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Primeira edição: Nashe Ejo, nº 7, 15 de abril de 1907. V. I. Lênin, Obras, 4ª ed. em russo, t. 12, págs. 296/299
Fonte: A aliança operário-camponesa, Editorial Vitória, Rio de Janeiro, Edição anterior a 1966 - págs. 281-284
Tradução: Renato Guimarães, Fausto Cupertino Regina Maria Mello e Helga Hoffman de "La Alianza de la Clase Obrera y el Campesinado", publicado por Ediciones en Lenguas Extranjeiras, Moscou, 1957, que por sua vez foi traduzido da edição soviética em russo, preparada pelo Instituto de Marxismo-Leninismo adjunto ao CC do PCUS, Editorial Política do Estado, 1954. Capa e apresentação gráfica de Mauro Vinhas de Queiroz
HTML: Fernando Araújo.
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O jornal Trudovoi Narod, órgão dos trudoviques e dos membros da União Camponesa,(2) define a correlação de forças na Duma no problema agrário, «questão vital» para o campesinato.
“Podem marchar unidos no problema agrário, tendo em vista os interesses do povo trabalhador, os trudoviques (100), os socialistas populistas (14) e os socialistas revolucionários (34); no total, 148 deputados. Admitamos que também os social-democratas (64) estejam do seu lado em muitos pontos do problema agrário; no total, 212 deputados.
Estarão contra todos eles no problema agrário os democratas constitucionalistas (91), o grupo de deputados poloneses (46), os sem partido (52), os outubristas e os moderados (32); no total, 221 deputados.
Os que estão contra são a maioria. Não contamos nem os muçulmanos (30) nem os cossacos (17); pode acontecer que, na melhor das hipóteses, a metade deles se incorpore às esquerdas e a outra metade às direitas; de qualquer modo, há mais contra do que a favor da lei agrária dos trudoviques.”
Neste cálculo também faltaram os monárquicos (22); mas, sua adição não faz mais do que reafirmar a conclusão dos trudoviques.
Esta conclusão oferece interesse em dois sentidos: primeiro, projeta certa luz sobre a questão fundamental da correlação de forças sociais na presente revolução russa; segundo, ajuda a esclarecer o significado da Duma e da luta parlamentar no movimento libertador.
Todos os social-democratas estamos convencidos de que, por seu conteúdo social e econômico, nossa revolução atual é burguesa. Isto significa que a revolução se realiza à base das relações de produção capitalistas e que seu resultado será, inevitavelmente, um novo desenvolvimento dessas relações de produção. Dito com palavras mais simples: a subordinação do toda a economia social ao poder do mercado, ao poder do dinheiro, continuará existindo inclusive com a mais completa liberdade e com a vitória mais completa dos camponeses na luta pela terra. A luta pela terra e pela liberdade é uma luta pelas condições de existência da sociedade burguesa, já que o domínio do capital contínua existindo inclusive na república mais democrática e apesar de qualquer entrega de «toda a terra ao povo».
Àqueles que desconhecem a doutrina de Marx pode parecer estranha semelhante opinião. Mas, não é difícil se convencer de sua justeza: basta recordar a grande revolução francesa e seus resultados, a história das «terras livres» norte-americanas, etc.
Ao dizer que a revolução atual é burguesa, os social-democratas não querem diminuir suas tarefas nem sua importância. Antes, pelo contrário. A luta da classe operária contra a classe capitalista não pode desenvolver-se com suficiente amplitude e se ver coroada pela vitória enquanto não forem derrotados os inimigos históricos mais antigos do proletariado.
Por isso, a tarefa principal do proletariado no momento atual consiste em conquistar a mais completa liberdade e em abolir com a maior plenitude a propriedade agrária latifundiária (do regime da servidão). Só neste trabalho de aniquilação democrática total da velha sociedade, de semiservidão, pode o proletariado robustecer-se inteiramente como classe independente, pode destacar plenamente suas tarefas especiais, isto é, socialistas, entre as tarefas democráticas gerais «de todo o povo privado de direitos», e garantir para si as melhores condições para a mais livre, ampla e intensa luta pelo socialismo. Com um movimento de libertação democrático-burguês inacabado, não levado a termo, o proletariado se vê obrigado a despender muito mais energias não em tarefas proletárias, de classe, isto é, socialistas, mas sim na realização de tarefas democráticas gerais, quer dizer, democrático-burguesas.
Mas, pode o proletariado socialista realizar a revolução burguesa independentemente e como força dirigente? O conceito de revolução burguesa não significa que somente a burguesia pode efetuá-la?
Os mencheviques sustentam frequentemente este ponto-de-vista. Mas, este ponto-de-vista é uma caricatura do marxismo. O movimento de libertação, burguês por seu conteúdo social e econômico, não o é por suas forças motrizes. Suas forças motrizes podem ser não a burguesia e sim o proletariado e o campesinato. Por que? Porque o proletariado e o campesinato sofrem ainda mais do que a burguesia em virtude dos restos do regime da servidão e necessitam mais do que ela da liberdade e da destruição do jugo latifundiário Para a burguesia, em troca, a vitória completa representa um perigo: o proletariado aproveitará a plena liberdade contra a burguesia, e a aproveitará com tanto maior facilidade quanto mais completa for a liberdade, quanto mais completa for a destruição do poder latifundiário.
Daí a aspiração da burguesia a terminar a revolução burguesa no meio do caminho, por uma semiliberdade, por um conluio com o velho poder e com os latifundiários. Esta aspiração tem sua origem nos interesses de classe da burguesia. Manifestou-se com tanta clareza na revolução burguesa alemã de 1848, que o comunista Marx orientou então todo o fio da política proletária contra a «conciliadora» (a expressão é de Marx) burguesia liberal.
Em nosso país, na Rússia, a burguesia é muito mais covarde, e o proletariado é muito mais consciente e melhor organizado do que o alemão em 1848. Em nosso país, a vitória completa do movimento democrático só é possível, apesar da burguesia liberal «conciliadora», se a massa do campesinato democrático seguir o proletariado na luta pela liberdade completa e por toda a terra.
A II Duma confirma esta apreciação com destaque ainda maior. Agora, inclusive, os camponeses compreenderam que os burgueses liberais, os democratas constitucionalistas, devem ser incluídos entre os direitistas, e os camponeses e operários, entre os esquerdistas. É certo que os trudoviques, os socialistas populistas e os socialistas revolucionários vacilam constantemente entre a burguesia e o proletariado, convertendo-se, de fato, com extraordinária frequência, na cauda política dos liberais. (A votação a favor de Golovin, a «tática do silêncio», sua aquiescência em passar o orçamento à comissão,(3) etc.). Estas vacilações não são casuais, o sim derivadas da natureza de classe da pequena burguesia.
Por que se deve incluir os democratas constitucionalistas entre os direitistas numa questão tão candente como a agrária? Porque sua política agrária é, em essência, uma política latifundiária. A «alienação obrigatória» preconizada pelos democratas constitucionalistas equivale, de fato, a que os fundiários obriguem os camponeses ao ruinoso resgate, pois, praticamente, a quantia dos resgates e dos impostos será determinada pelos latifundiários: em cada lugar, os latifundiários, junto com os funcionários, terão a supremacia nos comitês agrários (na I Duma, os democratas constitucionalistas se opuseram a que os mencionados comitês fossem eleitos por sufrágio universal), e no organismo legislativo central de toda a Rússia, os latifundiários dominarão através do Conselho de Estado, etc. O «liberalismo» dos democratas constitucionalistas é o liberalismo do advogado burguês, que reconcilia o camponês com os latifundiários em benefício destes últimos.(1)
Passemos à segunda questão. Os democratas constitucionalistas e os direitistas constituem a maioria na Duma. «Como sair desta situação?», pergunta Trudovoi Narod. A resposta é simples: para «sair desta situação» é preciso se elevar acima das discussões puramente bizantinas da Duma.
Isto seria necessário mesmo se as esquerdas tivessem, a maioria na Duma, pois esta carece de poder, e o conselho de Estado «melhorará» no interesse dos latifundiários qualquer projeto da Duma. Isto também é necessário agora; é necessário não no sentido subjetivo de partido, e sim no sentido objetivo histórico: sem isto, a questão da terra poderá ser resolvida em benefício unicamente dos latifundiários.
Notas de rodapé:
(1) Por motivo da frase de Rech de que só nos comícios se pode falar do caráter latifundiário dos democratas constitucionalistas, acrescentaremos o seguinte: no conhecido livro Os Membros da II Duma de Estado (São Petersburgo, 1907) contamos 79 democratas constitucionalistas definidos, dos quais 20 são latifundiários. Mencionaremos Tuchkov, Boguslavski, Bychkov,Bakunin, Roditchev, Bogdanov,Salaskin, Tatarinov, Stajovich, Ikonnikov, Saveliev, Dolgorukov, Chelnokov, Golovin,os dois Pereleshin. Volotskoi,Iordanski e Chernosvitov. Os nomes grifados pertencem a marechais da nobreza, “zemskie natchalniki” e presidentes de “zemskie upravi”. (retornar ao texto)
Notas de fim de tomo:
(2) União Camponesa de Toda a Rússia: organização democrático-revolucionária, fundada em 1905. O programa e a tática da União foram aprovados em seus I e II Congressos, realizados em Moscou em agosto e novembro de 1905. A União Camponesa, que reclamava a liberdade política e a convocação imediata de uma Assembleia Constituinte, manteve a tática de boicote à I Dama de Estado. Seu programa agrário incluía a reivindicação de que fosse abolida a propriedade privada sobre a terra e de que se entregassem aos camponeses, sem pagamento de resgate, as terras da Igreja, da Coroa, do tsar e do Estado. Em sua atuação política, a União deu mostras de ambiguidade e vacilação. Ao mesmo tempo que exigia a abolição da propriedade latifundiária da terra, concordava em indenizar parcialmente os latifundiários. A União Camponesa de Toda a Rússia foi perseguida pela polícia desde o início, de suas atividades, dissolvendo-se em fins de 1906. (retornar ao texto)
(3) Lênin refere-se à votação dos trudoviques, socialistas populares e social-revolucionários a favor do candidato democrata constitucionalista F. Golovin para Presidente da II Duma de Estado. Dá-se a denominação de “tática do silêncio” à atitude dos trudoviques diante da declaração governamental lida por Stolipin na Duma a 6 (19) de março de 1907. Quando a minoria social-democrata propôs criticar o governo, os trudoviques responderam que haviam decidido receber a declaração com “um silêncio sepulcral”, já tendo chegado a um acordo sobre esta questão com a maioria dos grupos oposicionistas, em particular com os democratas constitucionalistas. Ao ser discutido na Duma o orçamento, os trudoviques votaram com os democratas constitucionalistas a favor de que fosse entregue à Comissão de Orçamento da Duma a lista estatal de gastos e ingressos (orçamento). (retornar ao texto)