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Primeira Edição: Publicado a 31 de Dezembro de 1906 no semanário Ternii Truda, n.° 2). Encontra-se in Obras, t. XI, pp. 376-380.
Fonte: Os Comunistas e as Eleições, Edições Maria da Fonte, 1975. Colecção «LUTA OPERÁRIA» Dirigida por: Manuel Quirós. Editor: Maria Isabel Pinto Ventura Tradutor: José Olivares Capa: Maria José Sacadura.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo.
Os jornais estão cheios de informações sobre os preparativos eleitorais. Quase todos os dias aparecem «editais» do governo excluindo do censo novos grupos de cidadãos suspeitos, ou notícias sobre novas perseguições, a proibição de reuniões, a suspensão de jornais e a prisão de supostos participantes ou candidatos. As centúrias negras(1) levantaram a cabeça. A sua vozearia, os seus alaridos são mais insolentes do que nunca.
Os partidos que não agradam ao governo também se preparam para as eleições. Estes partidos estão certos, e com toda a razão, de que a massa dos eleitores saberá manifestar-se, expressar através das eleições a sua verdadeira convicção, apesar de todas as astúcias, de todas as fraudes e de todas as perseguições, em pequena e em grande escala, dirigidas contra os eleitores. Esta certeza baseia-se cm que as perseguições mais furiosas e os atentados mais escandalosos subtrairão, quando muito, umas centenas, uns milhares e até talvez dezenas de milhares de votos em toda a Rússia, mas nem por isso mudarão o estado de espírito das massas nem a sua atitude frente ao governo. Poder-se-á riscar das listas, por exemplo, 10 000 ou 20 000 eleitores de Petersburgo, contudo a massa dos 150 000 eleitores da capital não fará senão conter-se, retirar-se em ordem, acautelar-se, aquietar-se temporariamente, mas não desaparecerá nem mudará o seu estado de espírito geral, e se mudar, não será em favor do governo. Por isso, enquanto não se modificar radicalmente a lei eleitoral, enquanto não forem definitivamente calcados todos os restos de legalidade eleitoral (ainda podem ser calcados recorrendo-se à prisão sistemática de participantes: de Stolypine pode-se esperar o pior!) é inegável que o estado de espírito das massas decidirá os resultados das eleições, e, naturalmente, não a favor do governo nem das suas centúrias negras.
Todos os que estão em oposição ao governo confiam na massa eleitoral. Se examinardes, porém, mais de perto, no que consiste propriamente as esperanças depositadas na massa e qual é a atitude de todos os partidos diante dela, vereis que existe um abismo entre os partidos burgueses e o partido do proletariado.
Os democratas-constitucionalistas(2) estão à frente dos partidos liberais-burgueses. Nas eleições à primeira Duma traíram vergonhosamente o motivo da luta, negaram-se a declarar o boicote, correram submissos às urnas e arrastaram a massa atrasada. Agora confiam na rotina desta massa, nas restrições impostas à agitação e à campanha eleitoral dos partidos de esquerda. A esperança dos democratas-constitucionalistas na massa é a esperança depositada na ignorância e na falta de desenvolvimento da massa. A massa — dizem — não entende o nosso programa e a nossa táctica, não irá além do protesto pacífico e legal, um protesto dos mais pacíficos e dos mais tímidos, e não porque não queira, mas porque não lho permitem. Votará em nós, pois os partidos de esquerda não contam nem com jornais, nem com locais de reuniões, nem com panfletos, nem com garantias frente a detenções e perseguições arbitrárias. Assim pensam os democratas-constitucionalistas. E levantam com orgulho o olhar para o céu dizendo: Graças a Deus não nos parecemos em nada com estes «extremistas»! Não somos revolucionários, sabemos adaptar-nos com a maior submissão e a maior indignidade a qualquer medida; estamos dispostos, inclusive, a obter do Partido da Revolução Pacífica(3) as listas eleitorais.
Eis porque toda a campanha eleitoral dos democratas-constitucionalistas está orientada no sentido de amedrontar a massa com o perigo das centúrias negras, intimidá-las com o perigo dos partidos da extrema-esquerda, adaptar-se ao mesquinho espírito pequeno-burguês, à cobardia e à frouxidão do filisteu, assegurar a este que os democratas-constitucionalistas são os menos perigosos, os mais despretenciosos, os mais moderados, os mais escrupulosos. Tens-te assustado, filisteu?, perguntam diariamente ao leitor os jornais democratas-constitucionalistas. Confia em nós! Não te assustaremos, estamos contra as violências, submetemo-nos ao governo, confia só em nós, e arranjar-te-emos as coisas «na medida do possível»! E às escondidas dos atemorizados filisteus, os democratas-constitucionalistas lançam mão de todos os estratagemas para convencer o governo da sua lealdade, persuadir os «esquerdistas» do seu amor à liberdade, demonstrar aos defensores da renovação pacífica que os democratas-constitucionalistas estão próximos deste partido e das suas listas eleitorais.
Nada de esclarecer a consciência das massas, de agitações que mobilizem as massas, de explicar palavras de ordem consequentemente democráticas; transaccionar com os mandatos à revelia do atemorizado filisteu: eis aqui a campanha eleitoral de todos os partidos da burguesia liberal, a começar pelos sem-partido (de Tovarisch) e terminando no partido das reformas democráticas.
A atitude do partido operário frente às massas é diametralmente oposta. O que nos importa não é assegurar por meio de negociatas um lugar na Duma. Ao contrário, estes lugares só são importantes na medida em que possam contribuir para desenvolver a consciência das massas, elevar o seu nível político, organizá-las, não em nome da placidez filisteia, da «tranquilidade», da «ordem» e da «prosperidade pacífica (burguesas)», mas em nome da luta, da luta para conquistar a plena libertação do trabalho de toda a exploração e opressão. Só nesta medida são importantes para nós os postos na Duma e toda a campanha eleitoral. O partido operário deposita todas as suas esperanças nas massas, mas não em massas atemorizadas, que se submetam com passividade e tolerem resignadamente a opressão, mas em massas conscientes, que reivindiquem e lutem. O partido operário deve desdenhar o habitual método liberal de intimidar o filisteu com o fantasma do perigo das centúrias negras. A social-democracia deve despertar nas massas a consciência do verdadeiro perigo, a consciência da verdadeira tarefa de luta das forças que não veem na Duma a fonte de inspiração, que não consideram os debates na Duma como a plena expressão das suas aspirações, nem resolvem na Duma o problema do futuro da Rússia.
Por isso, o partido operário alerta as massas contra as fraudes eleitorais praticadas nos bastidores da burguesia democrata-constitucionalista e contra o seu lema entorpecedor da consciência: «Confiai a nós, aos advogados, aos professores e aos latifundiários esclarecidos, a luta contra o perigo das centúrias negras!»
Acreditem apenas na vossa consciência socialista e na vossa organização socialista — diz às massas o partido operário. Conceder aos liberais burgueses a primazia na luta e o direito de dirigi-la, significa trair a causa da liberdade, deixando-se desorientar por frases sonoras e vistosas etiquetas na moda. Nenhuma ameaça das centúrias negras em relação à Duma causará tanto prejuízo quanto a corrupção da consciência das massas que acompanhem cegamente a burguesia liberal, as suas palavras de ordem, as suas candidaturas, a sua política.
Entre as massas a que se dirige o partido operário, predominam, pelo seu número, os camponeses e os diversos sectores da pequena burguesia(4). São mais decididos que os democratas-constitucionalistas, mais honestos, mil vezes mais capazes de lutar, mas em política seguem com demasiada frequência a reboque dos charlatães democratas-constitucionalistas. Mesmo agora vacilam entre o proletariado combatente e a burguesia conciliadora.
Os partidários das alianças com os democratas-constitucionalistas não são nocivos apenas ao proletariado e a toda a causa da liberdade. Também o são ao desenvolvimento da consciência dos camponeses pobres e da pequena burguesia arruinada. Não cumprem o seu dever imediato: libertar essas camadas da influência da burguesia liberal. Vejam os trudoviques, os «socialistas-populares» e os socialistas-revolucionários(5). Vacilam e também se ocupam, de preferência, em delinear projectos de negociatas com os democratas-constitucionalistas. Os líderes dos trudoviques, que não têm sabido criar o seu próprio partido, decuplicam os seus erros em relação à Duma, chamando as massas a votar nos democratas-constitucionalistas (Anikine em declarações feitas aos jornais, Zhilkine em Tovaritch, etc.). Isto é uma traição directa à causa da luta camponesa, é entregar abertamente os mujiques aos latifundiários liberais, que despojarão os camponeses com o resgate «justo», da mesma forma que os despojaram os seus antecessores, em 1861(6). E os «socialistas-populares»? Os democratas-constitucionalistas chamam-lhes até, zombateiramente, «democratas-constitucionalistas de segunda ordem» (Miliukov em Rietcft). Os líderes (Annenski e outros) também apelam para a formação de blocos com os democratas-constitucionalistas. O seu insignificante partido (segundo dados de Tovaritch, que tem uma atitude condescendente para com ele, trata-se de um partido ainda mais débil que o do saque pacífico(7): uns 2000 membros em toda a Rússia!) é um simples apêndice dos democratas-constitucionalistas. Os socialistas-revolucionários mantêm também uma posição ambígua: tanto no período de Outubro como no da primeira Duma dissimularam as suas divergências com os socialistas-populares, marcharam com eles, editaram jornais em conjunto. Agora não sustentam nenhuma luta aberta e independente, não actuam com a devida amplitude, clareza e energia contra os «democratas-constitucionalistas de segunda ordem», não facilitam às massas nenhum material exaustivo para a crítica deste partido, não fazem nenhuma análise de princípio da campanha eleitoral e dos acordos eleitorais em geral.
A grande missão histórica do partido operário consiste em ajudar a criação de um partido político operário independente. Os defensores da política de bloco com os democratas-constitucionalistas dificultam a execução desta tarefa.
Outra grande missão é libertar da influência das ideias e preconceitos da burguesia liberal a massa da pequena burguesia e do campesinato que se arruína, sofre penalidades, está à beira do desastre. Os partidários dos blocos com os democratas-constitucionalistas também põem obstáculos ao alcance deste objectivo. Em vez de separar o mujique dos liberais, reforçam estes vínculos antinaturais, funestos para a causa da liberdade e para a causa do proletariado. Não alertam a massa camponesa contra a política secreta dos liberais (ou melhor, contra a politiquice em torno da divisão de postos na Duma), mas legitimam-na participando nela.
Abaixo todos os blocos! Na sua campanha eleitoral, o partido operário deve ser independente, não apenas nas palavras, mas de facto. Deve dar a todo o povo, e em particular às massas proletárias, um exemplo de crítica fiel aos princípios alheios, firme e audaciosa. Desta forma, e só assim, atrairemos as massas a uma participação efectiva na luta pela liberdade, e não ao liberalismo de brinquedo dos democratas-constitucionalistas, traidores da liberdade.
Notas de rodapé:
(1) Centúrias negras: assim se chamavam os grupos monárquicos organizados pela polícia czarista para lutar contra o movimento revolucionário. As centúrias negras assassinavam revolucionários, organizavam atentados contra intelectuais e efectuavam massacres contra os judeus. (retornar ao texto)
(2) Partido Democrático-Constitucionalista: Partido da burguesia liberal russa, fundado em 1905. Os democratas-constitucionais eram partidários da criação na Rússia de uma monarquia constitucional. No período da primeira revolução russa de 1905/1907, os democratas-constitucionalistas chamavam-se partido da «liberdade do povo», mas, de facto, traíram os interesses do povo e mantiveram negociações secretas com o governo czarista para sufocar a revolução. Sendo um partido «de oposição» na Duma de Estado, os democratas-constitucionalistas procuravam conseguir do governo czarista o acesso ao poder. Nas questões principais da política interna e externa, os democratas-constitucionalistas apoiavam o czarismo^ Durante a guerra imperialista de 11914/1918, Miliukov e outros líderes dos democratas-constitucionalistas foram os principais ideólogos da política expansionista do imperialismo russo. Depois da revolução de Fevereiro de 1917, os democratas-constitucionalistas, que participavam do governo provisório burguês, lutaram contra o movimento revolucionário dos operários e dos camponeses, defenderam a propriedade dos latifundiários e procuraram obrigar o povo a prosseguir a guerra imperialista. Vitoriosa a Revolução Socialista de Outubro, os democratas-constitucionalistas participaram na luta armada da contra-revolução contra a Rússia Soviética. (retornar ao texto)
(3) Partido da Renovação Pacífica: partido contra-revolucionário burguês, fundado em 1906. (retornar ao texto)
(4) O alinhamento das classes na revolução, depende da etapa da revolução. Consiste, pois, num grave desvio oportunista de direita aplicar à fase da revolução socialista o alinhamento da revolução democrática burguesa, como afirmam os revisionistas modernos. (N. T.) (retornar ao texto)
(5) Trudoviques: Grupo do Trabalho, formado na Duma de Estado por deputados camponeses e outros democratas pequeno-burgueses. Os trudoviques exigiam a entrega aos camponeses de toda a terra dos latifundiários, do Estado, dos monastérios e da família do czar, a liquidação da desigualdade dos Estados e das nacionalidades e a concessão do sufrágio universal. Ao mesmo tempo, os trudoviques afastavam-se frequentemente dos princípios da democracia consequente e apoiavam os líderes da burguesia liberal. Socialistas Populares: partido dos socialistas-revolucionários de direita, fundado em 1906. Pelas suas ideias políticas era afim aos democratas-constitucionais. Socialistas-Revolucionários: ver a nota 2. (retornar ao texto)
(6) Ao falar do resgate «justo», Lenine tem em conta o projecto apresentado pelos democratas-constitucionalistas na Duma de Estado com vista à anexação forçada de parte das terras de uma forma «justa». Este resgate significava, na realidade, que os camponeses ver-se-iam obrigados a pagar a terra dos latifundiários muito acima de seu valor. Em 1861 efectuou-se a reforma que abolia a servidão na Rússia. Ao realizar-se a reforma, foram recortadas as melhores terras dos lotes dos camponeses e entregues aos latifundiários. Os camponeses deviam pagar aos latifundiários pelas parcelas obtidas enormes somas de resgate, que ultrapassavam em muito o valor real das parcelas, ascendendo no total a cerca de dois biliões de rublos. (retornar ao texto)
(7) Partido do Saque Pacífico: assim chamava Lenine ao Partido da Renovação Pacífica (ver a nota 3). (retornar ao texto)
Inclusão | 04/10/2018 |