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A questão da expropriação dos pequenos agricultores é de importância capital para se compreender e apreciar o papel do capitalismo na agricultura em geral. E é extremamente característico da economia política e das estatísticas modernas — profundamente impregnadas de concepções e preconceitos burgueses — que esta questão quase não seja abordada ou que só seja objeto de análises inteiramente superficiais.
Os dados gerais colocam em evidência, em todos os países capitalistas, um processo de crescimento da população urbana através da absorção da população rural, um êxodo da população dos campos. Nos Estados Unidos, este processo evolui de maneira contínua, O percentual da população urbana passou, de 29,5% em 1880, a 36,1% em 1890, 40,5% em 1900, e 46,3% em 1910. A população urbana aumenta mais rapidamente que a do campo em todas as regiões do país; entre 1900 e 1910, no Norte industrial, a população rural aumentou em 3,9%, a das cidades em 29,8%; no antigo Sul escravista, o aumento foi de 14,8% e 41,4%, respectivamente; no Oeste em colonização, de 49,7% e 86,6%.
Aparentemente, um fenómeno tão generalizado deveria ser obrigatoriamente estudado quando dos recenseamentos agrícolas. Uma importante questão do ponto de vista científico coloca-se naturalmente: que categorias, camadas, grupos da população rural fornecem os trânsfugas dos campos, e em que condições? Visto que, a cada dez anos, são recolhidos dados mais detalhados sobre cada empresa agrícola, cada cabeça de gado que aí é encontrada, seria muito fácil perguntar quantas farms, e de que categorias, foram vendidas ou arrendadas pelos que partiram para a cidade, quantos membros da família, e em que condições, deixaram a agricultura por um período determinado ou definitivamente, Mas estas questões não são levantadas e a análise estanca nesta colocação oficial estereotipada: "A população rural passou, entre 1900 e 1910, de 59,5% a 53,7%". Os investigadores sequer parecem suspeitar da miséria, da opressão, da ruína que tais cifras esquemáticas ocultam. E, com maior frequência, os economistas burgueses e pequeno-burgueses não querem sequer considerar a ligação evidente existente entre o êxodo rural e a ruína dos pequenos produtores.
Nada mais nos resta do que tentar reunir num todos os dados extremamente sucintos e mal-elaborados sobre a expropriação dos pequenos agricultores, que figuram no recenseamento de 1910. Existem dados sobre as formas de apropriação das farms: sobre o número de proprietários — os que são donos de toda a sua farm, e sobre os que dispõem de apenas uma parte; depois, sobre o número de parceiros que arrendam a terra pagando com uma parcela da produção, e dos arrendatários, que arrendam a terra contra o pagamento de uma importância em dinheiro. Estes dados estão repartidos por regiões, mas não por grupos de explorações.
Tomemos os resultados de conjunto para 1900 e 1910, o que nos fornece, de início, o seguinte quadro:
É evidente que tal quadro indica uma expropriação crescente da pequena agricultura. A população rural aumenta mais lentamente que a população urbana; o número de farmers, mais lentamente que a população rural; o número de proprietários, mais lentamente que o número total de farmers; o número de proprietários de toda sua farm mais lentamente que o número de proprietários em geral. A percentagem de proprietários em relação ao número total de farmers vem se reduzindo constantemente há várias décadas. Ela era:
Paralelamente, cresce a percentagem dos arrendatários, e o número de parceiros aumenta mais depressa que o dos arrendatários que quitam seu arrendamento em dinheiro. A percentagem de parceiros era de 17,5% em 1880, em seguida foi de 18,4% e 22,2% e, em 1910, ela já se elevava a 24,0%.
Que a redução da proporção dos proprietários e o crescimento dos arrendatários indicam, de uma forma geral, a ruína e eliminação dos pequenos agricultores, é o que sobressai dos seguintes dados:
Porcentagem de farms possuidoras de | ||||||
Animais domésticos | Cavalos | |||||
1900 | 1910 | + - | 1900 | 1910 | + - | |
Categoria de farm | ||||||
Proprietários | 96,7 | 96,1 | - 0,6 | 85,0 | 81,5 | -3,5 |
Arrendatários | 94,2 | 92,9 | - 1,3 | 67,9 | 60,7 | -7,2 |
De acordo com todos os dados relativos aos dois anos, os proprietários são economicamente mais fortes. A situação dos arrendatários agrava-se mais rapidamente que a dos proprietários. Passemos aos dados sobre as diferentes regiões.
Como já indicamos antes, o número mais significativo de arrendatários localiza-se no Sul, e é aí que ele aumenta com maior rapidez, passando de 47,0% em 1900 a 49,6% em 1910. Há meio século o capital destruiu o escravismo, para restabelecê-lo agora sob uma forma renovada, a da parceria.
No Norte, o número de arrendatários é consideravelmente menor e cresce de uma forma muito mais lenta, passando de 26,2% em 1900 a apenas 26,5% em 1910. É no Oeste que ele é menos significativo, e é somente nesta região que ele não aumenta, mas diminui, passando de 16,5% em 1900 a 14,0% em 1910. "É possível constatar uma percentagem bastante reduzida de explorações de arrendatários" — diz o balanço do recenseamento de 1910 — "na região das Montanhas e na do Pacífico" (estas duas regiões juntas formam o "Oeste"); "Com efeito, isto se deve sobretudo ao fato de que estas duas regiões só foram povoadas recentemente e que ai, numerosos farmers são homesteaders" (isto é, eles receberam lotes de terra não-ocupada, a título gratuito ou a um preço muito baixo), "que receberam sua terra do governo" (t. 5, p. 104).
Vemos afirmar-se aqui, com toda a sua evidência, uma particularidade dos Estados Unidos que nós já ressaltamos diversas vezes, e que consiste na existência de terras não-ocupadas, de terras vagas. Esta particularidade, explica, de um lado, o desenvolvimento extremamente rápido e amplo do capitalismo americano. A ausência de propriedade privada da terra em certas regiões deste imenso país não elimina o capitalismo (recado a nossos populistas!), mas, ao contrário, lhe oferece uma base mais ampla e acelera o seu desenvolvimento. Por outro lado, esta particularidade, absolutamente desconhecida dos velhos países capitalistas da Europa desde há muito povoados, tem por resultado mascarar na América o processo de expropriação dos pequenos agricultores que se realiza nas regiões já povoadas e mais industrializadas do país. Considerando o Norte, podemos obter o seguinte quadro:
1900 | 1910 | Acréscimo ou redução |
|
Totalidade da população rural (em milhões) | 22,2 | 23,1 | +3,9% |
Número total de farms (em milhares) | 2.874 | 2.891 | +0,6% |
Número total de proprietários (em milhares) | 2.088 | 2.091 | +0,1% |
Numero total de proprietários de toda a sua farm | 1.794 | 1.749 | - 2,5% |
Constatamos não apenas uma redução relativa do número de proprietários, não apenas o seu recuo em relação ao número total do farmers, etc., mas indiscutivelmente, uma redução absoluta do número dos proprietários de toda a sua terra, indo de par com o crescimento da produção na principal região dos Estados Unidos, onde se localizam 60% das terras cultivadas do país! Ademais, é preciso não esquecer que em uma das quatro regiões que constituem o "Norte", a saber, o Nordeste Central, continua até hoje a distribuição de homesteads, distribuição que atingiu em 10 anos, de 1901 a 1910, o total de 54 milhões de acres.
A tendência do capitalismo à expropriação da pequena agricultura manifesta-se com tal vigor que o "Norte" dos EUA apresenta uma redução absoluta do número de proprietários, apesar da distribuição de dezenas de milhões de acres de terras livres não-ocupadas.
Só dois fatores ainda freiam esta tendência observada nos Estados Unidos:
É evidente que estas duas circunstâncias contribuem juntas para ampliar a futura base do capitalismo e preparar-lhe as condições para um desenvolvimento mais rápido e mais amplo. O aguçamento das contradições e a eliminação da pequena produção não desaparecem, mas transladam-se para um campo muito mais vasto. O incêndio capitalista parece "apagar-se", mas ao preço de uma acumulação ainda maior de material ainda mais inflamável.
Prossigamos. No tocante à expropriação da pequena agricultura, dispomos de dados sobre o número de farms que possuem gado. Eis os totais para o conjunto dos Estados Unidos:
Porcentagem das farms possuidoras | 1900 | 1910 | Acréscimo ou redução |
De animais domésticos em geral | 95,8 | 94,9 | - 0,9 |
De vacas leiteiras | 78,7 | 80,8 | +2,1 |
De cavalos | 79,0 | 73,8 | -5,2 |
Estes dados revelam, em termos gerais, uma redução do número dos proprietários em relação ao número total dos farmers. A percentagem dos que possuem vacas leiteiras aumenta, mas com menos intensidade que a redução dos que possuem cavalos.
Examinemos os dados por grupos de explorações, em função dos dois principais tipos de gado:
Grupos de farms | Porcentagem das farms que possuem vacas leiteiras |
Acréscimo ou redução |
|
1900 | 1910 | ||
Até 20 acres | 49,5 | 52,9 | +3,4 |
De 20 a 49 acres | 65,9 | 71,2 | +5,3 |
De 50 a 99 acres | 84,1 | 87,1 | +3,0 |
De 100 a 174 acres | 88,9 | 89,8 | +0,9 |
De 175 a 499 acres | 92,6 | 93,6 | +0,9 |
De 500 a 999 acres | 90,3 | 89,6 | +0,7 |
De 1000 acres e mais | 82,9 | 86,0 | +3,1 |
Conjunto dos EUA | 78,7 | 80,8 | +2,1 |
Observamos que o maior aumento se produziu no número das pequenas farms criadoras de vacas leiteiras; seguem os latifúndios é as farms médias. A percentagem das farms que criam gado leiteiro diminuiu entre os grandes proprietários detentores de 500 a 999 acres de terra. Em suma, isto parece indicar uma vantagem para a pequena agricultura, Recordemos, entretanto que, na agricultura, a posse de um rebanho leiteiro tem um duplo significado: pode significar, de um lado, uma elevação geral do bem-estar e uma melhoria das condições alimentares. De outro — e é o que ocorre com maior frequência — significa o desenvolvimento de um dos ramos da agropecuária comercial: a produção de leite para a venda nas cidades e centros industriais. Vimos mais acima que as farms deste tipo, as farms "leiteiras", foram classificadas pela estatística americana em um grupo à parte segundo a principal fonte de renda. Este grupo se caracteriza por uma quantidade de terra cultivada e uma superfície total interiores à média, e por emprego de trabalho assalariado por acre de terra duas vezes superior à média. O crescimento do papel das pequenas farms leiteiras pode facilmente significar — e certamente significa — um desenvolvimento das farms leiteiras capitalistas do tipo já indicado: em pequenas parcelas de terra. Eis, para estabelecer um paralelo, os dados relativos à concentração do rebanho leiteiro na América:
Regiões | Número médio de vacas leiteiras por farm |
Acréscimo de |
|
1900 | 1910 | ||
Norte | 4,8 | 5,3 | +0,5 |
Sul | 2,3 | 2,5 | +0,1 |
Oeste | 5,0 | 2,4 | +0,2 |
Total | 3,8 | 4,0 | +0,2 |
Verificamos que o Norte foi o mais rico em gado leiteiro, o que mais aumentou sua riqueza. Vejamos como este crescimento se repartiu entre os grupos:
Norte Grupos de farms | Porcentagem de acréscimo ou redução do número de vacas leiteiras de 1900 a 1910 |
Até 20 acres | - 4% (+ 10,0% de acréscimo do número de farms) |
De 20 a 49 acres | - 3% (- 12,6% de acréscimo do número de farms) |
De 50 a 99 acres | +9% (-7,3% de acréscimo do número de farms) |
De 100 a 174 acres | +14% (+ 2,2% de acréscimo do número de farms) |
De 175 a 499 acres | +18% (+ 12,7% de acréscimo do número de farms) |
De 500 a 999 acres | +29% (+ 40,4% de acréscimo do número de farms) |
De 1000 acres e mais | +18% (+ 16,4% de acréscimo do número de farms) |
Total | +14% (+ 0,6% de acréscimo do número de farms) |
O crescimento mais rápido do número das pequenas farms possuidoras de gado leiteiro não impediu uma concentração mais rápida deste gado nas grandes explorações.
Vejamos agora os dados sobre o número de farms que possuem cavalos. Tratam-se de informações sobre os animais de tração, que fornecem as indicações sobre a estrutura geral da economia, e não sobre um ramo particular da agricultura mercantil.
Grupos de farms | Porcentagem das explorações que possuem cavalos |
Redução de |
|
1900 | 1910 | ||
Até 20 acres | 52,4 | 48,9 | -3,5 |
De 20 a 49 acres | 66,3 | 57,4 | -8,9 |
De 50 a 99 acres | 82,2 | 77,6 | -4,6 |
De 100 a 174 acres | 88,6 | 86,5 | -2,1 |
De 175 a 499 acres | 92,0 | 91,0 | -1,0 |
De 500 a 999 acres | 93,7 | 93,2 | -0,5 |
De 1000 acres e mais | 94,2 | 94,1 | -0,1 |
Total | 79,0 | 73,8 | -5,2 |
Observamos aqui que, à medida que diminui a superfície da exploração, maior é o número dos estabelecimentos que não possuem cavalos. Com exceção das explorações mais reduzidas (até 20 acres), que compreendem, como sabemos, um maior número de farms capitalistas em relação aos grupos contíguos, nós constamos, de menor à maior categoria, que a falta de cavalos se faz sentir cada vez menos e que a redução das explorações que não dispõem de cavalos se torna menos perceptível. É possível que nas propriedades ricas, o emprego de charruas a vapor e outros engenhos a motor mecânico compensem em partes o numero de redução de animais de tração, mas esta hipótese está excluída no tocante à massa das explorações pobres.
Enfim, o crescimento da expropriação revela-se também a partir dos dados relativos ao número de
Regiões | Porcentagem das farms hipotecadas | ||
1890 | 1900 | 1910 | |
Norte | 40,3 | 40,9 | 41,9 |
Sul | 5,7 | 17,2 | 23,5 |
Oeste | 23,1 | 21,7 | 28,6 |
Conjunto dos EUA | 28,2 | 31,0 | 33, 6 |
A percentagem das farms hipotecadas cresce continuamente em todas as regiões do país, e sobretudo na mais povoada, o Norte industrial e capitalista. A estatística americana assinala (tomo V, p. 159) que, no Sul, o crescimento do número de farms hipotecadas explica-se, provavelmente, pelo "desmembramento" das plantations, que são vendidas em parcelas a farmers negros e brancos, que pagam apenas uma parte do preço de compra, enquanto o restante é transformado em hipoteca. Assim, assiste-se no Sul a uma operação de resgate de caráter original. Notemos que, em 1910, os negros possuíam, ao todo, nos Estados Unidos, 920.883 farms, isto é, 14,5% do número total, e que, enquanto entre 1900 e 1910, o número de farms pertencentes aos brancos havia aumentado em 9,5%, o das farms pertencentes aos negros aumentara duas vezes mais depressa: em 19,6%. Meio século após a "vitória" sobre os escravistas, o desejo de libertarem-se dos "plantadores" continua a manifestar-se entre os negros, com uma intensidade excepcional.
Os estatísticos americanos assinalam também que a hipoteca de uma farm não indica sempre falta de prosperidade. Significa às vezes, um modo de obter capital para trabalhos de benfeitoria, etc. Isto é incontestável. Mas esta incontestável observação não deve obscurecer o fato — o que é comum entre os economistas burgueses, de que apenas uma minoria de farmers abastados tem condições de obter, desta forma, os capitais necessários para trabalhos de benfeitoria, etc. e empregá-los de maneira produtiva; quanto à maioria, ela se arruína ainda mais, caindo nas garras do capital financeiro que, então, assume esta forma particular.
A dependência dos farmers em relação ao capital financeiro poderia — e deveria — atrair muito mais a atenção dos investigadores. Mas este aspecto da questão, apesar de sua importância capital, tem permanecido na obscuridade.
Ora, o crescimento do número de farms hipotecadas significa, seja como for, que elas caem sob o controle do capital. Ocorre ainda que, além das propriedades legalmente hipotecadas, muitas outras são enredadas em todo um círculo de dívidas privadas não formalizadas com rigor e que não são consideradas pelo recenseamento.
Fonte |
Inclusão | 17/03/2012 |