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Esta Conferência realiza-se num momento histórico particular da vida da nossa Organização. É este contexto histórico que situa a importância da Conferência, o seu significado profundo no processo da Revolução. Acabámos de celebrar o décimo aniversário da criação da FRELIMO. A criação da unidade do Povo Moçambicano do Rovuma ao Maputo forneceu-nos o instrumento indispensável para o desencadeamento do processo de libertação. É a unidade que constitui a força motriz da nossa ação. A transformação da nossa unidade em força operativa, por outras palavras, o desencadeamento da luta armada em 25 de Setembro de 1964, criou as condições para o início de um processo radical de transformações no nosso País.
A celebração recente do oitavo aniversário do começo da luta armada de libertação nacional reveste-se numa grande importância, porque a luta já se transformou em Revolução e esta estende-se, progressivamente, a todas as regiões da nossa Pátria, como o testemunha a recente abertura da frente de Manica e Sofala.
O oitavo aniversário que celebrámos corresponde a uma fase avançada do processo de desagregação do esforço militar e político do inimigo. Entramos agora, como definiu a recente reunião do Comité Central, numa etapa de ofensivas generalizadas das nossas forças no domínio político-militar, uma etapa que conduzirá ao estabelecimento duma correlação de forças com o inimigo a nosso favor.
A clarificação constante e o aprofundamento da nossa linha, que têm vindo a realizar-se nestes 4 anos e meio que se seguiram ao II Congresso, tornaram possível os sucessos obtidos, forneceram-nos a orientação necessária que nos permitiu chegar ao momento presente. É este o contexto em que amadureceram as condições que nos levaram à convocação desta Conferência.
O início desta Conferência quase coincide com o dia 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, dia em que toda a humanidade progressista reafirma solenemente o seu apoio à luta da mulher pela sua libertação. Esta coincidência feliz deve ser um estímulo para nós, pois nos chama a atenção para o facto de a nossa luta não estar isolada, nos mostra que o combate da mulher é um combate da humanidade e nos faz sentir os progressos já realizados.
O objetivo central da Conferência é o de estudar as questões referentes à emancipação da mulher, encontrar as linhas de ação que a levarão à sua emancipação. Mas uma pergunta surge: Porquê preocuparmo-nos com a emancipação da mulher? Põe-se ainda outra questão: qual a razão para convocarmos agora esta Conferência?
Existem pessoas no nosso seio, a organização está consciente disso, que acham que devemos consagrar todos os nossos esforços à luta contra o colonialismo, que a tarefa da emancipação da mulher neste quadro é secundária, pois leva-nos a um desperdício das nossas forças. Acrescentam ainda que a situação em que vivemos, com escassez de escolas, com poucas mulheres instruídas, com as mulheres apegadas à tradição, não nos fornece as bases de partida para uma acção consequente; por isso importa aguardar a independência, a construção duma base económica, social e educacional sólida para desencadear a batalha.
Outros dizem ainda, interpretando tendenciosamente os Estatutos, que é necessário respeitar certas particularidades tradicionais locais, que não as podemos combater nesta fase, pois arriscamo-nos a perder o apoio das massas. Esses perguntam então: qual a necessidade, neste momento, de emancipar a mulher, quando a maioria esmagadora das mulheres é indiferente ao assunto? No fim de contas, concluem, a emancipação é artificial, é imposta pela FRELIMO às mulheres.
Esta é uma questão muito séria. Exige estudo e ideias claras.
A emancipação da mulher não é um ato de caridade, não resulta duma posição humanitária ou de compaixão. A libertação da mulher é uma necessidade fundamental da Revolução, uma garantia da sua continuidade, uma condição do seu triunfo. A Revolução tem por objetivo essencial a destruição do sistema de exploração, a construção duma nova sociedade libertadora das potencialidades do ser humano e que o reconcilia com o trabalho, com a natureza. É dentro deste contexto que surge a questão da emancipação da mulher.
Duma maneira geral, no seio da sociedade, ela aparece como o ser mais oprimido, mais humilhado, mais explorado. Ela é explorada até pelo explorado, batida pelo homem rasgado pela palmatória, humilhada pelo homem esmagado pela bota do patrão e do colono.
Como fazer triunfar a Revolução sem libertar a mulher? Será possível liquidar-se o sistema de exploração, mantendo uma parte da sociedade explorada? Não se pode liquidar só uma parte da exploração e da opressão, não se pode arrancar metade das raízes da erva ruim sem que esta renasça mais forte ainda a partir da outra metade que sobreviveu.
Como fazer então a Revolução sem mobilizar a mulher? Se mais de metade do povo explorado e oprimido é constituído por mulheres, como deixá-las à margem da luta? A Revolução para ser feita necessita de mobilizar todos os explorados e oprimidos, por consequência as mulheres também. A Revolução para triunfar tem que liquidar a totalidade do sistema de exploração e opressão, libertar todos os explorados e oprimidos, por isso tem que liquidar a exploração e opressão da mulher, é obrigada a libertar a mulher.
Considerando ainda a necessidade fundamental de a Revolução ser prosseguida pelas novas gerações, como poderemos assegurar a formação revolucionária das gerações de continuadores, se a mãe, primeira educadora, se encontra à margem do processo revolucionário? Como fazer do lar do explorado, do oprimido, uma célula do combate revolucionário, um centro difusor da nossa linha, um estímulo para o engajamento da família, quando a mulher permanece apática a este processo, indiferente à sociedade que está sendo criada e surda ao apelo do Povo?
Dizer-se que a mulher não sente a necessidade de se libertar, ou que muitas vezes é a FRELIMO, e não as mulheres, quem defende a emancipação da mulher — é um argumento sem peso, que não resiste à análise. As mulheres sentem essa dominação, sentem a necessidade de modificar a sua situação. O que existe é que a dominação exercida pela sociedade, asfixiando lhes a iniciativa, impede-as frequentemente de exprimirem as suas aspirações, impede-as de conceberem os métodos da sua luta. É a este nível que intervém a FRELIMO, vanguarda consciente das mulheres e homens de Moçambique, do Povo oprimido; ela formula a linha, indica os métodos de combate.
Devemos compreender o fenómeno para evitar os falsos debates, os debates inúteis.
Surge ainda a questão de saber qual é o momento oportuno para desencadear a luta pela emancipação da mulher.
Não podemos limitar o processo revolucionário a certos aspectos, negligenciando outros, porque a Revolução seria bloqueada, seria destruída. As raízes do mal que desprezamos para arrancar mais tarde transformar-se-iam em raízes de cancro que nos destruiriam, invadindo o corpo inteiro, antes de chegarmos a esse “mais tarde”.
A FRELIMO nas condições atuais já não pode fazer a luta armada sem fazer a Revolução. A condição para o desenvolvimento da luta armada é atingir as raízes da exploração. A ideia de esperarmos para, mais tarde, emancipar a mulher, é errónea, significa deixarmos as ideias reacionárias ganharem terreno para as combatermos quando estão fortes. É não combater o jacaré nas margens do rio, para o combatermos quando se encontra no meio da água.
A luta armada, agindo como cápsula incubadora, criou já as condições para que as massas estejam receptivas às ideias de progresso e revolução. Não desencadearmos a batalha quando as condições estão maduras é uma falta de visão política, um erro estratégico.
É esta ligação íntima e indissolúvel entre revolução e libertação dá mulher que nos permite compreender também porque é que só agora surge esta Conferência, e não há 5 anos atrás, por exemplo. Recuemos a uma outra experiência que vivemos: a LIFEMO. A LIFEMO criou-se em Mbeya, em Junho de 1966. Nessa reunião, onde só participaram praticamente elementos marginais na luta, elas elegeram uma direção ignorante da luta e do País, e fixaram-se algumas tarefas, fora das perspectivas reais da luta. Poucos meses depois da Conferência da LIFEMO, da sua Direção só restavam os nomes. Como um fruto podre, a LIFEMO decompôs-se por si própria. Porquê?
Quando a LIFEMO se constituiu, em que fase se encontrava a FRELIMO, a revolução moçambicana e a mulher? A FRELIMO ainda não tinha estruturas sólidas, a sua linha não estava suficientemente compreendida e assumida, porque ainda não fora posta à prova pela luta. Os seus quadros e direção não estavam suficientemente temperados pela luta, não possuíam experiência.
Esta situação em que a linha, embora clara, não está assumida, em que as estruturas não são sólidas, a direção não é experiente e os quadros não estão temperados, bloqueava o aprofundamento da linha na prática. Não podíamos distinguir o fundamental do secundário, definir corretamente as nossas tarefas, dando prioridade ao principal. Assim, encontrava-se ainda muito embrionário o processo de desenvolvimento da popularização da guerra, ponto de partida, nas nossas condições, para a transformação da luta em Revolução.
Podemos, pois dizer que, no momento da criação da LIFEMO, o processo revolucionário ainda se encontrava na sua fase inicial. Neste quadro compreende-se a dificuldade de se travar a batalha pela emancipação da mulher. Ela é inseparável do desenvolvimento da Revolução.
Por consequência, para a LIFEMO, falar de emancipação da mulher era apenas um exercício verbal, vazio, uma imitação do que se fazia no mundo, uma moda superficial.
Assim era porque nesse momento a mulher em geral não aparecia engajada na luta. E o que é mais importante ainda, as que estavam engajadas foram discriminadas, não foram convidadas a participar na Conferência. Sem engajamento, sem tarefa, a LIFEMO estava condenada a definhar, a tornar-se anêmica e morrer. E foi isto, precisamente, o que aconteceu.
Hoje existem realmente as condições para o desencadeamento vitorioso da batalha. A linha da FRELIMO foi assumida e aprofundou-se na prática, os nossos quadros ganham experiência, temperam-se na luta e assim o processo de purificação das nossas fileiras desencadeou-se. O processo revolucionário afirmou-se, a luta transformou-se já em Revolução, a unidade nacional torna-se unidade ideológica.
A participação da mulher na luta armada, tarefa principal na nossa etapa histórica, permite-lhe materializar a nossa unidade e cria as condições para a transformação da sua consciência: sentir-se responsável, aceder ao engajamento consciente, assumir a análise crítica, compreender que a sociedade é criada por nós. Sopra pois o vento da Revolução, e com ele obrigatoriamente sopra o vento da emancipação da mulher. O Comitê Central da FRELIMO fez-nos içar as velas, o momento é favorável para navegarmos.
Fonte |
Inclusão | 24/11/2015 |