Problemas Estratégicos da Guerra Revolucionária na China

Mao Tsetung


Capítulo I — Secção 3. A Estratégia Estuda as Leis da Guerra Considerada como um Todo


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Sempre que há uma guerra, há guerra como um todo. Uma guerra como um todo pode abarcar tanto o mundo inteiro como um país inteiro, ou ainda uma região de guerrilhas independente ou uma ampla frente operacional independente. A guerra como um todo exige a consideração de todos os seus aspectos e de todas as suas fases.

Estudar as leis de condução da guerra como um todo é tarefa da estratégia. Estudar as leis de condução das acções militares como parte duma guerra é tarefa da ciência das campanhas ou da táctica.

Por que razão se torna necessário que o comandante duma campanha ou acções tácticas conheça, em certa medida, as leis da estratégia? Porque a compreensão do todo permite agir melhor na parte, porque a parte está subordinada ao todo. A ideia segundo a qual uma vitória estratégica é determinada por sucessos tácticos é errada, pois ela desconhece o facto de que o resultado da guerra depende, primeiro e antes de tudo, da maneira como se tem em conta a situação global e todas as fases dessa guerra. Se se cometem erros ou faltas graves nesse domínio, a guerra perde-se inevitavelmente. Quando se diz: "Uma jogada imprudente pode fazer perder toda a partida", trata-se duma jogada que, pelo seu carácter, se relaciona com o todo e é duma importância decisiva para esse todo, e não duma jogada que apenas tem um carácter parcial, sem importância decisiva para o todo. O que é verdade para o xadrez é-o igualmente para a guerra.

Mas o todo não pode existir independentemente, isolado das suas partes; o todo compõe-se de todas as suas partes. Às vezes, a destruição ou derrota duma parte pode não ter consequências sérias para o todo, na medida em que essa parte não tem uma importância decisiva. Se acontece que certas derrotas ou insucessos, nas acções tácticas ou nas campanhas, não implicam deterioração do conjunto da situação militar, é porque essas derrotas não são de importância decisiva. Todavia, o fracasso da maior parte das campanhas que constituem a situação militar no seu conjunto, ou o fracasso de uma ou duas campanhas decisivas, muda imediatamente toda a situação. Aqui, a "maior parte das campanhas" ou "uma ou duas campanhas" é de importância decisiva. Na história das guerras, aconteceu algumas vezes que, após toda uma série de vitórias, uma única derrota reduziu a nada os sucessos anteriores; e, igualmente, uma só vitória, após toda uma série de derrotas, modificou completamente a situação. Isso significa que essa "série de vitórias", ou essa "série de derrotas", tinha apenas um carácter parcial, não desempenhando qualquer papel decisivo no conjunto da situação, enquanto que essa "única derrota", ou essa "só vitória", constituía um factor decisivo. Tudo isto mostra quão importante é ter em conta a situação como um todo. Para aquele que assume o comando da totalidade das acções militares, o mais importante é concentrar a sua atenção sobre o conjunto da situação. Para ele, o essencial deverá ser encarar, segundo a situação, todos os problemas respeitantes à disposição das suas unidades e formações militares, à ligação entre uma e outra campanha, à conexão entre as diferentes fases da acção, à conexão entre o conjunto da actividade no seu próprio campo e o conjunto da actividade no campo do adversário. Tudo isso exige da sua parte os maiores esforços; se ele descura esses problemas e se perde em considerações secundárias, é-lhe difícil evitar os reveses.

Essa relação entre o todo e a parte não vale somente para a relação entre a estratégia e a ciência das campanhas, também é válida para a relação entre esta e a táctica. A relação entre a acção duma divisão e a dos seus regimentos e batalhões, ou entre a acção duma companhia e a dos seus pelotões e esquadras, fornece exemplos práticos sobre isso. Todo o comandante, em qualquer escalão, deve concentrar a sua atenção principalmente sobre o problema ou acção que desempenha o papel mais importante, mais decisivo, no conjunto da situação que enfrenta, e não sobre os outros problemas ou acções.

Para determinar o que é importante e decisivo não se deve partir das situações gerais ou das situações abstractas, mas sim da situação concreta. No decurso duma acção militar, é preciso escolher a direcção e o ponto de assalto partindo da situação do inimigo, da natureza do terreno e do estado das nossas forças nesse momento. Nas regiões em que os abastecimentos abundam é preciso velar por que os homens não comam demais, enquanto que nas regiões onde são insuficientes importa velar por que os homens não sofram com a fome. Nas regiões brancas, a mínima fuga de informações pode implicar a derrota nos encontros ulteriores, enquanto que nas regiões vermelhas isso não constitui, muitas vezes, o problema mais grave. Em certas campanhas, a participação pessoal dos comandantes de alta patente é necessária, mas noutras não o é. Para uma academia militar, a questão mais importante é a escolha do director e dos instrutores, e a definição dos princípios de ensino. Para um comício popular, o que importa principalmente é fazer vir uma assistência numerosa e formular palavras de ordem justas. Muitos mais exemplos podiam ainda citar-se. Em resumo, o princípio geral é a concentração das atenções sobre os factores importantes de que depende o conjunto.

Não se podem estudar as leis da condução duma guerra como um todo sem se reflectir profundamente sobre a questão, pois o que respeita ao conjunto da situação não é logo visível, só podendo ser compreendido depois de séria reflexão. Não se chega lá doutra maneira. O todo, porém, é constituído de partes, e os que possuem uma experiência sobre as partes, a experiência das campanhas e da táctica, são capazes de compreender as questões de ordem mais elevada, desde que queiram reflectir seriamente. Os problemas estratégicos, por exemplo ter em conta a relação entre o inimigo e nós próprios; ter em conta a relação entre as diversas campanhas e entre as diversas fases das operações; ter em conta determinadas partes que são importantes (que têm um valor decisivo) para o conjunto; ter em conta as particularidades da situação geral; ter em conta a relação entre a frente e a retaguarda; ter em conta a distinção, bem como a ligação, entre as perdas ou o desgaste e a respectiva reparação, entre o combate e o repouso, a concentração e a dispersão das forças, o ataque e a defesa, o avanço e o recuo, as posições cobertas e as descobertas, o ataque principal e o ataque de apoio, o assalto e a contenção, a centralização e a descentralização do comando, a guerra prolongada e a guerra de decisão rápida, a guerra de posições e a guerra de movimento, as nossas próprias forças e as forças amigas, tal arma e tal outra arma, os escalões superiores e os inferiores, os quadros e os homens, os veteranos e os novos recrutas, os quadros superiores e os inferiores, os quadros antigos e os novos, as regiões vermelhas e as brancas, as antigas regiões vermelhas e as novas, as regiões centrais e as periféricas, os tempos quentes e os tempos frios, a vitória e a derrota, as grandes unidades e as pequenas unidades, o exército regular e as forças de guerrilhas, o aniquilamento do inimigo e a conquista das massas, o alargamento das fileiras do Exército Vermelho e a sua consolidação, o trabalho militar e o trabalho político, as tarefas antigas e as presentes, as tarefas presentes e as futuras, as tarefas em tais circunstâncias e as tarefas em tais outras circunstâncias, a frente fixa e a frente móvel, a guerra civil e a guerra nacional, tal fase histórica e tal outra, etc, não são logo visíveis; contudo, se se reflecte com cuidado, chega-se a compreender, a agarrar, a dominar tudo isso, quer dizer, a saber resolver todos os problemas importantes da guerra e da acção militar, no plano superior dos princípios. No estudo dos problemas estratégicos, atingir esse objectivo constitui a nossa tarefa.


Inclusão 17/03/2010