IX Congresso do PCR(b)(N134)

V. I. Lénine

29 de março de 1920

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Publicado: 30 e 31 de Março de 1920 nos Pravda nº 69 e 70

Fonte: Obras Escolhidas em três tomos, Edições "Avante!", 1977, t3, pp 258-271.

Tradução: Edições "Avante!" com base nas Obras Completas de V. I. Lénine, 5.ª ed. em russo, t.40, pp. 237-257.

Transcrição e HTML: Manuel Gouveia

Direitos de Reprodução: © Direitos de tradução em língua portuguesa reservados por Edições "Avante!" - Edições Progresso Lisboa - Moscovo.


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29 DE MARÇO - 5 DE ABRIL DE 1920
RELATÓRIO DO COMITÉ CENTRAL 29 DE MARÇO

Camaradas, antes de iniciar o relatório devo dizer que o relatório se divide em duas partes, tal como no congresso anterior: numa parte política e numa parte organizativa. Esta divisão faz pensar antes de mais na maneira como se desenvolveu o trabalho do CC no aspecto exterior, organizativo. O nosso partido acaba de viver o primeiro ano sem I. M. Sverdlov, e esta perda não podia deixar de reflectir-se em toda a organização do CC. Ninguém como o camarada Sverdlov sabia aliar em si o trabalho organizativo e político, e tivemos que tentar substituir o seu trabalho por um organismo colectivo.

O trabalho do CC durante o ano de que estamos a fazer o balanço foi conduzido, no plano do trabalho corrente, diário, por dois organismos eleitos na reunião plenária do CC: o Bureau de Organização do CC e o Bureau Político do CC(N135), sendo o secretário membro de ambos os Bureaux para assegurar a coordenação e a coerência das decisões de ambas as instituições. Naquela situação, a tarefa imediata principal do Bureau de Organização consistia em distribuir as forças do partido, e a tarefa do Bureau Político eram as questões políticas. É evidente que esta divisão é até certo ponto artificial, é evidente que não é possível levar a cabo qualquer política sem a exprimir em nomeações e transferências. Por conseguinte, todas as questões de organização assumem uma significação política, e na prática estabeleceu-se entre nós que basta o pedido de um membro do CC para que qualquer questão seja, por força desta ou daquela consideração, analisada como uma questão política. Tentar delimitar doutro modo a actividade do CC não seria sem dúvida conveniente e na prática não atingiria o objectivo.

Este método de dirigir os assuntos levou a resultados extremamente favoráveis: não houve um único caso em que tenham surgido dificuldades entre os dois bureaux. Os trabalhos de ambos os órgãos decorreram em geral numa atmosfera amigável, e a aplicação prática foi facilitada pela presença do secretário, e o secretário do partido executava aliás plena e exclusivamente a vontade do CC. É preciso sublinhar desde o princípio, para afastar qualquer mal-entendido, que o secretário do CC do partido aplicou exclusivamente as decisões colectivas do CC, tomadas pelo Bureau de Organização ou pelo Bureau Político, ou pelo plenário do CC. De outro modo, o trabalho do CC não pode fazer-se correctamente.

Depois destas breves observações sobre a divisão interna do trabalho do CC, passarei à minha tarefa, ao relatório do CC. É uma tarefa muito difícil fazer um relatório sobre o trabalho político do CC, se a entendermos no sentido literal da palavra. Durante este ano, uma enorme parte do trabalho do Bureau Político traduziu-se na solução corrente de todas as questões que surgiram e que tinham relação com a política, de unificação da acção de todas as instituições soviéticas e do partido, de todas as organizações da classe operária, de realização e de unificação de todos os esforços para dirigir todo o trabalho da República Soviética. O Bureau Político resolveu todas as questões de política interna e internacional. Naturalmente que é impossível colocar-se como objectivo enumerar aproximadamente estas questões. Naquilo que foi impresso pelo CC para o presente congresso encontrareis todo o material necessário para um resumo(N136). Tentar repetir esse resumo no relatório estaria acima das minhas forças e parece-me que não interessaria aos delegados. Cada um de nós que trabalha numa ou noutra organização dos Sovietes e do partido segue diariamente a extraordinária sucessão das questões políticas externas e internas. A própria solução destas questões, tal como ela se expressou nos decretos do Poder Soviético, na actividade das organizações do partido, em cada viragem, foi uma apreciação do CC do partido. Deve dizer-se que as questões eram tantas que foi necessário quase sempre resolvê-las em condições de uma extrema urgência, e só porque os membros do organismo se conhecem bem entre si, conhecem os matizes das suas opiniões, só graças à sua confiança mútua o trabalho pôde ser realizado. De outro modo, isto teria excedido as forças mesmo de um organismo três vezes maior. Foi muitas vezes necessário resolver questões complexas substituindo as reuniões por conversas telefónicas. Fazíamo-lo com a certeza de que certas questões manifestamente complicadas e discutíveis não seriam eludidas. Agora que tenho de fazer um relatório geral, permito-me, em vez de fazer um resumo cronológico e um agrupamento por assuntos, deter-me nos momentos principais, mais essenciais, que ligam a experiência de ontem, ou mais exactamente, a experiência do último ano, com as tarefas que se nos colocam.

Ainda não chegou o momento de escrever a história do Poder Soviético. E mesmo que ele tivesse chegado, eu diria, por meu lado - e em nome do Comité Central, creio - que não temos a intenção de nos tornarmos historiadores, mas o que nos interessa é o presente e o futuro. Tomamos o ano passado, de que estamos a fazer o balanço, como material, como uma lição, como um degrau a partir do qual devemos avançar. Deste ponto de vista, o trabalho do CC divide-se em dois grandes ramos: o trabalho que estava ligado às tarefas militares que determinavam a situação internacional da República, e o trabalho da edificação económica interna pacífica, que começou a passar para o primeiro plano talvez só em fins do ano passado e princípios do ano corrente, quando se tornou inteiramente evidente que obtivemos uma vitória decisiva nas frentes decisivas da guerra civil. Na Primavera do ano passado, a nossa situação militar era extremamente difícil, tivemos que sofrer, como recordais, muitas derrotas, novas e enormes ofensivas dos representantes da contra-revolução e da Entente, inesperadas e imprevisíveis. Por isso é perfeitamente natural que a maior parte desse período tenha decorrido com os trabalhos de execução da tarefa militar, da tarefa da guerra civil, que pareciam irrealizáveis a todos os homens pusilânimes, sem falar do partido dos mencheviques, dos socialistas-revolucionários e outros representantes da democracia pequeno-burguesa, à massa dos elementos intermédios e que os fazia dizer com absoluta sinceridade que esta tarefa era irrealizável, que a Rússia atrasada e enfraquecida não podia vencer o regime capitalista de todo o mundo, pois a revolução tardava no Ocidente. E por isso tivemos de, mantendo-nos nas nossas posições, afirmar com inteira firmeza, e conservando uma confiança total, que venceríamos, tivemos de aplicar a palavra de ordem: «tudo para a vitória» e «tudo para a guerra».

Em nome desta palavra de ordem tivemos de sacrificar, de maneira perfeitamente consciente e aberta, a satisfação de toda uma série de necessidades vitais, deixando frequentemente sem ajuda muitíssima gente, na convicção de que devíamos concentrar todas as forças na guerra e vencer nessa guerra que nos tinha sido imposta pela Entente. E só graças a que o partido se mantinha alerta, a que o partido mantinha a mais rigorosa disciplina, e porque o prestígio do partido unia todos os departamentos e instituições, porque dezenas, centenas, milhares e no fim de contas milhões de homens seguiram como um só homem a palavra de ordem que foi lançada pelo CC, só porque foram consentidos inauditos sacrifícios, só por isso pôde produzir-se o milagre que se produziu. Só por isso estivemos em condições de vencer as campanhas, duas, três, quatro vezes repetidas, dos imperialistas da Entente e dos imperialistas de todo o mundo. E, naturalmente, não só sublinhamos este aspecto da questão como devemos ter em vista que este aspecto é uma lição, que sem disciplina e sem centralização nunca teríamos podido realizar esta tarefa. Os inauditos sacrifícios que fizemos para salvar o país da contra-revolução, para a vitória da revolução russa sobre Deníkine, Iudénitch e Koltchak, são uma garantia da revolução social mundial. Para realizar isto era necessário que houvesse disciplina no partido, a mais rigorosa centralização, a confiança absoluta em que os sacrifícios inauditamente duros de dezenas e centenas de milhares de homens ajudariam à realização de todas essas tarefas, em que isso efectivamente podia ser feito e assegurado. Mas para isso era necessário que o nosso partido e a classe que exerce a ditadura, a classe operária, fossem elementos de unificação de milhões e milhões de trabalhadores, tanto na Rússia como em todo o mundo.

Se pensarmos naquilo que, no fim de contas, estava na base mais profunda do milagre histórico que foi a vitória de um país fraco, esgotado e atrasado sobre os países mais fortes do mundo, veremos que foi a centralização, a disciplina e um espírito de sacrifício inaudito. Sobre que terreno? Milhões de trabalhadores puderam chegar, no país menos educado, à organização, à realização dessa disciplina e dessa centralização apenas porque os operários passaram pela escola do capitalismo, são unidos pelo capitalismo, porque o proletariado, em todos os países avançados, se uniu em proporções tanto maiores quanto mais avançado é o país; por outro lado, graças a que a propriedade, a propriedade capitalista, a pequena propriedade na produção mercantil, divide. A propriedade divide, e nós unimos e unimos em número cada vez maior milhões de trabalhadores em todo o mundo. Pode-se dizer que agora até os cegos o vêem, pelo menos aqueles que não o queriam ver. Quanto mais tempo passava, mais os nossos inimigos se dividiam. Eram divididos pela propriedade capitalista, pela propriedade privada em regime de produção mercantil, quer fossem pequenos patrões que especulam com a venda dos excedentes de cereais e se enriquecem à custa dos operários famintos, quer capitalistas de diversos países, embora detentores do poderio militar, fundadores da «Sociedade das Nações», a «grande sociedade unida» de todas as nações avançadas do mundo. Tal unidade é uma ficção completa, um engano completo, uma mentira completa. E vimos que - grandioso exemplo! - essa famosa «Sociedade das Nações», que tentava distribuir mandatos para governar Estados, partilhar o mundo, que esta famosa aliança se revelou uma bola de sabão que imediatamente se desfez, porque se baseava na propriedade capitalista. Vimo-lo à escala histórica mais vasta, isto confirma a verdade essencial sobre cujo reconhecimento baseamos a nossa razão, a nossa certeza absoluta na vitória da Revolução de Outubro, a nossa certeza de que abraçamos uma causa à qual se unirão, apesar de todas as dificuldades, de todos os obstáculos, milhões e milhões de trabalhadores em todos os países. Sabíamos que tínhamos aliados e que era preciso saber dar exemplo de espírito de sacrifício num país que a história encarregava duma tarefa honrosa, extremamente difícil, para que os sacrifícios inauditos fossem recompensados cem vezes, porque cada novo mês que vivermos no nosso país nos dará milhões e milhões de aliados em todos os países.

Se, no fim de contas, pensarmos porque é que pudemos vencer, porque é que devíamos vencer, veremos que foi apenas porque todos os nossos inimigos, formalmente ligados por toda a espécie de laços aos governos e aos representantes do capital mais poderosos do mundo - por muito unidos que estivessem formalmente -, se mostraram divididos, a sua ligação interna no fundo desuniu-os, lançou-os uns contra os outros, a propriedade capitalista desagregou-os, transformou-os de aliados em feras selvagens, fazendo com que não vissem que a Rússia Soviética aumentava o número dos seus partidários entre os soldados ingleses desembarcados em Arkhánguelsk, entre os marinheiros franceses desembarcados em Sebastopol, entre os operários de todos os países onde os socialistas-conciliadores tomaram o partido do capital, em todos os países avançados sem excepção. E esta causa fundamental, esta causa mais profunda, deu-nos em última instância a vitória mais segura; ela continua a ser a fonte principal, insuperável, inesgotável, da nossa força e permite-nos dizer que quando tivermos realizado inteiramente no nosso país a ditadura do proletariado, a mais ampla união das suas forças através da vanguarda, através do seu partido avançado, poderemos esperar a revolução mundial. E esta é, na realidade, a expressão da vontade, a expressão da decisão de lutar, a expressão da decisão proletária de unir milhões e dezenas de milhões de operários de todos os países.

Os senhores burgueses e os pseudo-socialistas da II Internacional declararam que isto são frases de agitação. Não, isto é a realidade histórica confirmada pela experiência dura e sangrenta da guerra civil na Rússia, porque esta guerra civil foi uma guerra contra o capital mundial, e esse capital desagregou-se por si mesmo na contenda, devorando-se a si mesmo, enquanto nós saíamos dela mais temperados, mais fortes, num país onde o proletariado morria devido à fome e ao tifo. Neste país unimos a nós novos e novos trabalhadores. Aquilo que antes parecia aos conciliadores frases de agitação, aquilo de que a burguesia costumava rir, foi definitivamente transformado, por este ano da nossa revolução de que fazemos o balanço, num facto histórico indicutível, que nos permite afirmar com a convicção mais positiva: se o fizemos, isto confirma que temos uma base mundial infinitamente mais ampla que qualquer das revoluções anteriores. Temos uma aliança internacional que não está registada em parte alguma, que não está formalizada, que não representa nada do ponto de vista do «direito público», mas que representa tudo na realidade do mundo capitalista em decomposição. Todos os meses em que reconquistávamos posições ou simplesmente nos mantínhamos contra um inimigo inauditamente poderoso, provaram a todo o inundo que temos razão e deram-nos novos milhões de homens.

Este processo parecia difícil e era acompanhado de gigantescas derrotas. O inaudito terror branco na Finlândia(N137) foi precisamente seguido, durante o ano de que estamos a fazer o balanço, pela derrota da revolução húngara, estrangulada pelos representantes da Entente com um tratado secreto com a Roménia, enganando os seus parlamentos.

Esta foi a mais vil traição, uma conspiração da Entente internacional para estrangular a revolução húngara pelo terror branco, sem falar já de que todos eles entraram em entendimento com os conciliadores alemães para estrangular a revolução alemã; de que essa gente, que tinha qualificado Liebknecht de alemão honrado, se lançou como cães raivosos, juntamente com os imperialistas alemães, sobre esse alemão honrado. Ultrapassaram tudo o que seria de esperar, e toda esta repressão da sua parte só nos consolidou e reforçou, minou o seu terreno.

E penso que devemos acima de tudo ter em conta esta experiência fundamental. Aqui é preciso acima de tudo pensar em como colocar na base da nossa agitação e propaganda a análise, a explicação de porque vencemos, de porque estes sacrifícios da guerra civil foram cem vezes recompensados e de como se deve proceder na base desta experiência para conseguir a vitória na outra guerra, na guerra sem sangue de que apenas mudou a forma, porque são os mesmos velhos representantes, servidores e chefes do velho mundo capitalista que a fazem contra nós, só que ainda com mais ardor, raiva e zelo. A nossa revolução confirmou, mais que qualquer outra, a lei segundo a qual a força duma revolução, a força do seu ímpeto, a sua energia, a sua decisão e o seu triunfo aumentam ao mesmo tempo que a força de resistência da parte da burguesia. Quanto mais vitórias alcançarmos, mais os exploradores capitalistas aprenderão a unir-se e passarão a ataques mais decididos. Pois todos vós recordareis muito bem - isto foi há pouco do ponto de vista do tempo, mas há muito do ponto de vista dos acontecimentos correntes -, todos recordareis que o bolchevismo era considerado, no princípio da Revolução de Outubro, como uma curiosidade; e se na Rússia foi necessário renunciar rapidamente a esta opinião, a esta opinião que era expressão do pouco desenvolvimento da debilidade da revolução proletária, igualmente na Europa renunciaram a ela. O bolchevismo tornou-se um fenómeno mundial, a revolução operária levantou a cabeça. O sistema soviético, no qual nós, criando-o em Outubro, seguimos os ensinamentos de 1905, analisando a nossa própria experiência, este sistema soviético tornou-se um fenómeno histórico mundial.

Agora dois campos completamente conscientes estão um contra o outro, à escala mundial, sem o mínimo exagero. Devemos assinalar que eles só se encontraram um contra o outro, numa luta decisiva e definitiva, durante este último ano e que atravessamos talvez agora, precisamente durante os trabalhos do congresso, um dos momentos maiores, mais bruscos, ainda inacabados, da transição da guerra para a paz.

Todos sabeis o que aconteceu aos chefes das potências imperialistas da Entente, que gritavam a todo o mundo: «Nunca cessaremos a guerra contra os usurpadores, os bandidos, os arrebatadores do poder, os inimigos da democracia, os bolcheviques» - sabeis que eles começaram por levantar o bloqueio, que a sua tentativa de unir as pequenas potências fracassou, porque nós soubemos atrair para o nosso lado não só os operários de todos os países, mas também conseguimos atrair a burguesia dos pequenos países, porque os imperialistas são os opressores não só dos operários dos seus países, mas também da burguesia dos pequenos Estados. Sabeis como atraímos para o nosso lado a burguesia vacilante dentro dos países avançados, e chegou agora o momento em que a Entente viola as suas antigas promessas, os seus preceitos, viola os seus tratados, concluídos, diga-se de passagem, dezenas de vezes com diferentes guardas brancos russos, e actualmente com esses tratados encontra-se com as mãos vazias, pois investiu centenas de milhões nesses tratados e não levou as coisas até ao fim.

Agora, tendo levantado o bloqueio, ela iniciou de facto conversações de paz com a República Soviética, mas agora ela não conduz estas conversações até ao fim, e por isso as pequenas potências perderam a confiança nela, a confiança nas suas forças. Vemos que a situação da Entente, a sua situação externa, não pode de modo nenhum ser definida do ponto de vista das noções habituais da jurisprudência. Os Estados da Entente não estão nem em paz nem em guerra com os bolcheviques, reconhecem-nos e não nos reconhecem. E este completo desmoronamento dos nossos adversários, que estavam persuadidos de que representavam alguma coisa, mostra que eles não representam mais que um punhado de feras capitalistas em luta entre si e totalmente impotentes para fazer algo contra nós.

A situação é agora tal que a Letónia nos propôs oficialmente a paz; a Finlândia enviou um telegrama falando oficialmente de uma linha de demarcação, mas, no fundo, isto significa a passagem a uma política de paz(N138). Por último, a Polónia, a mesma Polónia cujos representantes brandiram e continuam a brandir tão energicamente as suas armas, a Polónia que obteve e obtém tantos comboios com artilharia e promessas de ajuda em tudo desde que a Polónia continue a combater a Rússia, até esta Polónia que, em consequência da instabilidade do seu governo, é forçada a lançar-se em todas as aventuras militares, esta Polónia enviou um convite para iniciar conversações de paz(N139). Necessitamos duma extrema prudência. A nossa política exige a máxima atenção. Aqui o mais difícil é encontrar uma linha acertada, porque também ninguém sabe ainda sobre que carris está o comboio e o próprio inimigo não sabe o que irá fazer a seguir. Os senhores representantes da política francesa, os que mais atiçam a Polónia, e os chefes da Polónia latifundiária e burguesa, não sabem o que irá acontecer amanhã, não sabem o que querem. Hoje dizem: «Senhores, alguns comboios com canhões, algumas centenas de milhões, e nós estamos prontos a fazer guerra aos bolcheviques.» Ocultam as notícias sobre as greves que se multiplicam na Polónia, apertam a censura para esconder a verdade. Mas o movimento revolucionário cresce ali. O crescimento da revolução na Alemanha, na sua nova fase, no seu novo degrau, em que os operários, depois da kornilovada germânica(N140), criam exércitos vermelhos, diz claramente (segundo os últimos telegramas de lá) que os operários se entusiasmam cada vez mais. Na consciência dos próprios representantes da Polónia burguesa e latifundiária começa a penetrar a ideia: «Não será já demasiado tarde, a Polónia não será uma república soviética antes da redacção da acta estatal de paz ou de guerra?» Não sabem o que fazer. Não sabem o que lhes trará o dia de amanhã.

Nós sabemos que cada mês aumenta prodigiosamente as nossas forças e continuará a aumentá-las. Por isso estamos agora mais sólidos do que nunca no aspecto internacional. Devemos no entanto dedicar uma extrema atenção à crise internacional e estar prontos a fazer frente a todas as surpresas. Temos uma proposta formal de paz da Polónia. Estes senhores estão numa situação desesperada, tão desesperada que os seus amigos, os monárquicos alemães, pessoas mais educadas, com mais experiência política e mais conhecimentos, se lançaram numa aventura, numa kornilovada. A burguesia polaca lança uma proposta de paz, sabendo que a aventura pode transformar-se numa kornilovada polaca. Sabendo que o nosso adversário - adversário que não sabe o que quer fazer nem o que fará amanhã - se encontra numa situação desesperadamente difícil, devemos dizer a nós próprios com toda a firmeza que a guerra continua a ser possível a despeito da proposta de paz. É impossível prever o seu comportamento futuro. Nós temos visto essa gente, conhecemos esses Kérenski, mencheviques e socialistas-revolucionários. Vimo-los nestes dois anos, como se inclinavam, hoje para Koltchak, amanhã quase para os bolcheviques, depois para Deníkine, e tudo isto encoberto com frases sobre a liberdade e a democracia. Conhecemos esses senhores, e por isso agarramos com as duas mãos a proposta de paz e fazemos as maiores concessões, convictos de que a paz com as pequenas potências fará avançar a nossa causa infinitamente melhor do que a guerra, porque com a guerra os imperialistas enganavam as massas trabalhadoras, sob ela escondiam a verdade acerca da Rússia Soviética, por isso qualquer paz abrirá cem vezes mais e mais amplamente o caminho à nossa influência. Ela foi já grande nestes últimos anos. A III Internacional, Comunista, alcançou vitórias sem precedentes. Mas ao mesmo tempo sabemos que em qualquer dia podem impor-nos a guerra. Os nossos adversários não sabem eles próprios do que são capazes neste aspecto.

Não há a menor dúvida de que se estão a fazer preparativos de guerra. Muitos vizinhos da Rússia, e talvez muitos dos Estados não vizinhos, estão a armar-se. Por isso devemos antes de mais nada manobrar na nossa política internacional e manter com a maior firmeza a linha que adoptámos e estarmos prontos para tudo. Fizemos a guerra pela paz com uma energia extraordinária. Esta guerra dá resultados magníficos. Neste campo de luta revelámo-nos melhor que em qualquer outro, em todo o caso não pior do que no campo da acção do Exército Vermelho na frente sangrenta. Não é da vontade dos pequenos Estados, ainda que eles quisessem a paz, não é da sua vontade que depende a conclusão da paz connosco. Eles estão endividados até ao pescoço em relação aos países da Entente, e ali verifica-se uma querela desesperada e uma rivalidade entre eles. Devemos portanto recordar que, à escala histórica mundial, depois da guerra civil e da guerra contra a Entente a paz é naturalmente possível.

Mas os nossos passos para a paz devem ser acompanhados duma intensificação de todos os nossos preparativos militares, sem desarmar de modo algum o nosso exército. O nosso exército constitui a garantia real de que as potências imperialistas não farão a mínima tentativa, o mínimo atentado, porque ainda que a princípio elas pudessem contar com alguns êxitos efémeros, nenhum deles deixaria de ser derrotado pela Rússia Soviética. É isto que devemos saber, é isto que deve servir de base à nossa agitação e à nossa propaganda, e para isso devemos saber preparar-nos para resolver a tarefa que nos obriga, dada a crescente fadiga, a unir um e outro objectivo.

Passo às importantíssimas considerações de princípio que nos obrigaram a orientar resolutamente as massas trabalhadoras para a utilização do exército para resolver as tarefas fundamentais do momento. O capital, essa velha fonte de disciplina, está debilitado, a velha fonte de unificação desapareceu. Devemos criar outra disciplina, outra fonte de disciplina e de unificação. Aquilo que é coacção suscita a indignação, os gritos, os clamores, as lamentações da democracia burguesa, que usa as palavras «liberdade» e «igualdade» sem compreender que liberdade para o capital é um crime contra os operários, que a igualdade entre o saciado e o faminto é um crime contra os trabalhadores. Em nome da luta contra a mentira, decidimo-nos pelo trabalho obrigatório, e realizamos a unificação dos trabalhadores sem recear de modo nenhum a coacção, porque em parte alguma se fez a revolução sem coacção, e o proletariado tem o direito de recorrer à coacção para manter a todo o custo aquilo que lhe pertence. Quando os senhores burgueses, os senhores conciliadores, os senhores «independentes» alemães, «independentes» austríacos e os longuetistas franceses discutiam sobre o factor histórico, esqueciam sempre um factor como a decisão revolucionária, a firmeza e a inflexibilidade do proletariado. E isso é precisamente a inflexibilidade e a têmpera do proletariado do nosso país, que disse a si próprio e aos outros e provou na prática que morreríamos todos até ao último homem antes de ceder o nosso território, de abandonar o nosso princípio, o princípio da disciplina e da política firme, à qual devemos sacrificar tudo. No momento da decadência dos países capitalistas, da classe capitalista, no momento do seu desespero e da sua crise, este factor político é o único decisivo. As frases, sobre a minoria e a maioria, sobre a democracia e a liberdade, não resolvem nada, por mais que as invoquem os heróis do período histórico passado. Aqui o que decide é a consciência e a firmeza da classe operária. Se ela está pronta a fazer sacrifícios, se mostrou que sabe pôr em tensão todas as suas forças, a tarefa está resolvida. Tudo para a solução desta tarefa. A decisão da classe operária, a sua inflexibilidade em realizar a sua palavra de ordem - «antes morrermos que rendermo-nos» - constituem não apenas um factor histórico, mas também um factor decisivo, o factor da vitória.

Desta vitória, desta convicção passamos, e chegámos, aos problemas da construção económica pacífica, cuja solução é a função principal do nosso congresso. Neste aspecto não se pode falar, em minha opinião, de relatório do Bureau Político do CC ou, mais exactamente, de relatório político do CC; devemos dizer directa e abertamente: sim, camaradas, esta é uma questão que vós resolvereis, que deveis pesar com a autoridade da instância suprema do partido. Esboçámos claramente esta questão perante vós. Adoptámos uma posição definida. O vosso dever é sancionar definitivamente, corrigir ou modificar a nossa decisão. Mas o CC deve dizer no seu relatório que adoptou uma posição perfeitamente definida nesta questão fundamental, nevrálgica. Sim, agora a tarefa consiste em aplicar, para as tarefas pacíficas da edificação económica, para as tarefas de restauração da produção arruinada, tudo aquilo que o proletariado e a sua unidade absoluta podem concentrar. Aqui é necessária uma disciplina de ferro, um regime de ferro sem o qual não nos teríamos mantido não já mais de dois anos, mas nem sequer dois meses. É preciso saber aproveitar a nossa vitória. Por outro lado, é preciso compreender que esta transição exige muitos sacrifícios, para além daqueles que o país já fez.

Para o CC era claro o aspecto de princípio da questão. Toda a nossa actividade esteve subordinada a esta política, orientada neste espírito. Uma questão, por exemplo, que parece de pormenor, que em si mesma, desligada do conjunto, não pode naturalmente pretender assumir uma importância capital, de princípio - a questão da colegialidade ou da direcção unipessoal, que tereis que resolver - deve a todo o custo ser colocada do ponto de vista das aquisições fundamentais do nosso conhecimento, da nossa experiência, da nossa prática revolucionária. Dizem-nos, por exemplo: «A colegialidade é uma das formas de participação das amplas massas na administração.» Mas nós falámos desta questão no CC, tomámos uma decisão e devemos dar-vos conta dela: camaradas, não podemos admitir uma tal confusão teórica. Se na questão fundamental da nossa actividade militar, da nossa guerra civil, tivéssemos admitido uma décima parte de tal confusão teórica, teríamos sido derrotados, e merecidamente derrotados.

Permitam-me, camaradas, a propósito do relatório do CC e a propósito da questão da participação da nova classe na administração, com base na colegialidade ou na direcção unipessoal, que recorra um pouco à teoria e indique como uma classe dirige e em que se exprime a dominação de classe. Nós não somos principiantes neste aspecto, e a nossa revolução distingue-se das revoluções anteriores porque na nossa revolução não há utopismo. Se uma nova classe vem substituir a velha, só se manterá numa luta encarniçada contra as outras classes e só vencerá definitivamente se souber conduzir à abolição das classes em geral. O processo gigantesco e complexo da luta de classes coloca a questão assim; de contrário, atolar-vos-eis no pântano da confusão. Em que se exprime a dominação de classe? Em que se exprime a dominação da burguesia sobre os senhores feudais? A Constituição falava de liberdade e de igualdade. Isto é uma mentira. Enquanto houver trabalhadores, os proprietários são capazes e são mesmo obrigados, como proprietários, a especular. Nós dizemos que não há igualdade, que o saciado não é igual ao faminto e o especulador ao trabalhador.

Em que se exprime agora a dominação de classe? A dominação do proletariado exprime-se em que foi expropriada a propriedade latifundiária e capitalista. O espírito, conteúdo fundamental de todas as constituições anteriores, incluindo as mais republicanas e democráticas, reduzia-se unicamente à propriedade. A nossa Constituição tem o direito e conquistou o direito à existência histórica, porque não se escreveu apenas no papel que a propriedade privada é abolida. O proletariado vitorioso aboliu e destruiu por completo a propriedade; nisto consiste a dominação da classe. Antes de mais, na questão da propriedade. Quando resolvemos praticamente a questão da propriedade, assegurámos desse modo a dominação da classe. Quando depois disso a Constituição registou no papel aquilo que a vida tinha decidido - a abolição da propriedade capitalista e latifundiária - e acrescentou: a classe operária, de acordo com a Constituição, tem mais direitos que o campesinato e os exploradores não têm nenhuns direitos, ficou assim registado que realizámos a dominação da nossa classe, com o que ligámos a nós os trabalhadores de todos os sectores e de todas as camadas e pequenos grupos.

Os proprietários pequeno-burgueses estão desunidos; aqueles que têm mais propriedades são inimigos dos que têm menos, e os proletários, ao abolir a propriedade, declaram-lhes guerra aberta. Há ainda muita gente inconsciente, ignorante, que apoia inteiramente todo o tipo de comércio livre, mas que, quando vê a disciplina, o espírito de sacrifício na vitória sobre os exploradores, não pode fazer a guerra, não está connosco, mas é impotente para lutar contra nós. Só a dominação de classe determina a relação de propriedade, e qual a classe que está por cima. Quem liga a questão de saber em que se exprime a dominação de classe à questão do centralismo democrático, como frequentemente observamos, cria uma confusão tal que se não pode fazer nessa base nenhum trabalho com êxito. A clareza da propaganda e da agitação é uma condição fundamental. Se os nossos adversários disseram e reconheceram que fizemos milagres no desenvolvimento da agitação e da propaganda, não devemos compreendê-lo de maneira superficial, no sentido de que tivemos muitos agitadores e gastámos muito papel, mas devemos compreendê-los no sentido profundo, ou seja, que a verdade que havia nesta propaganda penetrou na cabeça de todos. E não se pode eludir esta verdade.

Quando as classes se substituíam umas às outras, mudavam a atitude em relação à propriedade. A burguesia, ao substituir o feudalismo, modificou a atitude em relação à propriedade. A constituição da burguesia diz: «O possuidor é igual ao indigente.» Isto era a liberdade da burguesia. Essa «igualdade» dava a dominação à classe capitalista no Estado. Pois bem, pensais que quando a burguesia substitui o feudalismo confundiu o Estado com a administração? Não, eles não eram tão estúpidos, eles diziam que para administrar eram necessários homens que soubessem administrar, para isso tomamos os feudais e reeducamo-los. E assim o fizeram. Isto era um erro? Não, camaradas, a arte de administrar não cai das nuvens nem se consegue por obra do Espírito Santo, e o facto de uma determinada classe ser uma classe avançada não a torna imediatamente capaz de administrar. É o que vemos pelo exemplo: enquanto a burguesia triunfava, tomava para a administração pessoas intervenientes de outras classes, da classe feudal. E não poderia encontrá-las noutro lado. É preciso olhar as coisas sensatamente: a burguesia tomava elementos da classe precedente, e agora a nossa tarefa é também saber tomar, subordinar, aproveitar os seus conhecimentos e preparação, utilizar tudo isto para a vitória da nossa classe. Por isso dizemos que a classe vitoriosa deve ter atingido a maturidade, e a maturidade não poder ser provada com documentos ou certificados, ela é certificada pela experiência, pela prática.

Os burgueses venceram sem saber governar e asseguraram a sua vitória promulgando uma nova constituição, recrutando e seleccionando administradores no seio da sua própria classe e começaram a aprender, aproveitando os administradores da classe precedente, e começaram a ensinar os seus, os novos, a prepará-los para a administração, pondo para isso em movimento todo o aparelho de Estado, sequestrando as instituições feudais, admitindo nas escolas apenas os ricos, e deste modo prepararam, durante longos anos e décadas, os administradores recrutados na sua própria classe. Actualmente, num Estado organizado à imagem e semelhança da classe dominante, é preciso fazer aquilo que fizeram todos os Estados. Se não queremos cair nas posições do utopismo puro e da fraseologia oca, devemos dizer que devemos ter em conta a experiência dos anos anteriores, que devemos salvaguardar a Constituição conquistada pela revolução, mas para a administração, para a organização do Estado, devemos ter homens que dominem a técnica da administração, que tenham experiência estatal e económica, e esses homens só podemos ir buscá-los à classe que nos precedeu.

As considerações sobre a colegialidade estão com muita frequência impregnadas do espírito mais ignorante, da oposição aos especialistas. É impossível vencer com esse espírito. Para vencer é preciso compreender em toda a sua profundidade a história do velho mundo burguês, e para construir o comunismo é necessário tomar a técnica e a ciência e pô-las ao serviço de círculos mais largos, mas elas só podem ser tomadas à burguesia. Esta questão fundamental deve ser salientada e colocada entre as tarefas essenciais da construção económica. Nós devemos administrar com a ajuda de homens saídos da classe que derrubámos, de homens impregnados dos preconceitos da sua classe e que devemos reeducar. Devemos ao mesmo tempo recrutar os nossos administradores nas fileiras da nossa classe. Devemos utilizar todo o aparelho de Estado para que os estabelecimentos escolares, o ensino extra-escolar, a formação prática, para que tudo isto funcione, sob a direcção dos comunistas, para os proletários, para os operários, para os camponeses trabalhadores.

Só assim poderemos organizar as coisas. Depois dos nossos dois anos de experiência, não podemos raciocinar como se abordássemos pela primeira vez a construção do socialismo. Fizemos suficientes disparates durante o período do Smólni e depois do Smólni. Isso nada tem de vergonhoso. Como havíamos de saber, se era a primeira vez que abordávamos uma coisa nova? Tentámos de uma maneira, tentámos de outra. Seguimos a corrente, pois era impossível separar aquilo que era certo do que era errado. Para isso era preciso tempo. Isso constitui agora um passado recente, do qual saímos. Esse passado, em que reinavam o caos e o entusiasmo, não voltará. O documento desse passado é a Paz de Brest. Este é um documento histórico, e mais do que isso: é um período histórico. A Paz de Brest foi-nos imposta porque éramos impotentes em todos os domínios. Que foi esse período? Foi um período de impotência do qual saímos vitoriosos. Foi o período da colegialidade completa. Não é possível fugir a este facto histórico dizendo que a colegialidade é uma escola de administração. Não podemos manter-nos eternamente na classe preparatória da escola! (Aplausos.) Isto não pode ser. Nós somos agora homens adultos e bater-nos-ão em todos os domínios se nos comportarmos como meninos de escola. É preciso avançar. É preciso elevarmo-nos com energia, com unidade de vontade. Os sindicatos estão a braços com imensas dificuldades. É preciso conseguir que façam sua esta tarefa no espírito de luta contra os resíduos do famoso democratismo. Todos esses clamores sobre as nomeações, toda essa tralha velha e nociva que figura cm diversas resoluções e conversações deve ser varrida. De outro modo não poderemos vencer. Se não assimilámos esta lição em dois anos, ficamos para trás, e os que ficam para trás serão vencidos.

A tarefa é extremamente difícil. Os nossos sindicatos prestam uma gigantesca ajuda na construção do Estado proletário. Eles foram um elo que ligou o partido a milhões de homens ignorantes. Não brinquemos às escondidas: os sindicatos suportaram nos seus ombros toda a carga da luta contra os nossos males, quando foi necessário ajudar o Estado no trabalho de abastecimento. Não foi essa uma grande tarefa? Saiu há pouco um Boletim da Direcção Central de Estatística. Ali é feito o balanço por estatísticos que de modo nenhum podem ser suspeitos de bolchevismo. Aí há dois números interessantes: em 1918 e 1919, os operários das províncias consumidoras recebiam 7 puds por ano, enquanto os camponeses das províncias produtoras consumiam 17 puds. Antes da guerra eles consumiam 16 puds por ano. Eis dois números que mostram a correlação das classes na luta pelo abastecimento. O proletariado continuou a fazer sacrifícios. Gritam que é violência! Mas ele justificou e legitimou essa violência e demonstrou a justeza desta violência fazendo maiores sacrifícios. A maioria da população, os camponeses das províncias produtoras da nossa Rússia faminta e arruinada, comiam pela primeira vez melhor do que durante séculos na Rússia tsarista e capitalista. E nós diremos que as massas terão fome enquanto o Exército Vermelho não tiver vencido. Era preciso que a vanguarda da classe operária fizesse este sacrifício. Esta luta é para ela uma escola; saídos dessa escola, devemos seguir para a frente. Agora devemos a todo o custo dar este passo. Os velhos sindicatos, tal como todos os sindicatos, têm a sua história e o seu passado. Nesse passado eles foram órgãos de resistência ao capitalismo, que oprimia o trabalho. E quando a classe se tornou/em> classe governante e quando tem agora de fazer maiores sacrifícios, morrer e passar fome, a situação modificou-se.

Nem todos compreendem esta mudança e nem todos a examinam. Aqui ajudam-nos alguns mencheviques e socialistas-revolucionários, os quais exigem que se substitua a direcção pessoal pela colegialidade. Desculpem, camaradas, mas isso assim não vai! Já nos desabituámos disso. Temos agora perante nós uma tarefa muito complexa: depois da vitória na frente sangrenta, a vitória na frente sem sangue. Esta guerra é mais difícil. E a frente mais dura. Dizemo-lo francamente a todos os operários conscientes. Depois da guerra que sustentámos na frente, deve seguir-se uma guerra sem sangue. Surge uma situação em que, quanto maiores foram as nossas vitórias, maior foi o número de regiões que ganhámos, como a Sibéria, a Ucrânia e o Kuban. Ali os camponeses são ricos, ali não há proletários, e mesmo que haja proletariado, está corrompido pelos costumes pequeno-burgueses, e nós sabemos que todo aquele que ali possui um pedaço de terra diz: «Quero lá saber do governo. Arrancarei o que me apetecer ao faminto e quero lá saber do governo.» A Entente vai agora ajudar o camponês especulador, que, entregue a Deníkine, vacilou para o nosso lado. A guerra mudou de frente e de forma. As suas armas agora são o comércio, a especulação, que se tornou internacional. Nas teses do camarada Kámenev, publicadas no Izvéstia TsK(N141), está exposta inteiramente a fundamentação de princípio disto. Eles querem tornar internacional a especulação. Querem transformar a construção económica pacífica numa degradação pacífica do Poder Soviético. Desculpem, senhores imperialistas, nós estamos alerta. Nós dizemos: fizemos a guerra e vencemos e, portanto, continuamos a manter como palavra de ordem fundamental aquela que nos ajudou a vencer. Mantemo-la integralmente e transferimo-la para o terreno do trabalho, a saber, a palavra de ordem de firmeza e de unidade de vontade do proletariado. É preciso acabar com os velhos preconceitos e os velhos costumes que persistem.

Para terminar, deter-me-ei na brochura do camarada Gússev(N142), que, em minha opinião, merece atenção em dois aspectos: ela é boa não apenas no aspecto formal, não apenas porque foi escrita para o nosso congresso. Até agora estávamos todos acostumados, não sei porquê, a escrever resoluções. Diz-se que todos os géneros literários são bons, com excepção dos fastidiosos. Penso que as resoluções pertencem ao género fastidioso da literatura. Seria melhor que nós, a exemplo do camarada Gússev, escrevêssemos menos resoluções e mais brochuras, ainda que tivéssemos uma tão grande quantidade de erros como os que abundam na sua brochura. Mas, apesar desses erros, isto é melhor, porque concentra a sua atenção no plano económico fundamental de restauração da indústria e da produção em todo o país, porque subordina tudo ao plano económico fundamental. O Comité Central incluiu nas suas teses hoje distribuídas todo um parágrafo inteiramente tirado das teses do camarada Gússev. Com a ajuda de especialistas, podemos elaborar mais em pormenor este plano económico fundamental. Devemos recordar que ele foi calculado para muitos anos. Não prometemos libertar de imediato o país da fome. Nós dizemos que a luta será mais difícil do que na frente de combate, mas ela interessa-nos mais, ela aborda mais de perto as nossas tarefas verdadeiras, fundamentais. Ela exige a máxima tensão de forças, a unidade de vontade de que anteriormente demos provas, de que devemos dar provas agora. Se realizarmos esta tarefa, teremos alcançado na frente sem sangue uma vitória não menor do que na frente da guerra civil. (Aplausos.)


Notas de rodapé:

(1) O IX Congresso do PCR(b) realizou-se em 29 de Março-5 de Abril de 1920 em Moscovo. O IX Congresso foi o mais numeroso de todos os congressos do Partido até então realizados: nele participaram 715 delegados, dos quais 553 com direito de voto e 162 com voto consultivo, representando 611978 membros do Partido. Muitos delegados vieram ao Congresso directamente da Frente. A ordem de trabalhos do Congresso era a seguinte: 1) relatório do CC; 2) tarefas imediatas da construção económica; 3) movimento sindical; 4) questões de organização; 5) tarefas da Internacional Comunista; 6) atitude em relação à cooperação; 7) passagem para o sistema de milícias; 8) eleição do CC; 9) assuntos correntes. O trabalho do Congresso decorreu sob a direcção directa de Lénine, que apresentou o relatório da actividade política do CC e pronunciou discursos no encerramento da discussão sobre o relatório, sobre a construção económica, sobre a cooperação e no encerramento do Congresso; Lénine apresentou também uma proposta a propósito da lista de candidatos a membros do CC. Na resolução Sobre as tarefas imediatas da construção económica, o Congresso sublinhou a importância do plano económico único, no qual desempenhava um papel fundamental a electrificação, que Lénine apresentava com um grande programa para 10-20 anos. As directivas do IX Congresso constituíram o plano fundamental da Comissão de Estado para a Electrificação da Rússia (GOELRO), definitivamente elaborado e ratificado em Dezembro de 1920 pelo VIII Congresso dos Sovietes de Toda a Rússia. O Congresso dedicou grande atenção à organização da produção. Na resolução sobre esta questão apontava-se a necessidade de criar uma direcção competente, firme e enérgica na base do princípio da direcção unipessoal. Partindo das indicações de Lénine, o Congresso sublinhou especialmente que, no interesse da economia socialista, se devia atrair amplamente os antigos especialistas. No Congresso pronunciou-se contra a linha do Partido na construção económica o grupo antipartido do «centralismo democrático» - Saprónov, Ossínski, (Obolenski), Smirnov e outros. Encobrindo-se com frases sobre o centralismo democrático, mas na realidade deturpando este princípio, os membros deste grupo negavam a necessidade da direcção unipessoal na produção, pronunciavam-se contra uma firme disciplina partidária e estatal, afirmavam falsamente que no CC não era aplicado o princípio da direcção colegial. Este grupo foi apoiado no Congresso por Rikov, Tómski, Miliútine, Lómov (Opókov). O Congresso condenou e rejeitou resolutamente as propostas antipartido do grupo do «centralismo democrático». Dedicou-se especial atenção no Congresso à emulação no trabalho e aos sábados comunistas. Para a difusão da emulação, recomendou-se a ampla utilização do sistema de prémios no pagamento do trabalho. O Congresso decidiu transformar o 1." de Maio de 1920, que calhava a um sábado, num grandioso sábado comunista em toda a Rússia. Nos trabalhos do Congresso ocupou um importante lugar a questão dos sindicatos. O Congresso definiu com precisão o papel dos sindicatos, as suas relações com o Estado e o partido, as formas e métodos de direcção dos sindicatos pelo partido comunista, as formas de participação dos sindicatos na construção económica. Em 4 de Abril, na sessão de encerramento, foi eleito o novo Comité Central, composto por 19 membros efectivos e 12 suplentes. (retornar ao texto)

(2) O Bureau Político e o Bureau de Organização do CC do PCR(b) foram como órgãos permanentes em 25 de Março de 1919, na primeira reunião plenária do Comité Central eleito pelo VIII Congresso do Partido, em conformidade com a resolução do congresso sobre a questão da organização. (retornar ao texto)

(3) Trata-se dos relatórios do CC e das suas secções, publicados em Março de 1920, nas vésperas do IX Congresso do PCR(b), no Isvéstia TsK RKP(b) [Notícias do CC do PCR(b)] (retornar ao texto)

(4) Lénine alude ao terror branco, que começou depois do esmagamento da revolução finlandesa, em Maio de 1918. Mais de 90 mil pessoas foram metidas nas prisões e nos campos de concentração; cerca de 18 mil executadas, e outras tantas morreram em consequência da fome e das torturas. (retornar ao texto)

(5) Em 25 de Março de 1920, o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Finlândia dirigiu ao governo Soviético uma proposta para estabelecer a linha de demarcação, o que de facto significou o começo das negociações de paz. O Tratado de Paz Soviético-Finlandês foi assinado em 14 de Outubro de 1920. (retornar ao texto)

(6) O assentimento da Polónia para as negociações foi apenas uma manobra que encobria os preparativos para a guerra contra a Rússia Soviética. O governo soviético propôs reiteradas vezes (22 de Dezembro de 1919, 28 de Janeiro, 2 de Fevereiro, 26 de Março de 1920) ao governo polaco o início das negociações, mas este último só deu uma resposta positiva em 27 de Março e propôs negociações na cidade de Boríssov, perto da linha da frente, cessando as actividades bélicas somente naquela região. Às propostas soviéticas sobre a cessação total dos combates e da transferência do local das negociações para qualquer país neutral, o governo polaco respondeu com uma recusa que equivalia a um ultimato. Em 25 de Abril os círculos reaccionários da Polónia iniciaram a guerra contra a República Soviética. Em consequência dos êxitos do Exército Vermelho, no Outono de 1920 o governo polaco viu-se obrigado a ceder. Um armistício foi concluído em 12 de Outubro, e o Tratado da Paz foi assinado em 18 de Março de 1921. (retornar ao texto)

(7) Trata-se do golpe de Estado monárquico-militar, o chamado «putch de Kapp», realizado pela camarilha militarista reaccionária alemã. O putch foi organizado pelo latifundiário monárquico Kapp e pelos generais Lúdendorf, Seeckt e Lúttwitz, com a conivência evidente do governo social-democrata. Em 13 de Março de 1920, os sublevados lançaram unidades militares contra Berlim e, não encontrando resistência por parte do governo, proclamaram a ditadura militar. Os operários da Alemanha responderam ao golpe de Estado com a greve geral. Sob a sua pressão, o governo de Kapp caiu em 17 de Março, voltando ao poder os sociais-democratas. (retornar ao texto)

(8) Izvéstia Tsentrálnogo Komiteta Rossiískoi Kommunistítcheskoi Pártii (bolchevikov), [Notícias do Comité Central do Partido Comunista da Rússia (bolchevique)]: boletim informativo do CC, que tratava problemas da vida do partido; fundado por resolução do VIII Congresso do PCR(b), editou-se em Moscovo a partir de 28 de Maio de 1919. Os primeiros números publicaram-se como suplemento semanal do jornal Pravda, e a partir de Outubro de 1920 o boletim tornou-se um órgão independente. (retornar ao texto)

(9) Lénine refere-se à brochura S. I. Gússev Questões Imediatas da Construção Económica [Sobre as teses do CC do PCR(b). Materiais para o IX Congresso do PCR(b)], Sarátov, 1920. O parágrafo de que Lénine fala mais abaixo foi incluído, numa forma um pouco modificada, no projecto de resolução do CC do PCR(b) para o IX Congresso. (retornar ao texto)

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Inclusão: 04/01/2020