Teses do informe sobre a tática do Partido Comunista da Rússia ao III Congresso da Internacional Comunista Projeto inicial
III Congresso da Internacional Comunista. 22 de junho/12 de julho de 1921

Vladimir Ilitch Lênin

13 de junho de 1921


Primeira edição: O texto integral foi publicado, pela primeira vez, em 1921, no folheto Teses do Informe Sobre a Tática do PC da Rússia ao III Congresso da Internacional Comunista. V. I. Lênin, Obras, 4.ª ed. em russo, t. 32, págs. 429/437

Fonte: A aliança operário-camponesa, Editorial Vitória, Rio de Janeiro, Edição anterior a 1966 - págs. 578-586

Tradução: Renato Guimarães, Fausto Cupertino Regina Maria Mello e Helga Hoffman de "La Alianza de la Clase Obrera y el Campesinado", publicado por Ediciones en Lenguas Extranjeiras, Moscou, 1957, que por sua vez foi traduzido da edição soviética em russo, preparada pelo Instituto de Marxismo-Leninismo adjunto ao CC do PCUS, Editorial Política do Estado, 1954. Capa e apresentação gráfica de Mauro Vinhas de Queiroz

HTML: Fernando Araújo.

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1. A situação internacional da RSFSR

capa

A situação internacional da República Socialista Federativa Soviética da Rússia é atualmente caracterizada por um certo equilíbrio que, embora sendo instável ao extremo, criou uma conjuntura peculiar na política mundial.

Esta peculiaridade consiste no seguinte: por um lado, a burguesia internacional, cheia de ódio e hostilidade raivosos contra a Rússia soviética, a todo momento está disposta a lançar-se sobre ela e estrangulá-la. Por outro lado, todas as tentativas de intervenção militar, que custaram a essa burguesia centenas de milhões de francos, terminaram por um completo fracasso, apesar do fato de que o Poder Soviético era então mais fraco do que agora e de que os latifundiários e capitalistas russos tinham exércitos inteiros no território da RSFSR. Em todos os países capitalistas acentuou-se extraordinariamente a oposição à guerra contra a Rússia soviética, oposição nutrida pelo movimento revolucionário do proletariado e que ganha massas muito amplas da democracia pequeno-burguesa. A divergência de interesses entre os diferentes países imperialistas recrudesceu e recrudesce cada dia de modo mais acentuado. O movimento revolucionário estende-se com pujança formidável entre as centenas de milhões de homens que formam os povos oprimidos do Oriente. Em consequência de tudo isso, o imperialismo internacional, apesar de ser muito mais forte do que a Rússia soviética, não pôde estrangulá-la e viu-se obrigado a reconhecê-la ou semi-reconhecê-la temporariamente, a firmar com ela tratados comerciais.

Surgiu um equilíbrio, extremamente precário, extremamente instável, mas, de qualquer modo, um equilíbrio que torna possível — é claro que não por muito tempo — a existência da República socialista em meio ao cerco capitalista.

2. Correlação das forças de classe em escala internacional

Com base em tal estado de coisas, a correlação de forças em escala internacional é a seguinte:

A burguesia internacional, privada da possibilidade de fazer abertamente a guerra contra a Rússia soviética, mantém-se na expectativa, aguardando o momento em que as circunstâncias lhe permitam reiniciar esta guerra.

O proletariado dos países capitalistas avançados já formou em todas as partes a sua vanguarda, os Partidos Comunistas, que se desenvolvem, marchando com firmeza para a conquista da maioria do proletariado em cada país, destruindo a influência dos velhos burocratas «trade-unionistas» e da camada superior da classe operária da América e da Europa, corrompida pelos privilégios imperialistas.

A democracia pequeno-burguesa dos países capitalistas representada em seu setor avançado pela II Internacional e pela Internacional II e meio,(1) constitui na atualidade o principal sustentáculo do capitalismo, porque contínua exercendo sua influência sobre a maioria ou sobre uma parte considerável dos operários e empregados da indústria e do comércio, que temem perder, em caso de revolução, seu relativo bem-estar pequeno-burguês, criado pelos privilégios do imperialismo. Mas a crescente crise econômica agrava por toda parte a situação das grandes massas, coisa que, juntamente com o fato cada vez mais evidente de que são inevitáveis novas guerras imperialistas se o capitalismo se mantiver, faz com que seja cada vez mais inseguro o referido ponto de apoio.

As massas trabalhadoras dos países coloniais e semicoloniais, que constituem a imensa maioria da população do globo, foram despertadas para a vida política já desde princípios do século XX, sobretudo pelas revoluções da Rússia, Turquia, Pérsia e China. A guerra imperialista de 1914/1918 e o Poder Soviético na Rússia fazem definitivamente destas massas um fator ativo da política mundial e da destruição revolucionária do imperialismo, embora os filisteus cultos da Europa e da América, inclusive os líderes da II Internacional e da Internacional II e meio, continuem empenhados em não vê-lo. Encabeça estes países a índia Britânica, onde a revolução ascende com tanto maior rapidez, por um lado, quanto mais importância adquire nela o proletariado industrial e ferroviário e, por outro lado, quanto mais bestial é o terror dos ingleses, que recorrem com cada vez mais frequência à matança em massa (Amritsar), a penas de açoite público, etc.

3. Correlação das forças de classe na Rússia

A situação política interior da Rússia soviética caracteriza-se pelo fato, ocorrido pela primeira vez na história universal, de que neste país só existem, desde há alguns anos duas classes: o proletariado, educado ao longo de decênios por uma grande indústria mecanizada moderna, apesar de ser muito jovem, e o pequeno campesinato, constituído pela imensa maioria da população.

Os grandes latifundiários e os capitalistas não desapareceram na Rússia, mas foram totalmente expropriados e estão inteiramente derrotados no terreno político como classe, e seus restos foram esconder-se entre os empregados da administração pública do Poder Soviético. Conservaram sua organização de classe no estrangeiro, como emigrantes, e ali reúnem provavelmente um milhão e meio ou dois milhões de homens e dispõem de mais de cinquenta diários de todos os partidos burgueses e «socialistas» (isto é, pequeno-burgueses), de restos do exército e de numerosos vínculos com a burguesia internacional. Esta emigração trabalha com todas as suas forças e por todos os meios para derrubar o Poder Soviético e restaurar o capitalismo na Rússia.

4. O proletariado e os camponeses da Rússia

Diante desta situação interior da Rússia, a tarefa principal do seu proletariado, como classe dominante, consiste neste momento em determinar e levar à prática corretamente as medidas necessárias para dirigir os camponeses, para estabelecer com eles uma firme aliança, para realizar uma longa série de transições graduais que conduzam à grande agricultura coletiva mecanizada. Esta tarefa oferece na Rússia dificuldades especiais, tanto pelo atraso de nosso país, como em consequência de sua extrema ruína, depois de sete anos de guerra imperialista e de guerra civil. Mas, mesmo abstraindo tal particularidade, esta tarefa é das mais difíceis que a construção socialista colocará para todos os países capitalistas, excetuando talvez a Inglaterra. Tampouco no que diz respeito à Inglaterra deve esquecer-se que, se a classe dos pequenos agricultores arrendatários é muito pouco numerosa naquele país, é excepcionalmente elevada, em troca, a porcentagem de operários e empregados que ali vivem como pequeno-burgueses, em decorrência da escravidão em que de fato vivem centenas de milhões de homens nas colônias «pertencentes» à Inglaterra.

Por isso, do ponto-de-vista do desenvolvimento da revolução proletária mundial, como processo único, a importância do período atravessado pela Rússia está em que este país deve aplicar e comprovar, na prática, a política do proletariado, dono do poder estatal, em relação à massa pequeno-burguesa.

5. Aliança militar entre o proletariado e os camponeses da RSFSR

Á base de relações justas entre o proletariado e os camponeses na Rússia soviética foi criada no período de 1917/1921, quando a invasão dos capitalistas e latifundiários, apoiados por toda a burguesia mundial e por todos os partidos da democracia pequeno-burguesa (esserristas e mencheviques), forjou, temperou e selou a aliança militar entre o proletariado e os camponeses em defesa do Poder Soviético. A guerra civil é a forma mais aguda da luta de classes, e quanto mais aguda é esta luta, com tanto maior rapidez se consomem em seu fogo todas as ilusões e preconceitos pequeno-burgueses, com tanto maior evidência a própria prática ensina, mesmo nos setores mais atrasados dos camponeses, que só a ditadura do proletariado pode salvá-los, que os esserristas e mencheviques não são, de fato, senão lacaios dos latifundiários e capitalistas.

Mas se a aliança militar entre o proletariado e os camponeses foi — e não pôde deixar de ser — a primeira forma de uma aliança sólida entre eles, ela não teria podido manter-se nem sequer algumas semanas sem certa aliança econômica entre as classes mencionadas. Os camponeses obtiveram do Estado operário toda a terra e proteção contra os latifundiários e culaques; os operários obtiveram dos camponeses víveres, como empréstimo, até ser restaurada a grande indústria.

6. Passagem a relações econômicas justas entre o proletariado e os camponeses

Do ponto-de-vista do socialismo, a aliança entre os pequenos camponeses e o proletariado só pode ser inteiramente justa e firme quando o transporte e a grande indústria, inteiramente restabelecidos, permitam ao proletariado fornecer aos camponeses, em troca dos viveres, todos os produtos que necessitem para si e para melhorar sua exploração agrícola. A espantosa ruína do país não permitia fazê-lo imediatamente. O sistema de entrega obrigatória dos excedentes foi a medida mais exequível para um Estado insuficientemente organizado, com o fito de sustentar uma guerra de inauditas dificuldades contra os latifundiários. A má colheita e a falta de forragem em 1920 fizeram recrudescer de modo acentuado a grave penúria que os camponeses já sofriam, tornando absolutamente indispensável a passagem imediata para o imposto em espécie.

Um imposto em espécie moderado melhora imediata e consideravelmente a situação dos camponeses, interessando-os ao mesmo tempo na ampliação do cultivo e no aperfeiçoamento da agricultura.

O imposto em espécie é a passagem da requisição de todos os excedentes de trigo do camponês para um intercâmbio socialista justo de produtos entre a indústria e a agricultura.

7. Porque e em que condições o Poder Soviético admite o capitalismo e as concessões

O imposto em espécie, naturalmente, significa que o camponês tem liberdade para dispor dos excedentes de trigo que lhe restam depois de pagar o imposto. Enquanto o Estado não puder oferecer ao camponês produtos da fábrica socialista em troca de todos estes excedentes, a liberdade de comerciar com eles significa inevitavelmente liberdade de desenvolvimento do capitalismo.

Não obstante, dentro dos limites assinalados, isto não representa perigo algum para o socialismo, enquanto o transporte e a grande indústria continuarem em mãos do proletariado. Ao contrário, o desenvolvimento do capitalismo controlado e regulado pelo Estado proletário (isto é, do capitalismo «de Estado», neste sentido da palavra) é vantajoso e necessário (claro que só até certo ponto) em um país de pequenos camponeses, extraordinariamente arruinado e atrasado, porque pode acelerar um desenvolvimento imediato da agricultura pelos camponeses. Com maior razão se pode dizer o mesmo das concessões: sem desnacionalizar, o Estado operário dá em arrendamento determinadas minas, bosques, explorações petrolíferas, etc. a capitalistas estrangeiros, para obter deles instrumentos e máquinas suplementares que nos permitam apressar a restauração da grande indústria soviética.

Ao entregar aos concessionários uma parte de produtos de grande valor, o Estado operário paga sem dúvida um tributo à burguesia mundial; sem qualquer forma de dissimulação, devemos compreender claramente que nos convém pagá-lo, a fim de apressar a restauração de nossa grande indústria e conseguir uma grande melhoria da situação dos operários e camponeses.

8. Êxitos de nossa política de abastecimento

A politica de abastecimento da Rússia soviética de 1917 a 1921 foi, sem dúvida, muito tosca, imperfeita, deu lugar a muitos abusos. Cometeu-se uma série de erros ao levá-la à prática. Mas era, em suma, a única possível naquelas condições. É cumpriu sua missão histórica: salvou a ditadura do proletariado em um país em ruínas e atrasado. É um fato indiscutível que esta política foi, pouco a pouco, se aperfeiçoando. Durante o primeiro ano de nosso pleno exercício do poder (lº de agosto de 1918 a lº de agosto de 1919) o Estado recolheu no milhões de puds de grão; no segundo, 220; no terceiro, mais de 285.

Agora, contando já com uma experiência prática, propomo-nos e calculamos recolher 400 milhões de puds (o volume do imposto em espécie é de 240 milhões de puds). Somente sendo dono efetivo de reservas de víveres suficientes, poderá o Estado operário manter-se firmemente de pé no terreno econômico, assegurar uma restauração lenta, mas constante da grande indústria e criar o devido sistema financeiro.

9. Base material do socialismo e plano de eletrificação da Rússia

A base material do socialismo só pode ser a grande indústria mecanizada, capaz de reorganizar também a agricultura. Mas não devemos limitar-nos a este princípio geral. É preciso concretizá-lo. Uma grande indústria, à altura da técnica moderna e capaz de reorganizar a agricultura, supõe, a eletrificação de todo o país. Tínhamos que fazer o trabalho científico de elaborar o plano de eletrificação da RSFSR, e já o fizemos. Com a colaboração de mais de duzentos dos melhores homens de ciência, engenheiros e agrônomos da Rússia, esta obra foi terminada, foi impressa em um grosso volume e, em seu conjunto, foi aprovada pelo VIII Congresso dos Sovietes de Toda a Rússia em dezembro de 1920. Já está preparada a convocação de um congresso nacional de técnicos em eletricidade, que será realizado em agosto de 1921 e examinará pormenorizadamente este trabalho, que em seguida será definitivamente aprovado pelo governo. Os trabalhos de eletrificação deverão durar dez anos em sua primeira fase e requererão cerca de 370 milhões de homens-dia de trabalho.

Enquanto em 1918 construímos 8 centrais elétricas (com 4 757 kw), em 1919 foram construídas 36 (com 1648 kw), e 100 em 1920 (com 8 699 kw).

Por modesto que seja este início para nosso imenso país, o essencial é que se iniciou, que se trabalha, e cada vez melhor. Depois da guerra imperialista, depois de se terem posto milhões de prisioneiros na Alemanha em contato com a técnica moderna avançada, depois da dura experiência de três anos de guerra civil, que o forjaram, o camponês russo já não é o que era antigamente. Mês a mês vai vendo com clareza e evidência que só a direção do proletariado pode arrancar a massa de pequenos agricultores da escravidão do capital e levá-los ao socialismo.

10. O papel da «democracia pura», da II Internacional e da Internacional II e meio, dos esserristas e mencheviques aliados do capital

A ditadura do proletariado não significa o cessamento da luta de classes, e sim sua continuação em uma nova forma e com novas armas. Enquanto subsistirem as classes, enquanto a burguesia derrubada em um país decuplicar seus ataques ao socialismo no terreno internacional, continuará sendo indispensável esta ditadura. A classe dos pequenos agricultores não pode deixar de passar, na época de transição, por uma série de vacilações. As dificuldades do estado de transição e a influência da burguesia provocam inevitavelmente, de quando em quando, vacilações no estado de espírito desta massa. O proletariado, debilitado e até certo ponto tendo perdido suas características de classe pela ruína de sua base vital — a grande indústria mecanizada — deve assumir uma missão histórica extremamente difícil, sua maior missão: manter-se firme frente a estas vacilações e levar a cabo sua obra de emancipar o trabalho do jugo do capital.

Politicamente, as vacilações da pequena burguesia têm sua expressão na política dos partidos democráticos pequeno-burgueses, isto é, dos partidos da II Internacional e da Internacional II e meio, como são na Rússia o dos esserristas («socialistas revolucionários») e o menchevique. Tendo agora seus^ principais estados-maiores e seus jornais no estrangeiro, estes partidos atuam de fato em bloco com toda a contrarrevolução burguesa e são seus fiéis servidores.

Os chefes inteligentes da grande burguesia russa, e à sua frente Miliukov, chefe do partido dos «Kadetes» («democratas constitucionais»), aquilataram com toda a clareza, exatidão e franqueza este papel da democracia pequeno-burguesa, isto é, dos esserristas e dos mencheviques. Por motivo da sublevação de Kronstadt, na qual uniram suas forças mencheviques, esserristas e guardas brancos, Miliukov propugnou o lema de «Os Sovietes sem bolcheviques». Desenvolvendo esta ideia, escrevia: «Honra e lugar» para os esserristas e mencheviques (nº 64 de Pravda, 1921, citando Posliédnie Nóvosti, de Paris), porque sobre eles recai a missão de serem os primeiros a arrancar o poder aos bolcheviques. Miliukov, líder da grande burguesia, levava bem em conta a experiência de todas as revoluções, que demonstraram que a democracia pequeno-burguesa é incapaz de conservar o poder, limitando-se a encobrir a ditadura da burguesia, a ser o escalão que conduz ao poder absoluto desta última.

A revolução proletária na Rússia volta a confirmar esta experiência de 1789/1794 e 1848/1849, a confirmar as palavras de F. Engels que, em carta a Bebel, de 11 de dezembro de 1884, dizia:

«... A democracia pura, em momentos de revolução, adquirirá por um breve prazo um valor temporal... como última tábua de salvação de toda a economia burguesa e mesmo feudal. Do mesmo modo, em 1848, toda a massa burocrático-feudal apoiou de março a setembro os liberais para manter submetidas as massas revolucionárias... Em todo caso, durante a crise e logo depois dela, nosso único adversário será toda a massa reacionaria, agrupada ao redor da democracia pura, e creio que isto não pode, em caso algum, deixar de ser levado em conta» (publicado em russo no jornal Kommunistitcheski Trud, n.º 360, de 9 de junho de 1921, no artigo do camarada V. Adoratski: O que Dizem Marx e Engels Sobre a Democracia. Em alemão, no livro de Friedrich Engels: Testamento Político, Berlim, 1920, n.º 21 da Biblioteca Internacional da Juventude, pág. 19).

Moscou, Kremlin, 13 de junho de 1921
N. Lênin


Notas de fim de tomo:

(1) A Internacional II e meio foi fundada em Viena em fevereiro de 1921 na Conferência de partidos e grupos centristas que abandonaram temporariamente a II Internacional sob a pressão das massas operárias revolucionárias. Em 1923, a Internacional II e meio uniu-se novamente à II Internacional. (retornar ao texto)

Inclusão: 11/02/2022