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Título original: Introduction: La théorie du fascisme chez Léon Trotsky
Primeira Edição: Ed. François Maspero, 1974, precedentemente publicada como prefácio ao livro de Trotski, “Como vencer o fascismo”, nas edições Buchet-Chastel.
Fonte da Presente Tradução: Ernest Mandel Archives Internet.
Tradução para o português da Galiza: José André Lôpez Gonçâlez. Março 2010.
HTML: Fernando A. S. Araújo
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A teoria do fascismo de Trotski apresenta-se como um conjunto de seis elementos; cada elemento é provido de uma certa autonomia e conhece uma evolução determinada sobre a base das suas contradições internas; mas elas só podem ser entendidas como totalidade fechada e dinâmica, e só a sua interdependência pode explicar a ascensão, a vitória e o declínio da ditadura fascista.
a) O ascenso do fascismo é a expressão da grave crise social do capitalismo de idade madura, de uma crise estrutural, que, como nos anos 1929-1933, pode coincidir com uma crise económica clássica de superprodução, mas vai muito além de uma oscilação da conjuntura. Trata-se fundamentalmente de uma crise de reprodução do capital, ou seja, da incapacidade de prosseguir uma acumulação “natural” do capital, dada a concorrência ao nível do mercado mundial (nível existente dos salários reais e da produtividade do trabalho, acesso às matérias-primas e aos mercados). A função histórica da tomada do poder polos fascistas consiste em alterar pola força e a violência as condições de reprodução do capital em favor dos grupos decisivos do capitalismo monopolista.
b) Nas condições do imperialismo e do movimento obreiro contemporâneo, historicamente desenvolvido, a dominação política da burguesia exerce-se o mais vantajosamente – é dizer, com os custos mais reduzidos – através da democracia parlamentar burguesa que oferece, entre outros, a dupla vantagem de neutralizar periodicamente as contradições explosivas da sociedade por algumas reformas sociais, e de fazer participar, diretamente ou indiretamente, no exercício do poder político, um setor importante da classe burguesa (através dos partidos burgueses, dos jornais, das universidades, das organizações patronais, das administrações municipais e regionais, das cimeiras do aparelho de Estado, do sistema do Banco Central). Esta forma de dominação da grande burguesia – de modo algúm a única, do ponto de vista histórico(1) – é, no entanto, determinada por um equilíbrio muito instável das relações de poder económicas e sociais. Se esse equilíbrio vem a ser destruido polo desenvolvimento objetivo, apenas restará à grande burguesia uma saída: tentar, ao preço da renúncia ao exercício direto do poder político, estabelecer uma forma superior de centralização do poder executivo para a realização dos seus interesses históricos. Historicamente, o fascismo é portanto ao mesmo tempo a realização e a negação das tendências inerentes ao capital monopolista que Hilferding, o primeiro, tem revelado, “organizar” de forma “totalitária” a vida de toda a sociedade no seu interesse(2): realização, porque o fascismo afinal de contas preencheu essa função; negação, porque, ao contrário das ideias de Hilferding, não podia preencher essa função senão por uma expropriação política profunda da burguesia(3)
c) Nas condições do capitalismo industrial monopolista contemporâneo, uma tão forte centralização do poder do Estado, que implica além do mais a destruição da maior parte das conquistas do movimento obreiro contemporâneo (especialmente, de todos os “germes de democracia proletária no quadro da democracia burguesa” como Trotski designa com razão as organizações do movimento operário) é praticamente inatingível por meios puramente técnicos, dada o enorme desequilíbrio numérico entre os assalariados e os detentores do grande capital. Uma ditadura militar ou um Estado puramente policial – para não falar da monarquia absoluta – não dispõe de meios suficientes para atomizar, desencorajar e desmoralizar, durante um longo período, uma classe social consciente, com vários milhões de indivíduos, e para evitar assim qualquer foco da luita de classes mais elementar, foco que só o jogo das leis do mercado desencadeia periodicamente. Para isso, é necessário um movimento de massas que mobilize um grande número de indivíduos. Somente um tal movimento pode dizimar e desmoralizar a franja mais consciente do proletariado polo terror de massa sistemático, por uma guerra de assédio e de combates de rua, e, depois de tomar o poder, deixar o proletariado não apenas atomizado no seguimento da destruição total das suas organizações de massa, mas também desencorajado e resignado. Este movimento de massas pode, polos seus próprios métodos adaptados às exigências da psicologia das massas, conseguir não somente que um aparelho gigantesco de porteiros, polícias, de células do NSBO(4) e simples bufos, submeta os assalariados politicamente conscientes politicamente a uma vigilância permanente, mas também a que a parte menos consciente dos operários e, sobretudo, dos empregados, seja influenciada ideologicamente e parcialmente reintegrada numa colaboração de classes eficiente.
d) Tal movimento de massas só pode surgir no seio da terceira classe da sociedade, a pequena burguesia, que, na sociedade capitalista, coexiste com proletariado e a burguesia. Quando a pequena burguesia é atingida tão severamente pola crise estrutural do capitalismo de idade madura, ela afunde na desesperança (inflação, falência dos pequenos empresários, desemprego massivo dos diplomados, dos técnicos e dos empregados superiores, etc.), é quando, polo menos em parte desta classe, surge um movimento tipicamente pequeno burguês, mistura de reminiscências ideológicas e de ressentimento psicológico, que combina um nacionalismo extremo e uma demagogia anticapitalista(5), violenta polo menos em palavras, uma profunda hostilidade para com o movimento operário organizado (“nem marxismo”, “nem comunismo”). Desde que este movimento, que recruta principalmente entre os elementos sem referência de classe da pequena burguesia, usa a violência física abertamente contra os assalariados, as suas ações e as suas organizações, um movimento fascista nasce. Após um período de desenvolvimento independente, permetindo-lhe tornar-se um movimento de massas e iniciar ações de massa, ele precisa do apoio financeiro e político de frações importantes do capital monopolista para subir ao poder.
e) A dizimação e esmagamento prévio do movimento obreiro, quando a ditadura fascista quer cumprir o seu papel histórico, são essenciais, só são possíveis, no entanto, se, no período anteiror à tomada do poder, o fiel da balança pende decisivamente em favor dos bandos fascistas e contra os operários(6).
O ascenso de um movimento fascista de massa é uma espécie de institucionalização da guerra civil, onde, no entanto, ambas as partes têm objetivamente uma oportunidade de ganhar (por isso a grande burguesia não apoia nem financia tais experimentos a não ser em condições muito particulares, “anormais”, porque esta política de tudo por tudo apresenta inegavelmente um risco à partida). Se os fascistas conseguem varrer o inimigo, isto é, a classe operária organizada, paralisá-la, desencorajá-la e desmoralizá-la, a vitória está-lhe garantida. Se, ao contrário, o movimento obreiro consegue repelir o assalto e tomar a iniciativa, infligirá uma derrota decisiva não somente ao fascismo mas também ao capitalismo que o engendrou. Isso é devido a razões de ordem técnico-políticas e socio-psicológicas. Inicialmente, os bandos fascistas não organizam senão a fração mais decidida e a mais desesperada da pequena burguesia (a sua fração “raivosa”).
A massa dos pequenos burgueses, assim como a parte pouco consciente e desorganizada dos assalariados, especialmente os jovens operários e empregados, oscilará normalmente entre os dous campos. Terão tendência a se alinharem do lado daquele que manifestará mais audácia e espírito de iniciativa; apostam com boa vontade sobre o cavalo vencedor. Isso nos permite dizer que a vitória do fascismo traduz a incapacidade do movimento operário em resolver a crise do capitalismo maduro de acordo com os seus próprios interesses e objetivos. De fato, tal crise não faz, em geral, senão dar ao movimento operário uma oportunidade de se impor. Só quando ele deixou escapar esta oportunidade e que a classe é seduzida, dividida e desmoralizada, que o conflito pode conduzir ao triunfo do fascismo.
f) Se o fascismo não duvidou “esmagar o movimento operário sob os seus golpes”, cumpriu a sua missão aos olhos dos representantes do capitalismo monopolista. O seu movimento de massa burocratiza-se e se funde com o aparelho de Estado burguês, o que não pode produzir-se até o momento que as formas mais extremas da demagogia plebeia pequena burguesa, que faziam parte dos “objetivos do movimento”, desapareçam da superfície e da ideologia oficial. Isso não é incompatível com a perpetuação de um aparelho de Estado altamente centralizado. Se o movimento operário é derrotado e se as condições de reprodução do capital dentro do país mudaram de tal maneira que é fundamentalmente favorável à grande burguesia, o seu interesse político confunde-se com a necessidade de uma mudança no mesmo nível do mercado mundial. A falência ameaçadora do Estado desenvolve-se igualmente. A política do tudo por tudo do fascismo é levada ao nível da esfera financeira, inflama uma inflação permanente, e, por fim, não deixa outra saída que a aventura militar no exterior. Essa evolução não favorece de forma nenhuma um reforçamento do papel da pequena burguesia na economia e na política interna, mas ao contrário, provoca uma deterioração das suas posições (com a exceção da franja que pode ser alimentada com as prebendas do aparelho de Estado tornado autonónomo). Não é o fim da “escravatura aos credores”, mas polo contrário, a aceleração da concentração do capital.
É aqui que se revela o carácter de classe da ditadura fascista, que não corresponde ao movimento fascista de massa. Ela defende não os interesses históricos da pequena burguesia, mas os do capital monopolista. Uma vez concluída esta tendência, a base de massa ativa e consciente do fascismo retrai-se necessariamente. A ditadura fascista tende a se destruir e reduzir a sua base de massa. Os bandos fascistas tornam-se apêndices da polícia. Na sua fase de declínio, o fascismo transforma-se de novo numa forma particular de bonapartismo.
Tais são os elementos constitutivos da teoria do fascismo de Trotski. É baseado numa análise das condições particulares nas quais a luita das classes nos países altamente industrializados, se desenvolve durante a crise estrutural do capitalismo de idade madura (Trotski fala da “época do declínio do capitalismo”) e sobre uma combinação particular – característica do marxismo de Trotski – dos fatores objetivos e subjetivos na teoria da luita de classes assim como na tentativa de influir na prática sobre ela.
Notas:
(1) Somos sempre surpreendidos pola curiosa amnésia que ataca os ideólogos burgueses a propósito da história recente da sociedade burguesa. Nos dous séculos que seguiram a primeira revolução industrial, o Estado na Europa Ocidental tomou o sucessivamente a forma da monarquia aristocrática, do cesarismo plebiscitário, do parlamentarismo liberal-conservador (com o direito de voto limitado a 10% ou mesmo às vezes a 5% da população), da autocracia caracterizada, e isso independentemente do país estudado. A democracia de tipo parlamentar, baseada no sufrágio universal, é praticamente em todo o lado – exceto por um breve período durante a Grande Revolução Francesa – uma conquista da luita do movimento obreiro e não da burguesia liberal. (retornar ao texto)
(2) Poder económico significa ao mesmo tempo poder político. Quem domina a economia dispõe igualmente de todos os poderes do Estado. Quanto maior a concentração na esfera económica, mais a dominação sobre o Estado torna-se ilimitada. Esta concentração rígida de todos os poderes do Estado aparece como o cimo da potência, o Estado apresenta-se como o instrumento insubstituível da manutenção da dominação económica... O capital financeiro sob a sua forma acabada é o grau superior da perfeição do poder econômico e político nas mãos da oligarquia capitalista. Conclui a ditadura dos magnatas do capital. Rudolf Hilferding, Le Capital financier (escrito em 1909), citado pola edição de Viena (edição La librairie du Peuple), pp. 476 e seguintes. (retornar ao texto)
(3) Isso explica que Hilferding no final da sua vida, na véspera da sua morte, tenha chegado à conclusão errônea de que a Alemanha nazi não era já uma sociedade capitalista, porque o poder pertencia a uma burocracia totalitária; esta conclusão errada é contemporânea da tese de Burnham sobre “a era dos gestores”. (retornar ao texto)
(4) Nationalsozialistiche Betriebsorganisation: organização do partido nazi (NSDAP) nas empresas. (retornar ao texto)
(5) No entanto, trata-se sempre de uma forma bem específica de demagogia, que ataca apenas algumas formas específicas do capitalismo (“a escravatura aos credores”, as grandes lojas, o capital “açambarcador” em oposição ao capital “criador”, etc.); a propriedade privada como tal e o poder do patrão na empresa nunca são questionados. (retornar ao texto)
(6) Se esse não for o caso, se os trabalhadores conservam o seu espírito de luita e a sua energia combatente, a tentativa de um movimento fascista de massa de tomar o poder pode desencadear um gigantesco desenvolvimento revolucionário. Em Espanha, a resposta ao golpe militar fascista de julho 1936 foi o levantamento revolucionário da classe obreira, que, em poucos dias, infligiu aos fascistas uma esmagadora derrota militar nas grandes cidades e bairros operários, e forçou-os a recuarem para as zonas rurais do país. O fato de que os fascistas, após uma guerra civil renhida durante mais de três anos, tenham finalmente conseguido tomar o poder, explica-se tanto pola intervenção de fatores externos como polo papel desastroso da direção do partido e do governo de esquerda, que impediram os trabalhadores concluir rapidamente a revolução iniciada com êxito; em particular, uma reforma agrária radical e a proclamação da independência de Marrocos teriam eliminado o último bastião do poder de Franco entre os camponeses atrasados e os mercenários do Norte de África. (retornar ao texto)
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Inclusão | 01/04/2010 |