Marx e os Sindicatos
O Marxismo Revolucionário e o Movimento Sindical

A. Losovski


Capítulo VII - Marx e a Luta pelas Reivindicações Parciais da Classe Operária


capa

Será útil lutar pela diminuição da jornada de trabalho, pelo aumento dos salários, etc.? Eis a questão teórico-política colocada no centro da luta científica e política, a que Marx se entregou no curso de largas décadas. Esta forma de abordar a questão parece-nos hoje estranha e até indigna de merecer nossa atenção; e assim é, porque Marx realizou importante trabalho científico e político neste sentido. Vimo-lo lutar com Proudhon, Lassalle, Weston, isto é, com todos os representantes do socialismo pequeno-burguês, inglês e alemão, a propósito da utilidade dos sindicatos, das greves, da definição dos salários, do problema do preço, lucro, etc.... Tanto Proudhon como Weston inspiraram-se nos economistas pequeno-burgueses. Estes procuram demonstrar, invocando Deus e a ciência, que a luta dos sindicatos pela melhoria da situação dos proletários é estéril, na maioria dos casos, e transgride todas as leis divinas e humanas. No primeiro tomo de “O Capital”, Marx reuniu um rico manancial de razões “científicas”, anti-proletárias, de Adam Smith, John Stuart Mill, Mac Colloch, Uré, Bastiat, Say, James Sterling, Cairus, Walker, etc. Com o fim de demonstrar até que ponto todas estas “doutas” dissertações estavam saturadas de espírito patronal, vou fazer algumas citações:

“Todo capital se reparte, equitativamente, mediante transações de mercado, entre todos os trabalhadores. É absurdo, portanto, supor que os esforços dos capitalistas para conseguir o barateamento do trabalho, possam exercer a menor influência sobre o preço médio” (Mac Culloch).

“Supõe-se que, em cada momento dado, existe certa soma de riqueza incondicionalmente destinada à retribuição do trabalho. O total desta soma não se pode considerar variável, pelo fato de aumentar com a economia e crescer com o progresso da sociedade; porém, em cada momento dado, esta soma é uma grandeza estritamente determinada. Considera-se que a classe dos trabalhadores assalariados não pode de maneira alguma repartir entre seus membros uma soma maior; porém, tampouco, pode receber uma retribuição inferior a esta soma. E, uma vez que a soma a distribuir entre os trabalhadores está determinada, os salários de cada um dependem exclusivamente do divisor, do número de participantes na distribuição.” (John Stuart Mill).

“O que se paga pelo trabalho em cada país, constitui parte determinada do capital acumulado em momento dado, que não pode ser aumentado com a intervenção consciente do governo, nem pela influência da opinião pública, nem pela associação dos trabalhadores. Em cada país existe também um determinado número de trabalhadores, que não pode ser diminuído pela intervenção consciente do governo, nem pela influência da opinião pública, nem pela associação dos trabalhadores. É preciso que a parte do capital disponível em momento dado, seja repartida entre esses trabalhadores” (Parry).

“Se qualquer sindicato houvesse conseguido a supressão da concorrência, aumentando assim, de um modo anormal, os salários, e diminuindo o lucro em qualquer indústria, uma dupla reação trataria de restabelecer o equilíbrio natural. O crescimento da população aumentaria a oferta de trabalho, enquanto o fundo diminuído dos salários reduziria a procura da mão de obra. A ação combinada destes dois fatores, tarde ou cedo, obteria a vitória sob as tendências de qualquer sindicato, fazendo voltar ao seu nível natural os lucros e os salários. E é inútil os sindicatos se atirarem contra essas barreiras. Será impossível rompê-las ou afastá-las por meio de qualquer associação, mesmo geral, porque essas barreiras foram erguidas pela própria natureza” (Cairus).

“O trade-unionismo encontrava-se ante este dilema: vencedor ou vencido em seu objetivo imediato, o resultado final será desfavorável aos trabalhadores. Se sofresse uma derrota em sua exigência a respeito de salários mais elevados, todos os gastos de organização, tanto em dinheiro como em energia, seriam inúteis... E se conseguisse, por algum tempo, um êxito aparente, o resultado final seria ainda mais desastroso.

As leis naturais violadas, restabelecerão sua autoridade por meio de uma reação inevitável. O mortal vaidoso que se atreva a opor a própria vontade às influências divinas, atrai sobre si um castigo inexorável. Seu êxito passageiro desaparece, e paga com largos sofrimentos a efêmera vitória” (James Sterling).(1)

Em resumo, o sentido de todas essas “doutas” pesquisas, reduz-se ao seguinte:

“Os sindicatos e as greves não podem trazer proveitos à classe dos trabalhadores assalariados” (Walker).

“A ciência não conhece benefícios patronais de nenhuma espécie” (Schulze Delisch).

Todas estas sábias dissertações nos parecem agora simplesmente ridículas, mas foram a opinião dos corifeus da ciência econômica daqueles tempos, e a influência dessas ideias foi tão forte, que repercutiu nas sessões do Conselho Geral da Associação Internacional de Trabalhadores.

Toda a significação política dessas teorias foi formulada rapidamente por Marx, em sua intervenção contra Weston:

“Consequentemente, se os trabalhadores se esforçam por conseguir uma elevação passageira , dos salários, agem tão nesciamente como os capitalistas, que procuram uma passageira redução dos mesmos.”(2)

Marx pressentia tudo que havia de perigoso em tais teorias, para o movimento proletário; por isso, abriu fogo cerrado contra os economistas burgueses e seus discípulos socialistas, valendo-se de toda força de sua inteligência e paixão. O primeiro tomo de “O Capital” constitui um golpe mortal para as autoridades burguesas da ciência econômica. Marx demonstrou o que há de falso na teoria “do fundo dos salários”, e descobriu os “mistérios” da mais-valia e da acumulação primitiva; provou, baseando-se em documentação irrefutável, como se determina o salário, como se cria o valor e a mais-valia, qual é a diferença entre o trabalho e a força de trabalho, etc.... A disputa desenvolveu-se em torno desta questão: que mercadoria vende o proletário? Seu trabalho ou sua força de trabalho? E que diferença existe entre o trabalho e; força de trabalho?

“O trabalho é a substância e a medida imanente dos valores; porém, ele próprio, carece de valor”, disse Marx (O Capital).

Partindo dessa definição, Marx desvenda os mistérios do salário e da mais-valia, “pedrá angular de todo o sistema econômico de Karl Marx”. (Lenine).

“A história — escreve Marx — precisou de tempo para decifrar o segredo do salário” (Marx — (O Capital).

Acrescentemos que, mesmo após a decifração do segredo, a luta em torno desta questão não cessou um só instante, porque a tese de Marx: “mais-valia é o objetivo imediato e o motivo determinante da produção capitalista”, afeta interesses de classe. E é conhecido o velho ditado: “se os axiomas geométricos afetassem os interesses dos homens, seguramente tratar-se-ia de refutá-los”. (Lenine).

Uma prova das paixões produzidas pela questão da mais-valia, temo-la no fato de que não há um só professor, por medíocre, que não tente refutar Marx, provocando, consciente, ou inconscientemente, uma completa confusão. Aos confusionistas inconscientes, pertencem figuras de ciência, com Sidney e Beatriz Webb, que afirmam que Marx e Lassalle reivindicavam o direito ao produto integral do trabalho. Esta deformação do ponto de vista de Marx causou indignação ao tradutor russo, que acrescentou a seguinte objeção: — “os autores compreendem falsamente a Marx, que se opôs decididamente à doutrina do direito do trabalhador ao produto integral do trabalho. Veja-se a Crítica ao programa de Gotha.”(3)

Esta modesta observação pertence a Lenine, que achando-se confinado na Sibéria, na aldeia de Chucheraskoe, distrito de Minusinsk, traduziu, em colaboração com N. S. Krupskaia, os dois volumes da obra dos Webb.(4)

Ao desfraldar a bandeira de insurreição contra a ciência econômica burguesa, Marx não ignorava que iria provocar grandes e sérias questões. Será que a classe proletária seguirá teórica, e, portanto, também politicamente, a economia política e a política burguesa? Ou forjará ela sua própria arma teórica, para a luta contra a ideologia e a política da classe capitalista?

A questão da teoria abstrata transformava-se, como vemos, em uma questão essencialmente prática: É necessário criar sindicatos? Convém lutar pela diminuição da jornada de trabalho? Qual é o valor da legislação fabril para a classe operária? Em uma palavra, era a significação das reivindicações parciais na luta geral da classe proletária, que começava a preocupar. Aí, além da teoria, foi decisiva a experiência da luta das massas. Por isso, é invocada constantemente por Marx, em “O Capital”, a experiência da luta.

“Os operários fabris ingleses foram os campeões, não só da classe proletária inglesa, como de toda classe proletária daquela época. Da mesma forma, seus teóricos foram os primeiros a atirar a luva à teoria de ‘O Capital’”.(5)

Os operários do país capitalista mais avançado naquela época, destruíram, com sua luta tenaz, as teorias dos sábios burgueses. Partindo da experiência e aproveitando a teoria revolucionária, Marx expulsava os panegiristas do capital, das cumeeiras da ciência econômica.

A política sindical de classe deve ter seu ponto de partida na luta por uma jornada de trabalho reduzida, por elevados salários, pela proteção do trabalho feminino e infantil, por uma ampla legislação fabril, etc.... Porém, para iniciar a luta por essas reivindicações parciais, é preciso compreender seu papel e significado na luta geral da classe proletária, e, ao mesmo tempo, estudar as causas da formação da legislação social. A atividade de Marx foi, neste sentido, admirável. Foi ele quem analisou enorme quantidade de relatórios de inspetores de fábricas inglesas, e estudou toda a legislação anti-proletária da Inglaterra, Alemanha e França. Foi ele quem apresentou, em toda sua amplitude, o problema da jornada de 8 horas e definiu, sob o ponto de vista de princípio, a atitude em face da legislação fabril, etc.... É suficiente folhear o primeiro tomo de “O Capital”, e nele se verá que a questão da compra e venda da força de trabalho, das formas e grau de exploração da mesma, do valor da força de trabalho, ocupa posição central. Marx, porém, não se limitou a consagrar grande parte do primeiro tomo de “O Capital” à luta teórica contra os economistas burgueses. No mesmo tomo, explica politicamente a atitude que os operários devem adotar na luta pelas reivindicações imediatas. Aponta quais as causas, e a origem da legislação fabril.

“Contra sua vontade, cedendo à pressão das massas, o parlamento inglês renunciou à lei contra as greves e as trade-unions, depois de ocupar, durante cinco séculos, com um egoísmo descarado, a posição de uma organização permanente dos capitalistas contra os proletários” (O Capital).

Marx não só pôs a nu as aspirações dos capitalistas, no que concerne à exploração dos trabalhadores, à proibição das coalizões, das greves, etc., mas também, desde os primeiros dias do seu aparecimento na arena política, empreendeu a luta pela liberdade dos sindicatos e das greves, pela legislação sobre a jornada de trabalho, etc. Testemunham-no toda sua atividade política e literária, todos os seus folhetos, discursos e livros, mesmo antes da organização da Associação Internacional de Trabalhadores, antes da publicação do primeiro tomo de “O Capital”.

A proclamação inaugural da Associação Internacional de Trabalhadores, escrita por Marx, começa assim:

“É muito significativo o fato de que, desde 1848 a 1864, não diminuiu a miséria da classe proletária..

Em seguida, Marx escreve sobre as condições da conquista e importância da legislação proletária:

“Após uma luta de 30 anos, sustentada com a maior perseverança, a classe trabalhadora inglesa, aproveitando-se duma dissidência momentânea entre os proprietários de terra e os capitalistas, conseguiu arrancar o bill das dez horas. As imensas vantagens físicas, morais e intelectuais que resultaram para os operários manufatureiros, foram anotadas nas Memórias bianuais dos inspetores das fábricas. Hoje, comprazem-se em reconhecê-las sem hesitação, em todas as partes. A maioria dos governos continentais foi obrigada a aceitar a lei inglesa das manufaturas, sob forma mais ou menos modificada. O próprio Parlamento inglês viu-se forçado, de ano a ano, a estender e ampliar o círculo de sua ação.

O bill das dez horas não foi só um triunfo prático; foi também o triunfo de um princípio. Pela primeira vez, a economia política da burguesia foi derrotada pela economia política da classe proletária.”(6)

Aí temos a importância que Marx atribuía à luta tenaz dos proletários pela diminuição da jornada de trabalho, e pelas demais conquistas nesse sentido. Não valorizava a legislação operária, mas julgava indispensável combater a supervalorização da luta das massas proletárias por suas reivindicações imediatas.

Desse modo, o Conselho Geral da Associação Internacional de Trabalhadores formulou, em 21 de julho de 1865, por proposta de Marx, a seguinte ordem do dia, para o Congresso de Genebra:

I — Unificação, com o concurso da Internacional, das ações realizadas nas lutas entre o capital e o trabalho, nos diversos países.

II — Os sindicatos. Seu passado, presente e futuro.

III — Trabalho cooperativo.

IV Impostos diretos e indiretos.

V — Redução das horas de trabalho.

VI — Trabalho feminino e infantil.

VII — A invasão moscovita na Europa e o restabelecimento de uma Polônia independente e integral.

VIII — Os exércitos permanentes, sua influência sobre os interesses da classe proletária.”

Vemos que a maioria das discussões reservadas à ordem do dia são dedicadas às questões da situação política e econômica da classe proletária. A causa dessa atitude é a seguinte:

“A situação da classe proletária — escreve Engels — é a verdadeira base e o ponto de partida de todos os movimentos sociais da História contemporânea.”

Na segunda Assembleia do Conselho Geral, Marx recomenda, em nome de uma comissão especial, propor ao Congresso de Genebra, que organize o estudo da situação da classe proletária, de acordo com o seguinte esquema:

  1. — Ofício;
  2. — Idade e sexo dos trabalhadores;
  3. — Número dos ocupados;
  4. — Condições de contrato e salários; — a) aprendizes; b) salário por tempo, por empreitada, ou se o pagamento se realiza segundo o rendimento médio do operário;
  5. — As horas de trabalho; a) na fábrica, b) nos pequenos fabricantes, ou o trabalho a domicílio; trabalho diurno e noturno;
  6. — Intervalo para refeição. Atitude do patrão para com os operários;
  7. — Estado dos locais de trabalho, aglomeração, ventilação, insuficiência de luz natural, iluminação a gás, etc.; Higiene;
  8. — Natureza das ocupações;
  9. — Influência do trabalho no estado físico;
  10. — Condições morais. Instrução, situação da indústria no ramo em questão. Se o trabalho só é realizado em determinada estação, ou se é distribuído mais ou menos regularmente durante todo o ano. Se se observam flutuações sensíveis. Se a produção está destinada ao consumo interno, ou à exportação.

Este projeto completo é bastante extenso, definindo claramente o afinco com que Marx trabalhou no problema da situação da classe proletária. Ao contrário de Proudhon e Bakunin, interessavam-lhe os fatos e não a retórica.

É também muito interessante o programa de reivindicações parciais elaboradas por Marx, para o Congresso de Genebra da A. I. T. Este programa termina com o capítulo “O passado, presente e futuro dos sindicatos” (consultar o capítulo “a posição dos sindicatos na luta geral de classe do proletariado”), e abrange, além da questão da estrutura orgânica da Associação Internacional de Trabalhadores, os seguintes problemas: formação de sociedades mutualistas; relatório estatístico sobre a situação da classe proletária em todos os países, feito pelos próprios trabalhadores; índice detalhado das questões, para recopilação do material estatístico; o problema da redução da jornada de trabalho e implantação da jornada de trabalho de 8 horas; proibição do trabalho noturno para as mulheres; o trabalho infantil limitado a duas, quatro e seis horas, de acordo com a idade dos meninos e meninas. Educação escolar das crianças, incluindo educação intelectual, física e técnica; combinação do trabalho produtivo e da educação intelectual das crianças, etc....

O mesmo relatório dedica um capítulo especial, à formação de cooperativas. Assinala que o objetivo da A. I. T. é combater as manobras dos capitalistas sempre dispostos, em caso de greve ou lock-out, a aproveitar os operários estrangeiros como instrumento destinado o sufocar as justas reivindicações dos trabalhadores locais; combinar, generalizar, e dar maior uniformidade aos esforços ainda dispersos, que se empregam nos diversos países, para a emancipação da classe proletária; desenvolver entre os trabalhadores dos diversos países, não só o sentimento de fraternidade, mas também sua manifestação efetiva, e unificá-los para a formação do exército emancipador.

O relatório contém outro capítulo especial, sobre os impostos diretos e indiretos, sobre a necessidade de suprimir a influência russa na Europa, para concretizar o direito dos povos de disporem livremente de si mesmo, sobre o restabelecimento da Polônia, sob base democrática e social, e a respeito da influência funesta dos exércitos permanentes. Contém, finalmente, a famosa ordem “quem não trabalha não come.” Temos aí uma ideia do caráter deste documento, que serviu de ponto de partida para a elaboração de programas de reivindicações concretas, em todos os países capitalistas.

Por que Marx teria julgado necessário elaborar, para o Congresso de Genebra, um plano detalhado? Por que colocou no vértice do ângulo as reivindicações econômicas do proletariado? Ele mesmo o explica, em carta a Kugelmann, em 9 de outubro de 1866:

“Limitei, intencionalmente, o programa, aos pontos que permitam aos proletários um acordo imediato e uma ação de conjunto, e que correspondam às necessidades da luta de classes e à organização dos proletários como classe, estimulando-os.”

Eis Marx de novo como político e como tático. Procura obter a colaboração dos proletários para ações conjuntas, vendo nisso, justamente, a promessa “da organização dos proletários como classe”. Ei-lo, com especial relevo, como tático, que sabe qual a corrente a que se deve prender no momento dado e na situação concreta, para unificar as massas e conduzi-las à batalha. Nossos Partidos Comunistas e sindicatos revolucionários jamais devem esquecer, mas relembrar sempre, a brilhante arte tática de Marx.

O Congresso de Genebra da A. I. T. resolveu o seguinte:

“Declaramos que a limitação da jornada de trabalho é a condição prévia, sem a qual todas as demais aspirações de emancipação sofrerão inevitavelmente um fracasso. Propomos que a jornada de 8 horas seja reconhecida como limite da jornada de trabalho.”

A jornada de 8 horas, que mais tarde passou a ser a palavra de ordem de todo o proletariado internacional, foi lançada, justamente, no momento em que, em todos os países capitalistas, excetuando-se a Inglaterra, a jornada de trabalho era de 14 horas. Vemos, assim, que a I Internacional dava ordens inspiradas nas tendências gerais de progresso do movimento proletário, e não exclusivamente nas questões imediatas.

Queremos mencionar que nos Congressos da Internacional Comunista e da Internacional Sindical Vermelha, houve comunistas que manifestaram-se contra a jornada de 8 horas, baseando-se em que a jornada de trabalho, em alguns países e em algumas indústrias, alcançava realmente de nove a dez horas.

Marx atribuía grande importância à diminuição legal da jornada de trabalho e à legislação proletária. Lutava contra os bakuninistas, que tentavam demonstrar, através do boletim da Federação do Jura, a inutilidade da legislação proletária.

A que distância está o ponto de vista de Marx sobre a legislação proletária, da reclamação altissonante (Marx diria: “transcendental”) dos bakuninistas, sobre a inutilidade da mesma!

“A fixação de uma jornada de trabalho normal escreve Marx — é o resultado de uma guerra civil prolongada, mais ou menos encoberta, . entre a classe capitalista e a classe proletária. Para libertar-se da víbora que provoca os seus sofrimentos (Heine) os trabalhadores devem unificar-se como classe, e arrancar a lei que, poderosa barreira social, os impede de se venderem livremente ao capital, condenando-os, e a seus descendentes, à escravidão e à morte.” (O Capital).

A luta dos comunistas pelas reivindicações parciais, assim como o seu programa para depois da tomada do poder, serviu de pretexto aos anarquistas para acusarem Marx e os marxistas de “mentalidade burguesa” e de renúncia à revolução. Premeditadamente, confundiram os críticos de Marx com o próprio Marx, fazendo passar o revisionismo por marxismo. Os anarquistas colocavam, como ponto central do debate, a questão do Estado, e, sob este ponto de vista, julgavam e condenavam Marx e o marxismo. A este respeito, é característica a “crítica” feita pelo anarquista

Cherkesov, aos dez pontos do “Manifesto Comunista”, que o proletariado deverá aplicar (segundo Marx e Engels), após a revolução proletária, enquanto se transforma em classe dominante.

MARX E ENGELS CHERKESOV
1) Expropriação da propriedade da terra, e utilização da renda
fundamental, para as despesas do Estado.
1) Toda a terra ao Estado! Na Turquia, a terra é propriedade
do Estado, do Sultão, que cede parte dela aos fiéis.
3) Confisco dos bens dos emigrados e dos rebeldes. 3) Velha infâmia praticada por todos os déspotas e tiranos.
8) Trabalho obrigatório para todos. 8) Coisa humilhante tomada dos jesuítas paraguaios.

Abstenho-me de citar as mais profundas observações “críticas” de Cherkesov, que procura demonstrar que o Manifesto Comunista não é mais que um plágio literário. Isto basta para compreender o grau de “revolucionarismo” dos expoentes do anarquismo russo, que consideram o confisco das propriedades dos emigrados e contrarrevolucionários como uma “infâmia”.

Para completar este quadro, é necessário assinalar que este mesmo Cherkesov lança raios e trovões contra as reivindicações parciais, procurando provar que reivindicações como a da jornada de 8 horas, a proibição do pagamento dos salários em mercadorias, o estabelecimento da responsabilidade do patrão pela perda completa, ou parcial, da capacidade de trabalho do proletário, etc., não são mais que legislação proletária do Estado burguês, sem nenhuma relação com o verdadeiro socialismo.

Esta diversidade de atitudes perante a luta pelas reivindicações imediatas, distingue o trabalho cientifico-prático de Marx, do de seus adversários proudhonianos e bakuninistas. Marx recopilava os materiais com enorme perseverança, e construía todas as suas conclusões sob a base sólida dos fatos. Estudava inicialmente as circunstâncias e os fatos, e somente depois disso é que tirava conclusões, ação que os teóricos anarco-sindicalistas ignoram completamente.

Marx atribuía grande importância à elucidação da situação da classe proletária. É o que podemos observar no questionário que preparou em 1880, para os proletários, publicado com sua introdução, na revista socialista de 2 de abril desse ano. Marx fundamenta essa necessidade da seguinte maneira:(7)

“Nenhum governo, (monárquico ou republicano burguês), atreveu-se a empreender um inquérito sério sobre a situação da classe proletária francesa. Porém, quantos inquéritos sobre as crises agrícolas, -financeiras, industriais, comer ciais, políticas!

As infâmias da exploração capitalista, reveladas pelo inquérito oficial do governo inglês; as consequências legislativas que estas revelações trouxeram (redução por lei da jornada a 10 horas, }eis sobre o trabalho das mulheres e das crianças, etc.) obrigaram a burguesia francesa a temer ainda mais os perigos que poderia trazer um inquérito imparcial e sistemático.

Na esperança de podermos impedir o governo republicano de imitar o governo monárquico da Inglaterra, abrindo inquérito sobre os fatos e os defeitos graves e fatais da exploração capitalista, tentaremos, com os meios débeis de que dispomos, empreender um inquérito semelhante. Esperamos obter o apoio de todos os proletários das cidades e dos campos, que compreendam que somente eles podem descrever, com completo conhecimento de causa, os males que os esmagam Que só eles} e não seus salvadores, redentores providenciais, podem aplicar os remédios, energicamente, aos males sociais de que padecem. Cremos também que todos os socialistas, todas as escolas, que almejam uma reforma social, devem desejar também um conhecimento preciso e positivo das condições em que trabalha e se agita a classe proletária, a classe a quem pertence o futuro.

Esse questionário sobre as condições de trabalho, deve ser a tarefa primordial da democracia socialista, para preparar a renovação social.”

O próprio inquérito é em si um documento minucioso, amplamente elaborado, que merece a mais cuidadosa atenção. Sua base repousa nas questões já apresentadas por Marx em 1865-66; porém, como pretendia demonstrar aos trabalhadores e aos próprios socialistas franceses, a ligação orgânica entre a política e a economia — que foi e continua sendo o ponto mais débil do movimento revolucionário na França, — ampliou consideravelmente o inquérito, introduzindo também uma série de perguntas, para esclarecer ainda mais o tema. As 100 perguntas do inquérito abrangem as fórmulas de salário, a proteção ao trabalho, ao nível de vida, a duração da jornada de trabalho, as formas de solução dos conflitos, a maneira por que o patrão exerce influência sobre os trabalhadores, a questão do auxílio mútuo, as formas de intervenção 'dos órgãos do Estado nas lutas entre o capital e o trabalho, as variedades e formas das sociedades de auxílio mútuo, voluntárias e obrigatórias, o número e caráter das sociedades de resistência, o caráter e a duração das greves, etc. ...

Para as tradições proudhonianas e blanquistas do movimento proletário na França, o inquérito foi de grande importância, porque expunha o problema da defesa legal do trabalho, da estreita relação existente entre a economia ea política. Uma investigação séria, embora só atingisse algumas dezenas de empresas, de acordo com o inquérito, traria uma preciosa documentação para concretizar a tático do movimento proletário da época; mas, foi publicado numa revista cuja tiragem não excedia de 25 mil exemplares. Finalmente, o inquérito foi esquecido.

Isto caracteriza o nível e a falta de vínculos políticos entre o movimento socialista francês daquela época e as massas. O fim que Marx se propunha na introdução do inquérito, não foi atingido. Porém, sem dúvida, esse inquérito representa um modelo de ligação da prática com a teoria, da economia com a política.

Marx acompanhava com extrema atenção o que se passava entre as massas operárias, e isso servia-lhe de meio para comprovar sua tática. F. R. Lessner escreve em suas memórias:

“Marx atribuía grande importância ao contacto e às conversas com os proletários. Considerava sumamente importante prestar atenção à opinião do proletariado sobre o movimento.”(8)

Marx prestava atenção ao que diziam os trabalhadores, procurava saber o que pensavam e como reagiam ao meio ambiente. Compreendia que nem todas as suas obras eram acessíveis a um operário médio, porém sabia, também, que sua doutrina era a expressão consciente de um processo histórico inconsciente. Em suas relações com os proletários, estudava-se a si mesmo, e a força de seu gênio lhe permitia formular o que os trabalhadores sentiam instintivamente. Lutando pelas reivindicações parciais, Marx sabia o lugar que ocupavam na luta geral de classes do proletariado. A este propósito, disse no “Manifesto Comunista”:

“Os comunistas lutam em nome dos objetivos e dos interesses imediatos da classe proletária; defendem, porém, ao mesmo tempo, o futuro do movimento.”

Essa é a razão porque Marx sempre esteve ao par do movimento contemporâneo, e expôs sempre questões atuais.


Notas de rodapé:

(1) Sidney e B. Webb: “A teoria e a prática do trade-unionismo inglês”, e Marx: “O Capital”, T. I. (retornar ao texto)

(2) Marx: Salário preço e benefício. (retornar ao texto)

(3) Krupskaia: — “Memórias”. (retornar ao texto)

(4) A teoria e a prática do trade-unionismo inglês. (retornar ao texto)

(5) Marx: “O Capital” T. I. (retornar ao texto)

(6) KARL MARX: 1.° manifesto da A. I. T. “História da Seção Espanhola da Internacional” de J. J. Morato. (retornar ao texto)

(7) O texto completo pode ser visto nos nºs. 2, 3 da “A Internacional Comunista de 1933”. (retornar ao texto)

(8) F. LESSNER: "Recordações de um operário sobre Marx" e o livro "Marx como homem, pensador e revolucionário". (retornar ao texto)

Inclusão 18/09/2019