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Primeira Edição: Les Temps
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Fernando A. S. Araújo,
abril 2006.
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A primeira tendência foi representada principalmente pelo camarada Monatte, da C.G.T, com um grupo que ele fez questão de denominar "jovens", apesar dos protestos dos jovens, bem mais numerosos, de tendência oposta.
Monatte, em seu extraordinário relatório, falou-nos longamente do movimento sindicalista francês, de seus métodos de luta, dos resultados morais e materiais aos quais já chegou, e concluiu afirmando que o sindicalismo basta-se a si mesmo como meio para realizar a revolução social e realizar a anarquia.
Contra esta última afirmação intervi energicamente. O sindicalismo, disse, mesmo ganhando consistência com o adjetivo revolucionário, só pode ser um movimento legal, movimento que luta contra o capitalismo no meio econômico e político que o Capitalismo e o Estado lhe impõem. Não tem, portanto, saída, e nada poderá obter de permanente e geral, senão deixando de ser sindicalismo, ligando-se não mais à melhoria das condições dos assalariados e à conquista de algumas liberdades, mas à expropriação da riqueza e à destruição radical da organização estatista.
Reconheço toda a utilidade, até mesmo a necessidade da participação ativa dos anarquistas no movimento operário, e não preciso insistir para que acreditem em mim, pois fui um dos primeiros a lamentar a atitude de isolamento altivo tomada pelos anarquistas depois da dissolução da antiga Internacional, e a incitar novamente os camaradas na via que Monatte, esquecendo a história, denomina nova. Mas isto só é útil sob a condição de permanecermos anarquistas antes de tudo, e não deixemos de considerar todo o resto do ponto de vista da propaganda e da ação anarquistas. Não peço que os sindicatos adotem um programa anarquista e que sejam compostos só por anarquistas: – neste caso, eles seriam inúteis, porque seriam a repetição dos agrupamentos anarquistas, e não mais teriam a qualidade que os torna caros aos anarquistas, ou seja, a de ser um campo de propaganda hoje, e um meio, amanhã; a de conduzir a massa à rua e faze-la assumir o controle da posse das riquezas e da organização da produção para a coletividade. Desejo sindicatos amplamente abertos a todos os trabalhadores que comecem a sentir a necessidade de se unirem com seus camaradas para lutar contra os patrões; todavia, também conheço todos os perigos que representam, para o futuro, agrupamentos feitos com o objetivo de defender, na sociedade atual, interesses particulares, e peço que os anarquistas, que estão nos sindicatos, dêem-se por missão salvaguardar o futuro, lutando contra a tendência natural desses agrupamentos de se tornarem corporações fechadas, em antagonismo com outros proletários, ainda mais do que com os patrões.
A causa do mal-entendido talvez possa ser encontrada na crença, segundo minha opinião, errônea, ainda que geralmente aceita, segundo a qual os interesses dos operários são solidários, e que, conseqüentemente, basta que operários ponham-se a defender seus interesses e a perseguir a melhoria de suas condições para que sejam, naturalmente, levados a defender os interesses de todo o proletariado contra o patronato.
A verdade é, segundo meu ponto de vista, bem diferente. Os operários suportam, como todo mundo, a lei de antagonismo geral, que deriva do regime da propriedade individual; eis porque os agrupamentos de interesses, sempre revolucionários, no início, enquanto são fracos e necessitam da solidariedade dos outros tornam-se conservadores e exclusivistas quando adquirem força, e, com a força, a consciência de seus interesses particulares. A história do trade-unionismo inglês e americano está aí para mostrar a maneira como se produziu essa degenerescência do movimento operário, quando ele se limita à defesa dos interesses atuais.
É somente com vistas a uma transformação completa da sociedade que o operário pode se sentir solidário com o operário, o oprimido solidário com o oprimido; e é papel dos anarquistas manter ardente, por muito tempo, o fogo do ideal, procurando orientar, tanto quanto possível, todo o movimento para as conquistas do futuro, para a revolução, inclusive, se preciso for, em detrimento das pequenas vantagens que pode hoje obter qualquer fração da classe operária, e que, freqüentemente, só são obtidas às expensas de outros trabalhadores e do público consumidor.
Mas para poder representar esse papel de elementos propulsores nos sindicatos, é preciso que os anarquistas proíbam-se de ocupar cargos, principalmente cargos remunerados.
Um anarquista funcionário permanente e estipendiado de um sindicato é um homem perdido como anarquista. Não digo que algumas vezes não possa fazer bem; mas é um bem que fariam em seu lugar, e melhor do que ele, homens de idéias menos avançadas, enquanto ele, para conquistar e conservar seu emprego deve sacrificar suas opiniões pessoais e, com freqüência, fazer coisas que outro objetivo não têm senão o de se fazer perdoar pelo pecado original de ser anarquista.
Por sinal, a questão é clara. O sindicato não é anarquista, e o funcionário é nomeado e pago pelo sindicato: se ele trabalha pelo anarquismo, põe-se em oposição com aqueles que pagam e, em pouco tempo, perde seu cargo ou é causa de dissolução do sindicato; se, ao contrário, ele cumpre a missão para a qual foi nomeado, segundo a vontade da maioria, então, adeus anarquismo.
Fiz observações análogas em relação a esse meio de união próprio do sindicalismo: a greve geral. Devemos aceitar, dizia, e propagar a idéia da greve geral como um meio muito cômodo de começar a revolução, mas não devemos criar a ilusão de que a greve geral poderá substituir a luta armada contra as forças do Estado.
Foi dito, amiúde, que os operários poderão, pela greve, tornar os burgueses famintos e conduzi-los à composição. Eu não poderia imaginar absurdo maior que este. Os operários estariam mortos de fome muito tempo antes que os burgueses, que dispõem de todos os produtos acumulados, começassem a sofrer seriamente.
O operário, que nada possui, não mais recebendo seu salário, deverá se apoderar dos produtos pela força bruta: encontrará os policiais, os soldados e os próprios burgueses, que desejarão impedi-lo; e a questão deverá se resolver, em pouco tempo, por tiros de fuzil, bombas, etc. A vitória ficará com quem souber ser mais forte. Preparemo-nos, portanto, para essa luta necessária, ao invés de limitarmo-nos a pregar a greve geral como uma espécie de panacéia que deverá resolver todas as dificuldades. Por sinal, mesmo como maneira para começar a revolução, a greve geral só poderá ser empregada de maneira muito relativa. Os serviços de alimentação, inclusive os dos transportes dos gêneros alimentícios, não admitem uma interrupção prolongada: é preciso, portanto, apoderar-se revolucionariamente dos meios para assegurar o aprovisionamento, antes que a greve se tenha desenvolvido, por si mesma, em insurreição. Preparar-se para fazer isso não pode ser o papel do sindicalismo: este poderá apenas fornecer a massa para poder realizá-la.
Sobre essas questões assim expostas por Monatte e por mim, travou-se uma discussão muito interessante, ainda que um pouco sufocada pela falta de tempo e pela necessidade enfadonha de tradução em vários idiomas. Concluiu-se propondo várias resoluções, mas não me parece que as diferenças de tendência tenham sido satisfatoriamente definidas; é preciso mesmo muita perspicácia para descobri-lo, e, com efeito, a maioria dos congressistas não o descobriu em absoluto e votou igualmente as diferentes resoluções.
Isto não impede que duas tendências bem reais se tenham manifestado, ainda que a diferença exista mais no desenvolvimento futuro previsto do que nas intenções atuais das pessoas.
Estou convencido, com efeito, que Monatte e o grupo dos "jovens" são tão sincera e profundamente anarquistas quanto qualquer "experimentado". Eles lamentariam conosco as faltas que se produziriam entre os funcionários sindicalistas; entretanto, eles as atribuiriam a fraquezas individuais. Eis o erro. Se se tratasse de faltas imputáveis a indivíduos, o mal não seria grande: os fracos desaparecem rapidamente e os traidores são logo reconhecidos e colocados na impossibilidade de prejudicar. Mas o que torna o mal sério, é que ele depende das circunstâncias nas quais os funcionários sindicalistas se encontram. Convido nossos amigos anarquistas sindicalistas a refletir sobre isto, e a estudar as posições respectivas do socialista que se torna deputado, e do anarquista que se torna funcionário de sindicato: talvez a comparação não seja inútil.
Com isso o Congresso estava praticamente terminado: não nos restava mais força nem tempo. Felizmente as questões que ainda deveriam ser discutidas não tinham grande importância.
Havia, é verdade, o antimilitarismo; mas entre anarquistas esta questão não podia dar origem a debate. Limitamo-nos, portanto, a afirmar, numa resolução, nosso ódio pelo militarismo, não somente como instrumento de guerra entre os povos, mas também como meio de repressão, reunindo em uma única condenação o exército, a polícia, a magistratura, e qualquer força armada em mãos do Estado.
Foi proposta uma resolução contra o alcoolismo, mas passou-se à ordem do dia. Ninguém certamente teria hesitado em aclamar uma resolução contra o abuso de bebidas alcoólicas, ainda que, provavelmente, com a convicção de que isso para nada servisse; mas a resolução proposta condenava até mesmo o uso moderado, que se considerava ainda mais perigoso que o abuso. Pareceu-nos muito exagerado; em todo o caso, pensamos que este é um argumento que deveria ser discutido principalmente por médicos... Admitindo que eles conheçam alguma coisa do assunto.
Enfim, havia a questão do Esperanto, cara ao camarada Chapelier. O Congresso, após uma discussão, necessariamente breve e superficial, recomendou aos camaradas estudar a questão de um idioma internacional, mas recusou-se a se pronunciar quanto aos méritos do Esperanto. E eu, que sou um esperantista convicto, devo convir que o Congresso teve razão: não podia deliberar sobre algo que não conhecia.
Deixai que eu conclua com as palavras que estavam nas bocas de todos os congressistas, no momento da separação: o Congresso foi realizado e obteve pleno êxito; mas um Congresso não é absolutamente nada, se não é acompanhado pelo esforço de todos os dias, de todos os camaradas.
Ao trabalho, todos.
Notas:
(1*) Prefácio do relatório do Congresso Anarquista, Amsterdã. (retornar ao texto)
Inclusão | 28/04/2006 |
Última atualização | 07/03/2016 |