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Primeira edição: Pravda, n.° 259, 19 de novembro de 1919. V. I. Lênin, Obras, 4.ª ed. em russo, t. 30, págs. 122/129
Fonte: A aliança operário-camponesa, Editorial Vitória, Rio de Janeiro, Edição anterior a 1966 - págs. 520-526
Tradução: Renato Guimarães, Fausto Cupertino Regina Maria Mello e Helga Hoffman de "La Alianza de la Clase Obrera y el Campesinado", publicado por Ediciones en Lenguas Extranjeiras, Moscou, 1957, que por sua vez foi traduzido da edição soviética em russo, preparada pelo Instituto de Marxismo-Leninismo adjunto ao CC do PCUS, Editorial Política do Estado, 1954. Capa e apresentação gráfica de Mauro Vinhas de Queiroz
HTML: Fernando Araújo.
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Camaradas:
Lamentavelmente não pude tomar parte na conferência convocada pelos camaradas, isto é na conferência sobre o trabalho no campo. Por isso terei que me limitar a fazer algumas considerações gerais e fundamentais, e estou certo de que conseguirão aplicar paulatinamente estas considerações gerais e as normas fundamentais de nossa política às tarefas e questões práticas existentes.
A questão do trabalho no campo é hoje em nosso país a questão fundamental de toda a edificação socialista, pois em relação ao trabalho entre o proletariado e ao problema de sua unificação podemos afirmar com toda a certeza que, em dois anos de Poder Soviético, a política dos comunistas não só foi fixada com toda a clareza, mas que, sem dúvida, alcançou alguns resultados sólidos. No início tivemos que lutar nos meios operários contra a falta de consciência da comunidade de interesses, contra diferentes manifestações de sindicalismo, quando entre os operários de algumas fábricas ou de alguns ramos industriais existia a tendência a colocar seus interesses, os interesses de sua fábrica ou de sua indústria, acima dos interesses da sociedade. Tivemos e temos que lutar ainda contra uma deficiente disciplina quanto à nova organização do trabalho. Creio que todos recordarão as grandes etapas pelas quais passou nossa política, quando, promovendo novos e novos operários aos novos postos, lhes oferecíamos a possibilidade de familiarizarem-se com as tarefas que se colocavam diante de nos e com o mecanismo geral da administração do Estado. A organização da atividade comunista do proletariado e toda a política dos comunistas tomaram na atualidade uma forma totalmente acabada, firme, e estou convencido de que seguimos um caminho correto; podemos, pois, avançar com toda a segurança.
No que se refere ao trabalho no campo, as dificuldades são indubitavelmente grandes, e no VIII Congresso do Partido esta questão foi por nós examinada a fundo, como uma das mais importantes. No campo, do mesmo modo que na cidade, só podemos apoiar-nos nos representantes das massas trabalhadoras e exploradas, naqueles que sob o capitalismo suportavam todo o jugo dos latifundiários e capitalistas. Naturalmente, desde que a conquista do poder pelos operários permitiu aos camponeses varrer imediatamente o poder dos latifundiários, abolindo a propriedade privada, os camponeses, ao fazer a repartição da terra, tornaram efetiva uma maior igualdade e assim elevaram a exploração do solo a um nível considerável, superior ao médio. Mas, é claro, neste sentido não pudemos alcançar todos os nossos desejos, porque, existindo a economia individual, é necessária uma soma gigantesca de recursos materiais para prover cada camponês da quantidade suficiente de sementes, animais e instrumentos. Além disso, mesmo que nossa indústria obtivesse êxitos inusitados no desenvolvimento da produção de máquinas agrícolas, mesmo que fossem satisfeitos todos os nossos desejos, mesmo nestas condições, nos seria fácil compreender que é coisa impossível e altamente irracional dotar de meios de produção suficientes cada pequeno camponês, pois isto significaria uma dispersão tremenda; só por meio do trabalho em comum, em artéis e cooperativas, é possível sair do atoleiro a que nos levou a guerra imperialista.
A massa camponesa, a mais oprimida sob o capitalismo em virtude de sua situação econômica, é a que tem mais dificuldades para compreender que sejam possíveis reviravoltas e transições bruscas. As experiências feitas com o campesinato por Koltchak, Yudenitch e Denikin os obrigam a ser particularmente cautelosos com o que conquistaram. Todo camponês sabe que ainda não é definitiva a solidez de suas conquistas, que seu inimigo — o latifundiário — ainda não foi aniquilado, mas, encolhido, espera a ajuda dos seus amigos, os bandoleiros do capital internacional. E embora o capital internacional se torne cada dia mais débil, enquanto nossa situação internacional melhorou extraordinariamente nos últimos tempos, se se aquilatam com lucidez todas as circunstâncias, devemos dizer que o capital internacional ainda é, dúvida, mais forte do que nós. Já não pode fazer-nos guerra direta: para isso lhe foram cortadas as asas. Precisamente nos últimos dias, estes senhores começaram a dizer na imprensa burguesa europeia: «A Rússia é para nós um atoleiro. Não será preferível fazer as pazes com ela?» Sempre acontece o mesmo: quando se assestam golpes no adversário, este começa a tomar atitudes conciliatórias. Mais de uma vez dissemos aos senhores imperialistas europeus que estávamos de acordo em selar a paz, mas eles sonhavam em subjugar a Rússia. Agora compreenderam que seus sonhos não se cumprirão.
Atualmente, os milionários e multimilionários internacionais ainda são mais fortes do que nós. É os camponeses vêem com clareza que as tentativas de insurreição de Yudenitch, Koltchak e Denikin são atos de força organizados com dinheiro dos imperialistas da Europa e da América do Norte. A massa camponesa sabe muito bem o que a espera se incorre na menor fraqueza. A recordação clara da ameaça que representa o poder dos latifundiários e capitalistas faz com que os camponeses se convertam em fidelíssimos partidários do Poder Soviético. Cada mês crescem a solidez do Poder Soviético e o grau de consciência dos camponeses, que antes trabalhavam e eram explorados, que comprovaram em sua própria pele todo o peso da opressão dos latifundiários e capitalistas.
Mas, naturalmente, as coisas são muito diferentes em relação aos culaques, em relação aos que empregavam mão-de-obra assalariada, se dedicavam à usura e lucravam à custa do trabalho alheio. Os culaques estão em massa ao lado dos capitalistas e sentem-se descontentes com a revolução. Devemos ter ideia clara de que ainda nos será preciso travar uma luta longa e firme contra este grupo de camponeses. Entre os camponeses que suportaram todo o jugo dos latifundiários e capitalistas e aqueles outros que exploravam os demais, está a massa dos camponeses médios. Em relação a eles coloca-se a tarefa mais árdua. Os socialistas assinalaram sempre que a passagem para o socialismo coloca uma tarefa difícil: a das relações entre a classe operária e os camponeses médios. A este respeito devemos esperar dos camaradas comunistas que deem provas da máxima atenção, de uma atitude consciente e de capacidade para abordar esta tarefa árdua e complexa, sem que resolvam a questão de um só golpe e a porretadas.
É indubitável que os camponeses médios estão habituados ao cultivo individual. São camponeses proprietários, e j embora por ora não tenham terra, embora tenha sido abolida a propriedade privada da terra, o camponês contínua sendo proprietário, principalmente porque este grupo de camponeses contínua possuindo produtos alimentícios. O camponês médio produz mais do que necessita e, portanto, ao dispor de trigo excedente, converte-se em um explorador do operário faminto. Nisto reside a tarefa essencial e a contradição fundamental. O camponês, como trabalhador, como homem que vive do seu próprio esforço, como homem que sofreu a opressão do capitalismo, um tal camponês está do lado do operário. Mas o camponês, como proprietário que possui excedentes de trigo está acostumado a considerar esses excedentes como propriedade sua, que pode vender livremente. Mas vender os excedentes de trigo em um país faminto equivale a transformar-se em especulador, em explorador, porque uma pessoa faminta é capaz de dar pelo trigo tudo o que tiver. Por este motivo desenvolve-se a luta mais obstinada e difícil, que requer de todos nós, representantes do Poder Soviético, e em particular dos comunistas que trabalham no campo, a maior atenção, a atitude e a abordagem mais cuidadosas da questão.
Dissemos sempre que não queremos impor pela força o socialismo aos camponeses médios, e o VIII Congresso do Partido confirmou-o plenamente. A eleição do camarada Kalinin para o posto de Presidente do Comitê Executivo Central de toda a Rússia teve como base a consideração de quo devemos aproximar diretamente o Poder Soviético dos camponeses. É graças ao camarada Kalinin, o trabalho no campo experimentou um impulso considerável. Indubitavelmente, o camponês obteve a possibilidade de manter um contato mais direto com o Poder Soviético, dirigindo-se ao camarada Kalinin, representante do poder supremo da República soviética. Assim, pois, dissemos ao camponês médio: «Não cabe sequer falar em impor pela violência a passagem para o socialismo». Mas é preciso fazê-lo compreender, é preciso saber dizer isto na linguagem mais acessível ao camponês. Neste aspecto, a influência só pode ser exercida por meio do exemplo, com uma organização correta da economia social. Mas para dar exemplo de trabalho cooperativo, coletivo, é mister que organizemos primeiro nós mesmos corretamente uma economia deste tipo. Nestes dois anos, foi enorme o movimento tendente à organização de comunas e artéis agrícolas. Mas, olhando as coisas com serenidade, devemos dizer que a massa de camaradas que empreenderam a organização de comunas foi trabalhar no campo, na agricultura, com um conhecimento insuficiente das condições econômicas da vida camponesa. Por isso, foi preciso corrigir uma quantidade imensa de erros, de consequências de passos precipitados, de abordagens equivocadas da questão. Frequentemente infiltraram-se nas fazendas soviéticas antigos exploradores, antigos latifundiários. Seu poder foi derrubado, mas esses elementos não foram aniquilados. É preciso expulsá-los dali ou colocá-los sob o controle do proletariado.
Esta tarefa levanta-se diante de nós em todas as esferas da vida. Tivemos notícia de toda uma série de brilhantes vitórias do Exército Vermelho. Nele atuam dezenas de milhares de antigos oficiais e coronéis. Se não os tivéssemos enquadrado nas fileiras e não os tivéssemos obrigado a nos servir, não teríamos podido criar o exército. É, apesar da traição de alguns especialistas militares, derrotamos Koltchak e Yudenitch e estamos vencendo em todas as frentes. Isto ocorre porque, graças à existência no Exército Vermelho de células comunistas, que têm uma enorme importância do ponto-de-vista da agitação e propaganda, o pequeno número de oficiais se vê cercado de um tal ambiente, em meio a uma influência tão poderosa dos comunistas, que, em sua maioria, não podem escapar à rede da organização e da propaganda comunistas com que os envolvemos.
Não se pode construir o comunismo sem conhecimentos, sem técnica, sem cultura, que estão em mãos dos especialistas burgueses. A maioria deles não simpatiza com o Poder Soviético, mas sem sua ajuda não podemos edificar o comunismo. É preciso cercá-los de um ambiente de camaradagem, de um espírito de trabalho comunista, e conseguir que marchem junto com o poder operário e camponês.
Entre os camponeses manifesta-se muito amiúde uma extraordinária desconfiança e indignação que chega até à negação absoluta da conveniência das explorações agrícolas soviéticas, afirmando-se que não são necessárias porque nelas se encontram velhos exploradores. A isto dizemos: se os próprios camponeses não sabem organizar a economia em bases novas, é preciso que tomemos a nosso serviço os antigos especialistas, sem o que não é possível livrar-se da miséria. Agarraremos sem piedade aqueles que infringirem as disposições do Poder Soviético, do mesmo modo como o fizemos no Exército Vermelho; a luta contínua e é implacável. Mas obrigaremos a maioria deles a trabalhar em nosso favor.
Esta tarefa é difícil, complexa, não se pode resolvê-la de um só golpe. É necessário disciplina operária consciente, é necessário a aproximação com os camponeses; é preciso mostrar-lhes que vemos todos os abusos que se cometem nas explorações soviéticas, mas afirmamos que os homens de ciência e os técnicos devem ser postos a serviço da economia social, pois com a pequena exploração agrícola não é possível escapar à miséria. Atuaremos do mesmo modo como no Exército Vermelho; golpear-nos-ão cem vezes e na centésima primeira vez venceremos todos. Mas para isso e preciso que no campo o trabalho seja realizado com harmonia e planejamento, com uma ordem tão rigorosa como a que se realizou no Exército Vermelho e como se realiza em outros ramos da economia. Paulatina e firmemente vamos mostrando aos camponeses as vantagens da economia coletiva.
Esta é a luta que devemos sustentar nos estabelecimentos agrícolas soviéticos, nisto residem as dificuldades da passagem para o socialismo e o fortalecimento verdadeiro e definitivo do Poder Soviético. Quando a maioria dos camponeses médios compreender que ficando afastados da aliança com os operários ajudam Koltchak e Yudenitch; que em todo mundo só ficaram ao lado destes os capitalistas, que odeiam a Rússia Soviética e que repetirão ainda durante anos suas tentativas de restaurar o poder, então até o mais atrasado deles compreenderá que não resta outra coisa senão marchar em aliança com os operários revolucionários até a emancipação total, e que incorrer ainda na menor vacilação será facilitar a volta do inimigo, o antigo explorador capitalista. A vitória sobre Denikin ainda não aniquilará definitivamente os capitalistas. Isto deve ser compreendido por todos nós. Sabemos muito bem que hão de empreender novas tentativas de estrangular a Rússia Soviética. Por isso, os camponeses têm uma só saída: devem ajudar os operários, pois a menor vacilação daria a vitória aos latifundiários e capitalistas. Nossa primeira e fundamental tarefa consiste em inculcar nos camponeses esta convicção. O camponês que vive do seu trabalho é um fiel aliado do Poder Soviético; em um camponês assim o operário vê um seu igual, por ele o poder operário faz tudo o que pode e não há sacrifício que detenha o poder operário e camponês quando se trata de satisfazer as necessidades de tal camponês.
Mas o camponês que explora por possuir trigo excedente é nosso adversário. A obrigação de satisfazer as necessidades essenciais de um país faminto é uma obrigação do Estado. Mas nem todos os camponeses compreendem que o comércio livre do trigo é um delito contra o Estado. «Eu colhi o trigo, é um produto meu e tenho o direito de comerciar com ele»: assim pensa o camponês, por costume, à maneira antiga. Mas nós dizemos que isto é um delito contra o Estado. Comerciar livremente com o trigo equivale a enriquecer-se graças a este trigo: isso não é outra coisa senão o retorno ao antigo capitalismo e não o consentiremos, lutaremos a todo transe contra isso.
No período de transição realizamos a estocagem do Estado e o sistema de quotas de entrega de cereais. Sabemos que este é o único meio de nos livrarmos da miséria e da fome. A imensa maioria dos operários passa privações em consequência da má distribuição do trigo, mas para distribuí-lo bem é preciso que o sistema de entregas obrigatórias de trigo ao Estado seja cumprido pelos camponeses rigorosa, conscienciosa e incondicionalmente. Quanto a isso não pode haver qualquer concessão do Poder Soviético. Não se trata de uma luta do poder operário contra os camponeses, trata-se da própria existência do socialismo, da existência do Poder Soviético. Não podemos dar agora mercadorias aos camponeses, pois não há combustíveis e as estradas de ferro estão paralisadas. Primeiro, é preciso que os camponeses deem aos operários trigo a título de empréstimo, não a preços de especulação, mas ao preço de tabela, para que os operários possam restabelecer a produção. Todos os camponeses estão de acordo com isto quando se trata de operários que morrem de fome logo a seu lado. Mas quando se trata de milhões de operários, não o compreendem e são os velhos hábitos de especulação que prevalecem.
Nossa política em relação aos camponeses consiste em uma luta prolongada e tenaz contra esses hábitos, na agitação e na propaganda, no esclarecimento, na comprovação do que já se fez.
Prestar toda espécie de apoio aos camponeses trabalhadores, tratá-los de igual para igual, não fazer a menor tentativa de lhes impor qualquer coisa pela força: esta é nossa primeira tarefa. A segunda consiste em sustentar uma luta consequente contra a especulação, a trapaça e a desordem econômica.
Quando começamos a criar o Exército Vermelho, este era formado por grupos isolados e disseminados de guerrilheiros. Houve muitas vítimas desnecessárias devido à falta de disciplina e de coesão, mas superamos essas dificuldades e em lugar dos destacamentos de guerrilheiros forjamos um Exército Vermelho de milhões de homens. Se pudemos conseguir isto no curto prazo de dois anos em uma questão tão difícil, complicada e perigosa como a militar, com maior razão podemos estar seguros de que atingiremos nossos propósitos em todas as esferas da vida econômica.
Estou convencido de que resolveremos também esta tarefa, uma das mais difíceis — o estabelecimento de relações corretas entre os operários e os camponeses e a aplicação de uma política acertada de abastecimento e de que conseguiremos neste terreno uma vitória como a que alcançamos na frente.