Uma Lição Dura, mas Necessária

V. I. Lénine

25 de Fevereiro de 1918

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Primeira edição: Pravda, nº 35 (edição vespertina). 25 (12) de Fevereiro de 1918. Assinado: Lénine.
Fonte: Obras Escolhidas em Três Tomos, 1977, tomo 2, pág:484 a 486. Edições Avante! - Lisboa, Edições Progresso - Moscovo

Tradução: Edições "Avante!" com base nas Obras Completas de V. I. Lénine, 5.ª ed. em russo, t. 35, pp. 393-397.

Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo

Direitos de Reprodução: © Direitos de tradução em língua portuguesa reservados por Editorial "Avante!" - Edições Progresso Lisboa - Moscovo, 1977.


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A semana de 18 a 24 de Fevereiro de 1918 entrará na história da revolução russa — e internacional — como uma das mais grandiosas viragens históricas.

A 27 de Fevereiro de 1917, o proletariado russo, juntamente com uma parte do campesinato despertado pelo curso dos acontecimentos militares, e com a burguesia, derrubou a monarquia. Em 21 de Abril de 1917 derrubou o poder absoluto da burguesia imperialista e transferiu o poder para as mãos dos pequenos burgueses conciliadores com a burguesia. Em 3 de Julho, o proletariado urbano, levantando-se espontaneamente numa manifestação, fez tremer o governo dos conciliadores. Em 25 de Outubro derrubou-o e implantou a ditadura da classe operária e do campesinato pobre.

Foi preciso defender esta vitória numa guerra civil. Isto ocupou cerca de três meses, começando com a vitória sobre Kérenski junto de Gátchina, continuando com as vitórias sobre a burguesia, os cadetes, uma parte dos cossacos contra-revolucionários em Moscovo, Irkutsk, Oremburgo e Kíev, e terminando com a vitória sobre Kalédine, Kornílov e Alexeev em Rostov-do-Don.

O incêndio da insurreição proletária inflamou-se na Finlândia[N254]. O fogo estendeu-se à Roménia.

As vitórias na frente interna foram relativamente fáceis, pois o inimigo não possuía nenhuma superioridade nem técnica nem organizativa, não tendo além disso debaixo dos pés qualquer base económica, qualquer apoio nas massas da população. A facilidade das vitórias não podia deixar de fazer perder a cabeça a muitos dos dirigentes. Surgiu o estado de espírito: «está no papo.»

Fecharam os olhos à gigantesca decomposição do exército, que se desmobilizava com rapidez e abandonava a frente. Deleitaram-se com a frase revolucionária. Levaram esta frase para a luta contra o imperialismo mundial. Tomaram como algo de normal que a Rússia se visse «livre» temporariamente da sua pressão, quando de facto esta «liberdade» se explicava apenas por uma pausa na guerra do abutre alemão com o anglo-francês. Tomaram o começo das greves de massas na Áustria e na Alemanha pela revolução, que supostamente já nos libertara de um sério perigo da parte do imperialismo alemão. Em vez de um trabalho consequente, prático e sério de apoio à revolução alemã, que nasce por uma via singularmente dura e difícil, surgiu um gesto desdenhoso:

«Que podem eles, os imperialistas alemães! Juntamente com Liebknecht atiramo-los abaixo num instante!»

A semana de 18 a 24 de Fevereiro de 1918, da tomada de Dvinsk à tomada de Pskov (reconquistada depois), a semana da ofensiva militar da Alemanha imperialista contra a República Socialista Soviética foi uma lição amarga, ultrajante e dura, mas necessária, útil e benéfica. Como foi infinitamente instrutiva a comparação dos dois grupos de telegramas e comunicações telefónicas que afluíram durante esta semana ao centro do governo! Por um lado, uma orgia incontrolável da frase revolucionária «resolutiva» — da frase steinbergiana, poder-se-ia dizer recordando uma obra-prima neste estilo, o discurso na reunião de sábado do CEC[N255] pelo socialista-revolucionário «de esquerda» (hum ... hum ...) Steinberg. Por outro lado, notícias vergonhosamente dolorosas sobre a recusa dos regimentos a manter as posições, sobre a recusa a defender mesmo a linha de Narva, sobre a não execução da ordem de destruir tudo e todos na retirada; sem falarmos já da fuga, do caos, da inépcia, da impotência, da incúria.

Uma lição amarga, ultrajante e dura — uma lição necessária, útil e benéfica!

O operário consciente e pensante fará três deduções desta lição histórica: sobre a nossa atitude em relação à defesa da pátria, em relação à capacidade defensiva do país, em relação à guerra revolucionária, socialista; sobre as condições do nosso choque com o imperialismo mundial; sobre a colocação correcta da questão da nossa atitude em relação ao movimento socialista internacional.

Somos agora defensistas, desde o 25 de Outubro de 1917, somos partidários da defesa da pátria desde esse dia. Pois demonstrámos de facto a nossa ruptura com o imperialismo. Anulámos e publicámos os sujos e sangrentos tratados-conluios imperialistas. Derrubámos a nossa burguesia. Demos a liberdade aos povos oprimidos por nós. Demos ao povo a terra e o controlo operário. Somos partidários da defesa da república socialista da Rússia.

Mas precisamente porque somos partidários da defesa da pátria, exigimos uma atitude séria em relação à capacidade defensiva e à preparação militar do país. Declaramos uma guerra implacável à frase revolucionária sobre a guerra revolucionária. Temos de nos preparar para ela longa e seriamente, começando pelo fomento económico do país, pela organização dos caminhos-de-ferro (pois sem eles a guerra moderna é uma frase vazia), pelo restabelecimento em toda a parte da mais rigorosa disciplina e autodisciplina.

Do ponto de vista da defesa da pátria é um crime aceitar o conflito militar com um inimigo infinitamente mais forte e preparado, quando é evidente que não temos exército. Somos obrigados a assinar, do ponto de vista da defesa da pátria, a paz mais dura, opressora, brutal e vergonhosa, não para «capitular» perante o imperialismo, mas para aprender e nos prepararmos para combater contra ele de modo sério e prático.

A semana vivida elevou a revolução russa a um nível incomensuravelmente mais elevado do desenvolvimento histórico mundial. Nestes dias, à história subiu de uma vez vários degraus.

Até agora tínhamos perante nós adversários miseráveis, desprezíveis e mesquinhos (do ponto de vista do imperialismo mundial), um Románov idiota, o gabarola Kérenski, os bandos de cadetes e burguesinhos. Agora levantou-se contra nós o gigante do imperialismo mundial, civilizado, magnificamente equipado do ponto de vista técnico e admiravelmente organizado. É preciso lutar contra ele. É preciso saber lutar contra ele. Um país camponês levado a uma ruína inaudita por três anos de guerra e que começou a revolução socialista, deve fugir do conflito militar — fugir dele enquanto for possível, mesmo à custa de duríssimos sacrifícios — precisamente para ter a possibilidade de fazer algo de sério no momento em que rebente «o combate final e decisivo».

Este combate rebentará unicamente quando se desencadear a revolução socialista nos países imperialistas avançados. Tal revolução, indubitavelmente, amadurece e fortalece-se de mês para mês, de semana para semana. É preciso ajudar essa força que amadurece. É preciso saber ajudá-la. E não será ajudada, mas prejudicada, enviando para a derrota a vizinha república socialista Soviética num momento em que é evidente que não tem exército.

É preciso não converter numa frase a grande palavra de ordem: «jogamos tudo na vitória do socialismo na Europa.» Isto é uma verdade se tivermos em conta o longo e difícil caminho da vitória completa do socialismo. Isto é uma verdade filosófico-histórica indiscutível, se se tomar toda a «era da revolução socialista» no seu conjunto. Mas toda a verdade abstracta se converte numa frase quando aplicada a uma qualquer situação concreta. É indiscutível que «cada greve encerra a hidra da revolução social». É absurdo pensar que de cada greve se possa passar imediatamente à revolução. Se «jogamos tudo na vitória do socialismo na Europa» no sentido de que garantimos ao povo que a revolução europeia rebentará e vencerá necessariamente nas próximas semanas, necessariamente antes de os alemães conseguirem chegar a Petrogrado, a Moscovo, a Kíev, antes de conseguirem «acabar» com o nosso transporte ferroviário, não procederemos como revolucionários internacionalistas sérios, mas como aventureiros.

Se Liebknecht vencer a burguesia em 2-3 semanas (isto não é impossível), desembaraçar-nos-á de todas as dificuldades. Isto é indiscutível. Mas se determinarmos a nossa táctica de hoje na luta contra o imperialismo de hoje baseando-nos na esperança de que Liebknecht deve seguramente vencer, precisamente nas próximas semanas, só merecemos que se riam de nós. Converteremos as mais grandiosas palavras de ordem revolucionárias da actualidade numa frase revolucionária.

Aprendei com as lições duras, mas úteis da revolução, camaradas operários! Preparai-vos seriamente, intensamente, firmemente, para a defesa da pátria, para a defesa da república socialista Soviética!


Notas de fim de Tomo:

[N254] A revolução na Finlândia começou em meados de Janeiro de 1918 na zona industrial do Sul do país. Em 15 (28) de Janeiro, a Guarda Vermelha finalandesa ocupou Helsingfors, capital da Finlândia, e o governo reaccionário burguês de Svinhufvud foi derrubado. Em 16(29) de Janeiro foi constituído o governo revolucionário da Finlândia, isto é, o Conselho de Representantes do Povo. Nas cidades e aldeias do Sul do país o poder passou para as mãos dos operários. O governo de Svinhufvud, que tinha uma posição firme no Norte da Finlândia, pediu ajuda ao governo alemão. Em consequência da intervenção das forças armadas da Alemanha a revolução finlandesa, depois de uma violenta guerra civil, foi esmagada em Maio de 1918. (retornar ao texto)

[N255] Lenine refere-se à reunião conjunta das fracções dos bolcheviques e dos socialistas-revolucionários de esquerda no CECR realizada em 23 de Fevereiro de 1918 com o objectivo de discutir a questão das novas condições de paz apresentadas pelo governo alemão.
Contra a conclusão da paz intervieram K. B. Rádek, D. B. Riazánov e o socialista-revolucionário de esquerda I. Z. Steinberg. Lenine interveio em defesa da conclusão da paz. Na reunião não foi adoptada qualquer decisão. A seguir à reunião conjunta realizou-se uma reunião da fracção bolchevique do CECR. Os «comunistas de esquerda» exigiram a liberdade de voto na reunião do CECR seguinte, mas a fracção rejeitou esta reivindicação e decidiu que os bolcheviques votariam pela conclusão da paz.
A reunião do CECR sobre a questão da conclusão da paz com a Alemanha começou em 24 de Fevereiro às 3 horas da madrugada sob a presidência de I. M. Sverdlov. Lenine apresentou um relatório sobre as novas condições de paz alemãs. Manifestaram-se contra a conclusão da paz os representantes dos mencheviques, dos socialistas-revolucionários de direita e de esquerda e dos anarquistas. A resolução proposta pelos bolcheviques sobre a aceitação das condições de paz alemãs foi aprovada por 116 votos contra 85, com 26 abstenções. A maioria dos «comunistas de esquerda» não participou na votação, tendo abandonado a sala da reunião. (retornar ao texto)

Inclusão 21/04/2011