História do Mundo
Volume I - O Mundo Antigo - A Idade Média

A. Z. Manfred


II Parte: A Idade Média
Capítulo VII - O Aparecimento de um Estado Russo Unido


A Restauração da Economia depois da Devastação Mongol: A Ascensão de Moscovo
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A invasão dos mongóis fez estragos inenarráveis na economia das terras russas. Muitas cidades e aldeias tinham sido queimadas e destruídas. Milhares de camponeses foram mortos ou levados para o cativeiro e inúmeras famílias russas foram privadas daqueles que as sustentavam. Artesãos especializados tinham sido levados pela Horda Dourada e a aprendizagem dos seus futuros sucessores foi interrompida: isto levou a um rápido declínio das artes e dos ofícios. O tributo pago aos Tártaros esgotava a terra, sobretudo desde que o receio da escravatura pairava sobre as cabeças dos que não podiam pagar. Em resumo, o jugo mongol impediu o desenvolvimento económico da Rússia.

Pouco a pouco, os padrões de vida quotidiana tornaram-se mais normais, particularmente quando os próprios príncipes foram responsabilizados pela cobrança dos impostos. Os baskaks do khan recebiam agora o tributo dos príncipes e eles próprios apareciam com menos frequência nas cidades e nas aldeias.

Claro que os padrões de agricultura que se estabeleceram foram os padrões feudais. Como anteriormente, os príncipes e os boiardos eram os donos da terra e a grande massa dos camponeses dependia dos seus senhores. Gradualmente foi reintroduzido o sistema de pousio, e a criação de gado começou a desenvolver-se. Os ferreiros, os curtidores e os oleiros voltaram ao trabalho.

Tal como antes, os camponeses que cultivavam a terra dos seus senhores pagavam-lhes uma renda, parte em géneros — cereal, gado, criação — parte em dinheiro, e também pagavam com trabalho. Nos séculos XIV e XV, a maior parte dos camponeses trabalhava à base de rendas.

Os mosteiros que recentemente se tinham tornado instituições proprietárias de terras desempenhavam um papel cada vez mais importante. Apareceu uma nova forma de unidade agrícola — a sloboda: os príncipes tornavam parcelas de terra até aí não cultivada isentas de impostos e de prestação de serviços por um certo tempo, e convidavam as pessoas a cultivá-las.

Também apareceu uma nova forma de propriedade da terra: os príncipes davam aos homens que estavam ao seu serviço parcelas de terra que ficavam em sua posse enquanto as cultivassem. Os donos temporários destas parcelas de terra, ou pomeshchiki, eram obrigados a reunir sob o estandarte do príncipe um destacamento de cavalaria bem equipado e de soldados a pé em tempo de guerra; quando deixavam o serviço do príncipe passavam a terra a outro que entrasse ao seu serviço. Assim, os pomeshchiki tornaram-se uma classe de servos leais ao poder central. Estes desenvolvimentos económicos foram factores vitais que contribuíram para a formação de um Estado russo unido.

Pouco a pouco, Moscovo ressurgiu das suas cinzas e ruínas, tornou-se uma cidade mais próspera e o poder dos seus príncipes cresceu. A região em volta de Moscovo tinha todas as condições necessárias para o desenvolvimento agrícola e industrial. As terras eram um centro tradicional agrícola. Os habitantes locais eram agricultores experimentados, ferreiros, oleiros, pedreiros e curtidores. Moscovo também estava favoravelmente situada sob o ponto de vista de defesa: a cavalaria tártara tinha achado difícil alcançar a cidade, rodeada como estava de espessa floresta. Os principados vizinhos — os de Ryazan e Nijhny Novgorod — eram como tampões para a penetração dos inimigos. Isto levou os camponeses de muitas regiões a virem estabelecer-se em Moscovo.

Moscovo estava colocada no cruzamento de importantes rotas comerciais que ligavam o Ocidente ao vale do Volga. Os mercadores de Novgorod viajavam pelo rio Moskva até ao Oka e depois pelo Volga para comerciarem com a Horda Dourada. Outra rota comercial levava ao Sul pelo Don e o mar Azov até ao mar Negro. Nesta altura, os mercadores italianos da rica cidade de Génova já se tinham vindo a estabelecer na Crimeia. Os direitos portuários que tinham de pagar os barcos dos mercadores que utilizavam estas vias marítimas eram dos príncipes de Moscovo e traziam-lhe riqueza considerável. Moscovo ocupava uma posição central entre vários principados russos e cm breve se tornou o núcleo das terras russas. Durante o reinado de Yuri Dolgoruku ainda fazia parte do domínio do príncipe de Vladimir. Só se tornou independente no século XIII.

O primeiro príncipe de Moscovo independente foi o filho de Alexandre Nevsky, o príncipe Daniil Alexandrovich (1261-1303). Alargou o principado conquistando a cidade de Kolomna aos príncipes de Ryazan. O seu filho depois conquistou a cidade de Mozhaisk aos príncipes de Smolensk. Kolomna estava situada na confluência dos rios Moskva e Oka e Mozhaisk nos troços superiores do Moskva. Assim, no início do século XIV, os príncipes de Moscovo tinham-se tornado nos verdadeiros senhores de toda a bacia do Moskva.

Pouco depois, Ivan I (que reinou até 1340) tornou-se príncipe de Moscovo. Conhecido por Ivan Kalita (saco de dinheiro) era conhecido pela sua avareza e juntou muitas riquezas. Expandiu os seus domínios à custa dos príncipes menores das terras vizinhas e conseguiu contactar com os chefes da Horda Dourada, fazendo-lhes frequentes visitas e levando-lhes presentes assim como mulheres. Estes cedo compreenderam que sempre que Ivan Kalita vinha às suas terras significava que ia haver muito ouro e prata para eles. Nesta altura, os ataques tártaros às terras russas foram muito menos frequentes do que antes. O povo podia fazer as colheitas e exercer o seu comércio em paz.

Alexandre, príncipe de Tver (1301-1339), foi designado Grande príncipe do Estado Rus pelos khans tártaros. Em 1327, o enviado tártaro Cholkhan veio a Tver cobrar o tributo. Houve uma revolta e Cholkhan foi morto. O khan então mandou tropas da Horda Dourada para castigar os revoltosos e encarregou Ivan da expedição. Tver foi saqueada e arrasada e Ivan tornou-se Grande Príncipe (1328). Durante o reinado de Ivan, cresceu o poder de Moscovo e tornou-se uma próspera e bela cidade.

Revoltas Contra o Domínio da Horda Dourada. A Batalha do Campo Kulikovo (1380)
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Em mais de uma ocasião estalaram na terra russa revoltas contra os conquistadores mongóis.

No Inverno de 1259, os cobradores de impostos tártaros vieram a Novgorod para registar a população da cidade para efeitos de cobrança de impostos. Os trabalhadores de Novgorod protestaram contra o facto, recusaram-se a deixar entrar na cidade os enviados do khan e mataram-nos. A resistência do povo de Novgorod foi extremamente difícil de esmagar. Em 1262, estalaram revoltas contra os Tártaros em muitas cidades. Tocavam sinos a rebate e o povo reuniu-se nas praças centrais das cidades de Vladimir, Suzdal, Rostov, Pereyaslavl e Yaroslavl; expulsaram os opressores dos seus portões. Aqueles que aceitaram as exigências dos Tártaros foram mortos. Os Tártaros castigaram cruelmente as cidades revoltosas. Contudo, Alexandre Nevsky fez uma visita especial à Horda Dourada e conseguiu salvar as cidades da destruição apaziguando o khan com ricos presentes.

Em 1289, o povo de Rostov expulsou os opressores tártaros da cidade e apoderou-se do dinheiro e valores que eles tinham acumulado. Na segunda metade do século XIII, os trabalhadores do principado de Kursk expulsaram o cobrador de impostos da sua cidade e saquearam a colónia tártara local.

No século XIV, Moscovo ascendeu de novo a uma posição de importância enquanto a Horda Dourada ia enfraquecendo. Em meados do século, o trono mudou de ocupante catorze vezes, em vinte anos, na Horda Dourada, porque muitos khans foram mortos por rivais ambiciosos.

Na segunda metade do século XIV, o chefe tártaro Mamai (que morreu em 1380) conseguiu reunir todos os Tártaros sob as suas ordens numa altura em que Moscovo já tinha deixado de se submeter obedientemente a todas as ordens do khan. Mamai decidiu que era necessário um confronto para dominar os seus turbulentos súbditos: reuniu um exército enorme e concluiu uma aliança militar com a Lituânia.

Em Agosto de 1380, Mamai começou a avançar em direcção a Moscovo.

O neto de Ivan I, Dmitri Ivanovich, príncipe de Moscovo (1350-1389), reuniu um exército. Perante este terrível inimigo muitos dos príncipes russos preferiram esquecer as suas rixas privadas e os exércitos dos príncipes de Rostov, Yaroslavl e Byelozersk uniram as suas forças. Mas o factor decisivo da situação foi o facto de o povo comum da Rússia ter pegado em armas contra os Tártaros: de todos os cantos do território vieram camponeses e artesãos armados de lanças de javali, clavas e machados. O exército russo contava cento e cinquenta mil homens. Marchou para o Don, atravessou-o e depois desdobrou as suas forças no campo Kulikovo no estuário do pequeno rio Nepryadva, afluente do Don. O campo de batalha abrangia uma área de quatro milhas quadradas e a luta foi feroz e sangrenta. A resistência russa estava a enfraquecer quando de repente surgiram reservas russas de emboscada e atiraram-se aos Tártaros. Os poucos sobreviventes desta luta fugiram do campo de batalha. O príncipe Dmitri recebeu o título de Dmitri Donskoi em honra desta vitória, a primeira grande vitória russa contra os khans tártaros. A batalha de campo Kulikovo não acabou de uma vez para sempre com o jugo tártaro, mas enfraqueceu consideravelmente o seu domínio e deu novas esperanças ao povo russo.

Os Primeiros Passos para a Unificação de um Estado Russo

Os governantes de Moscovo continuaram a alargar os seus domínios. Anexaram as terras do rico principado de Nijny Novgorod. Nijny Novgorod (a actual Gorky) tinha crescido nas margens do Volga: a cidade era um posto fronteiriço russo e um importante centro comercial, visitado por muitos mercadores orientais. Conseguiu-se grande êxito na unificação das terras russas, sob Moscovo, no reinado de Ivan II (1462-1505) que se tornaria chefe de um Estado Rus unido. Em 1478, Ivan incorporou a independente e heróica cidade de Novgorod no principado Moscovita. Ivan III também tomou muitas das antigas possessões de Novgorod, incluindo a cidade de Vologda. As terras do povo Komi no rio Vychegda também foram anexadas por Moscovo.

O factor que mais facilitou a unificação do Estado russo foi a renovada energia e diligência dos trabalhadores. Isto possibilitou ao Estado Rus recuperar das devastações feitas pelos Tártaros, erguer cidades e aldeias sobre as ruínas e as cinzas, cultivar campos abandonados e terras virgens e restabelecer profissões e ofícios que tinham declinado. Estes esforços lançaram os alicerces da resistência aos dominadores estrangeiros. Renovando e desenvolvendo a economia do país o povo conseguiu a unificação de grande quantidade de pequenos Estados feudais.

Ivan III ligou muitas terras a Moscovo quer por meio de tratados quer pela força das armas. Muitos dos pequenos príncipes tinham plena consciência do poder de Ivan e preferiram declarar-se seus vassalos a serem conquistados. Assim, os príncipes de Yaroslav reconheceram Ivan como seu suserano e entregaram-lhe as suas possessões. Quando as tropas de Ivan se aproximaram de Tver muitos dos pequenos príncipes dessa região da Rússia vieram, um por um, à presença de Ivan, pedindo para serem admitidos ao seu serviço. A federação do poderoso principado de Tver com Moscovo foi um acontecimento importante porque a antiga Tver fora o maior rival de Moscovo pelo domínio das terras russas.

Os nobres da Lituânia também fixaram estes acontecimentos no Estado Rus e alguns deles puseram-se ao serviço de Ivan III, o que significava que as suas extensas propriedades também se tornaram parte do Estado russo, terras que já tinham feito parte de Kiev Rus. No reinado de Ivan III estalou uma luta entre a Lituânia e o Estado Rus, mas este manteve o seu domínio sobre aquele.

O poder do Estado Rus cresceu. Surgiu um forte Estado russo da junção de muitos pequenos principados, estado que já não podia tolerar o jugo mongol.

A Libertação Final do Jugo Mongol
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No final do século XV, a Horda Dourada enfraquecia cada vez mais e começava a dissolver-se. No reinado de Ivan III, o Estado Rus já não pagava tributo ou prestava homenagem aos khans. Não se pagou qualquer tributo mais aos Tártaros depois de 1476.

O khan tártaro Ahmed fez uma última tentativa para subjugar de novo os russos. Em 1480 conduziu as suas tropas para as margens do rio Oka na confluência deste com o Ugra. Contudo, não conseguiu atravessar o rio, tendo sido repelido pelos Russos depois de quatro dias de dura luta. O exército tártaro ficou durante muito tempo nas margens do rio, hesitando em atacar o formidável exército moscovita de Ivan III. Nenhum dos lados abriu a batalha. Em Novembro, o khan Ahmed recuou e retirou-se para a Horda Dourada, compreendendo que já não estava em posição de subjugar o Estado Rus. Esta foi a última vez que os Tártaros saíram a exigir tributo. O domínio mongol sobre o Estado Rus estava no fim; o país conseguiu finalmente a independência em 1480.

Entretanto, Moscovo tornou-se numa cidade ainda maior e mais imponente, reflectindo a grandeza do novo reino unido. Um novo palácio de pedra foi construído em Moscovo assim como espessas muralhas de pedra em volta da fortaleza do Kremlin. Ivan III chamou à sua corte o famoso arquitecto italiano Aristóteles Fieravanti para superintender na construção da catedral de Uspensky Sobor com cinco cúpulas, dentro das muralhas do Kremlim. Construíram-se torres ao longo das muralhas do novo Kremlim e os discípulos de Fieravanti construíram o famoso palácio rústico (Granovitaya Palata) para recepções de cerimónia em honra dos emissários estrangeiros, assim chamado porque a fachada principal está facetada com blocos de pedra. Muitos artesãos russos de várias partes do reino trabalhavam nessa altura em Moscovo e faziam dela uma nobre capital.

Os imperadores romanos tinham a tradição de acrescentar ao seus nome o título de César. Ivan III decidiu fazer o mesmo, e adoptou o título de czar (palavra russa derivada de César). Ivan também adoptou o brasão do império bizantino, a dupla águia, que ia ser o brasão do império russo sob os czares até à revolução de Fevereiro de 1917.

Grande número de embaixadores de outros países visitaram as cortes de Ivan III e de Vassily III (1479- 1533), do império alemão, do reino da Hungria, da Dinamarca, de Veneza e da Turquia. Desenvolveu-se uma nova tradição de recepção de cerimónia.

O primeiro dos príncipes moscovitas a chamar-se a si próprio czar foi Ivan III, mas o seu neto Ivan, o Terrível (1530- 1584), foi o primeiro a ser coroado na catedral de Uspensky com a devida pompa e ritual, e declarou-se «Czar de todas as Rússias».


Inclusão 12/06/2016