyl Këllezi, Koço Theobdhosi, Lipe Nashi, etc. O objetivo destes traidores era liquidar o partido e sua direção marxista-leninista, fazer da Albânia um país revisionista”. Eram “antigos agentes dos soviéticos, mas também se ligaram aos chineses”. De que crimes os acusava? “O plano estratégico hostil que Beqir Balluku estava preparando(ministro dA Defesa), foi elaborado por sugestão de Chou En-lai”. “Chou En-lai disse para Beqir Balluku: ‘Para vocês, não há outra estratégia senão a dos maquis”. Em outras palavras: ‘Fugir para as montanhas a partir do primeiro dia de ataque do inimigo.’ “Chou En-lai reiterou a Adil Carçani seu plano diabólico: ‘Se unam aos demais países dos Balcãs, independentemente de suas diferenças’. Que inimigo pseudo-marxista vil e desprezível!” Os crimes de Adil Carçani foram a “descentralização da economia, a orientação para a autogestão, a sabotagem de nossa indústria petrolífera, inchamento da burocracia”. “É muito possível que Abdyl Këllezi, sendo o homem dos iugoslavos, poderia ser ao mesmo tempo o homem dos chineses. Portanto(!) este complô parece ter sido muito extenso”. Em 1976, no momento da eliminação do Bando dos Quatro, Enver Hoxha formulou a bandeira da luta “contra o social-imperialismo chinês” e afirma que Chou En-lai havia atuado contra a Albânia por vários anos, sabotando sua economia mediante uma ajuda insuficiente e a demora do envio de máquinas. Logo assegura que “Beqir Belluku e Abdyl Këllezi eram seus cúmplices no complô tramado contra a Albânia para derrubar nossa direção”.
Para Enver Hoxha, toda divergência séria se converte em complô. Poucos esforços são realizados para resolver divergências–e inclusive divergências graves– mediante a discussão e a luta política. Os saldos destas lutas políticas não são usados para a educação e unificação política e ideológica dos quadros. Reina uma unidade aparente, mas não se baseia em um entendimento comum das contradições que se formam no transcurso da luta.
Inclusão | 12/03/2019 |