Prefácio à edição do discurso Sobre Como se Engana o Povo com as Palavras de Ordem de Liberdade e Igualdade

Vladimir Ilitch Lênin

23 de junho de 1919


Primeira edição: Publicado em 1919 no folheto: N. Lênin, Dois Discursos no I Congresso de Ensino Extra Escolar de Toda a Rússia, Moscou. V. I. Lênin, Obras, 4.ª ed. em russo, t. 29, págs. 347/351

Fonte: A aliança operário-camponesa, Editorial Vitória, Rio de Janeiro, Edição anterior a 1966 - págs. 484-488

Tradução: Renato Guimarães, Fausto Cupertino Regina Maria Mello e Helga Hoffman de "La Alianza de la Clase Obrera y el Campesinado", publicado por Ediciones en Lenguas Extranjeiras, Moscou, 1957, que por sua vez foi traduzido da edição soviética em russo, preparada pelo Instituto de Marxismo-Leninismo adjunto ao CC do PCUS, Editorial Política do Estado, 1954. Capa e apresentação gráfica de Mauro Vinhas de Queiroz

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A questão que analisei em meu discurso de 19 de maio no Congresso de Ensino Extra Escolar, isto é, a questão da igualdade em geral e da igualdade entre o operário e o camponês em particular é, sem dúvida, uma das mais árduas e «espinhosas» de nossos dias. Afeta os preconceitos mais arraigados do pequeno-burguês, do pequeno proprietário, do pequeno possuidor de mercadorias, de todo filisteu e de nove décimos dos intelectuais (inclusive os intelectuais mencheviques e esserristas).

Negar a igualdade entre o operário e o camponês! Que monstruosidade! Naturalmente, a ela pretendem apegar-se todos os amigos dos capitalistas, todos os seus lacaios, e em primeiro lugar os mencheviques e esserristas, para «irritar» os camponeses, para «sublevá-los», para indispô-los contra os operários, contra os comunistas. Tais tentativas são inevitáveis, mas como estão baseadas em falsidades, seu fracasso vergonhoso é seguro.

Os camponeses são gente sisuda, realista, prática. É preciso esclarecer-lhes as coisas praticamente, com exemplos simples da própria vida. É justo que os camponeses que possuem trigo excedente o ocultem, esperando que os preços subam até alcançar proporções de especulação, exorbitantes, e sem levar em consideração os operários famintos? Ou é justo que o poder do Estado que os operários têm em suas mãos se encarregue de todos os excedentes de grão, não a preço de especulação, de negocismo, de verdadeiro roubo, mas a preço de tabela fixado pelo Estado?

O problema está colocado exatamente assim. Este é o quid da questão. Pretendem «safar-se» dele com palavrórios de toda espécie sobre a «igualdade» e a «unidade da democracia do trabalho» todos os trapaceiros que, como os mencheviques e os esserristas, atuam em benefício dos capitalistas, em favor da restauração do poder absoluto dos capitalistas.

O camponês deve escolher:

Este é o dilema.

Os camponeses ricos, os culaques, optarão pelo primeiro, quererão fazer fortuna em aliança com os capitalistas e latifundiários contra os operários, contra os camponeses pobres, mas esses camponeses ricos serão na Rússia uma minoria. Enquanto a maioria dos camponeses se inclinará pela aliança com os operários contra a restauração do poder dos capitalistas, contra a «liberdade dos ricos de lucrar», contra a «liberdade dos pobres de passar fome», contra a pretensão de encobrir embusteiramente esta maldita «liberdade» capitalista (a liberdade de morrer de fome) com palavras retumbantes sobre a «igualdade» (a igualdade entre o farto, entre o que possui trigo excedente, e o faminto).

Nossa tarefa é lutar contra o pérfido embuste dos capitalistas que os mencheviques e os esserristas pretendem fazer passar com sonoras e pomposas frases sobre a «liberdade» e a «igualdade».

Camponeses: Arranquem a máscara aos lobos com pele de ovelha que entoam adocicados ditirambos à «liberdade» e a «igualdade», à «unidade da democracia do trabalho», mas que de fato defendem com isso a «liberdade» do latifundiário de oprimir os camponeses, a «igualdade» entre os ricaços capitalistas e os operários ou os camponeses semifamintos, a «igualdade» entre o que está farto até à saciedade, o que esconde o trigo excedente, e o operário atormentado pela fome, o que está desempregado em virtude da ruína do país provocada pela guerra. Esses lobos com pele de ovelha são os piores inimigos dos trabalhadores, são na realidade amigos dos capitalistas, embora se chamem mencheviques, esserristas ou sem partido.

«O operário e o camponês são iguais enquanto trabalhadores, mas o especulador de trigo empanturrado não é igual ao trabalhador faminto.» «Nós lutamos defendendo exclusivamente os interesses do trabalho, apossando-nos do trigo do especulador e não do que trabalha.» «Vamos a um acordo com os camponeses médios, com os camponeses trabalhadores»: isto é o que declarei em meu discurso, esta é a essência da questão, esta é a verdade pura e simples, que está sendo embaralhada com frases altissonantes sobre a «igualdade». É a imensa maioria dos camponeses sabe que isto é verdade, que o Estado operário luta contra os especuladores e os ricos, ajudando de todos os modos os trabalhadores e os pobres, enquanto o Estado dos latifundiários (com o tsar) e o Estado dos capitalistas (ainda que com a república mais livre e democrática), sempre e em todo lugar, em todos os países, ajudam os ricos a despojar os trabalhadores, ajudam os especuladores e os ricos a lucrar à custa dos pobres, lançados à ruína.

Esta verdade é conhecida por todos os camponeses. É por isso a maioria deles, com tanto maior rapidez e firmeza quanto mais conscientes sejam, fará sua escolha: pela aliança com os operários, pelo acordo com o governo operário, contra o Estado dos latifundiários ou dos capitalistas; pelo Poder Soviético contra a «Assembleia Constituinte» ou contra a «república democrática»; pelo acordo com os comunistas-bolcheviques, contra qualquer apoio aos capitalistas, aos mencheviques e aos esserristas!

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Aos senhores «instruídos», aos democratas, aos socialistas, aos social-democratas, aos socialistas revolucionários, etc., diremos: em tese, todos os senhores reconhecem a «luta de classes», mas de fato a esquecem precisamente quando atinge particular intensidade. Mas esquecer-se dela significa passar para o lado do capital, para o lado da burguesia, contra os trabalhadores.

Quem reconhece a luta de classes deve reconhecer que em uma república burguesa, ainda que na mais livre e democrática, a «liberdade» e a «igualdade» nunca puderam ser nem foram outra coisa senão a expressão da igualdade e da liberdade dos possuidores de mercadorias, da igualdade e da liberdade do capital. Marx explicou isto mil vezes, em todas as suas obras e particularmente em seu O Capita (que todos os senhores reconhecem em palavras), zombou da concepção abstrata de «liberdade e igualdade», dos adocicados Bentham que não viam isto, e pôs a nu as raízes materiais dessas abstrações.

No regime burguês (isto é, enquanto se mantém a propriedade privada da terra e dos meios de produção) e na democracia burguesa, a «liberdade e igualdade» não são senão meras formalidades, significando de fato a escravidão assalariada dos operários (formalmente livres, formalmente iguais em direitos) e o poder infinito do capital, o jugo do capital sobre o trabalho. Este é o a-bê-cê do socialismo, senhores «instruídos», e os senhores o esqueceram.

Desse a-bê-cê se conclui que durante a revolução proletária, quando a luta de classe se aguça até chegar à guerra civil, só os idiotas e os traidores podem surgir com frases sobre a «liberdade», a «igualdade» e a «unidade da democracia do trabalho». Na prática tudo é decidido pelo desenlace da luta do proletariado contra a burguesia, e as classes intermediarias, as classes médias (compreendida toda a pequena burguesia e, portanto, todo o «campesinato»), vacilam inevitavelmente entre um e outro campo.

Trata-se da incorporação destas camadas intermediarias a uma das forças principais, ao proletariado ou à burguesia. Não pode haver outro dilema: quem não compreendeu isto ao ler O Capital de Marx nada compreendeu de Marx, nada compreendeu do socialismo, e é de fato um filisteu e um pequeno-burguês que se arrasta cegamente a reboque da burguesia. É quem o tiver compreendido não se deixará enganar com frases sobre a «liberdade» e a «igualdade», pensará e falará em coisas práticas, isto é, nas condições concretas da aproximação dos camponeses aos operários, na aliança entre uns e outros contra os capitalistas, no acordo entre uns e outros contra os exploradores, os ricos e os especuladores.

A ditadura do proletariado não é o fim da luta de classe, e sim sua continuação sob novas formas. A ditadura do proletariado é a luta do proletariado como classe que triunfou e tomou em suas mãos o poder político contra a burguesia que foi vencida, mas que não foi aniquilada, que não desapareceu, que não deixou de opor resistência; contra a burguesia cuja resistência se intensificou. A ditadura o proletariado é uma forma especial de aliança de classes entre o proletariado, vanguarda dos trabalhadores, e as numerosas camadas trabalhadoras não proletárias (pequena burguesia, pequenos patrões, camponeses, intelectuais, etc.) ou a maioria delas, aliança dirigida contra o capital, aliança cujo objetivo é a derrubada completa do capital, o esmagamento completo da resistência da burguesia e de suas tentativas de restauração e consolidação definitiva do socialismo. É uma aliança de tipo especial, que se forma em condições especiais, precisamente nas condições de uma furiosa guerra civil; é uma aliança dos partidários resolutos do socialismo com seus aliados vacilantes, e às vezes com os «neutros» (casos em que, de pacto de luta, a aliança se converte em pacto de neutralidade); é uma aliança entre classes diferentes do ponto-de-vista econômico, político, social e espiritual. Só os apodrecidos líderes da apodrecida Internacional «de Berna» ou amarela,(1) como Kautsky, Martov e Cia., podem fugir ao estudo das formas, condições e tarefas concretas desta aliança com frases gerais sobre a «liberdade», a «igualdade» e a «unidade da democracia do trabalho», isto é, com fragmentos da bagagem ideológica da época da economia mercantil.

N. Lênin
23 de junho de 1919


Notas de fim de tomo:

(1) Internacional de Berna: assim se denominou a II Internacional, restaurada na conferência de partidos social-chauvinistas e centristas realizada em Berna em fevereiro de 1919. (retornar ao texto)

Inclusão: 11/02/2022