O Povo é Capaz de Ultrapassar Qualquer Dificuldade

Samora Machel

31 de dezembro de 1974


Origem: mensagem de Ano Novo transmitida pelo Rádio Clube pouco antes da meia-noite de 31 de dezembro de 1974.

Primeira edição: Tempo [Maputo], n.º 223, 5 de Janeiro de 1975, p. 8-9.

HTML: João Vitor Bonadiman.

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Prefácio da publicação no periódico

Através dos microfones do Rádio Clube de Moçambique no dia 31, pouco antes da Meia Noite, o Presidente da Frelimo(1), camarada Samora Machel, proferiu uma mensagem de Ano Novo a todo o Povo Moçambicano. Esta mensagem terminou precisamente às vinte e quatro horas. Logo a seguir falou o Alto-Comissário de Moçambique que na sua alocução explicou, pormenorizadamente, alguns aspectos que dizem respeito aos portugueses que pretendem regressar a Portugal e àqueles que querem continuar a viver em Moçambique.

O Primeiro-Ministro do Governo de Transição também leu uma mensagem ao Povo quando terminaram as palavras do Alto-Comissário.

É a primeira e a última dessas mensagens que aqui transcrevemos por evidente falta de espaço. Através dos microfones do Rádio Clube o Camarada Pedro Juma, Governador do Distrito de Lourenço Marques, por sua vez no dia 1 de Janeiro falou ao povo.

Mensagem

Camaradas, compatriotas e amigos.

Dentro de momentos inicia-se o ano da independência nacional. O ano da consagração de todos os sofrimentos e sacrifícios do nosso Povo. O ano da afirmação total da nossa personalidade moçambicana. O ano, também, em que pela primeira vez, do Rovuma ao Maputo, o Povo moçambicano assume inteiramente a responsabilidade do seu destino histórico.

Terminámos um ano de grandes vitórias. O ano da vitória final do nosso Povo contra o colonialismo e o fascismo. O ano em que nos estabelecemos na Paz em Moçambique.

Sem bombardeamentos nem massacres celebramos, pela primeira vez, na Paz e na Liberdade, o Ano Novo. Pela primeira vez, publicamente, do Rovuma ao Maputo como moçambicanos saudamos o Ano Novo. Vencemos uma dura guerra, que nos foi imposta pelas ambições e ilusões de um punhado de colonialistas e exploradores voltados para um passado.

Lembrarmos as causas da nossa vitória é sintetizar os princípios que nos devem orientar. Vencemos, porque soubemos unir o nosso Povo à volta de uma linha justa, isto é, uma linha que corresponde aos interesses fundamentais de todos os que vivem do trabalho honesto. Esta plataforma de unidade mais do que nunca permanece válida. Mais do que nunca é profundamente mobilizadora de todas as nossas energias. É sobre esta plataforma que queremos edificar a Nação moçambicana. Uma Nação em que a enxada, a máquina, o livro, irmanam mas não pela cor da pele. Uma Nação onde o Povo não será de tribos ou de regiões. Vencemos, porque sabemos claramente definir o inimigo. O inimigo é o imperialismo, que não tem pátria. O explorador que não tem raça. O colonialismo que não tem cor. É, pois, nesta unidade, que trabalharemos para reconstruir Moçambique. Pela primeira vez, trabalharemos para nós próprios. Pela primeira vez, o fruto do trabalho ficará em Moçambique. Pela primeira vez, deixará de haver privilegiados na nossa terra.

Estamos em crise. Todos o sabem. Mas crise que inevitavelmente tinha que surgir depois das ciladas a que fomos submetidos, sobretudo depois da submissão da nossa economia aos interesses de uma guerra colonial e criminosa. Mas estamos em condições de resolver a crise. Possuímos o factor essencial: determinação de um Povo unido, organizado e dirigido por uma linha correcta. Possuímos imensos recursos naturais. Contamos, finalmente, com a assistência paternal dos nossos aliados naturais, aqueles que incondicionalmente nos apoiaram durante a luta e hoje incondicionalmente estão prontos a apoiar-nos na reconstrução. É verdade que um certo pânico em alguns sectores da população ergueu alguns obstáculos ao nosso esforço inicial. Sobre isto diremos duas coisas: Primeiro, ninguém é insubstituível. O Povo é capaz de ultrapassar qualquer dificuldade, quando unido e orientado correctamente. Segundo, as pessoas honestas que se deixaram influenciar por boatos absurdos ou intimidados por acções de um punhado de reaccionários devem ter confiança no Povo. A criação de um clima de harmonia, confiança e segurança depende da participação activa de todos no trabalho, porque é ele que estabelece relações correctas entre os homens de todas as raças. Estamos a edificar o poder popular democrático, o poder das largas massas trabalhadoras do nosso País. É evidente que o imperialismo, as camadas exploradoras e reaccionárias se opõem decididamente ao que fazemos. Boatos, intrigas, calúnias, provocações, sabotagens e crimes, tudo isto será utilizado pelo inimigo para nos afastar da via correcta, ou mesmo levando-nos a trair os nossos ideais. Devemos assumir a vigilância e a segurança. Esclarecidos e sensibilizados pela linha, unidos pela FRELIMO, organizados e estruturados nos comités do partido, em cada empresa, em cada repartição, em cada plantação, em cada bairro, em cada povoação.

Camaradas, compatriotas e amigos.

A nossa vitória é também o resultado de inúmeros sacrifícios dos nossos amigos e aliados naturais. O ano de 1975 será o ano da reconstrução nacional, obra gigantesca em que de novo nos encontraremos associados aos nossos amigos e aliados naturais.

O Povo moçambicano inteiro deseja melhores sucessos a todos os países irmãos da África e em especial àqueles que foram, nos seus princípios e sacrifícios, a nossa retaguarda segura. A Tanzânia, a Zâmbia e outros países limítrofes das colónias portuguesas, que souberam assumir os seus deveres históricos.

O combate comum de Moçambique, Angola, Guiné, Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe entrou na fase final. Cabo Verde prepara-se para receber a independência sob a direcção do PAIGC(2) na paz construída com a República da Guiné-Bissau dos anos duros do colonialismo e da luta.

Os nossos irmãos de S. Tomé e Príncipe, dirigidos pelo Movimento de Libertação de S. Tomé e Príncipe também se preparam para a proclamação da sua independência. S. Tomé e Príncipe, para nós, é um pouco do nosso sangue, um pouco dos nossos sacrifícios, que hoje triunfam.

Com muita ansiedade aguardamos o futuro processo solidário em Angola, para que as nossos camaradas do MPLA(3), com todas as forças patrióticas de Angola, conduzam o País à independência.

A vitória da luta em Moçambique e nos Países irmãos criou condições favoráveis para que prevaleça a voz da razão na África Austral. A unidade patriótica realizada no Zimbabwe é a garantia essencial do triunfo do Movimento de Libertação. Esperamos que, como em Moçambique, o nosso apoio, da África e do Mundo edifique no Zimbabwe uma pátria que ultrapasse as raças. Esperamos que a mesma voz da justiça se faça ouvir na Namíbia.

A independência nacional é irreversível. O colonialismo e o racismo fatalmente terão de desaparecer. A África do Sul é um país africano afastado das nações devido a uma política doentia e anacrónica. As modificações que se processam na zona austral do continente acentuam o isolamento a fraqueza de um regime historicamente condenado. É nosso dever, por todos os meios, contribuirmos para que na África do Sul se imponha a realidade e que a torne um país de todos, em Liberdade, Justiça e Paz, e se integre na grande família de África.

Desejamos novos e maiores sucessos aos países socialistas, que consideramos nossos aliados naturais: a grande zona libertada da humanidade, que constitui a retaguarda estratégica da luta anti-imperialista.

Conquistamos a vitória no seu apoio internacional exemplar. Vamos consolidá-la com o seu apoio. E felicitamos a prontidão com que compreenderam as nossas necessidades presentes.

As forças democráticas e progressistas do Mundo capitalista, empenhadas num duro combate, numa difícil frente, apoiaram-nos resolutamente. A nossa vitória consolida a intensificação do seu combate e o reforça neste ano de 1975. E, vistas a vitória do nosso combate e a luta das forças democráticas portuguesas, novas relações serão estabelecidas com Portugal, na base da aliança e amizade forjadas pelos nossos povos, nas horas difíceis, na igualdade absoluta, e não ingerência nos assuntos internos e no interesse mútuo.

A conjugação dos combates e sacrifícios dos nossos povos permitiram a libertação simultânea das nossas pátrias. A consolidação da democracia portuguesa e fortalecimento das forças progressistas em Portugal permitirão que verdadeiras relações fraternais de cooperação estabeleçam um regime popular moçambicano.

Camaradas, compatriotas e amigos.

A todos vós desejamos um bom ano de 1975. Um ano de vitória na consolidação do poder democrático popular. Um ano de vitória nas frentes da produção, da educação, da saúde, em todas as frentes do nosso País. Sobretudo, queremos desejar um ano de felicidade para os nossos continuadores: a nossa esperança, a seiva da Nação, a razão de ser dos nossos sacrifícios. Saibamos cumprir a palavra de ordem: Unidade, Trabalho e Vigilância.

Viva o ano de 1975.
A luta continua.