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Primeira Edição: Publicado em Mundial, Lima, 29 de maio de 1925
Fonte: Nova Cultura - https://www.novacultura.info/post/2018/08/17/o-novo-espirito-e-a-escola
Tradução: F. Fernandes
Transcrição: Igor Dias
HTML: Fernando Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
Um dos fatos que comprovam de maneira mais confiável a lenta, porém segura elaboração de uma nova consciência nacional, como acredito já ter enfatizado mais de uma vez, é o movimento de renovação que se afirma cada vez mais entre os professores. O professor peruano quer ocupar seu lugar no trabalho de reconstrução social. Não se conforma com a sobrevivência de uma realidade ultrapassada. Propõe-se contribuir com seu esforço para a criação de uma nova realidade.
Este movimento é apresentado, em parte, como um eco dos movimentos análogos da Europa e da América. Alimenta-se de uma ideologia amplamente internacional. É inspirado nos princípios de Dewey, Kerschensteiner, Lunatcharsky, Ingenieros, Unamuno, etc. Mas recebe seu impulso de nosso próprio processo histórico.
O jovem professor mostra, em geral, um desejo vivo de reforma que, em vez de uma afiliação ideológica moderna, depende de uma reação espontânea contra as deformidades e as antiguidades que persistem no ensino no Peru. Sua atitude não representa, como supõem alguns observadores superficiais, a consequência fácil de um simples ato de adesão intelectual às ideias de vanguarda. O fenômeno é melhor explicado inversamente. O desejo de mudança radical decorre diretamente da necessidade dessa mudança. Você começa sentindo o problema e termina adotando a doutrina que garante a melhor solução.
Precisamente, o que ainda falta no Peru à corporação dos professores primários é uma orientação ideológica definida: há núcleos bem orientados e doutrinados; mas esses núcleos ainda não representam a consciência da corporação. Por outro lado, o desejo de novos métodos, o desejo de novos caminhos são categóricos, embora difusamente sentidos por quase todos os jovens professores. Na mesma velha guarda, espíritos sensíveis a essa sede de renovação não são incomuns. O trabalho ou processo que tem que ser realizado gradualmente é o de transformar esse estado mental em um estado de consciência.
O novo espírito dos professores começa a se expressar mais claramente. Três professores inteligentes, estudiosos e dinâmicos da Escola Normal - Carlos Velásquez, Amador Merino Reyna e César Oré - fundaram uma revista três meses atrás – a Revista Peruana de Educação – que em seus três números iniciais credita seu direito e sua aptidão à constituição do órgão central do movimento renovador. Esses três mestres não estão sozinhos. Eles são apoiados pela simpatia e solidariedade dos melhores elementos de sua corporação.
Saudando a primeira edição da revista, um professor de Trujillo, C.J. Galarreta, depois de constatar que “é urgente levantar o problema da educação dentro de um ambiente ético e idealista”, define a missão do órgão criado por seus companheiros da Escola Normal de Lima: “Precisamos de uma revista que vá além do quadro negro e da sala de aula, que seja projetada para a sociedade, para o meio ambiente, que sugira, que modifique, que discipline energias, que voe sobre as injustiças, sobre as rotinas e sobre os nivelamentos”.
Tudo isso não é apenas uma promessa, mas uma realização desta revista que, embora não tenha merecido da imprensa diária os comentários habitualmente concedidos a qualquer charlatanismo e a qualquer palhaçada, significa uma das manifestações recentes mais válidas da cultura peruana. Merino Reyna, expondo o objeto da revista, pronunciou esta frase que revela o valor e a honestidade do grupo que a publica: “Colocaremos nessas colunas, junto com nossas convicções, a responsabilidade de nossas assinaturas”. Tem sido essa a linguagem das revistas de alma burocrática e servil que a precederam no tempo, sem precedê-la absolutamente no espírito, à Revista Peruana de Educação?
Nas instituições de ensino peruanas tem subsistido há muito tempo o mesmo que no artesanato, o espírito que condensa e representa as velhas “sociedades de auxílio mútuo”, com seus grandes elencos de presidentes e sócios honorários, com seus ritos, seus diplomas, suas medalhas e seus uniformes.
E não é a Revista Peruana de Educação o primeiro nem o único representante do novo espírito dos professores. Um grupo de professores de Arequipa fundou recentemente outra revista: Idearium Pedagógico. Esta revista não pôde ser desenvolvida materialmente. Atualmente, Idearium Pedagógico é apenas uma pequena folha modesta. Mas essa pequena folha modesta vale, como voz da época, mais do que um volume pedante e publicações tão acéfalas que, sem qualquer título intelectual ou moral, costumam chamar a atenção do público.
Jauja é outro centro de interessante inquietude. Duas revistas pedagógicas são publicadas nesta província: a Revista de Educação e A Revista do Professor. Ambas recomendam a inteligência e o entusiasmo dos professores jaujinos. Carlos Velásquez, julgando a primeira, observa que seu diretor soube dar-lhe “o caráter que hoje é mais necessário no Peru: o doutrinário, que traz consigo o brilho dos ideais, novos propósitos, nobres explosões, vozes de encorajamento e estímulo necessário para obter uma grande parte de nossos professores fora uma conformidade perigosa”.
A Revista Peruana de Educação defende a reunião de um congresso nacional de educadores. “Acreditamos ser indispensável – declara – a celebração de um Congresso Nacional de Educação, Pedagogia ou de Professores, como quiser chamar, para indicar os ideais que deve perseguir a Escola Primária, para que haja unidade de ação no ensino e para que o resultado destes esforços seja uma educação em harmonia com as tendências do tempo e do progresso da Pátria”.
Este congresso não produzirá, nem deve produzir, um programa definitivo, mas inaugurará uma nova etapa em nossa vida educacional. Desde sua tribuna os professores de vanguarda dirão a todas as instituições de ensino sobre a boa doutrina. E formulará os princípios de uma revolução de ensino.
Seria prematuro dizer que os professores peruanos em geral estão realmente interessados em um debate de ideias. A maioria ainda é composta de indiferentes e conformistas. Mas a mera existência de uma minoria volitiva, que quer e exige uma renovação, anuncia o despertar de todo o corpo de professores.
Ninguém que esteja ciente da história da pedagogia moderna pode se surpreender com o fato de que esse movimento recruta seus adeptos, quase que exclusivamente, entre os professores do ensino primário. Todas as ideias que estão transformando o ensino no mundo surgiram no fértil campo de experimentação e criação da escola primária. As escolas normais constituem, em toda parte, o lar natural da nova ideologia pedagógica. As do Peru não precisam ser uma exceção.
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