Contradições na Dialética e na Lógica Formal

Erwin Marquit

1981


Fonte: Revista Princípios nº 43 nov/96 jan/97 pag 58-68.

Tradução: Rosana Scligmann, foi publicado originalmente em Science & Society 45.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo.


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A contradição dialética não é uma contradição lógica. Ela apenas aparece como tendo a forma de uma contradição lógica

A categoria da contradição continua a ser objeto de muita discussão entre os materialistas dialéticos. Ao mesmo tempo, o papel central que a filosofia marxista-leninista designa a essa categoria é um dos principais alvos de crítica por parte dos adversários do materialismo dialético.

Uma área especifica de discussão (e crítica) diz respeito à relação entre as contradições dialéticas e as contradições na lógica formal. Alguns marxistas sustentam a ideia de que as contradições dialéticas objetivas aparecem como contradições lógicas em nossos pensamentos a respeito do mundo. Essas contradições lógicas são reflexões absolutas e adequadas da realidade objetiva ou são formas específicas de reflexão que resultam inevitavelmente dos limites intrínsecos dos poderes humanos de reflexão. Entretanto, outros sustentam que as contradições lógicas nunca são reflexões adequadas às contradições dialéticas objetivas. Enquanto essas são, talvez, as posições mais comumente encontradas, pode-se ainda encontrar uma série de outras opiniões na literatura.

Este artigo irá, portanto, discutir algumas características gerais sobre a categoria das contradições dialéticas, suas formas objetivas e subjetivas, assim como sua relação com a contradição na lógica formal. Será argumentado que as contradições lógicas devem ser o resultado de erros de lógica ou de inadequadas reflexões subjetivas das contradições objetivas. Daremos atenção particular às contradições dialéticas objetivas que são expressas na forma de contradições lógicas, mas que não são contradições lógicas no conteúdo. A nossa opinião será de que a análise de Narski sobre essas formas antinomiais de expressão das contradições dialéticas é a maior contribuição à resolução dos problemas lógicos que surgiram em conexão com elas.

Apesar da primeira parte da discussão parecer, por vezes, elementar, e de que resumos mais minuciosos a respeito das contradições dialéticas e das leis da dialética estejam disponíveis nos livros básicos sobre o materialismo dialético, o autor sentiu que seria útil apresentar aqui um resumo capaz de esclarecer a distinção entre dialética objetiva e subjetiva.

A categoria da contradição

Na dialética materialista, as categorias são os conceitos filosóficos mais básicos, e portanto não podem ser definidos separadamente de maneira fechada — do contrário, não seriam os conceitos mais básicos. O significado de uma categoria deve ser elaborado por meio da investigação de sua inter-relação com outras categorias e por meio das leis que a abrangem.

Na literatura da dialética marxista, o termo contradição é utilizado para denotar a interpenetração de opostos dialéticos em sua unidade, assim como os próprios opostos. Opostos dialéticos são caracterizados por meio de duas especificidades: eles estão reciprocamente condicionando e reciprocamente excluindo. Reciprocamente condicionando significa que a existência de um polo de um par de opostos está condicionada pela existência do outro polo do par. O conceito de uma carga positiva surge apenas porque ele produz o conceito oposto, carga negativa. Dois tipos diferentes de cargas elétricas foram necessários para justificar a força de atração entre cargas diferentes (ou outros efeitos que dependem da polaridade da carga). Dessa maneira, a fonte dos conceitos de condicionamento recíproco das cargas positivas e negativas é a existência objetiva de dois tipos de cargas tendo a relação dialética objetiva caracterizada pelo conceito, o que significa que a simples designação de símbolos polares como “+q” ou "—q” não expressa em si essa relação dialética. A designação deve ser acompanhada por alguma interrelação teórica como a lei de Coulomb ou por uma descrição teórica menos desenvolvida, como:

+ — = força de atração
+ + = — — = força de repulsão

Massas gravitacionais não são identificadas como positivas ou negativas porque todos os pares de massas conhecidos são associados a uma força de atração gravitacional. Isso não significa, obviamente, que massas gravitacionais não possuem interconexões dialéticas. A teoria geral da relatividade, por exemplo, expressa a relação dialética entre inércia e gravidade. Estamos, portanto, em contradição dialética, lidando com dois opostos interpenetrantes, cada um dos quais produz o outro. Essa impossibilidade de separação dos opostos é expressa no termo unidade dos opostos.

Para que duas características sejam opostas elas devem ter algo em comum e devem ser a causa uma da outra. Por exemplo, a carga positiva e a carga negativa são ambas cargas elétricas; os números + 1 e —1 são ambos inteiros; tanto o dia como a noite correspondem a orientações da superfície da Terra em relação ao Sol.

Podemos denominar essas características comuns dos opostos como identidade na diferença.

Um segundo traço dos opostos dialéticos é a sua exclusividade recíproca na relação de um ao outro. Assim como a unidade dos opostos representa condicionamento recíproco e identidade, a exclusividade recíproca de opostos representa a sua diferença como polos extremos ou opostos, como negativos um do outro.

Todos os opostos surgem dialeticamente em um processo de condicionamento recíproco e recíproca exclusão. De qualquer modo, isso não significa que os opostos sempre conservem uma relação constante de um para com o outro. Tendo uma vez surgido em algum sistema, os dois polos do par de opostos podem se tomar relativamente isolados um do outro, de maneira que a sua interpenetração não deva ter mais importância alguma. Um par de elétrons positivos e negativos produzidos em uma interação de partículas elementares pode se tomar, por exemplo, fisicamente bastante distante um do outro. A dialética ingênua, isto é, a simples enumeração de opostos sem uma investigação detalhada a respeito da interação entre eles não conduzirá a nenhuma compreensão dos processos que estão ocorrendo no sistema. Assim, a expressão opostos dialéticos é aplicada a opostos que permanecem ativamente interconectados e que constituem uma unidade dentro de um dado objeto ou fenômeno.

Estaremos discutindo brevemente as contradições dialéticas como sendo a mola propulsora para a mudança. Porém a própria mudança constitui, também, uma unidade de opostos. De modo mais geral, um sistema que atravessa uma mudança está se tornando algo que ele não era e está deixando de ser o que era. De um jeito ou de outro, uma mudança representa a transformação de um objeto ou sistema em seu oposto dialético; um processo chamado de negação dialética (apesar de esse termo ser também utilizado para se referir à relação entre quaisquer dois opostos dialéticos).

O conceito de negação dialética não pode ser aplicado mecanicamente. A necessidade de compreender como esses opostos se interpenetram pode ser ilustrada por meio do que se segue. Estudantes nos cursos de materialismo histórico, ao se tornarem conscientes da sucessão das principais formações socioeconômicas — comunismo primitivo, escravidão, feudalismo, capitalismo, comunismo — geralmente perguntam: “O que vem depois do comunismo?” Não existe resposta a essa pergunta sem uma compreensão do condicionamento recíproco dos opostos dialéticos e do processo de negação dialética. A categoria de formações socioeconômicas surge a partir da distinção entre as relações de cooperação e assistência mútua nas sociedades não exploradoras e as relações de subordinação e dominação que estão associadas à sociedades divididas em classes. Essas últimas são caracterizadas pela posse privada dos meios de produção. A posse social dos meios de produção é a negação dialética da posse privada dos meios de produção. Uma vez que o comunismo alcançado e o conflito entre posse privada e posse social dos meios de produção transformado em história, a categoria de formação socioeconômica adquire apenas uma significação histórica. Enquanto as formas de relações de cooperação e assistência mútua continuarem a se desenvolver, a questão da posse dos meios de produção não será mais relevante para a questão do desenvolvimento social. A formação comunista e as formações exploradoras cessam de se interpenetrar como opostos dialéticos, e não ocorrem mais negações dialéticas envolvendo esse tipo de contradição.

Contradições e as leis da dialética

O significado das contradições dialéticas como categoria filosófica é aprofundado ainda mais pela maneira como elas integram as leis da dialética. Para serem devida
mente compreendidas, as leis da dialética devem ser consideradas hierarquicamente conectadas, e não como leis separadas de permanência equivalente.

Lei zero. A lei da conexão universal(1)

Todas as coisas estão conectadas a todas as outras em uma infinidade de conexões. A lei da conexão universal é a base para o conceito dialético-materialista da unidade do mundo e da cognoscibilidade do mundo. Qualquer exceção da conexão universal significa a existência de algum segmento da realidade objetiva não conectado com mais nada e, portanto, não existindo nenhum fenômeno a ele associado. Tal aspecto seria até mais etéreo do que a kantiana impossibilidade de conhecimento da coisa em si. A lei da conexão universal é, ao mesmo tempo, uma afirmação dialética a respeito da relativa independência das coisas e dos processos(2), visto que o mesmo conceito de conexão das coisas e dos fenômenos sugere também sua separação relativa. Isso nos permite romper temporariamente com os vínculos de conexão para partirmos para uma análise detalhada de um sub-segmento do mundo. Tal investigação deve ainda indicar as consequências do rompimento desses vínculos, assim como as consequências de sua restauração. Aqui também reside, a qualquer momento, uma das fontes do papel aproximado do nosso conhecimento.

A lei da conexão universal dá origem a uma objeção metodológica fundamental para o conceito popperiano da falseabilidade como critério para uma teoria científica. Sob esse critério, uma teoria é dita como sendo falsificada quando ocorre uma contradição lógica entre o comportamento observado e aquele previsto pela teoria. Como ambos os lados de uma contradição lógica devem ser completamente simétricos, tal critério necessita, para sua aplicação, do isolamento completo e absoluto de qualquer sistema material adotado por tal teoria. A lei da conexão universal afirma que tal isolamento não pode nunca ser completo, mas deve ter sempre um caráter relativo. Por outro lado, o caráter relativo do isolamento não deve ser utilizado como argumento contra a utilidade de se buscar contradições lógicas entre a teoria e a observação. Devido à relatividade da independência, a suposição teórica da completa separação introduzirá um elemento de aproximação e qualquer conclusão teórica deverá levar em conta esse elemento de aproximação. Porém ocorre com frequência dificuldade para fixar o efeito desse elemento de aproximação, de modo que as contradições entre o comportamento previsto e o realizado servem para estimular o desenvolvimento posterior da teoria. Mais tarde retomaremos essa
questão.

Lei 1. A lei da transformação das mudanças quantitativas em mudanças qualitativas e vice-versa

Mudanças quantitativas que precedem mudanças qualitativas parecem ser o processo geral mais simples. Apesar da simplicidade aparente, a conexão dialética entre as mudanças quantitativas e qualitativas está sempre presente. Qual quer mudança quantitativa provém de uma mudança qualitativa, ao mesmo tempo, as mudanças quantitativas resultam em mudanças qualitativas. O crescimento quantitativo da temperatura da água em um vaso é um resultado da adição de energia térmica produzida através da transformação da substância de uma forma a outra (por exemplo, por meio da combustão química). Mudanças na temperatura da água podem sempre conduzir a algum efeito físico qualitativo (desencadeando um controle termostático, fervendo, etc.).

A relação entre quantidade e qualidade é aquela dos opostos relativos. Por exemplo, o número 2 estabelece uma identidade quantitativa entre os pares de objetos de qualidades diferentes. Refere-se a uma posição em sequência ordenada entre conjuntos de objetos de qualidades diferentes. Dessa maneira, a quantidade destrói a qualidade e ainda preserva um aspecto do objeto ou do conjunto de objetos. Por essa razão, Hegel caracterizou a quantidade como uma qualidade sublocada, isto é, qualidade negada. A lei da transformação de mudanças quantitativas em mudanças qualitativas expressa a transformação de um polo, a quantidade, em seu oposto dialético, a qualidade, e vice-versa. A transformação qualitativa domina a caracterização do processo, já que é a qualidade que, no fundo, distingue um dado sistema ou objeto de outros sistemas ou objetos. Ela é um produto das contradições dentro do objeto ou sistema e dos processos provenientes dessas contradições.

Lei 2. A lei da unidade e a luta dos opostos

A primeira lei revela o vínculo necessário entre os aspectos quantitativos e qualitativos em qualquer processo de mudança. A segunda lei revela o papel das contradições como a mola em qualquer processo. Em sua conexão dialética como uma unidade e luta de opostos, as contradições representam aspectos opostos e tendências que se afirmam e se negam reciprocamente. A unidade e a interpenetração dos opostos, enquanto constituintes da mola por trás da mudança são, também, a base para a estabilidade relativa de qualquer sistema material. Consequentemente, a análise de qualquer processo requer a investigação de um número de níveis de unidades e luta de opostos.

Apesar de um ou mais conjuntos de opostos serem responsáveis pela estabilidade relativa do sistema, não significa necessariamente que os opostos constituam um equilíbrio estático ou um equilíbrio de forças e tendências. O comportamento específico ou desenvolvimento posterior de um sistema pode ser decisivamente formado por mudanças nas intensidades relativas dos opostos, ou por meio da intensidade crescente de novas contradições desenvolvidas dentro do sistema. O crescimento da força das classes trabalhadoras na sociedade capitalista é um exemplo daquele, enquanto o crescimento das relações capitalistas de produção em uma sociedade feudal é um exemplo deste. A lei 1 pode ser vista como um caso particular da lei 2. Isso, porém, não elimina a necessidade de se ter a lei 1 como uma das leis fundamentais da dia lética materialista, já que a lei 1 forma a base para a operação da lei 2, enquanto, ao mesmo tempo, constitui uma expressão particular da lei 2. Considere, por exemplo, o problema da estabilidade de um sistema em relação à unidade dialética dos dois opostos dialéticos: forma e conteúdo. A física nuclear trata de um problema desse tipo quando considera o efeito da absorção de nêutrons lentos na estabilidade do núcleo. Em um modelo comumente usado, cada núcleo é considerado como sendo constituído de um certo número de prótons e de um certo número de nêutrons. Se um nêutron adicional é absorvido, o resultado dessa mudança quantitativa no número de nêutrons será um isótopo estável, um isótopo radiativo, ou será a quebra do núcleo via uma fissão nuclear. O que ocorrer vai depender do modo como a forma vai se ajustar ao conteúdo quantitativamente modificado.

Toda ciência deve ser capaz de compreender as consequências das mudanças quantitativas na operação da lei da unidade e na luta dos opostos. Não poderá haver compreensão científica a respeito da operação das leis da unidade e da luta dos opostos em qualquer tronco dado da ciência sem um estudo das consequências das mudanças quantitativas nessa unidade e nessa luta. Essa mesma ideia está refletida na ideia de Marx de que a ciência não é realmente desenvolvida até que tenha aprendido a fazer uso da matemática(3).

Lei 3. A lei da negação da negação

Essa lei expressa dois aspectos da mudança governada por leis. Isso proporciona um guia para as consequências da operação da lei 2 por meio da caracterização das mudanças resultantes da lei 2 como uma negação dialética, isso expressa, também, o processo interminável da mudança como sucessões de negações dialéticas e assim forma a base para o conceito dialético materialista de desenvolvimento progressivo.

A lei 3 afirma a universalidade do desenvolvimento e mostra como esse desenvolvimento procede.

Se (como o resultado das mudanças qualitativas) a dominância de um oposto polar é transferida para um outro, a mudança é claramente caracterizada como negação. A transferência para a dominância de um subsistema ou tendência em um sistema é sempre uma mudança qualitativa, que pode levar a um processo relativamente rápido ou do tipo avalanche, no qual são resolvidas outras contradições e novas contradições aparecem. Em determinados tipos de estrelas, por exemplo, o depauperamento do combustível termonuclear ao longo de alguns bilhões de anos dá origem à dominância de forças gravitacionais, como resultado das estrelas passarem por um rápido colapso gravitacional, no qual os processos ou estruturas que poderiam ocorrer no estado anterior podem agora se desenvolver e levar à formação de uma estrela de um tipo inteiramente novo. O crescimento numérico da classe trabalhadora na sociedade capitalista leva, eventualmente, à possibilidade da elasse trabalhadora adquirir a dominância na super- estrutura. Tal dominância se expressa por meio da transferência revolucionária do poder do Estado para essa classe e que, por sua vez, elimina a base econômica existente na sociedade por meio da abolição das relações capitalistas de produção, e, depois disso, a sociedade entra numa fase de desenvolvimento socialista. Tais saltos qualitativos representam processos nos quais ocorrem uma ou várias negações dialéticas, até que surge uma forma mais estável, própria para o novo conteúdo do sistema — isto é, para as novas contradições mais importantes que caracterizam o novo sistema.

Desse modo, podemos notar que a lei 3, a lei da negação da negação, é uma afirmação de uma interminável sucessão de mudanças governadas por leis, por meio do processo da negação dialética. A lei da negação da negação engloba tanto a lei 1 como a lei 2, enquanto, ao mesmo tempo, a lei 1 é uma expressão particular da lei 2.

A lei 2 representa o papel principal na dialética materialista. Isso indica a importância das contradições como fonte do movimento (usamos o termo movimento como uma categoria filosófica para qualquer mudança ou processo).

De acordo com a visão dialética o movimento é o produto da unidade e da luta dos opostos. O movimento é automovimento. Vyakkerev chama de contradição a “essência do automovimento” e sugere depois que “automovimento é uma contradição existente ou o modo de existência na contradição.”(4).

Contradições subjetivas e objetivas

As contradições surgem nas esferas da natureza, da sociedade e do pensamento. Em nossa discussão, até este ponto restringimos nossos exemplos a contradições objetivas na natureza e na sociedade, isto é, a contradições que existem independentemente da nossa consciência sobre elas. Nesta altura da discussão, é importante dirigir a atenção para o fato de que muitos dos exemplos aqui utilizados são exemplos tradicionais a respeito das contradições dialéticas citados nos clássicos do marxismo-leninismo. Estes e outros exemplos foram selecionados de áreas que não têm sido associadas a controvérsias sobre o relacionamento entre dialética e lógica formal. Isso não sugere, porém, que a discussão das páginas anteriores se aplique apenas às esferas da natureza e da sociedade, e não à do pensamento, mas que existem vastas áreas das esferas da natureza c da sociedade nas quais as contradições dialéticas têm sido analisadas sem ser levantada a questão das contradições lógicas. A relação entre trabalho assalariado e capital, por exemplo, é um exemplo clássico de uma unidade dialética e da luta dos opostos. Isso nos levaria a considerar a contradição entre trabalho assalariado e capital como uma contradição lógico-formal.

Salvo poucas exceções, os exemplos de contradições dialéticas usados para investigar a relação entre dialética e lógica formal são retirados das discussões de Hegel, Engels e Lênin (especialmente em conexão com o paradoxo da flecha de Zenão) sobre o movimento, e de algumas afirmações de Marx dadas em forma antinomial, como: o capital “deve ter sua origem tanto na circulação como na não-circulação”(5). As discussões controvertidas sobre esses exemplos envolvem, invariavelmente, a questão das contradições na esfera do pensamento, especialmente, mas não apenas, no processo de cognição, onde as contradições lógicas geralmente surgem em conexão com a reflexão subjetiva da realidade objetiva. No mundo da natureza, as contradições são claramente contradições objetivas. No mundo social temos que lidar não apenas com relações sociais objetivas e materiais, mas também com as consequências da consciência social, de maneira bastante diversa da do mundo da natureza. Portanto, vamos discutir brevemente a questão das contradições subjetivas e objetivas na esfera social, antes de focarmos nossa atenção na esfera do pensamento.

No mundo social, as contradições que residem na base do processo de desenvolvimento social são contradições materiais objetivas, visto que as leis do desenvolvimento social são igualmente independentes da nossa consciência sobre elas. Isso não significa que algumas contradições objetivas não possuam sua fonte em contradições subjetivas, mas sim que a fonte máxima dessas contradições subjetivas reside nas contradições materiais que existem na fase específica do desenvolvimento social. Por exemplo, as políticas colaboracionistas de classe exercidas pelos líderes social-democratas dos sindicatos nos países capitalistas são deliberadamente alimentadas pela burguesia e refletem os interesses objetivos da mesma. Esses interesses objetivos estão diretamente ligados às contradições objetivas entre a burguesia e a classe trabalhadora, contradições que existem independentemente da consciência humana. A contradição entre a ideologia burguesa e a ideologia da classe trabalhadora nos sindicatos é, assim, uma reflexão subjetiva da contradição material básica da sociedade capitalista. Uma contradição subjetiva dessa espécie pode ser objetivada em formas materiais na superestrutura, por exemplo, por meio da criação de instituições materiais como sindicatos ou partidos da elasse trabalhadora sob liderança da direita. Tais instituições materiais dão origem a contradições objetivas, com as instituições servindo aos interesses reais da classe trabalhadora (por exemplo, os Partidos Comunistas). Todavia, a fonte delas está nas contradições subjetivas surgidas das contradições objetivas da sociedade capitalista.

A distinção entre as contradições objetivas e as subjetivas deve permanecer clara, pois geralmente surge uma certa confusão sobre o significado de subjetivo e objetivo no domínio do pensamento. Nossas ideias a respeito do mundo são reflexões subjetivas sobre o mundo objetivo.

“No pensamento abstrato, o subjetivo é simplesmente o oposto do objetivo; para o pensamento historicamente e concretamente orientado, porém, o subjetivo e o objetivo formam uma unidade dialética.... O conhecimento adquirido por meio do humano historicamente concreto é sempre uma unidade de momentos subjetivos e objetivos.”(6)

Eles são objetivos na medida em que representam uma reprodução adequada do mundo objetivo e são subjetivos na medida em que contem elementos de idealização, aproximação e distorção da realidade objetiva. A expressão contradições subjetivas se refere a contradições originárias desses momentos subjetivos na reflexão da realidade objetiva.

O assunto que estaremos tratando a seguir é o das contradições lógicas, que são contradições subjetivas no pensamento e, assim sendo, não podem ser reflexões objetivas das contradições objetivas na realidade objetiva.

Lógica formal e realidade objetiva

Nosso interesse nas contradições no pensamento surge do papel que tais contradições representam na aquisição do conhecimento sobre o mundo objetivo, e as consequências desse conhecimento para as esferas objetivas e subjetivas da atividade humana.

Para nossa proposta, será suficiente limitar a discussão sobre as contradições na lógica formal e na lógica de dois valores. O método de lidar com essas contradições na lógica dos dois valores ajusta-se às leis da lógica clássica: uma coisa não pode ser o contrário de si própria (lei da não-contradição) e uma coisa não pode ser ao mesmo tempo e na mesma consideração ela própria e o seu contrário (lei do terceiro excluído).

Essas teses da lógica clássica, juntamente com a lei da identidade (uma coisa é idêntica a si mesma) e alguns outros princípios, formam a base do pensamento dedutivo. À medida que um objeto pode ser considerado inalterável, isto é, à medida que se pode dizer que um objeto tem um estado bem definido, a lógica clássica afirma que qualquer descrição do objeto ou qualquer conclusão deduzida a respeito do objeto não pode violar tais leis.

Porém nenhum objeto material ou sistema de objetos é absolutamente inalterável. Para descrever objetos (nós incluiremos um sistema de objetos dentro desse conceito) que, na realidade, estão sempre passando por alguma mudança, geralmente fazemos uso de dois tipos de reduções para se ter uma ideia aproximada dos objetos enquanto eles estão se modificando.

Uma tal redução e para ver o objeto como um todo, seja em movimento, seja quando esteja passando por alguma mudança cm relação aos outros objetos à sua volta. Dessa maneira, o objeto é simplesmente sobreposto ao seu meio ambiente sem interagir nele ou influenciá-lo de alguma forma. Podemos comparar isso ao modo como uma personagem é mostrada em um desenho animado, ao mover- se em um pano de fundo inalterado. Essa maneira de se mover destrói essencialmente a unidade de um objeto com o seu meio ambiente, na medida em que o coloca artificialmente fora do seu meio ambiente e mantém o último inalterado.

Um segundo tipo de redução é considerar o objeto como sendo composto de um certo número de partes, algumas das quais atravessam mudanças em relação a alguma ou a todas as outras. Essa redução em vigor vê o movimento ou a mudança como uma sucessão de estados de repouso. Isso é atingido por meio da destruição da unidade de um objeto consigo mesmo, por meio da redução do objeto à soma de suas parles, isto é, por meio da identificação do objeto com tal soma, em vez de tê- lo como um todo integrado.

Qualquer descrição material do estado de um sistema como uma função do tempo representa implicitamente um desses tipos de redução. Tais reduções são, logicamente. necessárias para qualquer tratamento matemático dos sistemas em movimento e levam a resultados frutíferos em nossa aquisição do conhecimento. É um erro, todavia, absolutizar essa redução e tirar seus resultados como uma representação totalmente exata do sistema, em vez de reconhecer seus resultados como um estágio na aquisição do conhecimento do sistema objetivo.

“O que cria a dificuldade é sempre o pensamento avulso”, escreveu Hegel, “visto que ele põe de lado os momentos de um objeto, os quais estão realmente unidos em sua separação”(7).

Ou, como disse Lênin:

“Não podemos imaginar, expressar, medir e representar o movimento, sem interromper a continuidade, sem simplificar, vulgarizar, desmembrar, estrangular aquilo que está vivendo”(8).

No mecanismo clássico, uma partícula movente é vista como tendo uma posição unicamente definida a cada instante. Assim, no caso unidimensional, por exemplo, expressa-se o valor da posição coordenada x em termos de alguma função do tempo ƒ(t): x = ƒ(t)

Agora, sabemos, que a representação do movimento de uma partícula em termos de uma trajetória se constitui em uma reflexão adequada da realidade apenas quando os efeitos mecânico-quânticos podem ser negligenciados, e que essa representação, no domínio atômico, tem de ser abandonada pela maioria das análises.

Isso não significa que a lógica formal não se aplique mais à mecânica quântica do microcosmo. Na mecânica quântica, o movimento das micro- partículas ainda é descrito cm função de uma sucessão de estados de repouso.

Esses estados de repouso não são, todavia, tidos como valores únicos das coordenadas de posição. Mas, sim, como funções de estados unicamente determinadas, que possuem valores bem definidos, porém geralmente distintos, para cada coordenada x a qualquer instante do tempo. Se, portanto, obtivermos, cm duas derivações diferentes, duas funções diferentes de estado não triviais para uma situação física que é exatamente a mesma em todos os casos, concluiremos que foi feito um erro lógico não permissível em pelo menos uma das derivações.

Exemplos geralmente citados nos clássicos da literatura dialética — do que, à primeira vista, aparece como sendo uma contradição lógica — são os comentários de Hegel e, seguindo ele, Engels no paradoxo de Zenão, da flecha que, ao efeito do arco em movimento, está e não está, ao mesmo tempo, no mesmo lugar. Como se sugeriu acima, e é discutido cm detalhes em outro lugar(9), a representação do movimento de um objeto em função de uma sucessão de posições espaciais deve ser considerada como uma aproximação. Como uma consequência, qualquer discussão da violação da lei do terceiro excluído é obscurecida por essa questão da aproximação.

Todavia, a afirmação de Hegel (e consequentemente também a de Engels) pode ser mais comumente expressa na forma: Um objeto mutável, ao mesmo tempo, existe em um estado dado e não no estado dado. Estamos tratando aqui não exatamente com uma contradição lógica. Geralmente ocorre que o aspecto dialético do mundo objetivo e os processos que ocorrem nele são enfaticamente descritos em afirmações que parecem tomar a forma de contradições lógicas. A natureza dessas oposições lógicas tem sido convincentemente analisada em detalhes por Narski(10). Em seu estudo detalhado sobre a natureza da produção capitalista, Marx expressava, com frequência, as contradições dialéticas objetivas de forma antinomial. Como Narski apontou, as maiores contribuições teóricas de Marx não foram apenas por meio do seu uso de antinomias, mas pela demonstração de como cias seriam resolvidas.

Enquanto tais antinomias na realidade tomam a forma de contradições lógicas, elas não deveriam ser consideradas como sendo contradições lógicas, como contradições que ocorrem em teorias logicamente inconsistentes no caso de um conflito entre um comportamento teoricamente projetado e um comportamento realizado.

Nesses casos, uma correção da teoria elimina a contradição. No caso da antinomia uma investigação profunda nos leva a uma compreensão mais rica a respeito das contradições dialéticas que dão origem à antinomia, mas as afirmações lógicas aparentemente contraditórias permanecem válidas. Isso tem relação com o fato de a contradição (antinomia) não ser realmente uma contradição lógica, mas apenas aparecer como tendo a forma de uma contradição lógica. Os atributos contraditórios não são contraditórios ao mesmo respeito ou não ocorrem simultaneamente. Em sua formulação. as antinomias não expõem explicitamente a falta de preenchimento das condições para uma contradição lógica.

O caráter antinomial da afirmação de que um objeto mutável existe, ao mesmo tempo, em um estado dado e em um estado não dado pode ser ilustrado considerando-se um núcleo radiativo. Fenomenologicamente, isso parece estar em um estado, e depois da deterioração se encontrará em algum outro estado. O núcleo radiativo está em sua essência em um processo de transição. As duas formas fenomenais podem ser unidas apenas ao se tomar a essência como algo fundamental, isto é, ao considerar a mutação como uma característica principal do seu estado essencial. Uma contradição lógica não surge. Isso é o que reside no coração da afirmação de Hegel de que a dificuldade está em pensamentos avulsos que separam momentos que na realidade estão unidos. E uma pena que esse aspecto do trabalho de Hegel esteja obscurecido pela sua crítica unilateral da lógica formal, como Narski tão claramente demonstrou.

A chave para a compreensão dos opostos é o exame do seu conteúdo dialético. No exemplo acima, a solução da antinomia não reside no abandono do conceito de estado do núcleo, mas na compreensão do seu conteúdo dialético. Uma vez que estamos conscientes de estar lidando com dois níveis diferentes do conceito de estado — um nível em que se proporciona uma descrição adequada de certas propriedades do núcleo, como o número de prótons, o número de nêutrons e a massa, e o nível em que não ocorre um único estado(11) toma-se claro que a descrição antinomial da deterioração do núcleo é uma contribuição ao nosso conhecimento sem ser uma contradição lógica.

No seu livro Lógica dialética, E. V. llyenkov utilizou uma série de antinomias retiradas dos estudos econômicos de Marx, visando sustentar a ideia de que as contradições lógicas no pensamento podem ser reflexões de tais contradições na realidade objetiva. Dessa forma, utilizando as análises de Marx sobre o valor de uso e o valor de troca de uma mercadoria, Ilyenkov, na verdade, assume o ponto de vista de que a essência e o fenômeno são exemplos de duas contradições reciprocamente exclusivas, que existem simultaneamente sob o mesmo ângulo(12). Seu argumento se desenvolve como segue: a essência e o fenômeno são opostos reciprocamente exclusivos. A essência é intrínseca ao objeto. Os fenômenos associados ao objeto são reflexões externas da sua essência e, portanto, existem sob o mesmo ângulo, na medida que eles se referem à essência do mesmo objeto. Por isso, a essência e o fenômeno são opostos reciprocamente exclusivos que existem simultaneamente sob o mesmo ângulo.

Para lidar com esse conceito, devemos examinar o que se quer expressar por meio da expressão sob o mesmo ângulo.

Ao discutir as contradições dialéticas, Stiehler observa que ambos os polos de uma contradição dialética têm suas raízes nas condições concretas da existência dos dois opostos e, portanto, as contradições dialéticas representam uma relação de três termos(13).O que Stiehler quer dizer com isso pode ser prontamente ilustrado por um exemplo de Marx:

“Assim como o capital pressupõe o trabalho assalariado, o trabalho assalariado pressupõe o capital. Eles se condicionam reciprocamente um ao outro; eles ocasionam reciprocamente um ao outro”(14).

O terceiro termo representa, obviamente, as forças de produção, visto que o trabalho assalariado e o capital, os dois lados das relações de produção, referem-se ao modo como as forças de produção são postas em movimento. No caso da essência e do fenômeno, vamos fixar nossa atenção na consideração de algum objeto material. O terceiro termo seria o objeto em seu meio ambiente. Pode-se dizer que um objeto possui uma essência apenas no caso de possuir alguma estabilidade relativa ao seu meio ambiente, ou seja, relativa às mudanças do seu meio ambiente. O aparecimento do objeto é o resultado da interação do objeto com o seu meio ambiente. Modificações no meio ambiente originam mudanças no fenômeno, originadas da sua interação. Por isso, a superfície de um objeto pode parecer vermelha na luz vermelha, e preta na luz violeta. E por meio de uma investigação do fenômeno que somos conduzidos ao conhecimento da essência. A série de fenômenos que devem ser investigados para se determinar a essência de qualquer nível particular de reflexão adequada é determinada pela essência. Nesse sentido, devemos afirmar que a essência e primária ao fenômeno, e que o fenômeno constitui uma reflexão da essência, e não o contrário. A essência é, assim, associada ao lado estável de um objeto frente a possíveis modificações do meio ambiente, enquanto que os fenômenos são associados à essência específica, à natureza potencialmente variável das interações entre o objeto e o meio ambiente. Se considerarmos o sistema como algo constituído de um objeto (dentro) e do meio ambiente (fora), podemos, então, considerar, com base nesse sistema, que o fenômeno conduz do meio ambiente para dentro da essência do objeto, enquanto a essência, condicionada pelo meio ambiente, conduz para fora do fenômeno. Essas direções (ou “respeitos”) têm uma existência objetiva e encontram sua reflexão no processo de cognição por meio do movimento correspondente do pensamento: da essência ao fenômeno e do fenômeno à essência. Nem na realidade objetiva, nem no pensamento, as duas categorias dialeticamente opostas, essência e fenômeno, constituem uma contradição lógico-formal.

O fato das contradições lógicas não aparecerem dentro de um objeto e das contradições dialéticas serem essenciais à existência do objeto pode dar origem à ideia de que as contradições lógicas são contradições mediadas pelo objeto, sendo, portanto, contradições indiretas, enquanto que as contradições dialéticas não possuem intermediários — são contradições diretas.

Como já observamos anteriormente, Stiehler apontou que as contradições dialéticas envolvem um relação de três termos. Todavia, uma contradição lógica também envolve uma relação de três termos, apesar disso poder ser obscurecido pelo erro de olhar a lei da identidade de uma maneira dialética. Consideremos uma contradição lógica expressa na forma de uma conjunção de A e não-A. O predicado A, porém, necessita de um portador, isto é, algo que seja caracterizado por A. A lei da identidade simplesmente identifica esta “coisa” também como A (A é A), considerando que essa identidade, se não é para ser tautológica, deve indicar a identidade na diferença. Assim, a afirmação uma rosa é vermelha também implica que existem coisas que são vermelhas e que não são rosas, e que chamar alguma coisa de uma rosa não significa automaticamente que todas as coisas vermelhas sejam rosas. Podemos, dessa forma, concluir que as contradições lógicas e as contradições dialéticas não devem ser encontradas na ausência de um terceiro termo.

Na esfera do pensamento, as contradições lógicas são frequentemente encontradas em certos níveis do processo de cognição. Elas podem resultar de erros lógicos não detectados previamente no desenvolvimento da teoria ou da natureza basicamente aproximada das representações teóricas da realidade objetiva onde o grau de precisão necessário não é mais adequado para o aspecto da realidade objetiva que está refletido na teoria. No caso do primeiro, o erro lógico é claramente uma contradição subjetiva. Sua eliminação se dá completamente dentro do domínio do pensamento. De maneira similar, as contradições lógicas que surgem quando as propriedades projetadas ou o comportamento previsto na base de uma dada representação teórica da realidade objetiva não concordam com as propriedades observadas ou com o comportamento de um sistema material são também contradições subjetivas, visto que a aquisição do conhecimento nunca começa a partir de um vácuo — ela e sempre construída baseada em algum conhecimento prévio. Mesmo a mais simples observação empírica necessita que os dados observados sejam colocados dentro de algum sistema de classificação que já existe previamente, e que represente, ele próprio, um nível definido de compreensão teórica.

Porém em nível nenhum o conhecimento é completo, ou seja, nosso conhecimento teórico do objeto nunca é capaz de reproduzir completamente esse objeto em cada detalhe. Assim, o conhecimento possui sempre um caráter aproximativo. Investigações posteriores sobre o objeto irão, mais cedo ou mais tarde, revelar esse caráter aproximativo, por meio da revelação da falta de concordância entre as projeções teóricas do comportamento de algum sistema abrangendo o objeto e o comportamento efetivamente observado. Essa falta de concordância pode ser formulada como uma contradição lógica: a teoria descreve o sistema como estando no estado A, ao passo que a observação demonstra que o sistema está no estado não-A. O caráter subjetivo dessa contradição é de terminado pelo fato de que ela surge no processo de cognição da realidade, e não da própria realidade. Isto é resolvido não por meio da modificação do objeto de cognição, mas por meio da modificação do processo cognitivo dentro do domínio do pensamento. Tais contradições subjetivas são, entretanto, as contradições dialéticas no processo cognitivo, pois contribuem de maneira essencial para o desenvolvimento do nosso conhecimento. As contradições desse tipo têm sido examinadas bastante detalhadamente, por exemplo, por Gorskiy(15).

Conclusão

Embora a lógica formal não possa por si própria fornecer uma reflexão teórica suficiente a respeito da realidade, ela tem sido um instrumento fundamental no desenvolvimento da nossa compreensão teórica do mundo. Como foi apontado por Lênin, foi a longa experiência da atividade humana que conduziu a que as figuras lógicas fossem fixadas em nossas mentes como axiomas(16). Em vão procurar-se-iam exemplos das contradições lógicas no mundo material. Os opostos dialéticos não aparecem, nos sistemas materiais, como contrários, no sentido de contradições lógico-formais. Assim sendo, se as descrições teóricas de tais sistemas não são reflexões adequadas a respeito desses opostos, elas não irão adquirir o conteúdo das contradições lógicas no pensamento.


Notas de rodapé:

(1) Na literatura da filosofia marxista-leninista é comum identificar as leis 1. 2. e 3 como leis da dialética. Para não atrapalhar essa tradição (e utilizando uma prática introduzida em conexão com a ordenação das leis da termodinâmica), designei a lei universal da inter-relação como a lei zero. Recapitulando a caracterização de Engels a respeito da dialética como "a ciência da inter-relação universal" (Dialectics of nature, Moscou. 1972. p.17). deve-se argumentar que a própria ciência não pode ser uma lei da ciência. Visto que na filosofia marxista-leninista, a dialética (e também seguindo Engels) é geralmente definida como a ciência das leis gerais do movimento e desenvolvimento da natureza, da sociedade humana e do pensamento (,Fundamentais of marxist-leninist philosophy. Moscou. 1974, p. 126), o princípio da inter-relação universal realmente assume as características de uma lei. (retornar ao texto)

(2) Sou agradecido a I. S. Narski por dirigir minha atenção para essa conexão. (retornar ao texto)

(3) Segundo Paul Lafargue e Wilhelm Liebknecht, Souvenirs sur Marx. Paris, 1935, p. 9. (retornar ao texto)

(4) Fedor F. Vyakkerev, p. 87. (retornar ao texto)

(5) Karl Marx. O capital, Moscou, 1956, vol. I. p. 153. (retornar ao texto)

(6) ''Subjektiv''. Philosophie und naturv/issenschaftenWõrterbuch, ed. Herbert Hõrz et ai, Berlim. 1978. (retornar ao texto)

(7) Citado por Lênin em Philosophical notebooks, vol. 38 de Collected works. Moscou. 1972. p. 258. (retornar ao texto)

(8) Ibid., pp. 258-60. (retornar ao texto)

(9) Erwin Marquit, "Dialectics of motion in discrete and continuous spaces. Science & Society. 42, (inverno 1978-79). pp. 410-25; e também E. Marquit. "Kvorprosu o filosofskikh aspeltakh sootnosheniya prostranstva i vremeni v klassicheskoy mekhanik", Filosofskie nauki n. 2 (I980). pp. 118- 129. (retornar ao texto)

(10) Igor S. Narski, Problema protivorechiya v dialektischeskoy logike. Moscou. 1968; ver também nesse volume p. 45. (retornar ao texto)

(11) Um núcleo radiativo não possui, na realidade, uma massa unicamente definida, mas uma expansão dessa massa determinada pelo princípio da incerteza de Heisenberg. Dessa forma, a energia do estado não é definida de maneira única. (retornar ao texto)

(12) E. V. Ilyenkov. Dialekticheskaya logika. Moscou. 1977, pp. 334-35. (retornar ao texto)

(13) Gottfried Stiehler, Der cfialektische widerspruch, 2. ed.. Berlim. 1976. p. 13. (retornar ao texto)

(14) Karl Marx, Wage-labour and capital. Moscou, 1978, p. 31. (retornar ao texto)

(15) D. P Gorskiy. "Dialektika otozhdestveleniya netozhestvennogo v protsesse poznaniya". em E. K. Voyshvilo era/.. Dialektika nauchnogo poznaniya. Moscou. 1978, pp. 105-133. (retornar ao texto)

(16) Lênin. Philosophical notebooks, p. 190. (retornar ao texto)

Inclusão 04/11/2019