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Primeira edição: Escrito em março de 1903. Publicado, pela primeira vez, num folheto, em maio de 1903, em Genebra, pela Liga da Social-Democracia Russa no estrangeiro. V. I. Lênin, Obras, 4ª ed. em russo, t. 6, págs. 325/392
Fonte: A aliança operário-camponesa, Editorial Vitória, Rio de Janeiro, Edição anterior a 1966 - págs. 97-157
Tradução: Renato Guimarães, Fausto Cupertino Regina Maria Mello e Helga Hoffman de "La Alianza de la Clase Obrera y el Campesinado", publicado por Ediciones en Lenguas Extranjeiras, Moscou, 1957, que por sua vez foi traduzido da edição soviética em russo, preparada pelo Instituto de Marxismo-Leninismo adjunto ao CC do PCUS, Editorial Política do Estado, 1954. Capa e apresentação gráfica de Mauro Vinhas de Queiroz
HTML: Fernando Araújo.
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Muitos camponeses seguramente terão ouvido falar da agitação operária nas cidades. Alguns terão estado eles mesmos nas capitais e nas fábricas, tendo ocasião de presenciar os motins, como são chamados pela polícia. Outros conhecem operários que participaram nos distúrbios e foram confinados nas aldeias por ordem das autoridades. Outros terão lido volantes e folhetos sobre a luta operária. Por último, haverá aqueles que simplesmente ouviram relatos de pessoas informadas sobre o que ocorre nas cidades.
Antes, apenas os estudantes se amotinavam, mas agora levantaram-se em todas as cidades milhares e milhares de operários, que lutam, na maioria dos casos, contra seus patrões, contra os donos de fábrica, contra os capitalistas. Os operários declaram greves, todos ao mesmo tempo suspendem o trabalho na fábrica, reclamam aumento de salário, exigem que não os obriguem a trabalhar onze ou dez horas ao dia e sim penas oito. Os operários também reclamam outras melhorias para as pessoas que trabalham. Querem que as oficinas estejam melhor organizadas, que as máquinas tenham dispositivos especiais para que não mutilem os operários que as manejam, que seus filhos possam ir às escolas, que se atenda devidamente aos enfermos nos hospitais, que as moradias dos operários sejam habitações próprias para seres humanos e não verdadeiros canis.
A polícia intervém na luta operária. Detém os trabalhadores, encarcera-os, confina-os sem julgamento prévio em seus povoados natais e até os desterra para a Sibéria. O governo dita leis que proíbem as greves e as reuniões dos operários. Mas os trabalhadores lutam contra a polícia e contra o governo. Os operários dizem: Nós, milhões de operários, já nos sujeitamos bastante! Já trabalhamos bastante para os ricaços sem sair da miséria! Já permitimos que nos roubassem bastante! Queremos unir-nos e formar associações, queremos agrupar todos os operários numa grande união operária (um partido operário) e lutar, todos juntos, por uma vida melhor! Queremos uma nova e melhor organização da sociedade. É nesta sociedade nova e melhor não haverá ricos nem pobres, todo o mundo terá que participar no trabalho. Não serão alguns ricaços que recolherão os frutos do trabalho comum, mas todos os trabalhadores. As máquinas e demais aperfeiçoamentos devem aliviar o trabalho de todos, e não enriquecer uns poucos às custas de milhões e milhões de homens do povo. Esta sociedade nova e melhor se chama sociedade socialista. A doutrina que trata desta sociedade chama-se socialismo. As associações de operários para lutar por esta melhor organização da sociedade chamam-se partidos social-democratas. Tais partidos existem livremente em quase todos os países (menos na Rússia e na Turquia), e nossos operários, juntamente com os socialistas que existem entre as pessoas cultas, também organizaram um partido deste tipo: o Partido Operário Social-Democrata da Rússia.
O governo persegue-o, mas o Partido, apesar de todas as proibições, existe clandestinamente, publica seus jornais e seus livros e organiza associações secretas; e os operários não só se reúnem clandestinamente, mas inclusive saem à rua em grandes massas e desfraldam bandeiras com inscrições como estas: «Viva a jornada de 8 horas!» «Viva a liberdade!» «Viva o socialismo!». Por isso, o governo persegue furiosamente os operários. Até manda tropas para que disparem contra os trabalhadores. Os soldados russos mataram operários russos em Iaroslavl, em Petersburgo, em Riga, em Rostov do Don, em Zlatoust.
Mas os operários não se rendem. Continuam a luta. Dizem eles: não nos assustam as perseguições, nem os cárceres, nem o desterro, nem os trabalhos forçados, nem mesmo a morte. Nossa causa é uma causa justa. Lutamos pela liberdade e pela felicidade de todos que trabalham. Lutamos para libertar da violência, da opressão e da miséria dezenas e dezenas de milhões de homens do povo. Os operários são cada vez mais conscientes. O número de social-democratas aumenta rapidamente em todos os países. Triunfaremos apesar de todas as perseguições.
Os pobres do campo têm de compreender claramente quem são os social-democratas, que querem e como é preciso trabalhar no campo com o objetivo de ajudá-los a conquistar a felicidade para o povo.
Os social-democratas russos procuram conseguir, antes de tudo, a liberdade política. Necessitam desta liberdade para agrupar ampla e abertamente todos os trabalhadores russos na luta por uma sociedade nova e melhor, por uma sociedade socialista.
O que é a liberdade política?
Para compreendê-lo bem, o camponês tem de comparar, primeiro, sua liberdade atual com o regime da servidão. Sob o regime da servidão o camponês não podia casar-se sem a autorização do latifundiário. Agora, o camponês não precisa de nenhuma permissão para se casar. Sob o regime da servidão, o camponês devia trabalhar obrigatoriamente para seu senhor nos dias assinalados pelo estaroste.(1) Agora, o camponês é livre para escolher patrão, os dias de trabalho e a remuneração que receberá por este. Sob o regime da servidão, o camponês não podia abandonar a aldeia sem a autorização do senhor. Agora, o camponês é livre para ir aonde quiser, se o «mir» o permite, se não tem dívidas atrasadas, se consegue o passaporte, se o governador ou o chefe de polícia do distrito não proíbem a sua viagem. De modo que, inclusive agora, o camponês não pode locomover-se livremente para onde quiser; contínua sendo um semi-servo. Mais adiante explicaremos detalhadamente porque o camponês russo contínua sendo um semi-servo e como pode sair desta situação.
Sob o regime da servidão, o camponês não podia adquirir bens, não podia comprar terras sem a autorização do senhor. Agora, o camponês é livre para adquirir toda espécie de bens (ainda agora, tampouco tem o camponês plena liberdade para se afastar do «mir», nem plena liberdade para dispor de suas próprias terras como melhor lhe aprouver). Sob o regime da servidão, o camponês podia ser submetido a castigos corporais por ordem do latifundiário. Agora, o camponês não pode ser castigado por seu latifundiário, se bem que ele não esteja livre ainda hoje dos castigos corporais.
Pois bem, esta liberdade é a que se chama liberdade civil: a liberdade nos assuntos familiares, nos assuntos pessoais, nos assuntos relacionados com os bens. O camponês e o operário são livres (ainda que não plenamente) para organizar sua vida familiar, seus assuntos pessoais, para dispor de seu trabalho (escolher patrão), para dispor de seus bens.
Mas, nem os operários russos nem todo o povo russo desfrutam até agora da liberdade de dispor de seus assuntos nacionais. O povo todo, em massa, contínua sendo tão servo dos funcionários, como os camponeses o eram dos latifundiários. O povo russo não tem direito de eleger os funcionários nem representantes que promulguem leis para todo o Estado. O povo russo nem sequer tem direito de organizar assembleias para deliberar sobre os assuntos do Estado. Sem permissão dos funcionários, que foram nomeados com a autoridade sobre nós sem nosso consentimento — assim como nos velhos tempos, o senhor nomeava o estaroste sem o consentimento dos camponeses —, nem sequer podemos publicar livros, nem falar ante todos e para todos dos assuntos do Estado.
Antes, os camponeses eram escravos dos latifundiários; da mesma maneira, o povo russo continua sendo até hoje escravo dos funcionários. Sob o regime da servidão, os camponeses careciam de liberdades civis; da mesma maneira, o povo russo carece até hoje de liberdade política. Liberdade política quer dizer liberdade do povo para dispor de seus assuntos nacionais, dos assuntos do Estado. Liberdade política quer dizer direito do povo de eleger seus representantes (deputados) na Duma do Estado (parlamento). Todas as leis devem ser discutidas e promulgadas por esta Duma do Estado, eleita pelo povo e a única habilitada para fixar todos os impostos e tributos. Liberdade de política quer dizer direito do povo a eleger ele próprio todos os seus funcionários, de organizar toda espécie de assembleias para deliberar sobre todos os assuntos do Estado, de publicar, sem necessidade de qualquer permissão, toda sorte de livros e jornais.
Todos os demais povos da Europa conquistaram há muito tempo a liberdade política. Somente na Turquia e na Rússia o povo contínua submetido à escravidão política do governo do sultão e do governo absolutista do tsar. A autocracia tzarista significa poder ilimitado do tsar. O povo não participa, de modo algum, nem na organização nem na administração do Estado. O tsar., com seu poder unipessoal, ilimitado e absoluto, é o único que promulga todas as leis e nomeia todos os funcionários. Mas, naturalmente, o tsar. não pode conhecer todas as leis russas nem todos os funcionários russos. O tsar. nem sequer pode estar a par do que ocorre no Estado. O tsar. não faz senão sancionar a vontade de alguns dos mais importantes e preeminentes funcionários. Uma só pessoa, apesar de todos os seus desejos, não poderia governar um Estado tão grande como a Rússia. Quem governa a Rússia não é o tsar. — o absolutismo de uma pessoa não é mais do quo uma expressão —, e sim um punhado dos funcionários mais ricos e de linhagem mais elevada. O tsar. só está a par do que este punhado considera conveniente comunicar-lhe. O tsar. não tem qualquer possibilidade de contrariar a vontade deste punhado de nobres de linhagem. O próprio tsar é um latifundiário e um nobre; desde sua infância não fez mais que viver entre esta gente da alta aristocracia; e foram eles os que o educaram e o instruíram; o tsar. sabe do povo russo unicamente o que estes nobres de linhagem sabem, o que sabem dele os ricos latifundiários e os poucos comerciantes abastados que têm acesso à corte.
Em cada agrupamento rural pode-se ver pendurado o seguinte quadro: o tsar. Alexandre III (pai do atual) pronuncia uma alocução dirigida aos alcaides rurais que assistem ao ato de sua coroação. O tsar. lhes ordena: «Obedecei aos chefes locais da nobreza!». É o tsar. atual, Nicolau II, repetiu as mesmas palavras. Quer dizer que os próprios tzares reconhecem que só podem governar o Estado com a ajuda dos nobres, por intermédio dos nobres. É preciso ter bem presentes estes discursos do tsar. sobre a obediência que os camponeses devem aos nobres. Deve-se compreender claramente como enganam ao povo aqueles que se esforçam por apresentar o governo do tsar. como o melhor dos governos. Em outros países, dizem, existe um governo representativo; ali se elegem os ricos, mas os ricos governam arbitrariamente e oprimem os pobres. Em troca, na Rússia não existe um governo representativo; o tsar. absoluto é quem governa tudo. O tsar. está acima de todos, tanto dos ricos como dos pobres. O tsar. é justo para com todos, tanto para com os pobres como para com os ricos.
Estes discursos não são senão pura hipocrisia. Todos os russos sabem qual é a justiça de nossa forma de governo. Qualquer um sabe que um simples operário ou um trabalhador do campo não pode fazer parte do Conselho do Estado. Ao mesmo tempo, em todos os demais países europeus houve operários das fábricas e trabalhadores do campo que foram eleitos para o parlamento, onde puderam falar livremente ante todo o povo e descrever a vida miserável dos operários, exortando-os a associar-se e a lutar por uma vida melhor. Ninguém se atreveu a interromper os deputados do Povo, nenhum policial ousou tocar num fio de sua roupa.
Na Rússia não existe um governo representativo; os que governam são os ricos e os aristocratas e os piores de todos feles. Governam os que se destacam por suas intrigas na corte tzarista, os que melhor sabem urdir uma armadilha, os que mais mentem e caluniam ante o tsar., os que se distinguem por suas adulações e lisonjas. Governam em segredo; o povo não se inteira nem pode inteirar-se de quais são as leis que se preparam, nem as guerras que se projetam, nem os novos impostos que vão ser implantados, nem que funcionários nem por que méritos ou culpas são condecorados ou destituídos. Em nenhum país há tantos funcionários como na Rússia É estes funcionários se elevam ante o povo amordaçado como um bosque intrincado; um simples operário jamais conseguirá abrir caminho através desse bosque, jamais conseguirá justiça. Nenhuma reclamação contra os funcionários, por peculato, despojo ou violência vêm a luz: a interminável papelada oficial afoga toda reclamação. A voz de uma só pessoa jamais chega ao povo, pois se perde nesta intrincada selva, ou é estrangulada nas masmorras policiais. O exército de funcionários que não foi eleito pelo povo e ao qual tampouco deve prestar contas, teceu uma teia espessa, em que todos os homens se debatem como moscas.
O absolutismo tzarista é o absolutismo dos funcionários. O absolutismo tzarista é a submissão feudal do povo aos funcionários, e, sobretudo, à polícia. O absolutismo tzarista é o absolutismo da polícia.
Por isso, os operários saem à rua e escrevem em suas bandeiras: «Abaixo o absolutismo!», «Viva a liberdade política!». Por isso, milhões e milhões de camponeses pobres têm de apoiar e fazer seu este grito de guerra dos operários da cidade. Assim como estes, os trabalhadores do campo e os camponeses pobres, sem se deixar assustar pelas perseguições, sem temor às ameaças e violências de todo tipo do inimigo, sem se perturbar ante os primeiros reveses, devem empreender uma luta decidida pela liberdade de todo o povo russo e reclamar, antes de tudo, a convocatória de uma assembleia de representantes do povo. Que o próprio povo eleja em toda Rússia seus deputados! Que estes representantes do povo constituam uma assembleia suprema que estabeleça o governo representativo na Rússia, liberte o povo da submissão feudal aos funcionários e à polícia e lhe assegure a liberdade de reunião, a liberdade de palavra e a liberdade de imprensa!
Isto é o que querem conseguir os social-democratas antes de tudo. Este é o significado de sua primeira reivindicação: liberdade política.
Sabemos que a liberdade política, a liberdade de eleger representantes à Duma do Estado (ao parlamento), a liberdade de reunião e a liberdade de imprensa não libertarão imediatamente o povo trabalhador da miséria e da opressão. Não existe no mundo nenhum meio capaz de libertar imediatamente os pobres da cidade e do campo da necessidade de trabalhar para os ricos. O povo trabalhador não pode confiar mais do que em si mesmo, não pode contar com ninguém mais do que consigo mesmo. Ninguém o libertará da miséria se não se livrar dela por si mesmo. É, para libertar-se, os operários devem unir-se em todo o país, em toda a Rússia, numa associação, num partido. Mas os milhões de
operários não podem unir-se, enquanto o governo policial absolutista proibir toda reunião, todo jornal operário, toda eleição de deputados operários. Para se unir, é preciso ter o direito de organizar todo tipo de associações, é preciso gozar da liberdade de associação, é preciso gozar da liberdade política.
A liberdade política não libertará imediatamente os operários da miséria, mas lhes fornecerá armas para lutar contra ela. Não existe nem pode existir outro meio de luta contra a miséria senão a união dos próprios operários. Não há possibilidade de união para milhões de homens, enquanto não houver liberdade política.
Em todos os países europeus em que o povo conquistou a liberdade política, os operários há muito já começaram a se unir. Em toda a Europa chamam-se proletários todos os operários que carecem de terra e oficinas de trabalho e trabalharam toda a sua vida como assalariados de outras pessoas. Há mais de cinquenta anos soou o apelo para a união do povo trabalhador: «Proletários de todos os países, uni-vos!». Estas palavras percorreram nos últimos cinquenta anos o mundo inteiro; estas palavras são repetidas em milhares e milhares de assembleias operárias; podem ser lidas em milhões de folhetos e jornais social-democratas publicados em todos os idiomas.
Naturalmente, unir milhões de operários numa associação, num partido, é uma obra extremamente árdua, que requer tempo, perseverança, tenacidade e valor. Os operários estão esmagados pelo peso da necessidade e da miséria, estão embrutecidos pelos eternos trabalhos forçados para os capitalistas e os latifundiários; evidentemente, os operários carecem de tempo para pensar na causa de sua eterna miséria e na maneira de libertar-se dela. Impedem-se os operários, por todos os meios, de se unirem, e isto é feito utilizando-se a violência em forma direta e com toda a ferocidade, o que ocorre em países como a Rússia, onde não existe a liberdade política; ou negando-se trabalho aos operários que propagam a doutrina socialista, ou, por último, valendo-se do embuste e do suborno. Mas não há violências nem perseguições que possam deter os operários proletários que lutam por essa grande causa que é a libertação de todo o povo trabalhador da miséria e da opressão. O número de operários social-democratas aumenta sem cessar. Assim, no país vizinho, na Alemanha, existe um governo representativo. Antes, na Alemanha o rei governava também de forma absoluta e com poder ilimitado. Mas há tempos — mais de cinquenta anos —, o povo alemão liquidou o absolutismo e conquistou pela força a liberdade política. Na Alemanha as leis não são feitas por um punhado de funcionários, como acontece na Rússia, e sim por uma assembleia de deputados do povo, pelo parlamento ou Dieta imperial, como o chamam os alemães. Os deputados são eleitos para esta Dieta por todos os homens que alcançaram a maioridade. Por isso, pode-se calcular o número de votos dados aos social-democratas. Em 1887, uma décima parte do total dos votos foi favorável aos social-democratas. Em 1898 (durante as últimas eleições à Dieta imperial alemã), o número de votos obtidos pelos social-democratas quase triplicou. Já mais da quarta parte de todos os votos era favorável aos social-democratas. Mais de dois milhões de homens adultos elegeram para o parlamento deputados social-democratas. Entre os operários do campo, o socialismo ainda está pouco difundido na Alemanha, mas agora progride com extrema rapidez. É quando a massa de assalariados agrícolas, de trabalhadores e de camponeses pobres e depauperados se unir a seus irmãos da cidade, os operários alemães vencerão e estabelecerão um regime em que não haverá miséria nem opressão dos trabalhadores.
Pois bem, por que meios querem os operários social-democratas libertar o povo da miséria?
Para sabê-lo é preciso compreender claramente a causa da miséria das grandes massas do povo no regime social de nossos dias. Crescem cidades de grande luxo, constroem-se lojas e casas suntuosas, estendem-se vias férreas, introduz-se todo tipo de máquinas e de aperfeiçoamentos na indústria e na agricultura e, por outro lado, milhões de homens do povo não conseguem sair da miséria e continuam trabalhando toda a sua vida para poder a duras penas manter suas famílias. Mas isto não é tudo. Aumenta sem cessar o número de desempregados. Cada vez há mais gente no campo e na cidade que não pode encontrar qualquer trabalho. Nas aldeias morrem de fome; nas cidades passam a engrossar os exércitos de vagabundos e mendigos, vivem amontoados nas pocilgas dos arrabaldes ou em terríveis sótãos e cortiços como no mercado de Khitrov, em Moscou.
Cada vez há mais riquezas e mais luxo, enquanto que os milhões e milhões de homens que criam com seu trabalho todas estas riquezas continuam enterrados na pobreza e na miséria. Os camponeses morrem de fome, os operários erram sem achar trabalho, e, no entanto, os comerciantes exportam da Rússia para o estrangeiro milhões de puds(2) de trigo, as fábricas estão paradas, porque não há possibilidade de colocar as mercadorias, de vendê-las. Como pode acontecer isto?
Isto acontece, antes de tudo, porque a grande maioria das terras, assim como as fábricas, as oficinas de trabalho, as máquinas, os edifícios e os barcos são propriedade de um reduzido número de ricaços. Nestas terras, nestas fábricas e nestas oficinas trabalham dezenas de milhões de homens, enquanto que os donos disto tudo são uns milhares ou algumas dezenas de milhares de ricos, de latifundiários, de comerciantes, de fabricantes. O povo trabalha para eles em troca de um salário, por uma migalha de pão. Tudo o que se elabora além da miserável quantidade requerida para a manutenção dos operários é embolsado pelos ricos; são seus lucros, suas «receitas». Todas as vantagens proporcionadas pelas máquinas e pelos aperfeiçoamentos introduzidos no trabalho beneficiam os latifundiários e os capitalistas; são eles os que acumulam milhões e milhões, enquanto que os operários só recebem destas riquezas umas desprezíveis migalhas. Os trabalhadores reúnem-se para trabalhar. Nas grandes propriedades e nas grandes fábricas trabalham várias centenas, e às vezes até vários milhares de operários. Este trabalho conjunto, com utilização das mais variadas máquinas, faz com que o trabalho seja mais eficaz, pois um só operário rende agora muito mais do que rendiam antigamente dezenas de operários que trabalhavam individualmente e sem qualquer espécie de máquinas. Mas os que se aproveitam dos frutos desta eficácia, deste maior rendimento do trabalho não são todos os trabalhadores, e sim somente um número insignificante de grandes latifundiários, comerciantes e fabricantes.
Frequentemente se ouve dizer que os latifundiários e os comerciantes «dão trabalho» ao povo, «dão» de comer aos pobres. Diz-se, por exemplo, que a fábrica local ou a fazenda local «sustentam» os camponeses da redondeza. Mas, na realidade, são os operários que com seu trabalho se sustentam a si mesmos e sustentam também todos os que não trabalham. Mas em troca da permissão para trabalhar nas terras do latifundiário, na fábrica ou na estrada de ferro, o operário cede gratuitamente, ao proprietário tudo o que produz, recebendo unicamente o necessário para levar uma mísera existência. Isto significa que, na realidade, não são os latifundiários nem os comerciantes que dão trabalho aos operários, e sim que são estes que sustentam todos com seu trabalho, entregando gratuitamente a maior parte de seu trabalho.
Prossigamos. A miséria do povo provém, em todos os instados modernos, do fato de os trabalhadores elaborarem todo tipo de objetos para a venda, para o mercado. O fabricante e o artesão, o latifundiário e o camponês acomodado produzem diferentes artigos, criam gado, semeiam e colhem cereais para a venda, para obter dinheiro. O dinheiro é hoje, em todo lugar, a força suprema. Por dinheiro se trocam todos os produtos do trabalho humano. Por dinheiro se pode adquirir tudo que se quiser. Por dinheiro se pode inclusive comprar um homem, isto é, obrigar um homem pobre a trabalhar para o que tem dinheiro. Antes, a força principal era a terra. Assim era no regime da servidão. O que possuía terra era forte e poderoso. Mas agora, a força principal é o dinheiro, o capital. Por dinheiro se podo adquirir toda a terra que se quiser. Sem dinheiro pouco se pode fazer, mesmo dispondo de terra, pois não se pode comprar um arado ou outros instrumentos de trabalho, não se pode comprar gado, roupa, nem os demais artigos que se vendem na cidade, sem levar em conta o pagamento dos impostos. Para conseguir dinheiro, quase todos os latifundiários hipotecaram suas propriedades nos bancos. Para conseguir dinheiro, o governo pede emprestado aos ricos e aos banqueiros de todo o mundo e paga centenas de milhões de rublos por ano a título de juros.
Por dinheiro todos lutam agora ferozmente uns contra os outros. Cada um se esforça por comprar mais barato e vender mais caro; cada um procura adiantar-se aos demais, vender a maior quantidade possível de mercadorias, fazer baixar os preços, ocultar aos demais os lugares onde se pode vender com vantagem, ou conseguir um fornecimento lucrativo. As pessoas modestas, o pequeno artesão e o pequeno camponês são os que mais perdem nesta luta geral pelo dinheiro: eles ficam sempre atrás do comerciante rico ou do camponês rico. Nunca têm reservas, vivem no dia a dia, e em todas as situações difíceis ou calamidades têm de hipotecar seus últimos pertences ou vender a baixo preço seu gado de trabalho. É uma vez tendo caído nas garras de algum cúlaque ou usurário, são raríssimos os casos em que podem livrar-se das correntes; na maioria das vezes terminam arruinando-se completamente. Todo ano, centenas de milhares de pequenos camponeses e artesãos fecham as portas e as janelas de suas casas, transferem gratuitamente suas parcelas à comunidade e se convertem em operários assalariados, em trabalhadores agrícolas, em peões, em proletários. Entretanto, os ricos se enriquecem cada vez mais nesta luta polo dinheiro. Os ricos acumulam milhões, centenas de milhões de rublos nos bancos e enriquecem não só com o próprio dinheiro, mas também com o dinheiro alheio depositado nos bancos. As dezenas ou as centenas de rublos depositadas nos bancos ou nas caixas econômicas, pelas pessoas modestas, proporcionam a estas 3 ou 4 copeques de juros para cada rublo, enquanto que os ricos reúnem milhões com essas dezenas de rublos, multiplicam suas operações e obtêm de dez a vinte copeques para cada rublo.
Por isso, os operários social-democratas dizem que o único meio de acabar com a miséria do povo é mudar de cima a baixo a ordem atual de coisas em todo o Estado e instaurar a ordem socialista, o que significa retirar aos grandes latifundiários suas fazendas, aos fabricantes suas fábricas, aos banqueiros seus capitais em dinheiro efetivo, suprimir sua propriedade privada e entregá-la ao povo trabalhador em todo o Estado. Então, não serão os ricos, os que vivem do trabalho alheio, os que disporão do trabalho dos operários, mas sim os próprios operários e seus delegados. Então, os frutos do trabalho de todos e as vantagens de todos os aperfeiçoamentos e das máquinas serão em proveito de todos os operários. Então, a riqueza aumentará com maior rapidez, pois os operários trabalharão para si mesmos melhor do que para os capitalistas, a jornada de trabalho será mais curta, os operários comerão e se vestirão melhor e sua vida mudará por completo.
Mas, transformar toda a ordem de coisas em todo o Estado é uma tarefa extremamente árdua. Para isso, é preciso um grande trabalho, uma luta longa e tenaz. Todos os ricos, todos os proprietários, toda a burguesia,(3) defenderão suas riquezas com unhas e dentes. Para defender toda a classe rica se levantarão os funcionários e o exército, pois o próprio governo se encontra em mãos da classe rica. Os operários têm de se unir e lutar juntos, como um só homem, contra todos os que vivem do trabalho alheio; os operários têm de se unir entre si e a todos os que não têm posses numa só classe operária, numa só classe do proletariado. A luta será difícil para a classe operária, mas esta luta terminará necessariamente com o triunfo dos operários, porque a burguesia, as pessoas que vivem do trabalho alheio, constitui uma ínfima parte do povo, enquanto a classe operária representa a enorme maioria do povo. Operários contra proprietários quer dizer milhões contra milhares.
Os operários da Rússia já começam a se unir para esta grande luta num partido operário social-democrata. Apesar de ser muito difícil associar-se clandestinamente, ocultando-se da polícia, a união se fortalece e aumenta. É quando o povo russo conquistar a liberdade política, a causa da união da classe operária, a causa do socialismo progredirá com muito mais rapidez, mais rapidamente ainda do que agora progride entre os operários alemães.
Agora já sabemos o que querem os social-democratas. Querem lutar contra toda a classe rica, para libertar o povo da miséria. É em nosso país, a miséria no campo não é menor, mas talvez maior do que nas cidades. Não vamos falar aqui de quão grande é a miséria no campo: todos os operários que já tenham estado no campo e todos os camponeses conhecem muito bem a miséria, a fome, o frio e a ruína que imperam no campo.
Mas o camponês ignora porque vive na miséria, porque passa fome e se arruína; ignora como pode libertar-se da miséria. Para saber isto, é preciso, antes de tudo, compreender a origem de toda a miséria, de toda a necessidade, tanto na cidade como no campo. Já nos referimos a isso brevemente e vimos que os camponeses pobres e os operários do campo devem unir-se aos operários da cidade. Mas isto não basta. É preciso saber, além disso, quem seguirá no campo os ricos, os proprietários, e quem seguirá os operários, os social-democratas. É preciso saber se são muitos os camponeses que sabem, tão bem como os latifundiários, acumular capital e viver do trabalho alheio. Se não se esclarece isso a fundo, nenhum discurso sobre a miséria poderá surtir efeito, e os pobres do campo não chegarão a compreender quais são no campo os que devem unir-se entre si e com os operários da cidade, nem o que devem fazer para conseguir uma aliança firme, para que o camponês não se veja enganado não só pelo latifundiário, mas também pelos seus, pelo mujique rico.
Para tornar clara a coisa, vejamos agora qual é a força dos latifundiários no campo e qual é a força dos camponeses ricos.
Comecemos pelos latifundiários. Pode-se avaliar sua força, antes de tudo, pela quantidade de terra que possuem a título de propriedade privada. O total das terras na Rússia europeia — tanto as parcelas comunais dos camponeses como as terras de propriedade privada — era calculado em cerca de 240 milhões de deciatinas(4) (sem contar as terras do tesouro, das quais falaremos à parte).(5) Destes 240 milhões de deciatinas, há em poder dos camponeses, isto é, de mais de dez milhões de famílias, 131 milhões de deciatinas de terra correspondente às parcelas comunais. Enquanto que em poder dos proprietários privados, isto é, de menos de meio milhão de famílias, há 109 milhões de deciatinas. Isto significa que, em números redondos, a uma família camponesa correspondem 13 deciatinas, enquanto que à família de um proprietário privado, 218 deciatinas! Mas a desigualdade na distribuição da terra é ainda muito maior, como veremos a seguir.
Dos 109 milhões de deciatinas de terra em poder dos proprietários privados, sete milhões de deciatinas pertencem à coroa, isto é, são propriedade privada dos membros da família imperial. O tsar, com sua família, é o primeiro latifundiário, o maior latifundiário da Rússia! Uma só família possui mais terra do que meio milhão de famílias camponesas! Além disso, as igrejas e os mosteiros possuem cerca de seis milhões de deciatinas. Nossos padres pregam aos camponeses desinteresse e moderação, enquanto que eles mesmos se apropriaram, sem considerar os meios, de enormes superfícies de terra.
Além disso, cerca de dois milhões de deciatinas se acham em poder das cidades e das vilas, e outro tanto em mãos de diferentes sociedades e companhias comerciais e industriais. Aproximadamente 92 milhões de deciatinas (a cifra exata é 91605 845, mas para maior simplicidade, daremos números redondos) pertencem a menos de meio milhão (481 358) de famílias de proprietários privados. A metade destas famílias é de proprietários muito pequenos: cada um possui menos de 10 deciatinas. Em total, possuem menos de um milhão de deciatinas. Em troca, dezesseis mil famílias possuem, cada uma, mais de mil deciatinas de terra; no total possuem sessenta e cinco milhões de deciatinas. Para demonstrar como é enorme a superfície de terra concentrada nas mãos dos grandes latifundiários, assinalaremos ademais que pouco menos de mil famílias (924) possuem, cada uma, mais de dez mil deciatinas de terra, e todas elas possuem vinte e sete milhões de deciatinas! Um milhar de famílias possuem tanto quanto dois milhões de famílias camponesas.
Por isso, milhões e milhões de homens do povo devem passar miséria e fome, e sempre hão de passá-las enquanto vários milhares de ricaços possuírem propriedades tão vastas. Por isso, enquanto isso ocorrer, também o Poder do Estado, o próprio governo (até o governo tzarista) dançará ao som da música que esses grandes latifundiários tocarem.
Por isso, os pobres do campo não têm de quem nem de onde esperar ajuda, enquanto eles mesmos não se unirem, não se agruparem estreitamente numa só classe para travar uma luta tenaz e desesperada contra a classe dos latifundiários.
Aqui cabe observar que em nosso país há muitas pessoas (até entre as pessoas instruídas) que expressam uma ideia completamente equivocada a respeito da força da classe dos latifundiários quando dizem que o «Estado» tem muito mais terra. «Já agora — dizem esses maus conselheiros do camponês —, uma grande parte do território (quer dizer, de toda a terra) da Rússia pertence ao Estado» (citamos as palavras do jornal Revolutsionnaia Rossia, n.º 8, pág. 8). O erro destes homens se deve ao seguinte. Ouviram dizer que o Tesouro possui na Rússia europeia 150 milhões de deciatinas, coisa que, realmente, é certa, mas se esqueceram de que estes 150 milhões de deciatinas são em sua quase totalidade terras incultas e florestas no extremo norte, nas províncias de Arkhanguelsk, Vologda, Olonets, Viatka e Perm. De modo que o Tesouro só possui terras que até agora não serviram de modo algum para a exploração. Na realidade, as terras cultiváveis em poder do Tesouro são menos de quatro milhões de deciatinas, mas estas terras (por exemplo, na província de Samara, onde são mais abundantes) são arrendadas pelos ricos a preços baratíssimos, por uma bagatela. Os ricaços tomam em arrendamento dezenas de milhares de deciatinas destas terras e logo as subarrendam aos camponeses por um preço triplicado.
Decididamente são maus conselheiros do camponês aqueles que dizem que o Tesouro possui muita terra. Na realidade, os que possuem muitas terras boas são os grandes proprietários agrários (incluindo o tsar entre eles), e estes grandes latifundiários têm em suas mãos o próprio Tesouro. E enquanto os pobres do campo não souberem unir-se e chegar a ser, graças à sua união, uma força temível, o «Estado» continuará sendo sempre um criado obediente da classe dos latifundiários. Tampouco se deve esquecer que antes os latifundiários eram quase exclusivamente nobres. Também hoje os nobres possuem muita terra (115 000 nobres possuíam, segundo os dados de 1877 e 1878, 73 milhões de deciatinas). Mas a força principal é agora o dinheiro, o capital. Enormes superfícies de terra foram compradas pelos comerciantes e pelos camponeses acomodados. Calcula-se que em trinta anos (de 1863 a 1892), os nobres perderam terras (quer dizer, venderam mais do que compraram) num montante de 600 e poucos milhões de rublos. Entretanto, os comerciantes e cidadãos notáveis adquiriram terras no valor de 250 milhões de rublos. Os camponeses, os cossacos e os «demais habitantes do campo» (é assim que o nosso governo chama às pessoas simples, para distingui-las das «pessoas nobres» e «seletas») adquiriram terras no valor de 300 milhões de rublos. Isto quer dizer que, em toda a Rússia, os camponeses adquirem, em média, anualmente, terras em propriedade privada na ordem de 10 milhões de rublos.
Portanto, há diferentes camponeses: uns vivem na miséria e passam fome; outros enriquecem. Portanto, cada vez mais aumenta o número dos camponeses ricos que têm os olhos postos nos latifundiários, que se colocarão ao lado dos ricos, contra os operários. E os pobres do campo, que querem unir-se aos operários da cidade, têm, pois, de refletir bem sobre isto, têm de ver se são muitos os camponeses ricos, qual é sua força e de que espécie de união precisamos para combater esta força. Acabamos de mencionar os maus conselheiros do camponês. Estes maus conselheiros gostam de repetir: os camponeses já têm sua união. Esta união é o «mir», a comunidade. O «mir» é uma grande força. A união no «mir» agrupa estreitamente os camponeses; a organização (quer dizer, associação, união) dos camponeses no «mir» é colossal (quer dizer, enorme, inestimável).
Isso não é certo. Isto é uma lenda. Apesar de ter sido inventado por pessoas simples, nem por isso deixa de ser uma lenda. Se dermos ouvido às lendas, não faremos senão prejudicar nossa causa, a causa da aliança dos pobres do campo com os operários da cidade. Pois bem, que cada homem do campo olhe atentamente em torno de si: a união no «mir», a comunidade camponesa, se parece em algo com a união dos pobres para lutar contra todos os ricaços, contra todos os que vivem do trabalho alheio? Não, não se parece nem pode parecer. Em cada aldeia, em cada comunidade há muitos trabalhadores assalariados, muitos camponeses arruinados, assim como também há ricaços que têm assalariados em suas fazendas e adquirem terras «em propriedade perpétua». Estes ricaços também são membros da comunidade e a dominam, pois constituem uma força. Mas, acaso necessitamos de uma união em que os ricaços participem, em que eles dominem? De modo algum. Precisamos é de uma união para lutar contra os ricaços. Portanto, a união no «mir» não nos serve de modo algum.
O que precisamos é de uma união voluntária, uma união constituída exclusivamente por aqueles que tenham compreendido que devem aliar-se aos operários da cidade. E a comunidade não é uma união voluntária, e sim uma união oficial. A comunidade não é formada pelos que trabalham para os ricaços, pelos que desejam lutar unidos contra os ricaços. Na comunidade há homens de toda classe, e não por sua própria vontade, mas porque seus pais viveram naquelas terras e trabalharam para aquele latifundiário porque as autoridades os agregaram a essa comunidade. Os camponeses pobres não podem sair livremente da comunidade; tampouco podem admitir livremente nela qualquer pessoa estranha, registrada pela polícia em outro distrito rural, mas que, para nós, para nossa união, talvez fosse necessária precisamente aqui. Sim, nos faz falta uma união completamente diferente, a união voluntária dos operários agrícolas e camponeses pobres, exclusivamente, para lutar contra todos os que vivem do trabalho alheio.
Já vão longe os tempos em que o «mir» constituía uma força. E estes tempos jamais voltarão. O «mir» era uma força quando entre os camponeses quase não havia assalariados agrícolas nem operários vagando por toda a Rússia à procura de um trabalho. Quando quase não havia ricaços e quando o senhor feudal oprimia a todos igualmente. Mas agora a força principal é o dinheiro. Por dinheiro, até os membros de uma mesma comunidade lutam entre si como feras selvagens. Os mujiques endinheirados oprimem os membros de sua própria comunidade e os espoliam com mais crueldade do que alguns latifundiários. O que necessitamos agora não é da união no «mir», e sim a união contra o poder do dinheiro, contra o poder do capital, a união de todos os operários agrícolas e de todos os camponeses pobres das diferentes comunidades, a aliança de todos os pobres do campo com os operários da cidade para combater igualmente contra os latifundiários e contra os camponeses ricos.
Já vimos qual é a força dos latifundiários. Vejamos agora se os camponeses ricos são muitos e qual é a sua força.
Avaliamos a força dos latifundiários pela extensão de suas propriedades, pela área de suas terras. Os latifundiários dispõem livremente de suas terras, compram-nas e vendem-nas com toda a liberdade. Por isso podemos avaliar com toda a exatidão sua força pela superfície das terras que possuem. Os camponeses, em troca, não gozam até agora em nosso país do direito de dispor livremente de suas terras; até hoje continuam sendo semi-servos, ligados à sua comunidade. Por isso, não se pode avaliar a força dos camponeses ricos pela superfície das parcelas comunais de que dispõem. Os camponeses ricos não enriquecem graças às suas parcelas comunais, e sim em virtude do que compram muita terra, tanto em propriedade «perpétua» (isto é, como propriedade privada) como «por anos» (isto é. tomam-na em arrendamento); e a compram ou dos latifundiários ou de outros camponeses da mesma comunidade, que abandonam a terra ou a cedem pressionados pela necessidade. Por isso, o mais acertado será diferenciar os camponeses ricos, médios e pobres pelo número de cavalos que possuem. Um camponês que tem muitos cavalos é, quase sempre, um camponês rico; se tem muito gado de trabalho, é porque tem muita terra semeada, muita terra além de sua parcela, assim como dinheiro disponível. Além disso, temos a possibilidade de averiguar quantos camponeses, donos de muitos cavalos, há em toda a Rússia (a Rússia europeia, sem contar a Sibéria, nem o Cáucaso). Naturalmente, não se deve esquecer que só se pode falar de toda a Rússia em números redondos: entre os diferentes distritos e províncias há grandes diferenças. Assim, perto das cidades há frequentemente camponeses ricos que não possuem muitos cavalos. Alguns se dedicam ao rendoso negócio da horticultura; outros têm poucos cavalos, mas muitas vacas e vendem o leite. Há também por toda a Rússia camponeses que enriquecem não graças à terra, e sim ao comércio; instalam fábricas de manteiga, moinhos e outras empresas. Todo aquele que vive no campo conhece muito bem os camponeses ricos de sua aldeia e inclusive do distrito. Mas o que nós precisamos saber é quantos há em toda a Rússia, qual é sua força, para que o camponês pobre não marche ao acaso, às cegas, mas saiba exatamente quais são seus amigos e quais são seus inimigos.
Pois bem, vejamos quantos são os camponeses ricos em cavalos e quantos são os pobres. Já dissemos que em toda a Rússia existem cerca de dez milhões de famílias camponesas. O total de cavalos de que dispõem agora deve andar pela casa dos quinze milhões (há uns 14 anos havia 17 milhões, mas agora há menos). Isto significa que, em números redondos, a cada dez famílias correspondem quinze cavalos. Note-se entretanto que alguns — muito poucos — possuem muitos cavalos, enquanto que outros — a grande maioria — carecem completamente deles ou têm poucos. Os camponeses sem cavalo são, pelo menos, em número de três milhões, e cerca de três milhões e meio de camponeses têm um só cavalo. São camponeses completamente arruinados ou camponeses pobres. Nós os chamamos de pobres do campo. A eles correspondem seis milhões e meio de famílias dos dez milhões antes assinalados, isto é, quase dois terços! Em seguida vêm os camponeses médios, que possuem uma junta de animais de trabalho. A estes correspondem cerca de dois milhões de famílias, com uns quatro milhões de cavalos. Seguem-se os camponeses ricos, que possuem mais de um par de cavalos de trabalho. A esta categoria corresponde um milhão e meio de famílias, mas estas possuem sete milhões e meio de cavalos.(6)
Portanto, uma sexta parte, aproximadamente, das famílias possui a metade dos cavalos.
Sabendo isso, podemos avaliar com bastante exatidão a força dos camponeses ricos. Seu número não é muito grande: em diversas comunidades, em diversos distritos rurais, há uns dez ou vinte para cada cem famílias. Mas este pouco número de famílias são as mais ricas. Por isso, possuem, em toda a Rússia, quase a mesma quantidade de cavalos que todos os camponeses restantes juntos. Isso significa que também têm quase a metade de toda a terra semeada camponesa. Os camponeses ricos colhem muito mais cereais do que necessitam para alimentar suas famílias. Vendem muito grão. Os careais não só lhes servem para se alimentar, mas, também, em sua maior parte, para a venda, para fazer dinheiro. Estes camponeses podem acumular dinheiro. Depositam-no nas caixas econômicas e nos bancos, e compram terras. Já nos referimos à grande quantidade de terra que os camponeses compram cada ano em todo o país. Quase toda essa terra cai em mãos desses poucos camponeses ricos. Os pobres do campo, longe de pensar na compra de terras, têm que matutar no meio de obter meios para sua subsistência. Frequentemente falta-lhes dinheiro para o pão, quanto mais para comprar terras! Esta é a razão pela qual todos os bancos em geral, e em particular o Banco Camponês, não ajudam todos os camponeses a adquirir terras (como asseguram às vezes algumas pessoas que enganam o mujique, ou as pessoas demasiado simples), e sim somente a um número insignificante de camponeses, somente aos camponeses ricos. Esta é também a razão pela qual esses maus conselheiros do mujique, de que falamos mais acima, mentem quando, ao falar da compra de terras pelos camponeses, afirmam que esta terra passa do capital ao trabalho. Ao trabalho, isto é, ao trabalhador sem posses, a terra não pode passar nunca, pois é preciso pagar em dinheiro por ela. E os pobres jamais têm dinheiro de sobra. A terra passa somente aos camponeses que têm dinheiro, ao capital, só às pessoas contra quem os pobres do campo têm de lutar em união com os operários da cidade.
Os camponeses ricos não só adquirem terra em propriedade perpétua, mas também são os que mais tomam a terra por anos, em arrendamento. Arrebatam a terra aos camponeses pobres, arrendando grandes propriedades. Por exemplo, num só distrito da província de Poltava (a de Kostantinogrado) calculou-se a quantidade de terra que os camponeses ricos tomavam em arrendamento. E qual foi o resultado? Os que arrendavam 30 e mais deciatinas por família eram muito poucos: duas famílias de cada 15. Mas estes ricaços açambarcavam a metade, do total da terra arrendada, correspondendo a cada um deles 75 deciatinas de terra arrendada! Na província de Táuride, calculou-se quanta terra do Tesouro arrendada pelo «mir» (pelas comunidades camponesas) havia sido açambarcada pelos ricaços. O resultado foi que os ricaços — uma quinta parte das famílias — açambarcavam três quartos de todas as terras arrendadas. Em toda a parte a terra é repartida segundo o dinheiro, e os que dispõem de dinheiro são somente alguns poucos ricaços.
Além disso, os próprios camponeses dão hoje em arrendamento muita terra. Abandonam suas parcelas comunais, pois carecem de gado, de sementes, não têm recursos para continuar levando adiante suas explorações. Sem dinheiro, hoje em dia não se pode fazer nada, mesmo possuindo terra. Assim, no distrito de Novouzensk, província de Samara, em cada três famílias de camponeses ricos, uma, e às vezes duas, tomam em arrendamento as parcelas comunais em sua própria comunidade ou nas vizinhas. E os que cedem suas terras em arrendamento são camponeses sem cavalo ou com um só cavalo. Na província de Táuride, uma terça parte das famílias camponesas dá em arrendamento suas parcelas. Dá-se em arrendamento a quarta parte do total das parcelas comunais camponesas, 250 000 deciatinas. E delas, cento e cinquenta mil (três quintos) caem nas mãos dos camponeses ricos. Uma vez mais vemos se a união no «mir» (na comunidade) serve ou não aos pobres. Na comunidade rural, quem possui dinheiro tem a força. Mas nós precisamos da união dos pobres de todas as comunidades.
Assim como se engana ao camponês com a questão da compra da terra, também se engana ao falar da aquisição a preços módicos de arados, ceifadeiras e outros instrumentos aperfeiçoados. Organizam-se entrepostos municipais, corporações, e se diz: os instrumentos aperfeiçoados melhoram a situação dos camponeses. Isto é puro embuste. Todos os bons instrumentos vão parar sempre nas mãos dos ricaços; os pobres quase não os vêem. O importante para os pobres não são os arados e ceifadeiras, e sim que não morram de fome! Toda esta «ajuda ao camponês» é ajuda aos ricaços, e nada mais. E bem pouco se pode ajudar vendendo a preços reduzidos os melhores instrumentos de trabalho à massa de camponeses pobres, que carece de terra, de gado, de reservas. Por exemplo, num distrito da província de Samara, contaram-se todos os instrumentos aperfeiçoados em poder dos camponeses ricos e nobres O resultado foi que um quinto das famílias, isto é, as mais acomodadas, tem em suas mãos quase três quartos de todos os instrumentos aperfeiçoados, enquanto que os pobres – a metade das famílias — possuem tão-somente uma trigésima parte. Neste distrito há 28 000 famílias, das quais 10 000 carecem de cavalos ou têm apenas um: estas 10 000 famílias só possuem sete dos 5 724 instrumentos aperfeiçoados com que contam todas as explorações camponesas do distrito. Sete instrumentos de trabalho de 5 724: eis aí em que proporção afetam os camponeses pobres os aperfeiçoamentos da economia camponesa, a difusão de arados e ceifadeiras, que ajuda, segundo se afirma, «todos os camponeses». Eis aí o que os camponeses pobres podem esperar daqueles que falam em «melhorar a economia camponesa»!
Finalmente, uma das principais peculiaridades dos camponeses ricos é a contratação de assalariados agrícolas e diaristas. Assim como os latifundiários, os camponeses ricos vivem do trabalho alheio. Assim como os latifundiários, enriquecem às custas da miséria e da ruína das massas camponesas. Assim como os latifundiários, se esforçam por extrair a maior quantidade possível de trabalho de seus assalariados e pagar-lhes o menos possível. Se milhões de camponeses não caíssem completamente na ruína e não se vissem obrigados a procurar trabalho em explorações alheias, a se converter em assalariados, a vender sua força de trabalho, os camponeses ricos não poderiam existir, não poderiam explorar suas terras. Então não poderiam apoderar-se de parcelas «abandonadas», não poderiam encontrar operários. E em toda a Rússia, um milhão e meio de camponeses ricos contratam, provavelmente, não menos de um milhão de assalariados agrícolas e diaristas. Naturalmente, na grande luta entre a classe dos pobres, entre os patrões e os operários, entre a burguesia e o proletariado, os camponeses ricos se colocarão ao lado dos proprietários, contra a classe operária.
Agora já conhecemos a situação e a força dos camponeses ricos. Vejamos como vivem os pobres do campo.
Já dissemos que as camadas pobres do campo constituem a maioria, quase dois terços de todas as famílias camponesas de toda a Rússia. Em primeiro lugar, o número de famílias sem cavalo é, pelo menos, de três milhões; hoje, provavelmente, talvez sejam mais ainda, cerca de três milhões e meio. Cada ano de fome, cada colheita má, arruína dezenas de milhares de famílias. A população cresce, vive cada vez mais comprimida, enquanto que a melhor terra já foi açambarcada pelos latifundiários e pelos camponeses ricos. Pois bem, cada ano mais camponeses se arruínam, vão para as cidades, para as fábricas, põem-se a trabalhar como assalariados agrícolas, como peões. Um camponês sem cavalo é um camponês já completamente sem posses. É um proletário. Vive (porque respira, mas seria mais exato dizer que padece) não da terra, não de sua exploração, e sim do trabalho assalariado. É um irmão de sangue do operário da cidade. Ele não necessita tão-somente da terra: a metade das famílias sem cavalo cede em arrendamento as parcelas comunais, e às vezes inclusive as entregam gratuitamente à comunidade (e alguns até pagam eles próprios alguma coisa para cobrir os impostos), pois não estão em condições de cultivá-las. O camponês sem cavalo semeia uma deciatina, no máximo duas. Sempre tem de comprar pão (se é que tem com o que), pois o seu nunca lhe basta. Muito pouca vantagem levam sobre ele os camponeses que possuem um só cavalo, que constituem em toda a Rússia cerca de três milhões e meio de famílias. É claro que há exceções, e já dissemos que em algumas partes há camponeses com um só cavalo, que vivem medianamente e são inclusive ricos. Mas, não falamos das exceções, nem de alguns lugares isolados, e sim de toda a Rússia. Se tomamos toda a massa de camponeses com um só cavalo, não há dúvida de que essa massa se compõe de pobres, de indigentes. O camponês com um só cavalo, inclusive nas províncias agrícolas, semeia, quando muito, três ou quatro deciatinas, muito raramente cinco; e tampouco o seu próprio pão lhe basta. Não se alimenta melhor do que o camponês sem cavalo nem mesmo nos anos de boa colheita, portanto, nunca chega a comer o suficiente, sente sempre fome. Sua exploração está em completa decadência, seu gado é ruim e mal alimentado, não estando em condições de fazer devidamente os trabalhos do campo. O camponês com um só cavalo — por exemplo, na província de Voronej — pode gastar em toda a sua exploração (além da forragem para o gado) no máximo vinte rublos por ano! (Um camponês rico gasta dez vezes mais). Vinte rublos por ano para pagar a renda da terra, para a compra de gado, para o conserto do arado e outros instrumentos de trabalho, para o pastor e para todo o resto! Acaso pode-se chamar isso uma exploração agrícola? Isso é um atoleiro, uma galé, um eterno tormento. Compreende-se, pois, que entre os camponeses com um só cavalo haja não poucos que também cedem em arrendamento as parcelas comunais. O indigente pode tirar pouco proveito da terra. Não tem dinheiro, e da terra não pode tirar, já não dinheiro, mas nem mesmo o necessário para o seu sustento. Entretanto, o dinheiro faz falta para tudo: para a comida, para a roupa, para levar adiante o cultivo, para pagar os impostos. Na província de Voronej, cada camponês com um só cavalo deve pagar anualmente, apenas a título de impostos, cerca de dezoito rublos, enquanto, para todos os gastos, mal consegue além de 75 rublos por ano. Neste caso, só em tom de galhofa se pode falar de compra de terras, de instrumentos aperfeiçoados, de bancos rurais: nada disso foi concebido para os pobres.
De onde, pois, tirar o dinheiro? Procurando alguma «renda». O camponês com um só cavalo, assim como o que não tem nenhum, só pode continuar subsistindo a duras penas à base de alguma «renda». E que significa procurar uma «renda»? Significa procurar trabalho em explorações alheias, trabalho assalariado. Significa que o camponês com um só cavalo já não é senão um proprietário pela metade, tendo-se convertido em assalariado, em proletário. Por isso, se chama a esses camponeses de semiproletários. São também irmãos de sangue dos operários da cidade, pois também são despojados impunemente pelos patrões. Eles tampouco têm outra saída, outra salvação, a não ser unir-se com os social-democratas para lutar conjuntamente contra todos os ricaços, contra todos os proprietários. Quem trabalha na construção das estradas de ferro? A quem roubam os empreiteiros? Quem derruba mata e transporta a madeira pelos rios? Quem é assalariado agrícola? Quem trabalha como diarista? Quem realiza os trabalhos mais pesados nas cidades e nos cais? São os pobres do campo. São os camponeses que carecem de cavalos ou que possuem um só cavalo. São os proletários e semiproletários do campo. E quantos há em toda a Rússia! Calculou-se que cada ano são solicitados, em toda a Rússia (fora o Cáucaso e a Sibéria), oito, e às vezes até nove milhões de passaportes. São todos trabalhadores que saem de suas aldeias em busca de um trabalho qualquer. São camponeses apenas de nome, mas, na realidade, trata-se de assalariados, de operários. Todos eles devem unir-se numa só associação com os operários da cidade, e cada raio de luz e de saber que chegue ao campo fortalecerá e consolidará esta associação.
Tampouco se deve esquecer uma outra coisa em relação a suas «rendas». Funcionários de toda espécie, assim como pessoas que raciocinam à maneira dos funcionários, costumam dizer que o camponês, o mujique, «necessita» de duas coisas: terra (mas não muita, pois, não haveria de onde tirá-la, já que os ricaços a açambarcaram) e alguma «renda». De modo que, segundo esta gente, para ajudar o povo, seria preciso fomentar no campo as indústrias, seria preciso «proporcionar» mais «rendas». Tudo isso nada mais é do que pura hipocrisia. Para o camponês pobre não há mais rendas além da que o trabalho assalariado fornece. «Proporcionar rendas» ao camponês, quer dizer transformá-lo em trabalhador assalariado. Uma ajuda excelente, sem dúvida! Para os camponeses ricos há outra classe de «rendas», que requerem capital: por exemplo, a instalação de moinhos ou de qualquer outra empresa, a compra de uma debulhadora, o comércio, etc. Confundir estas rendas das pessoas endinheiradas com o trabalho assalariado doe camponeses pobres significa enganar estes últimos. Naturalmente, este engano convém aos ricos; convém-lhes apresentar as coisas como se todas as «rendas» estivessem ao alcance de todos os camponeses. Mas aquele que realmente procura o bem dos camponeses pobres lhes diz toda a ver dada e nada mais do que a verdade.
Falta-nos agora falar do camponês médio. Já vimos que, em geral, pode-se considerar como camponês médio, em toda a Rússia, aquele que possui uma junta de animais de trabalho, e que entre os dez milhões de famílias camponesas haverá cerca de dois milhões de famílias camponesas médias. O camponês médio encontra-se entre o camponês rico e o proletário, e por isso, exatamente, se chama camponês médio. Também sua vida é mediana: nos bons anos consegue progredir com o que sua exploração lhe dá, mas a miséria o espreita continuamente. Carece de reservas, e se as tem, são bem escassas. Por isso, a situação de sua exploração é precária. O camponês médio tropeça com dificuldades para conseguir dinheiro. De sua própria exploração agrícola raramente pode obter o dinheiro de que precisa, e, se o consegue, é o absolutamente imprescindível. E se quer procurar algum trabalho, tem de abandonar sua exploração, e esta se ressente. Não obstante, muitos camponeses médios não podem passar sem rendas complementares e têm de trabalhar como assalariados, a necessidade os obriga a se submeterem à espoliação dos latifundiários, a contrair dívidas. E o camponês médio quase nunca consegue saldar suas dívidas, pois carece de rendas seguras, como tem o camponês rico. Por isso, uma vez endividado, é como se se tivesse atado uma corda ao pescoço. Jamais consegue livrar-se das dívidas e acaba arruinando-se por completo. O camponês médio é quem mais se deixa espoliar pelo latifundiário, pois este necessita, para certos trabalhos de tarefa, de um camponês não arruinado, que tenha uma junta de cavalos e todos os instrumentos de trabalho necessários. É difícil para o camponês médio ir trabalhar longe de sua exploração, e por isso cai na dependência do latifundiário, tanto pelo cereal, quanto pela pastagem para o seu gado, o arrendamento das parcelas e o dinheiro que pedira emprestado no inverno. Além do latifundiário e do cula- que, o camponês médio é também oprimido pelo vizinho rico, que nunca perde oportunidade de se apoderar da terra e de oprimi-lo por todos os meios a seu alcance. Assim vive o camponês médio, que não é nem uma coisa nem outra. Não pode ser nem verdadeiro lavrador acomodado, nem operário. Todos os camponeses médios têm os olhos postos nos camponeses acomodados, querem ser proprietários, mas são poucos os que o conseguem. Muito poucos deles chegam a tomar assalariados agrícolas ou diaristas a seu serviço, empenhados em enriquecer às custas do trabalho alheio, em montar sobre as costas alheias e chegar a ser camponeses ricos. A maioria dos camponeses médios não só carece de recursos para contratar assalariados ou diaristas, como eles próprios se vêem obrigados a trabalhar por um salário.
Em toda parte onde começa a luta entre os ricos e os pobres, entre os proprietários e os operários, o camponês médio encontra-se no meio, sem saber que partido tomar. Os ricos chamam-no para seu lado: tu, lhe dizem, também és um amo, um proprietário, não tens porque andar com os andrajosos operários. E os operários lhe dizem: os ricos te esgotarão e te roubarão, não tens outra salvação senão nos ajudar na luta contra todos os ricos. Esta luta pelo camponês médio se desenvolve em toda parte, em todos os países em que os social-democratas lutam pela emancipação do povo trabalhador. Na Rússia, esta luta começa justamente agora. Esta é a razão pela qual devemos estudar este problema com particular cuidado e compreender claramente de que embustes se valem os ricos para atrair os camponeses médios; compreender claramente o que devemos fazer para denunciar estes embustes e como temos de ajudar o camponês médio a encontrar seus autênticos amigos. Se os operários social-democratas russos tomam agora mesmo um caminho acertado, conseguiremos, muito mais rapidamente do que os operários alemães, organizar uma sólida aliança dos trabalhadores do campo com os operários da cidade e obter logo a vitória sobre todos os inimigos dos trabalhadores.
Todos os proprietários, toda a burguesia, procuram atrair para o seu lado o camponês médio, prometendo-lhe as mais diversas medidas para melhorar suas condições de trabalho (arados baratos, bancos agrícolas, pastagens, venda barata de gado e de adubos, etc.), assim como fazendo com que ele participe de todo tipo de associações agrícolas (cooperativas, como são chamadas nos livros), e associações de lavradores para melhorar as explorações. Valendo-se disso, a burguesia se esforça por desviar o camponês médio e inclusive o pequeno e o semiproletário da aliança com os operários, procura levá-los para o lado dos ricos, da burguesia, na luta desta contra os operários, contra o proletariado.
Os operários social-democratas respondem a isso: melhorar as explorações agrícolas é uma coisa excelente. Nada há de mau em comprar mais barato os arados; hoje em dia, todo comerciante perspicaz procura vender mais barato, para atrair clientes. Mas, quando se diz ao camponês médio e ao pobre que o melhoramento de sua exploração agrícola e o barateamento dos arados os ajudará a sair da miséria e a levantar a cabeça, sem molestar de modo algum os ricos, isto já é uma mentira. De todas estas melhoras, barateamento e cooperativas (associações para a venda e compra de mercadorias), os que mais saem ganhando são os ricos. Os ricos fortalecem-se mais a cada dia e cada dia oprimem mais os camponeses pobres e médios. Enquanto os ricos continuarem sendo ricos, enquanto tiverem em seu poder a maior parte das terras, assim como do gado, dos instrumentos de trabalho e do dinheiro, não só os camponeses pobres, mas mesmo os camponeses médios jamais conseguirão sair da miséria. Um ou outro camponês médio poderá conseguir passar a duras penas para a categoria dos ricos com a ajuda destas melhoras e destas cooperativas, mas o povo todo e todos os camponeses médios se afundarão mais e mais na miséria. Para que todos os camponeses médios se tornem ricos, é preciso tirar a metade dos ricos, coisa que somente a aliança dos operários da cidade com os pobres do campo pode conseguir.
A burguesia diz ao camponês médio (e até ao pequeno camponês); nós te venderemos terra barata, arados baratos, mas tu nos venderás tua alma, terás de renunciar à luta contra todos os ricos.
O operário social-democrata diz: se realmente vendem barato, porque não comprar tendo dinheiro? É um negócio. Mas ninguém deve vender sua alma. Renunciar à luta junto com os operários da cidade contra toda a burguesia, significa continuar eternamente na miséria e na penúria. O barateamento das mercadorias não fará senão beneficiar ainda mais ao rico, enriquecendo-o ainda mais. E aquele que não tiver dinheiro não terá qualquer proveito enquanto não recobrar o dinheiro de que a burguesia se apropriou.
Tomemos um exemplo. Os defensores da burguesia não medem palavras para enaltecer todo tipo de cooperativas (associações para comprar barato e vender vantajosamente). Há inclusive pessoas, que chamam a si mesmo «socialistas revolucionários», e que, seguindo a burguesia, afirmam em alta voz que o de que o campesinato mais necessita são as cooperativas. Também se começa a fomentá-las na Rússia, mas ainda são muito poucas e continuarão sendo enquanto não houver liberdade política. Mas na Alemanha há muitas cooperativas de todo tipo entre os camponeses. E vejamos quem tira mais proveito delas. Em toda a Alemanha há 140 000 proprietários agrícolas que participam em cooperativas para a venda de leite e seus derivados. Estes 140 000 proprietários (mais uma vez tomamos cifras redondas, para maior simplicidade) possuem 1100 000 vacas. Calcula-se que há em toda a Alemanha quatro milhões de camponeses pobres, dos quais só 40 000 participam destas cooperativas, o que quer dizer que de cada cem camponeses pobres, somente um utiliza estas cooperativas. Estes 40 000 camponeses pobres têm só 100 000 vacas. Além disso, o número de proprietários médios, de camponeses médios, é de um milhão, deles, 50 000 participam das cooperativas (isto é, cinco em cada cem) e têm 200 000 vacas. Finalmente, o número de proprietários ricos (isto é, latifundiários e camponeses ricos) é de um terço de milhão, dos quais 50 000 participam nas cooperativas (ou seja, dezessete em cada cem!) e têm 800 000 vacas!
Aí vemos a quem beneficiam antes e acima de tudo as cooperativas! É assim que as pessoas, que falam de salvar o camponês médio, enganam o mujique com todo tipo de associações para comprar barato e vender vantajosamente. É muito barato o preço que a burguesia quer pagar para «arrancar» o mujique da influência dos social-democratas, que chamam os camponeses pobres e médios para lutar a seu lado!
Em nosso país também começam a se organizar diferentes agrupamentos para fabricar queijos, para vender leite. Também em nosso país há muitas pessoas que gritam: agrupamentos, a união no «mir», cooperativas, isso é o que o mujique necessita. Mas, vejamos a quem beneficiam essas associações, essas cooperativas, esses arrendamentos comunais. Em nosso país, para cada cem famílias camponesas, pelo menos vinte carecem de vacas; trinta têm uma vaca cada uma e vendem leite pressionadas pela amarga necessidade, enquanto que seus filhos ficam sem leite, padecem fome e morrem como moscas. Em troca, os mujiques ricos têm três, quatro e mais vacas, no total a metade das vacas dos camponeses. A quem, pois, beneficiam os agrupamentos para a fabricação de queijos? Está claro que em primeiro lugar aos latifundiários e à burguesia camponesa. Está claro que lhes convém que os camponeses médios e pobres tenham os olhos postos neles, que não considerem a luta de todos os operários contra a burguesia como meio para se salvar da miséria, e sim a aspiração de alguns pequenos proprietários de sair de sua situação e passar para as fileiras dos ricaços.
Esta aspiração é apoiada e estimulada por todos os meios pelos defensores da burguesia, que fingem ser defensores e amigos do pequeno camponês. E há muita gente ingênua que não reconhece o lobo sob a pele de ovelha e repete as mentiras da burguesia, acreditando que beneficia o camponês pobre e médio. Por exemplo, dizem em seus livros e discursos que a pequena exploração é a mais vantajosa, a mais rentável, que a pequena exploração prospera. Por isso, segundo eles, há tantos pequenos proprietários agrícolas em toda parte e estão tão aferrados à terra (e não porque as melhores terras já foram açambarcadas pela burguesia, não porque esta tenha em suas mãos também todo o dinheiro, enquanto os camponeses pobres sofrerão toda a vida privações e atribulações em sua porção de terra!). O pequeno camponês não necessita de muito dinheiro, dizem essas pessoas melífluas; o pequeno e médio camponês é mais econômico e trabalhador do que o rico, e, além disso, sabe viver mais simplesmente: em lugar de comprar feno para o gado, alimenta-o com palha; em lugar de comprar uma máquina cara, levanta-se mais cedo, trabalha mais e substitui a máquina; em lugar de gastar dinheiro pagando consertos, nos dias de festa pega o machado e faz toda a sorte de trabalhos de carpintaria e lhe sai muito mais barato do que ao grande proprietário; em lugar de manter um cavalo caro ou um boi, utiliza a vaca para lavrar a terra; na Alemanha todos os camponeses pobres aram a terra com vacas, e em nosso país o povo está tão arruinado, que não somente se jungem as vacas ao arado, como até mesmo as pessoas. Além disso, é tão vantajoso, tão barato! Como é digno de elogio que o camponês médio e pequeno seja tão diligente, tão trabalhador, que viva tão frugalmente, que não se regale com nada, que não pense no socialismo, e sim unicamente em sua exploração! Não, eles não tomam o partido dos operários, que declaram greves contra a burguesia, mas seguem os ricos, procuram chegar a ser pessoas acomodadas! Oh, se todo o mundo fosse tão trabalhador, tão diligente, vivesse com tanta simplicidade, não se embebedasse, poupasse mais dinheiro, gastasse menos em panos, tivesse menos filhos; oh, então todo mundo viveria muito bem e não haveria nem miséria nem penúrias!
A burguesia dirige estas palavras açucaradas ao camponês médio, e ainda há simplórios que se fiam nestas cantilenas e as repetem.(7) Na realidade, tais discursos não são senão um embuste, um escárnio para o camponês. Esta gente melíflua chama de exploração agrícola barata e vantajosa à miséria, à amarga necessidade, que obriga o camponês médio a trabalhar de sol a sol, a economizar cada migalha de pão, a não se permitir qualquer despesa por menor que seja. Naturalmente, que pode ser mais «barato» e «vantajoso» do que usar durante três anos as mesmas calças, andar sem botas no verão, atar o arado de madeira com uma corda e sustentar a vaca com palha podre tirada do teto? Dever-se-ia colocar nesta exploração agrícola «barata» e «vantajosa» qualquer burguês ou camponês rico, e muito depressa eles esqueceriam suas palavras açucaradas!
Aqueles que se desmancham em elogios à pequena exploração querem às vezes favorecer o camponês, mas, na realidade, não fazem mais do que prejudicá-lo. Com suas palavras melífluas, enganam o mujique, assim como a loteria engana o povo. Agora direi o que é uma loteria. Suponhamos que tenho uma vaca que custa, por exemplo, 50 rublos. Quero rifá-la e ofereço a todo mundo bilhetes no valor de um rublo. Por um só rublo, pode-se ganhar uma vaca! As pessoas se deixam seduzir e os rublos chovem. Uma vez reunidos cem rublos, faço o sorteio: o que tiver o bilhete premiado, terá a vaca por um só rublo, mas os demais irão embora com as mãos vazias. Saiu esta vaca «barata» para os camponeses? Não, muito cara, porque pagaram o dobro do que custa, porque duas pessoas (o que organizou a loteria e o que ganhou a vaca) lucraram sem nenhum trabalho, às custas de noventa e nove pessoas que perderam seu dinheiro. Assim, pois, o que disser que as loterias são vantajosas para o povo, não faz mais do que enganá-lo. Do mesmo modo engana o camponês aquele que promete libertá-lo da miséria e da necessidade mediante cooperativas de todo tipo (associações para vender vantajosamente e comprar barato), mediante todo gênero de aperfeiçoamentos agrícolas, bancos, etc. Assim como na loteria um sai ganhando enquanto que os demais saem perdendo, aqui acontece o mesmo: um camponês médio poderia ajeitar-se com elas, chegar à posição dos ricos, enquanto que noventa e nove de seus companheiros passariam a vida com a espinha dobrada, sem conseguir sair da miséria e até afundando-se cada vez mais na ruína. Que cada camponês preste bem atenção no que se passa em sua comunidade e em todo o distrito: há muitos camponeses médios que conseguem chegar a ser ricos e esquecer a miséria? E quantos são os que, durante toda a sua vida, não se vêem livres da miséria? E quantos os que se arruínam e vão para a aldeia? Em toda a Rússia, como vimos, o número das explorações camponesas médias é calculado em não mais de dois milhões. Suponhamos que o número de associações de todo tipo para comprar barato e vender com vantagem decuplique em relação às que existem agora. O que aconteceria? Na melhor das hipóteses, uns cem mil camponeses médios poderiam subir à categoria de ricos. E que significaria isso? Que cinco de cada cem camponeses médios se tornariam ricos. Mas, e os noventa e cinco restantes? Viveriam com as mesmas dificuldades, e muitos com mais dificuldades do que antes! E os camponeses pobres se arruinariam mais ainda!
Naturalmente, o que a burguesia necessita é de que o maior número possível de camponeses médios e pequenos siga os ricos, que acredite na possibilidade de se libertar da miséria sem lutar contra a burguesia, que confie em sua laboriosidade, em sua capacidade de economizar e de enriquecer, e não em sua aliança com os operários do campo e da cidade. A burguesia procura alimentar por todos os meios esta fé enganadora, esta esperança do mujique, procura iludi-lo com toda espécie de palavras dulçorosas.
Para pôr a nu a mentira desta gente melíflua, basta formular-lhe três perguntas.
Primeira pergunta. O povo trabalhador pode libertar-se da penúria e da miséria, enquanto dos duzentos e quarenta milhões de deciatinas de terra cultivável que há na Rússia, cem milhões pertencerem a proprietários privados; enquanto dezesseis mil grandes latifundiários tiverem em seu poder sessenta e cinco milhões de deciatinas?
Segunda pergunta. O povo trabalhador pode libertar-se da penúria e da miséria, enquanto um milhão e meio de famílias camponesas ricas (sobre um total de dez milhões) açambarcarem a metade das terras cultiváveis, dos cavalos, do gado dos camponeses e muito mais da metade de todos os estoques e reservas camponesas; enquanto esta burguesia camponesa continuar enriquecendo-se mais e mais, oprimindo os camponeses pobres e médios, acumulando fortunas com o trabalho dos camponeses assalariados e dos jornaleiros; enquanto seis milhões e meio de famílias camponesas continuam arruinadas, sempre famintas, e ganhando míseras migalhas de pão à custa de toda sorte de trabalhos assalariados?
Terceira pergunta. O povo trabalhador pode libertar-se da penúria e da miséria, quando o dinheiro tomou-se a força principal, quando se pode comprar tudo por dinheiro: uma fábrica, terras, e até homens como operários assalariados, como escravos assalariados; quando sem dinheiro não se pode viver nem manter a exploração agrícola; quando o pequeno Proprietário, o pobre, tem de lutar contra o grande proprietário para conseguir dinheiro; quando os milhares de latifundiários, comerciantes, fabricantes e banqueiros possuem centenas de milhões de rublos e dispõem, além disso, de todos os ancos, onde se concentram bilhões de rublos?
Ninguém pode esquivar-se a estas perguntas com palavras melifluas sobre as vantagens da pequena exploração ou das cooperativas. Estas perguntas têm apenas uma resposta: a verdadeira «cooperação», capaz de salvar o povo trabalhador, é a aliança dos pobres do campo com os operários social-democratas da cidade para lutar contra toda a burguesia. Quanto mais rapidamente se ampliar e consolidar esta aliança, tanto mais rapidamente compreenderá o camponês médio toda a falsidade das promessas burguesas, tanto mais rapidamente virá para o nosso lado.
A burguesia sabe disso, e, por isso, além das palavras dulçorosas difunde mentiras atrás de mentiras sobre os social-democratas. Diz que os social-democratas querem suprimir a propriedade do pequeno e médio camponês. Isto é mentira. Os social-democratas querem suprimir somente a grande propriedade, somente a dos que vivem do trabalho alheio. Os social-democratas nunca suprimirão a propriedade dos pequenos e médios patrões, que não empregam operários assalariados. Os social-democratas defendem os interesses de todo o povo trabalhador, não somente dos operários da cidade — os mais conscientes e os mais unidos — mas também dos operários agrícolas, dos pequenos artesãos e dos camponeses, sempre que não tiverem operários assalariados nem seguirem os ricos, nem se passarem para o lado da burguesia. Os social-democratas lutam por todas as melhorias na vida dos operários e dos camponeses, que possam ser aplicadas já, enquanto não destruirmos o domínio da burguesia, e que facilitem a luta contra a burguesia. Mas os social-democratas não enganam o camponês, dizem-lhe toda a verdade, dizem-lhe de antemão e com toda franqueza que nenhum melhoramento pode salvar o povo da penúria e da miséria enquanto a burguesia continuar dominando. Para que todo o povo saiba quem são os social-democratas e o que pretendem, os social-democratas elaboraram seu programa. Um programa quer dizer uma exposição breve, clara e precisa de tudo o que o Partido procura obter e por que luta. O Partido Social-Democrata é o único partido que expõe um programa claro e preciso, para que todo o povo o veja e o conheça para que só possam militar no Partido os que efetivamente desejem lutar pela emancipação de todo o povo trabalhador do jugo da burguesia e que, além disso, tenham uma noção clara e certa de com quem deve unir-se para esta luta e como é preciso travar esta luta. Além disso, os social-democratas consideram que no programa é preciso explicar clara, aberta e concretamente as causas da penúria e da miséria do povo trabalhador e porque a união dos operários se amplia e se fortalece. Dizer que se vive mal e conclamar ao levante é pouco; todo charlatão pode fazê-lo, mas o efeito é bem reduzido. É preciso que o povo trabalhador compreenda claramente a causa de sua indigência e saiba com quem tem de se unir para lutar, para se libertar da miséria.
Já dissemos o que querem os social-democratas; falamos das causas da penúria e da miséria do povo trabalhador, dissemos, contra quem os camponeses pobres têm de lutar e com quem têm de se unir para sustentar esta luta.
Agora diremos quais são as melhorias que podemos conquistar imediatamente com nossa luta, melhorias na vida dos operários e na vida dos camponeses.
Os social-democratas lutam para libertar o povo trabalhador de toda espoliação, de toda opressão e de toda injustiça. Para se ver livre, a classe operária, antes de tudo, tem de unir-se. E para se unir é preciso ter liberdade de se associar, isto é, o direito de associação; é preciso desfrutar de liberdade política. Já dissemos que o absolutismo supõe o avassalamento do povo pelos funcionários e pela polícia. Por isso, todo o povo necessita de liberdade política, com exceção de um punhado de cortesãos e de magnatas e altos dignitários que têm acesso à corte. Pois bem, os que mais precisam dela são os operários e os camponeses. Os ricos podem, graças a seu dinheiro, evitar a arbitrariedade e os abusos dos funcionários e da polícia. As pessoas ricas podem fazer com que suas reclamações cheguem muito acima. Por isso, a polícia e os funcionários molestam muito menos os ricos do que os pobres. Os operários e os camponeses carecem de meios para se salvar da polícia e dos funcionários, não podem apresentar suas queixas a ninguém nem têm dinheiro para litigar. Os operários e os camponeses jamais se verão livres das cargas, dos abusos e das humilhações impostos pela polícia e pelos funcionários, enquanto não existir no Estado um poder eletivo, enquanto não houver uma assembleia popular de deputados. Só a assembleia popular de deputados é capaz de libertar o povo do avassalamento no qual os funcionários o conservam submetido. Todos os camponeses conscientes têm de apoiar os social-democratas, que, antes de tudo e além de tudo, reclamam do governo tzarista a convocatória de uma assembleia popular de deputados. Os deputados devem ser eleitos por todos, sem distinção de casta, sem fazer distinção entre pobres e ricos. As eleições devem ser livres, sem que os funcionários oponham quaisquer empecilhos. Da ordem das eleições devem cuidar os mandatários e não os guardas rurais ou os «zemskie natchalniki». Só assim poderão os deputados de todo o povo tratar das necessidades deste e implantar na Rússia um regime melhor.
Os social-democratas exigem que a polícia não possa prender ninguém sem que seja submetido a julgamento prévio. Os funcionários devem ser severamente castigados por qualquer prisão arbitrária. Para pôr fim aos abusos dos funcionários é necessário que o próprio povo os eleja, que cada um tenha direito de recorrer diretamente aos tribunais contra qualquer funcionário. Pois, do contrário, qual a vantagem em denunciar os guardas rurais ao «zemski natchalnik» ou este ao governador? Naturalmente, o «zemski natchalnik» não fará mais do que proteger os guardas; o governador protegerá o «zemski natchalnik», e o castigado será o reclamante, que será encarcerado ou desterrado para a Sibéria. Os funcionários só entrarão na linha quando na Rússia (assim como em todos os demais Estados) cada um tiver o direito de recorrer à assembleia popular, tribunais de livre eleição e falar livremente de suas necessidades ou utilizar as páginas da imprensa.
O povo russo continua ainda avassalado pelos funcionários. Sem a autorização destes não se pode realizar uma reunião, nem publicar um jornal ou um livro; isto não é um verdadeiro avassalamento? Se não se podem organizar livremente reuniões nem publicar livros com toda a liberdade, como esperar justiça contra os funcionários e os ricos? Naturalmente, são os funcionários os que proíbem todo livro veraz, toda palavra veraz sobre as necessidades do povo. Por isso, o Partido Social-democrata também se vê obrigado a publicar e a difundir clandestinamente este livro; todos os que forem encontrados com este livro serão levados aos tribunais e encarcerados. Mas os operários social-democratas não se rendem e cada vez publicam e distribuem mais livros verazes entre o povo. E nem os cárceres nem as perseguições poderão deter a luta pela liberdade do povo!
Os social-democratas exigem que sejam suprimidas as castas, que todos os cidadãos do Estado gozem de absoluta igualdade de direitos. Em nosso país há atualmente castas tributadas e castas não tributadas, castas privilegiadas e pessoas sem nenhum privilégio, pessoas bem nascidas e pessoas de origem vil. Para a plebe subsiste até o chicote. Não há país em que os operários e os camponeses sofram tantas humilhações. Em nenhum país, com exceção da Rússia, vigoram leis diferentes para as diversas castas. Já é hora de o povo russo reclamar para o mujique os mesmos direitos de que desfruta o nobre. Não é uma vergonha que, quando já se passaram mais de quarenta anos desde a abolição do regime da servidão, continue em vigor a pena do açoite, continue existindo a casta tributável?
Os social-democratas reclamam para o povo plena liberdade de domicílio e de ocupação. O que significa liberdade de, domicílio? Significa que o camponês tenha direito de ir aonde quiser, de mudar para onde lhe aprouver, de escolher para sua residência qualquer cidade ou aldeia, sem precisar de solicitar a autorização de ninguém. Significa que sejam suprimidos na Rússia também os passaportes (em outros Estados, há muito que já foram suprimidos), que nenhum guarda rural nem nenhum «zemski natchalnik» se atreva a impedir qualquer camponês de residir e de trabalhar onde quiser. O mujique russo ainda está tão avassalado pelos funcionários que não pode transferir-se livremente para a cidade, nem pode ir livremente para outras terras. O ministro determina que os governadores não permitam mudanças sem permissão prévia!. O resultado é que o governador sabe melhor onde tem que ir o mujique do que o próprio interessado! O mujique é uma criança que nem sequer pode mover-se sem a autorização dos chefes! Isto não é um verdadeiro avassalamento? Não é um escárnio ao povo que qualquer nobre, mesmo o mais chinfrim, tenha autoridade sobre agricultores adultos proprietários de terras?
Existe um livrinho intitulado A Má Colheita e as Calamidades do Povo (ou seja, a fome), obra do senhor Ermolov, atual «ministro da Agricultura». Nele se diz abertamente: o mujique não deve mudar de lugar quando os senhores latifundiários necessitam de mão-de-obra. O ministro fala claramente e sem o menor recato, acreditando que o mujique não ouvirá suas palavras ou se as ouvir não as entenderá. Para que se há de permitir que os camponeses mudem quando os senhores têm necessidade de mão-de-obra barata? Quanto mais apertadamente viver o povo, maiores serão as vantagens dos latifundiários, maior será a miséria daquele, menor será o seu salário e mais docilmente suportará qualquer opressão. Antes, eram os estarostes que cuidavam dos interesses dos senhores; hoje são os «zemskie natchalniki» e os governadores que o fazem. Antes eram os estarostes que ordenavam o chicoteamento de homens nas cavalariças; hoje, os «zemskie natchalniki» ordenam o chicoteamento na administração do subdistrito.
Os social-democratas reclamam a supressão do exército permanente, para substituí-lo por milícias populares, pelo povo em armas. O exército permanente é um exército divorciado do povo, instruído para atirar contra o povo. Se não fosse encarcerado o soldado no quartel durante vários anos e se não fosse ele submetido a tuna disciplina desumana, poderia ele, por acaso, atirar contra seus irmãos, os operários e camponeses? Acaso poderia ir contra os mujiques famintos? Para defender o país contra os ataques de um inimigo não é necessário um exército permanente, para isso bastam as milícias populares. Se todos os cidadãos do Estado estivessem armados, nenhum inimigo seria perigoso para a Rússia. E, além disso, o povo se veria livre do jugo da casta militar, para cuja manutenção são investidos anualmente centenas de milhões de rublos, retirados do povo; e é esta a causa de os tributos serem tão altos e a vida cada vez mais difícil. A casta militar reforça ainda mais o poder dos funcionários e da polícia sobre o povo. A casta militar é necessária para saquear outros povos, por exemplo, para tomar a terra aos chineses. Isso não melhora a situação do povo, e sim a piora com novos impostos. A substituição do exército permanente pelo povo em armas traria um enorme alívio a todos os operários e a todos os camponeses.
Também representaria um enorme alívio para eles a abolição dos impostos indiretos, abolição que os social-democratas reclamam. São chamados impostos indiretos os que não gravam diretamente a terra ou a propriedade, mas que são pagos indiretamente pelo povo, mediante o aumento do preço dos artigos. O fisco grava com impostos o açúcar, a vodca, o petróleo, os fósforos e toda classe de artigos de uso e consumo. O comerciante ou o fabricante pagam ao fisco este imposto, mas, naturalmente, não o pagam de seu bolso, e sim com o dinheiro que os consumidores lhes pagam. Os preços da vodca, do açúcar, do petróleo, dos fósforos sobem, e os que compram uma garrafa de vodca ou uma libra de açúcar não só pagam o preço do artigo, mas também o imposto que o grava. Assim, ao pagar, digamos, quatorze copeques por uma libra de açúcar, quatro copeques (mais ou menos) correspondem ao imposto; o fabricante do açúcar já pagou este imposto ao Tesouro, e agora recupera a soma paga extraindo-a de cada comprador. Vemos, pois, que os impostos indiretos são os que gravam os artigos de uso e consumo, que o comprador paga na forma de preço mais alto. Costuma-se dizer que os impostos indiretos são os mais equitativos, pois se paga tanto quanto se compra. Isto não é certo. Os impostos indiretos são os mais injustos, pois é muito mais difícil aos pobres pagar do que aos ricos. Um rico tem rendimentos que são dez e inclusive cem vezes superiores aos de um camponês pobre ou de um operário. Mas, acaso necessita o rico de cem vezes mais açúcar, dez vezes mais vodca, mais fósforos ou petróleo do que o pobre? Claro que não. Uma família rica pode comprar o dobro, ou o triplo, no máximo, de petróleo, de vodca ou de açúcar do que compra uma família pobre. Isso significa que o rico pagará em impostos uma parte menor de seus rendimentos do que o pobre. Suponhamos que um camponês pobre tem duzentos rublos de rendimentos anuais e que destina sessenta para a aquisição de diferentes artigos, os quais, como estão gravados por impostos, são mais caros (o açúcar, os fósforos e o petróleo estão gravados com um imposto especial que o fabricante pagará antes de lançar a mercadoria no mercado; o fisco eleva diretamente o preço da vodca fabricada pelo Estado; o preço do percal, do ferro e outros artigos do estrangeiro, onde são mais baratos, está gravado com tarifas alfandegárias elevadas. Destes sessenta rublos, vinte irão para os impostos. Isto é, o pobre entregará para cada rublo de suas rendas dez copeques a título de impostos indiretos (sem contar os diretos, o resgate, os tributos, o imposto sobre o usufruto da terra, os impostos municipais, os das autoridades locais, os da comunidade). O camponês rico tem uma renda de mil rublos; se compra mercadorias no valor de cento e cinquenta rublos, gravadas com impostos indiretos, cinquenta rublos serão para o pagamento destes impostos. O que quer dizer que o rico pagará a título de impostos indiretos não mais que cinco copeques para cada rublo de suas rendas. Quanto mais rica é uma pessoa, menos impostos indiretos paga em relação a suas rendas. Por esta razão, os impostos indiretos são os mais injustos. Os impostos indiretos são impostos para os pobres. Os camponeses e operários constituem 9/10 do total da população e pagam os 9/10 ou os 8/10 de todos os impostos indiretos. Em troca, de todas as rendas, os camponeses e os operários não recebem, provavelmente, mais de 4/10! Pois bem, os social-democratas reclamam a abolição dos impostos indiretos e a implantação de um imposto progressivo sobre as rendas e as heranças. O que quer dizer que quanto maiores forem as rendas, mais altos devem ser os impostos. O que tiver mil rublos de rendas, que pague um copeque em cada rublo, o que tiver 2 000 rublos, que pague dois copeques, e assim sucessivamente. Os que tiverem rendas pequenas (por exemplo, inferiores a 400 rublos) nada pagarão. Serão os mais ricos que pagarão os impostos mais elevados. Tal imposto sobre as rendas, ou melhor, tal imposto progressivo sobre as rendas seria muito mais equitativo do que os impostos indiretos. Por isso, os social-democratas exigem a abolição dos impostos indiretos e a implantação de um imposto progressivo sobre as rendas. Gomo é lógico, todos os proprietários, todos os burgueses, não querem que assim seja e se opõem a isso. Só a firme “aliança dos pobres do campo com os operários da cidade poderá arrancar à burguesia esta melhoria.
Finalmente, uma melhoria de muita importância para todo o povo, e, em particular, para os pobres do campo, é o ensino gratuito para as crianças, como exigem os social-democratas. Atualmente, há no campo muito menos escolas do que na cidade, com a agravante de que só as classes ricas, só a burguesia, pode dar a seus filhos uma boa instrução. Unicamente o ensino gratuito e obrigatório para todas as crianças pode tirar o povo, ainda que em parte, de sua ignorância atual. Os pobres do campo são os que mais padecem por sua ignorância e os que mais necessitam da instrução. Mas, naturalmente, necessitamos de um ensino livre e autêntico e não o que nos impõem os funcionários e os padres.
Os social-democratas reclamam também que cada um tenha um pleno direito de professar livremente a religião que quiser. De todos os Estados europeus, somente na Rússia e na Turquia ainda vigoram leis ignominiosas contra os crentes de outras religiões que não sejam a ortodoxa, isto é, contra os cismáticos, contra os sectários e contra os judeus. Estas leis ou proíbem uma determinada religião, ou proíbem propagá-la, ou privam os crentes desta religião de certos direitos. Todas estas leis são as mais injustas, as mais coercitivas, as mais ignominiosas. Cada um deve desfrutar da plena liberdade, não só para professar a religião que quiser, mas também para propagar qualquer religião e para mudar de religião. Os funcionários, quaisquer que sejam, não devem ter sequer o direito de perguntar a religião que se professa, por se tratar de um assunto que só diz respeito à consciência e nele ninguém deve intrometer-se. Não deve haver nenhuma religião nem Igreja «dominante». Todas as religiões e todas as Igrejas devem ser iguais perante a lei. Os sacerdotes de cada religião podem ser mantidos pelos respectivos crentes, e o Estado não deve manter às expensas do Tesouro nenhuma religião, nenhuma classe de sacerdotes, nem ortodoxos, nem cismáticos, nem os sectários, nem quaisquer outros. Por tudo isso lutam os social-democratas, e enquanto estas medidas não forem levadas à prática sem qualquer reserva nem entraves, o povo não se verá livre das vergonhosas perseguições policiais por razões religiosas, nem das não menos vergonhosas dádivas policiais em favor de uma ou de outra religião.
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Vimos as melhorias que os social-democratas exigem para todo o povo, e, sobretudo, para os pobres do campo. Vejamos agora que melhorias reivindicam os social-democratas para os operários, não só para os fabris e urbanos, mas também para os do campo. Os operários fabris vivem mais juntos e agrupados, trabalham em grandes oficinas e lhes é mais fácil aproveitar a ajuda que os social-democratas dos meios instruídos lhes oferecem. Devido a todas estas razões, os operários da cidade começaram, muito antes de todos os demais, a lutar contra os patrões e conseguiram melhorias mais importantes, entre elas a promulgação de leis trabalhistas. Mas os social-democratas lutam por conseguir iguais melhorias para todos os operários, para os operários que tanto na cidade como no campo trabalham a domicílio para seus patrões; para os operários assalariados de mestres e artesãos; para os operários da construção (carpinteiros, pedreiros, etc); para os operários florestais, para os peões, e exatamente o mesmo para os operários agrícolas. Atualmente, todos esses operários começam a se unir em toda a Rússia, seguindo o exemplo dos fabris e ajudados por estes; unem-se para lutar por melhores condições de vida, pela redução da jornada de trabalho, por salários mais altos. E o Partido Social-Democrata impõe-se o objetivo de ajudar todos os operários em sua luta por uma vida melhor, de ajudar todos a organizar (unir) em fortes agrupamentos os operários mais firmes e seguros, de ajudá-los com a difusão de livros e volantes, com o envio de operários experimentados para que sejam colocados ao lado dos novos, e, em geral, de ajudá-los em tudo o que for possível. Quando conseguirmos a liberdade política, teremos na assembleia popular de deputados gente nossa, deputados operários, social-democratas, e eles, da mesma forma que seus camaradas de outros países, exigirão a aprovação de leis que favoreçam os operários.
Não vamos enumerar aqui todas as melhorias que o Partido Social-Democrata reivindica para os operários, pois figuram no programa e estão detalhadamente explicadas no livro A Causa Operária na Rússia. Basta-nos citar aqui as melhorias principais. A jornada de trabalho não deve exceder de oito horas. Um dia na semana deve ser para descanso. As horas extraordinárias devem ser rigorosamente proibidas, assim como o trabalho noturno. As crianças devem receber ensino gratuito até os 16 anos, e por este motivo não se deve permitir que trabalhem como assalariados até essa idade. Não devem ser permitidas mulheres nos trabalhos insalubres. Os operários acidentados no trabalho devem receber uma indenização do patrão; por exemplo, nos casos de acidentes do trabalho nas debulhadoras, nas aventadoras, etc. O pagamento deve ser sempre semanal para todos os operários assalariados, em lugar de uma vez cada dois meses ou cada trimestre, como é frequente na contratação para trabalhos agrícolas. Importa muito aos operários receber pontualmente o pagamento ao fim de cada semana, e, além disso, em dinheiro, e não em mercadorias. Os patrões gostam muito de impor aos operários, por conta do salário, a compra de todo tipo de mercadorias de baixa qualidade a preços exorbitantes. Para pôr fim a esta falta de vergonha é preciso uma lei que proíba terminantemente o pagamento do salário em mercadorias. Os operários velhos devem receber uma pensão do Estado. Os operários mantêm com seu trabalho todas as classes ricas e todo o Estado, e por isso têm tanto direito à aposentadoria quanto os funcionários, que dela gozam. Para que os patrões não se atrevam a abusar de sua situação e violar os regulamentos ditados em favor dos operários, deverão ser nomeados inspetores, e não só nas fábricas, mas também nas grandes fazendas dos latifundiários, e, em geral, em todas as empresas que tiverem operários assalariados. Mas esses inspetores não devem ser funcionários, não devem ser nomeados pelos ministros ou pelos governadores, não devem estar a serviço da policia. Os inspetores devem ser operários eleitos. A fazenda pública deve pagar esses mandatários dos operários, livremente eleitos por estes. E esses deputados operários eleitos devem cuidar também de que as moradias dos operários estejam em bom estado, de que os patrões não obriguem os operários a viver em pocilgas ou em tocas (como costuma acontecer nos trabalhos do campo), de que sejam observadas as disposições sobre o repouso, operários, etc. Além disso, não se deve esquecer de que os deputados operários de nada servirão enquanto não houver liberdade política, enquanto a polícia for onipotente e não tiver de responder perante o povo. Todo o mundo sabe que agora a polícia prende sem ordem judicial prévia, não só os deputados operários, mas qualquer operário que se atreva a falar em nome de todos, que denuncie as infrações da lei e conclame os operários à união. Mas, quando tivermos liberdade política, os deputados dos operários serão de grande utilidade.
É preciso proibir terminantemente todos os patrões (fabricantes, latifundiários, empreiteiros, camponeses ricos) de fazerem, a seu capricho, qualquer espécie de desconto no salário dos operários, como, por exemplo, os descontos pelo trabalho defeituoso, multas, etc. É uma arbitrariedade e um abuso que os patrões descontem, a seu bel prazer, dinheiro do salário dos operários. A título algum se deve permitir que o patrão diminua o salário dos operários com descontos de qualquer tipo. O patrão não deve ser ao mesmo tempo juiz e executor (bravo juiz, que embolsa os descontos que impõe aos operários!), mas deve recorrer a um verdadeiro tribunal de eleição, integrado, em partes iguais, por representantes dos operários e dos patrões. Só um tribunal deste tipo poderá julgar com equidade as queixas dos patrões contra os operários e as dos operários contra os patrões.
Estas são as melhorias que os social-democratas reivindicam para toda a classe operária. Os operários de cada propriedade, de cada fazenda ou de cada empreiteiro devem procurar examinar com pessoas dignas de confiança quais são as melhorias que devem exigir, quais as reivindicações que serão apresentadas (naturalmente, em cada fábrica, em cada fazenda e para cada empreiteiro as reivindicações dos operários serão diferentes).
Os comitês social-democratas ajudam os operários em toda a Rússia a formular suas reivindicações com precisão e clareza e também a lançar volantes impressos onde expõem suas reivindicações, para que todos os operários as conheçam, assim como os patrões e as autoridades. Quando os operários defendem suas reivindicações estreitamente unidos, os patrões têm de ceder e aceitá-las. Nas cidades, os operários já conseguiram muitas melhorias por este caminho. Agora, também os operários da indústria a domicílio e dos artesãos e. os operários agrícolas começam a unir-se (a organizar-se) e a lutar por suas reivindicações. Enquanto não temos liberdade política, lutamos clandestinamente, ocultamo-nos da polícia, que proíbe todo tipo de volantes e toda associação operária. Mas quando conquistarmos a liberdade política, lutaremos mais amplamente e à vista de todos, para que o povo trabalhador de toda a Rússia se una e se defenda com maior coesão das humilhações. Quanto mais operários se agruparem no Partido Operário Social-Democrata, tanto maior será a sua força, tanto mais rapidamente conseguirão libertar completamente a classe operária de toda opressão, de todo trabalho assalariado, de todo trabalho para a burguesia.
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Já dissemos que o Partido Operário Social-Democrata exige melhorias não só para os operários, mas também para todos os camponeses. Vejamos agora as melhorias que quer conseguir para todos os camponeses.
Para a emancipação completa de todos os trabalhadores, os camponeses pobres devem lutar, unidos aos operários da cidade, contra toda a burguesia, inclusive os camponeses ricos. Os camponeses ricos procurarão pagar o menos possível a seus assalariados e obrigá-los a trabalhar mais horas e mais arduamente. Os operários da cidade e do campo exigirão que os assalariados do camponês rico também cobrem salários mais elevados e trabalhem em melhores condições, gozando de repouso. Por conseguinte — já o dissemos e o repetiremos sempre — os camponeses pobres têm de formar suas próprias organizações sem os camponeses ricos.
Mas na Rússia todos os camponeses, tanto os ricos como os pobres, ainda continuam sendo servos em muitos aspectos. Todos eles constituem a gente vil, a casta inferior, tributável; todos estão avassalados pelos funcionários da polícia e pelos «zemskie natchalniki»; frequentemente todos continuam trabalhando para o senhor, como antes, em troca do uso das parcelas, dos bebedouros, dos pastos e dos prados, assim como se trabalhava para o senhor feudal sob o regime da servidão. Todos os camponeses querem libertar-se deste novo estado de servidão, todos querem gozar da plenitude de direitos, todos odeiam os latifundiários, que continuam obrigando-os até agora à corveia, a pagar com seu trabalho os senhores nobres pelo uso da terra, dos bebedouros, dos pastos, dos prados; continuam obrigando-os a trabalhar pelos prejuízos ocasionados pelo gado do camponês nos campos do senhor e a enviar suas mulheres para semear os campos do senhor apenas em troca da comida. Os camponeses pobres sofrem muito mais em consequência de todos estes serviços do que os camponeses ricos. O camponês rico às vezes se liberta mediante resgate de seu trabalho para o senhor, mas, não obstante, os camponeses ricos em sua maior parte também são muito oprimidos pelos latifundiários. Portanto, os camponeses pobres devem lutar junto com os camponeses ricos contra a falta de direitos, contra toda corveia, contra todo tipo de pagamento em trabalho. Somente quando vencermos toda a burguesia, inclusive os camponeses ricos, nos libertaremos de toda submissão, de toda miséria. Mas há jugos que sacudiremos antes, pois também são injuriosos aos camponeses ricos. Na Rússia temos ainda muitos lugares e muitas regiões em que todos os camponeses continuam sendo até agora servos em todos os aspectos. Por isso, todos os operários russos e todos os camponeses pobres têm de lutar com todas as suas forças em duas direções: por um lado, aliados a todos os operários, contra todos os burgueses-, por outro, aliados a todos os camponeses, contra os funcionários nas aldeias, contra os latifundiários feudais. Se os camponeses pobres não constituírem sua organização especial, à parte dos camponeses ricos, estes os enganarão, os explorarão, tornar-se-ão latifundiários, e não somente deixarão os camponeses sem terra, como também não lhes concederão sequer a liberdade de associar-se. Se os camponeses pobres não lutam junto com os camponeses ricos contra o jugo feudal, continuarão atados, sem poder mover-se, e tampouco terão plena liberdade para se unir aos operários da cidade.
Os camponeses pobres devem descarregar seus golpes primeiro contra os latifundiários e se livrar pelo menos do pior jugo, o mais pernicioso, o jugo dos senhores. Neste movimento muitos camponeses ricos partidários da burguesia também estarão ao lado dos camponeses pobres, pois todos já estão saturados da soberba dos latifundiários. Mas quando cortarmos as asas do poder dos grandes latifundiários, o camponês rico arreganhará os dentes e mostrará suas garras disposto a apoderar-se de tudo; e, por certo, estas garras estão bem afiadas e já se apoderaram de muita coisa. Por isso, é preciso estar alerta e selar uma união forte e indestrutível com os operários da cidade. Estes operários ajudarão a despojar o latifundiário de seus hábitos inveterados de grande senhor feudal e também a baixar o topete do camponês rico (como já foi em parte baixado o de seus patrões e dos industriais). Sem a aliança com os operários da cidade, os camponeses pobres jamais se libertarão de todos os jugos, de toda necessidade e de toda miséria; ninguém, a não ser os operários, os ajudará neste movimento, e tampouco têm com quem contar a não ser consigo mesmos. Mas, há melhorias que conseguiremos antes, que podemos obter agora mesmo, no início desta grande luta. Existem na Rússia muitas cargas que há tempos desapareceram em outros países. Pois bem, todos os camponeses russos podem libertar-se agora mesmo do jugo dos funcionários, do jugo feudal imposto pelos senhores.
Vejamos agora que melhorias o Partido Operário Social-Democrata reclama antes de tudo e sobretudo para libertar todos os camponeses russos pelo menos do pior dos jugos, do jugo feudal, e para deixar os camponeses pobres com as mãos livres na luta contra toda a burguesia russa.
A primeira reivindicação do Partido Operário Social-Democrata é abolir imediatamente todos os pagamentos por resgate, todos os tributos, todas as obrigações que pesam sobre os camponeses «tributáveis». Quando os comitês de nobres e o governo aristocrático do tsar russo «emanciparam» os camponeses da servidão, os camponeses foram obrigados a resgatar suas próprias terras, a pagar as terras que eles vinham cultivando desde tempos imemoriais! Era um roubo. Os comitês de nobres espoliavam abertamente os camponeses com a ajuda do governo tzarista. Este enviou tropas a muitos lugares para impor pela força as atas regulamentares, para executar os camponeses que não quisessem aceitar as «míseras» e minguadas parcelas. Sem a ajuda das tropas, sem as torturas e os fuzilamentos, os comitês de nobres jamais teriam podido espoliar tão descaradamente os camponeses como o fizeram durante a libertação da servidão. Os camponeses sempre devem recordar como foram espoliados e saqueados pelos comitês de nobres, dos latifundiários, porque também agora o governo tzarista sempre designa comitês de nobres ou de funcionários quando se trata de promulgar novas leis para os camponeses. Recentemente (a 26 de fevereiro de 1903), o tsar lançou um manifesto prometendo rever e melhorar as leis sobre os camponeses. Mas, quem vai revê-las, quem vai melhorá-las? Outra vez os nobres e os funcionários! Os camponeses sempre serão enganados enquanto não se conseguir a constituição de comitês camponeses para melhorar a vida camponesa. Os latifundiários, os «zemskie natchalniki» e os funcionários de todo tipo já mandaram o bastante nos camponeses! Já é hora de acabar com essa servidão feudal que qualquer guarda rural impõe, qualquer filho de nobre arruinado pelas pândegas, quer se chame «zemski natchalnik», chefe de polícia ou governador! Os camponeses devem exigir que se lhes conceda a liberdade de organizar por si mesmos seus assuntos, de deliberar, propor e aplicar por si mesmos novas leis. Os camponeses devem exigir comitês camponeses livres, constituídos por eleição, e enquanto não o conseguirem serão sempre enganados e espoliados pelos nobres e pelos funcionários. Ninguém libertará os mujiques dos funcionários sanguessugas se eles próprios não se libertarem, se não se unirem para tomar seus destinos em suas próprias mãos.
Os social-democratas não só exigem a abolição total e imediata dos pagamentos por resgate, dos tributos e de toda espécie de obrigações, mas também exigem que se restitua ao povo o dinheiro que lhe foi arrebatado pelos resgates. Desde que foram libertados da servidão pelos comitês de nobres, os camponeses pagaram em toda a Rússia centenas de milhões de rublos. Os camponeses devem exigir a restituição deste dinheiro. Que o governo fixe um imposto especial aos grandes latifundiários nobres, que se confisquem as terras dos mosteiros e da coroa (isto é, da família imperial), que uma assembleia popular de deputados disponha desse dinheiro em benefício dos camponeses. Em nenhuma parte do mundo, existe tanta humilhação, tanta miséria, uma mortalidade tão espantosa de milhões de camponeses, em virtude da fome, como na Rússia. Em nosso país condenou-se o camponês a morrer de fome, porque foi saqueado pelos comitês de nobres e contínua sendo roubado a cada ano desde então, obrigado a pagar os antigos tributos aos herdeiros dos antigos senhores feudais, obrigado a pagar os resgates e as obrigações. Que os espoliadores respondam por seus atos! Que os grandes latifundiários nobres paguem, para que se preste ajuda eficaz aos famintos! O mujique faminto não necessita de esmolas nem de dádivas mesquinhas. Que exija a devolução do dinheiro que pagou durante anos e anos aos latifundiários e ao Estado. Então, a assembleia popular de deputados e os comitês camponeses poderão prestar uma ajuda eficaz e verdadeira aos famintos.
O Partido Operário Social-Democrata exige a abolição imediata e completa da caução solidária e de todas as leis que impedem o camponês de dispor de suas terras. O manifesto do tsar, de 26 de fevereiro de 1903, promete anular a caução solidária. Já foi promulgada a lei anulando-a. Mas não basta. É preciso, além disso, derrogar imediatamente todas as leis que impedem que o camponês disponha de sua terra. Do contrário, o camponês, mesmo sem a caução solidária, não poderá ser completamente livre, continuará sendo um semi-servo. O camponês deve obter a liberdade completa de dispor de sua terra, deve poder entregá-la ou vendê-la a quem quiser, sem ter de solicitar a autorização de ninguém. É isto é o que o decreto do tsar não consente, pelo qual todos os nobres, os comerciantes e burgueses podem dispor livremente da terra, mas o camponês não. O mujique é uma criancinha. É preciso pôr a seu lado um «zemski natchalnik» que vele por ele como uma babá. É preciso proibir o mujique de vender sua parcela de terra, pois do contrário desperdiçará o dinheiro. Assim é que raciocinam os defensores da servidão, e ainda há bobalhões que lhes dão crédito e que, desejando o bem do mujique, dizem que é preciso proibi-lo de vender a terra. Inclusive os populistas de quem falamos anteriormente) e pessoas que chamam a si mesmos «socialistas revolucionários» se deixam convencer e pensam que é melhor que nosso mujique continue sendo um pouquinho servo e que não venda a terra.
Os social-democratas dizem: isso não é mais do que pura hipocrisia, aristocratismo e palavras melosas! Quando alcançarmos o socialismo, quando a classe operária vencer a burguesia, toda a terra será comum e ninguém terá direito de vendê-la. Pois bem, mas e até então? O nobre e o comerciante poderão vendê-la, e o camponês não!? O nobre e o comerciante serão livres, enquanto o camponês continuará sendo semi-servo!? O camponês terá de continuar pedindo permissão às autoridades!?
Tudo isso não é senão um embuste, e por muito que seja encoberto com frases melosas, não deixará de ser um embuste.
Enquanto se permitir ao nobre e ao comerciante vender suas terras, o camponês também deve ter pleno direito de vender a sua e de dispor dela com absoluta liberdade, exatamente da mesma maneira que o nobre e o comerciante.
Quando a classe operária tiver vencido toda a burguesia, confiscará a terra dos grandes proprietários, organizará nas grandes propriedades fazendas coletivas, para que os operários cultivem a terra juntos, em comum, elejam livremente as pessoas de confiança para os cargos de administração, disponham de todo o tipo de máquinas para facilitar os trabalhos e trabalhem em turnos de 8 horas diárias (e até 6).
Então, o pequeno camponês que quiser continuar trabalhando sozinho, como antigamente, não trabalhará para o mercado, para vender os produtos ao primeiro que aparecer, e sim para a associação operária. O pequeno camponês fornecerá à associação operária pão, carne e legumes, e os operários lhe entregarão, em troca, máquinas, gado, adubos, roupa e tudo o que precisar. Então não existirá a luta pelo dinheiro entre o grande e o pequeno proprietário, não haverá trabalho assalariado em benefício de outros, mas todos trabalharão para si mesmos, todos os aperfeiçoamentos do trabalho e as máquinas beneficiarão os próprios operários, servirão para facilitar seu trabalho, para melhorar sua vida.
Qualquer pessoa sensata compreende que não se pode conseguir de um golpe o estabelecimento do socialismo. Para isso é preciso lutar encarniçadamente contra toda a burguesia, contra toda espécie de governos, é preciso unir num agrupamento sólido e inquebrantável todos os operários urbanos da Rússia inteira e os camponeses pobres. É uma obra grandiosa, e por ela vale a pena sacrificar a vida. Mas, enquanto não tivermos alcançado o socialismo, o grande proprietário continuará lutando contra o pequeno proprietário pelo dinheiro. Porque o grande proprietário há de ter a liberdade de vender a terra e o pequeno camponês não há de vendê-la? Repetimo-lo mais uma vez: os camponeses não são crianças e não permitirão que ninguém mande neles; os camponeses têm de obter os mesmos direitos, sem qualquer restrição, de que gozam os nobres e os comerciantes.
Costuma-se dizer também que a terra não é do camponês, e sim comunal, e que não se pode permitir que ninguém venda a terra comunal. Também isso é um embuste. Acaso os nobres e os comerciantes não têm suas associações, acaso não se unem também em companhias, não compram juntos terras e fábricas e tudo o que lhes apraz? Por que, pois, não se inventa nenhuma restrição para as associações de nobres, enquanto que qualquer canalha policial se esforça por inventar restrições e proibições para o mujique? Os camponeses jamais receberam qualquer benefício dos funcionários, e sim unicamente pancadas, cargas tributárias e ultrajes. Os camponeses jamais receberão qualquer benefício enquanto não tomarem todos os seus assuntos em suas próprias mãos, enquanto não conseguirem a plena igualdade de direitos e a liberdade completa. Se os camponeses quiserem que suas terras sejam coletivas, ninguém poderá impedi-lo, e, por acordo voluntário, constituirão uma sociedade formada por quem eles quiserem e como quiserem, e redigirão o contrato coletivo que melhor lhes parecer, com absoluta liberdade. E que nenhum funcionário se atreva a meter o nariz nos as
suntos da coletividade camponesa, e que ninguém se dedique a inventar restrições e proibições para o mujique.
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Finalmente, os social-democratas reclamam outra importante melhoria para os camponeses. Querem limitar agora mesmo, imediatamente, o avassalamento do mujique pelos senhores, o avassalamento feudal do mujique. Naturalmente, não poderemos suprimir todas as cargas enquanto existir no mundo a miséria, e não se poderá acabar com a miséria enquanto as terras e as fábricas estiverem em poder da burguesia, enquanto o dinheiro for a força principal no mundo, enquanto não se estabelecer a sociedade socialista. Mas subsiste em grande medida nas aldeias da Rússia o pior dos jugos, que já não existe em outros países, mesmo que tampouco neles ainda não se tenha estabelecido o socialismo. Na Rússia ainda existe em grande escala o avassalamento feudal, que é vantajoso para todos os latifundiários, que oprime todos os camponeses e que pode e deve ser abolido agora mesmo, imediatamente, em primeiro lugar.
Expliquemos qual é esse jugo ao qual denominamos de avassalamento feudal.
Qualquer aldeão conhece estes casos. As propriedades dos latifundiários encontram-se ao lado das terras dos camponeses. Quando se libertaram os camponeses, estes foram despojados de terras de que necessitavam, arrebataram-lhes prados, pastos, bosques e bebedouros. Os camponeses nada podem fazer sem as terras que lhes tiraram, sem os pastos, sem os bebedouros. Queiram ou não, têm de recorrer ao latifundiário e pedir a este que lhes permita levar o gado ao bebedouro, ao pasto, etc. O latifundiário não explora sua propriedade, talvez nem sequer tenha dinheiro, e vive unicamente do que lhe proporciona este avassalamento dos camponeses. Os camponeses trabalham grátis para ele pelo uso das parcelas, lavram com seus animais as terras do latifundiário, fazem as colheitas deste, ceifam o seu feno, debulham o trigo, e em alguns lugares os camponeses levam até mesmo seu estrume para adubar as terras do latifundiário, entregam-lhe tecido, ovos e aves. Exatamente como sob o regime da servidão! Naquele regime os camponeses trabalhavam grátis para o senhor do feudo em que viviam, e agora trabalham também com muita frequência de graça para o senhor pelas mesmas terras que lhes foram arrebatadas ao serem libertados pelos comitês de nobres. É o mesmo a corveia. E em algumas províncias os próprios camponeses chamam a este trabalho de prestação. Isso é o que nós denominamos de avassalamento feudal. Os comitês de latifundiários (de nobres) arranjaram as coisas durante a libertação dos camponeses servos de modo a poderem continuar avassalando-os como antes. Para isso recortaram as parcelas dos mujiques, dispuseram as terras dos latifundiários em forma de cunha entre as do mujique a fim de que este não tivesse um local para soltar nem mesmo uma galinha, transferiram os camponeses para terras piores, interceptaram a passagem para os bebedouros com as terras dos latifundiários. Numa palavra, organizaram as coisas de modo a que os camponeses se vissem num, beco-sem-saída, para que os latifundiários pudessem continuar escravizando-os com toda a impunidade. E é incalculável o número de aldeias em que os camponeses continuam sendo tão escravos dos latifundiários vizinhos como o eram durante o regime da servidão. Nestas aldeias, tanto o mujique como o pobre estão de pés e mãos atados e se acham à mercê do latifundiário. Isto é muito mais penoso ao camponês pobre do que ao rico. O mujique costuma ter suas terras e não presta nenhum serviço nas terras do senhor, e sim manda algum assalariado agrícola para trabalhar por ele. Mas, o camponês pobre não tem saída alguma e o latifundiário faz dele o que quer. Com semelhante avassalamento, o camponês pobre não pode nem respirar, não pode ir para lugar algum porque tem de trabalhar para o senhor, não pode nem sequer pensar em se unir livremente com todos os camponeses pobres e com os operários da cidade para constituir uma associação, um partido.
Pois bem, não haverá algum meio para abolir esse avassalamento agora mesmo, imediatamente? O Partido Operário Social-Democrata oferece aos camponeses dois meios para consegui-lo. Mas, repetimo-lo uma vez mais, somente o socialismo libertará de todo avassalamento todos os camponeses pobres, pois, enquanto os ricos tiverem força, sempre oprimirão, de uma forma ou de outra, os pobres. Suprimir de golpe todas as formas de avassalamento é impossível, mas pode-se restringir em grande medida o avassalamento mais prejudicial, o mais infame, o avassalamento feudal, que oprime tanto os camponeses pobres, como os camponeses médios e inclusive os ricos; pode-se conseguir imediatamente um alívio para os camponeses.
Há dois meios para consegui-lo.
Primeiro: tribunais de eleição livre, constituídos por delegados dos assalariados agrícolas e dos camponeses pobres, assim como dos camponeses ricos e dos latifundiários.
Segundo: comitês camponeses livremente eleitos. Estes comitês camponeses não só devem ter o direito de deliberar e de adotar medidas de toda espécie para suprimir a corveia, para suprimir os vestígios do regime da servidão, mas também o direito de tomar posse das parcelas e restituí-las aos camponeses.
Examinemos um pouco mais detidamente estes dois meios. Os tribunais livremente eleitos de delegados examinarão todas as reclamações dos camponeses contra o avassalamento. Estes tribunais terão o direito de rebaixar a renda da terra se os latifundiários, aproveitando-se da miséria dos camponeses, chegassem a elevá-la demasiado. Estes tribunais terão do mesmo modo o direito de eximir os camponeses de pagamentos abusivos. Por exemplo, se o latifundiário tiver contratado o mujique no inverno para trabalhar no verão pela metade do preço, o tribunal examinará o assunto e fixará uma retribuição equitativa. Naturalmente, estes tribunais não estarão integrados por funcionários, e sim por delegados livremente eleitos, e além disso, de modo a que os assalariados agrícolas e os camponeses pobres tenham necessariamente seus delegados e que o número destes não seja inferior ao dos delegados dos camponeses ricos e dos latifundiários. Estes tribunais examinarão também todos os conflitos entre os operários e os patrões. Será mais fácil aos operários e aos camponeses pobres defender seus direitos nestes tribunais, ser-lhes-á mais fácil unir-se e ver claramente quais são os que podem defender com firmeza e fidelidade os camponeses pobres e os operários.
O outro meio é ainda mais importante. Trata-se dos comitês camponeses, livremente eleitos e integrados por delegados dos assalariados agrícolas, dos camponeses pobres, médios e ricos. Em cada distrito haverá um comitê (ou vários, se os camponeses o julgarem necessário; inclusive é possível que cheguem a organizar um comitê camponês em cada sub- distrito e em cada grande aldeia). Ninguém, melhor do que os próprios camponeses, conhece o avassalamento que pesa sobre eles. Ninguém, melhor do que os próprios camponeses, saberá desmascarar os latifundiários, que ainda continuam vivendo às custas do avassalamento feudal. Os comitês camponeses determinarão que parcelas, prados, pastagens, etc. foram arrebatados injustamente aos camponeses e decidirão se cabe confiscar estas terras sem indenização ou indenizando, às custas dos grandes nobres, os que as adquiriram. Os comitês camponeses libertarão os camponeses pelo menos das redes em que os prenderam os numerosíssimos comitês de nobres, de latifundiários. Os comitês camponeses libertarão os camponeses da ingerência dos funcionários, demonstrarão que os próprios camponeses querem e podem organizar seus assuntos e ajudarão aos camponeses a se pôr de acordo sobre suas necessidades e a conhecer bem as pessoas capazes de defender lealmente os pobres do campo e a aliança com os operários da cidade. Os comitês camponeses são o primeiro passo para que até nas aldeias mais remotas os camponeses adquiram plena independência e cheguem a ser donos de seu destino.
Por isso, os operários social-democratas advertem os camponeses de que:
Quando todos e cada um tiverem o direito de manifestar livremente, sem temer a ninguém, suas opiniões e seus desejos, tanto na assembleia de deputados de todo o povo, como nos comitês camponeses, ou nos jornais, então logo se verá quem está ao lado da classe operária e quem está ao lado da burguesia. Agora, a imensa maioria nem sequer pensa nisso; uns ocultam suas verdadeiras opiniões, outros ainda não têm opinião própria; também há os que enganam deliberadamente. Mas, então, todos já pensarão nisso, não haverá por que ocultá-lo e tudo se tornará muito claro. Já dissemos que a burguesia atrairá para o seu lado os camponeses ricos. Quanto mais cedo e mais amplamente se conseguir suprimir o avassalamento feudal dos camponeses, quanto maior for a verdadeira liberdade obtida pelos camponeses, tanto mais rapidamente se unirão os camponeses pobres, e tanto mais rapidamente se juntarão os camponeses ricos a toda a burguesia.
E não importa que se juntem; isso não nos assusta ainda que saibamos que isso fortalecerá os camponeses ricos. Também nós nos uniremos, e nossa união, a união dos pobres do campo com os operários urbanos, será incalculavelmente mais numerosa, será a união de dezenas de milhões contra a união de centenas de milhares. Sabemos também que a burguesia, procurará (já o faz agora!) atrair para seu lado os camponeses médios e inclusive os pequenos camponeses, procurará enganá-los, seduzi-los, dividi-los, prometerá fazer deles camponeses ricos. Já vimos de que meios e embustes se vale a burguesia para seduzir o camponês médio. Devemos, por isso, abrir de antemão os olhos dos camponeses pobres, reforçar de antemão sua aliança com os operários da cidade contra toda a burguesia.
Que cada aldeão olhe bem à sua volta. Com que frequência falam os mujiques ricos contra os senhores, contra os latifundiários! Como se lamentam da opressão do povo, de que a terra dos senhores permaneça baldia! Como gostam de falar (quando terceiras pessoas não podem ouvi-los) de que as terras devem pertencer ao mujique!
Pode-se, por acaso, crer no que dizem os ricos? Não. Os camponeses ricos não querem a terra para o povo, e sim para eles. Já se apossaram da terra, ou comprando-a, ou tomando-a em arrendamento; mas, isto não lhes basta. Isto quer dizer que os camponeses pobres não continuarão muito tempo ao lado dos ricos em sua luta contra os latifundiários. Somente podemos dar com eles o primeiro passo, logo teremos que seguir separados.
Por isso é preciso diferenciar muito bem este primeiro passo dos outros passos, assim como de nosso último passo, do passo principal. O primeiro passo no campo é a libertação completa do camponês, a concessão de plenos direitos, a organização de comitês camponeses para a recuperação das parcelas. Nosso último passo, tanto na cidade como no campo, consistirá em confiscar todas as terras e todas as fábricas dos latifundiários e da burguesia e estabelecer a sociedade socialista. Entre o primeiro e o último passo teremos que travar não poucas lutas e quem confundir o primeiro passo com o último prejudica esta luta e inconscientemente coloca uma venda nos olhos dos camponeses pobres.
Os camponeses pobres darão o primeiro passo junto com todos os camponeses. Talvez alguns culaques fiquem à margem da luta, talvez haja um mujique em cada cem ao qual não repugne nenhum avassalamento. Mas a grande massa marchará junta, porque todos os camponeses necessitam da igualdade de direitos. O jugo dos latifundiários deixa todos de pés e mãos atados. Mas, o último passo nunca será dado por todos os camponeses juntos. Então, todos os camponeses ricos se erguerão contra os trabalhadores assalariados. Então, necessitaremos da sólida aliança dos camponeses pobres com os operários social-democratas da cidade. Os que dizem aos camponeses que o primeiro e o último passo podem ser dados juntos, enganam o mujique. Aqueles que afirmam tal coisa esquecem a grande luta entre os próprios camponeses, a grande luta entre os camponeses pobres e os camponeses ricos.
Por isso, os social-democratas não prometem ao camponês imediatamente mundos e fundos. Por isso, os social-democratas exigem, antes de tudo, plena liberdade para essa grande e ampla luta de todo o povo, de toda a classe operária contra a burguesia. Por isso, os social-democratas propõem um primeiro passo, pequeno, mas seguro.
Alguns creem que nossa reivindicação de constituir comitês camponeses para limitar o avassalamento e devolver as Parcelas é uma espécie de barreira ou obstáculo. Como se disséssemos: pare aqui e não vás mais adiante. Essas pessoas entenderam muito mal o que querem os social-democratas. A reivindicação de constituir comitês camponeses para limitar o avassalamento e devolver as parcelas não é obstáculo algum. É uma porta, e por ela é preciso passar primeiro para ir em frente, para marchar por um caminho amplo e descoberto até o final, até a libertação completa de todo o povo trabalhador da Rússia. Enquanto os camponeses não passarem por essa porta, continuarão na ignorância, no avassalamento, sem gozar de plenos direitos, sem liberdade completa e verdadeira, e nem sequer poderão distinguir claramente entre eles o amigo dos trabalhadores e seu inimigo. Por isso, os social-democratas indicam esta porta e dizem que, antes de tudo, é preciso forçá-la com o esforço de todo o povo e abri-la de par em par. Pois, há pessoas que chamam a si mesmas populistas e socialistas revolucionários, que também desejam o bem do mujique, que se alvoroçam, vociferam e gesticulam, que querem ajudar, mas não vêem a porta! Essas pessoas são tão cegas, que dizem: não se deve deixar que o mujique disponha livremente de sua terra! Desejam o bem do mujique, mas às vezes falam como defensores da servidão. De amigos como esses pouca ajuda teremos. De que vale desejar o bem do mujique quando nem sequer se vê claramente qual é a primeira porta que é preciso derrubar? De que vale desejar o socialismo, se não se sabe sair a caminho da livre luta popular pelo socialismo, não só na cidade, mas também no campo, não só contra os latifundiários, mas também contra os ricos da comunidade, do «mir»?
Por isso, os social-democratas assinalam com tanta insistência essa porta, a mais próxima e a primeira. A dificuldade agora não consiste em expressar um amontoado de boa;: intenções, e sim em indicar o caminho acertado, em compreender claramente como se dará o primeiro passo. Que o mujique russo está esmagado pelo avassalamento, que o mujique russo continua sendo um semi-servo, já o dizem e escrevem há quarenta anos todos os amigos do mujique. Muito antes de aparecerem na Rússia os social-democratas, todos os amigos do mujique já haviam escrito numerosos livros descrevendo a forma vergonhosa em que os latifundiários espoliavam e avassalavam o mujique através das parcelas. Que é preciso ajudar agora mesmo o mujique, imediatamente, que é preciso libertá-lo, por pouco que seja, do avassalamento, é coisa que agora vêem todas as pessoas honradas, e até os funcionários de nosso governo policial começam a falar disso. Mas, tudo consiste em saber como se empreenderá isso, como se dará o primeiro passo, qual é a porta que é preciso derrubar em primeiro lugar.
As diversas pessoas que desejam o bem do mujique dão a este problema duas soluções diferentes. Cada proletário do campo deve procurar compreender claramente as duas soluções e ter delas uma ideia firme e concreta. Uma das soluções é dada pelos populistas e pelos socialistas revolucionários. Antes de tudo, dizem, é preciso desenvolver entre os camponeses toda espécie de cooperativas. É preciso reforçar a comunidade rural. Não se deve conceder ao camponês o direito de dispor livremente de sua terra. Que a comunidade rural tenha maiores direitos, que toda a terra na Rússia passe pouco a pouco para a comunidade. É preciso conceder aos camponeses todo gênero de facilidades para a aquisição de terras, para que a terra passe mais facilmente do capital para o trabalho.
A outra é dada pelos social-democratas. O camponês tem, antes de tudo, de obter todos os direitos, sem exceção, de que gozam o nobre e o comerciante. O camponês deve ter pleno direito de dispor livremente de sua terra. Para suprimir a mais infame forma de avassalamento, é preciso constituir comitês camponeses que restituam as parcelas aos camponeses. Não é da união no «mir» que necessitamos, e sim da união dos camponeses pobres das diferentes comunidades rurais em toda a Rússia, a aliança dos proletários do campo com os proletários da cidade. Todas as cooperativas e aquisição de terras pela comunidade rural sempre beneficiarão mais os camponeses ricos e enganarão o camponês médio.
O governo russo vê que é preciso aliviar a situação dos camponeses, mas quer arranjar a coisa com ninharias, pretende fazer tudo por meio dos funcionários. Os camponeses devem estar alertas, pois as comissões de funcionários os enganarão assim como os enganaram os comitês de nobres. Os camponeses devem reivindicar a eleição de comitês camponeses livres. Não se deve esperar que os funcionários relaxem um pouco; são os próprios camponeses que devem tomar em suas mãos seu próprio destino. Não importa que demos primeiramente um só passo, não importa que em primeiro lugar nos livremos apenas do pior avassalamento. O que importa é que os camponeses se apercebam de sua força, que se entendam e se unam livremente. Nenhuma pessoa honrada pode negar que as parcelas frequentemente servem para aplicar a mais escandalosa forma de avassalamento: o avassalamento feudal. Nenhuma pessoa honrada pode negar que nossa reivindicação é a exigência primordial e mais justa: que os próprios camponeses elejam livremente seus comitês, sem funcionários, para suprimir todo avassalamento feudal.
Nos comitês livres de camponeses (assim como na assembleia de deputados de toda a Rússia), os social-democratas se dedicarão, imediatamente e com todas as suas forças, a firmar uma aliança especial entre proletários do campo e os proletários da cidade. Os social-democratas defenderão todas as medidas em benefício dos proletários do campo e os ajudarão, depois de dado o primeiro passo, a dar, o mais rápido e o mais unidos possível, o segundo, o terceiro e os demais passos até o final, até a completa vitória do proletariado. Mas, acaso pode-se dizer desde agora qual será a reivindicação que estará amanhã na ordem-do-dia, para dar o segundo passo? Não, não é possível dizê-lo, porque ignoramos qual será amanhã a atitude dos camponeses ricos e de muitas pessoas instruídas que se ocupam de todo tipo de cooperativas e de toda espécie de transferências de terras do capital para o trabalho.
Pode-se dar o caso de que até então ainda não tenham tido tempo de se entender com os latifundiários e queiram dar o golpe de misericórdia no poder destes. Nada melhor do que isto. Assim o desejam os social-democratas. E os social-democratas aconselharão os proletários do campo e da cidade a reivindicarem o confisco de todas as terras dos latifundiários e sua entrega ao Estado popular livre. Os social-democratas velarão atentamente no sentido de que os proletários do campo não sejam enganados, para que se reforcem ainda mais para a luta final pela emancipação completa do proletariado.
Mas, talvez as coisas se passem de um modo completamente diferente, e até é mais provável que assim seja. Amanhã mesmo, tão logo se restrinja e se limite a pior forma de avassalamento, os camponeses ricos e muita gente instruída podem unir-se com os latifundiários, e então toda a burguesia do campo se levantará contra todo o proletariado rural. Então, seria ridículo que lutássemos unicamente contra os latifundiários. Então, teremos de lutar contra toda a burguesia e exigir, antes de tudo, a maior liberdade e o maior espaço possíveis para esta luta, exigir melhoras para a vida do operário, a fim de facilitar sua luta.
Em todo caso, ocorra um ou outro caso, nossa primeira tarefa, nossa tarefa principal indefectível será: fortalecer a aliança dos proletários e semiproletários do campo com o proletariado da cidade. Para esta aliança necessitamos agora mesmo, imediatamente, de plena liberdade política para o povo, igualdade completa de direitos para os camponeses e a supressão do avassalamento feudal. E quando esta aliança se forjar e se consolidar, então desmascararemos facilmente todas as mentiras de que se vale a burguesia para iludir o camponês médio; daremos, então, rápida e facilmente, contra toda a burguesia e todas as forças do governo, o segundo, o terceiro e o último passo; marcharemos então com firmeza para a vitória e conseguiremos rapidamente a libertação completa de todo o povo trabalhador.
Que é a luta de classes? É a luta de uma parte do povo contra outra, a luta das massas dos párias, dos oprimidos e dos trabalhadores contra os privilegiados, os opressores e os parasitas; a luta dos operários assalariados, dos proletários, contra os proprietários, contra a burguesia. Esta grande luta também se desencadeou sempre no campo russo, e contínua desencadeando-se agora, ainda que nem todos a vejam, nem todos compreendam seu significado. Durante o regime da servidão, toda a massa dos camponeses lutava contra seus opressores, contra a classe dos latifundiários, aos quais o governo do tsar protegia, defendia e apoiava. Os camponeses não podiam unir-se, pois nessa época estavam completamente esmagados pela ignorância e careciam de auxiliares e de irmãos entre os operários da cidade. Apesar disso, os camponeses lutavam como sabiam e como podiam. Não temiam as ferozes perseguições do governo, nem os chicotes, nem as balas; não acreditavam nos padres, que queriam inculcar-lhes a todo custo a ideia de que o regime da servidão estava sancionado pelas sagradas escrituras e legitimado por Deus (assim o afirmava categoricamente naquela época o próprio arcebispo metropolitano Filareto!). Os camponeses levantavam-se em diversos lugares, até que, por fim, o governo teve de ceder, temeroso de um levante geral dos camponeses.
O regime da servidão foi abolido, ainda que não de todo. Os camponeses continuaram privados de direitos, constituindo uma casta inferior, vil e tributável, aprisionada pelas garras do avassalamento feudal. Continuaram os distúrbios no campo. Os camponeses continuavam buscando a verdadeira e completa liberdade. Porém, depois do regime da servidão havia surgido uma nova luta de classes: a luta entre o proletariado e a burguesia. Haviam aumentado as riquezas, tinham sido construídas estradas de ferro e grandes fábricas, as cidades tornaram-se mais populosas e opulentas. Mas todas estas riquezas eram açambarcadas por um número muito reduzido de pessoas, enquanto o povo empobrecia, se arruinava, sofria a fome e tinha que procurar um salário, trabalhando para outros. Os operários da cidade empreenderam uma luta nova: a grande luta de todos os pobres contra todos os ricos. Os operários das cidades se agruparam no_ Partido Social-Democrata e lutam agora unidos, decisão e firmeza, avançando passo a passo, preparam-se para a grande luta final e exigindo a liberdade política para todo o povo.
A paciência dos camponeses também se esgotou. Na primavera do ano passado (1902), os camponeses de Poltava, de Kharkov e outras províncias levantaram-se contra os latifundiários, apoderando-se de seus celeiros, repartindo entre si seus bens e entregando aos famintos o trigo que havia sido semeado e colhido por eles, mas do qual os latifundiários se haviam apropriado. Os camponeses exigiam uma nova distribuição da terra. E como não podiam suportar a terrível opressão, lançaram-se em busca de melhor sorte, decidindo, com toda razão, que mais valia morrer lutando contra os opressores, do que renunciar à luta e deixar-se morrer de fome. Mas os camponeses não conseguiram melhorar sua sorte. O governo tzarista declarou-os simples amotinados e bandoleiros (por haverem arrebatado aos bandidos latifundiários o trigo que os próprios camponeses haviam semeado e colhido!) e enviou tropas contra eles, como se se tratasse de combater um exército inimigo. Os camponeses foram derrotados. Atirou-se contra eles, matando-se muitos. Os camponeses eram açoitados até ficarem sem vida, torturava-se eles como nem mesmo os turcos jamais torturaram seus inimigos, os cristãos. Os enviados do tsar, os governadores, eram os que com mais sadismo aplicavam as torturas, como autênticos carrascos. Os soldados ultrajavam as mulheres e as filhas dos camponeses. Depois de tudo isso, estes foram julgados por tribunais constituídos por funcionários, que os obrigaram a entregar oitocentos mil rublos aos latifundiários. Naquele processo ignominioso, realizado a portas fechadas, não se permitiu nem mesmo que os defensores denunciassem perante o tribunal as torturas e os martírios que os enviados do tsar, o governador Obolenski e outros assassinos assalariados tsaristas, haviam aplicado aos camponeses.
Os camponeses haviam lutado por uma causa justa. A classe operária russa sempre honrará a memória dos mártires fuzilados ou mortos a chicotadas pelos lacaios do tsar. Estes mártires lutaram pela liberdade e pela felicidade do povo trabalhador. Os camponeses terminaram vencidos, mas voltarão a se revoltar outras e outras vezes, sem que seu ânimo se deixe abater pela primeira derrota. Os operários conscientes empenharão todos os seus esforços para que o maior número possível de trabalhadores da cidade e do campo conheça a luta dos camponeses e se prepare para uma luta mais vitoriosa. Os operários conscientes dedicarão todos os seus esforços a ajudar os camponeses a compreender claramente porque foi esmagado o primeiro levante camponês (o de 1902) e o que se deve fazer para que o triunfo caiba aos camponeses e aos operários e não aos sicários do tsar.
O levante camponês foi esmagado porque era a sublevação de uma massa ignorante e inconsciente, um levante sem reivindicações políticas claras e precisas, pois não figurava nele a exigência de uma mudança de regime político. O levante camponês foi esmagado porque careceu de preparação. O levante camponês foi esmagado porque os proletários do campo ainda não estavam aliados aos proletários da cidade. Estas foram as três causas do primeiro fracasso camponês.
Para que um levante triunfe é preciso que seja consciente, esteja devidamente preparado, abarque toda a Rússia e se realize em união com os operários da cidade. Cada passo da luta operária nas cidades, cada livro ou jornal social-democrata, cada discurso de um operário consciente aos proletários do campo contribui para aproximarmos o dia em que o levante se repetirá e conduzirá à vitória.
Os camponeses levantaram-se inconscientemente pela simples razão de que já não podiam mais aguentar, porque não se resignavam a morrer calada e mansamente. Os camponeses haviam sofrido tanto por causa das espoliações, da opressão e das torturas de todo tipo, que nem por um só instante podiam deixar de dar crédito aos rumores suspeitos anunciando que o tsar os perdoaria, não podiam deixar de crer que toda pessoa sensata reconheceria como equitativa a distribuição do trigo entre os famintos, entre os que haviam passado sua vida trabalhando para outros, semeando e colhendo trigo, e que agora morriam de fome junto aos abarrotados celeiros do «senhor». Os camponeses pareciam ter esquecido que as melhores terras e todas as fábricas haviam sido açambarcadas pelos ricos, pelos latifundiários e pela burguesia precisamente para que o povo, obrigado pela fome, trabalhasse para eles. Os camponeses haviam esquecido que para defender a classe dos ricos não só se pronunciam sermões nos púlpitos, mas há também o governo do tsar, com todo o enxame de funcionários e soldados. Mas o governo do tsar se encarregou de lhes recordar isso, demonstrando-lhes com feroz crueldade o que significava o Poder do Estado, a quem serve e a quem defende. Nós temos tão-somente de recordar com maior frequência aos camponeses esta lição, e eles compreenderão facilmente por que é indispensável mudar o regime político, por que é indispensável a liberdade política. Os levantes camponeses deixarão de ser inconscientes à medida em que for sendo cada vez maior o número dos que compreendem isto, quando todo camponês instruído e sensato conhecer as três reivindicações principais pelas quais é preciso lutar em primeiro lugar. A primeira reivindicação é a convocatória de uma assembleia de deputados de todo o povo para estabelecer na Rússia um governo de eleição popular, e não um governo autocrático. A segunda reivindicação exige liberdade para todos de publicar todo tipo de livros e jornais. A terceira reivindicação é o reconhecimento pelas leis da plena igualdade de direitos dos camponeses em relação às demais castas e a convocatória de comitês eleitos pelos camponeses para liquidar em primeiro lugar todo avassalamento feudal. Estas são as reivindicações fundamentais dos social-democratas, e não será difícil aos camponeses compreendê-las, compreender por onde há de começar a luta pela liberdade do povo. E quando os camponeses tiverem compreendido estas reivindicações, compreenderão também que é preciso preparar-se para a luta com grande antecipação, de um modo firme e tenaz, e que essa preparação não deve realizar-se em forma individual, e sim ao lado dos operários da cidade, junto com os social-democratas.
Cada operário e cada camponês consciente deve reunir em torno de si companheiros mais sensatos, seguros e audazes e procurar explicar-lhes o que querem conseguir os social-democratas, de modo que todos compreendam o caráter da luta que é preciso travar e o que é que se deve exigir. É preciso que os social-democratas conscientes comecem a explicar sua doutrina aos camponeses, lhes dêem livros social-democratas para ler, lhes expliquem o conteúdo desses livros em pequenas reuniões de pessoas de confiança, e que façam tudo isto pouco a pouco, com cautela, mas sem interrupção.
Entretanto, a doutrina social-democrata não deve ser explicada unicamente através dos livros, e sim aproveitando cada exemplo, cada caso de opressão e cada injustiça que se observar. A doutrina social-democrata é a doutrina da luta contra toda opressão, contra toda espoliação, contra toda injustiça. Só pode ser um verdadeiro social-democrata quem conheça as causas da opressão e lute sempre e em toda parte contra qualquer caso de opressão. Pois bem, como se fará tudo isso? Os social-democratas conscientes de cada cidade ou cada aldeia devem reunir-se e decidir eles mesmos a forma em que tudo isso será levado a cabo a fim de conseguir o maior proveito possível para toda a classe operária. Citarei alguns casos como exemplo. Suponhamos que um operário social-democrata vá passar uma temporada em sua aldeia, ou que simplesmente qualquer operário social-democrata da cidade vá a uma aldeia que não é a sua. A aldeia inteira encontra-se entre as garras do latifundiário, como uma mosca prisioneira numa teia de aranha, sem poder libertar-se em toda sua vida do avassalamento e sem poder fugir dele para parte alguma. É preciso escolher sem perda de tempo os camponeses mais inteligentes, mais sensatos e mais seguros, os que buscam a verdade e não se deixam intimidar por qualquer esbirro policial, e explicar-lhes as causas de sua situação desesperada, fazer-lhes compreender de que meios se valeram os latifundiários para enganar e espoliar os camponeses nos comitês de nobres. É preciso falar-lhes da força dos ricos e de como o governo tzarista lhes presta seu apoio, é preciso dar-lhes a conhecer as reivindicações dos operários social-democratas. Quando os camponeses tiverem compreendido este mecanismo nada complicado, será preciso pensar muito bem com eles na possibilidade de, todos como um só corpo, oporem resistência ao latifundiário, a possibilidade de apresentar-lhe suas primeiras e principais reivindicações (como ocorre nas cidades, onde os operários apresentam suas reivindicações aos patrões). Se o latifundiário tem submetido à sua autoridade um grande povoado ou várias aldeias, o melhor seria conseguir do comitê social-democrata mais próximo, através de pessoas de confiança, volantes em que o comitê descreva bem, desde sua própria origem, o jugo de que padecem os camponeses e exponham quais serão suas primeiras reivindicações: que se baixe o preço do arrendamento da terra; que os contratos de inverno se façam de acordo com as tarifas existentes e não pela metade do preço; que não se apliquem castigos abusivos pelos danos que o gado dos camponeses cause nas terras do senhor; que se ponha fim à opressão, e outras diversas reivindicações. Estes volantes permitirão que os camponeses que saibam ler se inteirem bem das coisas e possam, por sua vez, explicá-las aos analfabetos. Os camponeses verão, então, claramente que os social-democratas estão a seu lado, que os social-democratas condenam toda espoliação. Os camponeses começarão, então, a compreender qual é o alívio que podem conseguir imediatamente — e que ainda que seja muito pequeno, nem por isso deixará de ser um alívio — se se mantêm unidos, e quais são as grandes melhoras que é preciso conseguir em todo o Estado, mediante uma grande luta levada a cabo em união com os operários social-democratas da cidade. Os camponeses irão, assim, preparando-se cada vez mais para esta grande luta, irão aprendendo a encontrar gente segura e a defender solidariamente suas reivindicações. Talvez se consiga em certas ocasiões organizar uma greve, à semelhança do que fazem os operários da cidade. É bem verdade que no campo isto é mais difícil, mas, não obstante, às vezes pode ser conseguido, pois tem havido em outros países greves que têm obtido êxito, por exemplo, durante as épocas de semeadura ou colheita, quando os latifundiários e os camponeses ricos necessitam de operários a todo custo. Se os camponeses pobres preparam-se para a greve, se todos chegaram há tempos a um acordo em relação às reivindicações comuns que vão apresentar, se essas reivindicações foram esclarecidas em volantes ou explicadas simplesmente em reuniões, todos se manterão unidos, e o latifundiário se verá obrigado a ceder ou, pelo menos, a pôr certo freio à sua espoliação. Se a greve se sustenta com solidariedade, se se organiza na época das fainas agrícolas, pouco poderão fazer o latifundiário ou as autoridades com suas tropas, pois o tempo corre, latifundiário verá que isso é uma ruína para ele e se tornará menos intransigente. Naturalmente, trata-se de algo novo, e as coisas novas nem sempre saem bem desde o princípio. No início, tampouco os operários das cidades sabiam lutar unidos, não sabiam quais eram as reivindicações que deviam apresentar em comum, limitando-se a quebrar as máquinas e destroçar as fábricas. Mas, agora os operários aprenderam a lutar unidos. Toda obra nova requer um aprendizado. Agora os operários já sabem que no início só se pode conseguir um alívio — sempre e quando se atue com solidariedade — e que, durante este tempo, o povo irá acostumando-se a resistir unido e irá preparando-se cada vez melhor para a grande luta decisiva. Do mesmo modo, os camponeses irão aprendendo a oferecer resistência aos espoliadores mais cruéis, a reivindicar, unidos, medidas que aliviem sua situação e a preparar-se gradualmente com firmeza e em toda parte para a grande luta pela liberdade. O número de operários e camponeses conscientes será cada vez maior; as organizações social-democratas do campo, cada vez mais fortes; e cada extorsão feita pelos latifundiários, cada tributo para os padres, cada ferocidade da polícia e cada abuso das autoridades irá abrindo mais e mais os olhos do povo e irá acostumando-o a lutar unido e habituando-o à ideia de que é preciso mudar pela força o regime político existente.
Já dissemos no início deste folheto que os operários das cidades saem agora às ruas e às praças exigindo aberta e publicamente liberdade, inscrevendo em suas bandeiras e proclamando a gritos a palavra-de-ordem de «Abaixo o absolutismo!». Logo chegará o dia em que os operários das cidades se levantarão, mas não para passear pelas ruas gritando, e sim para a grande luta final; o dia em que todos os operários dirão como um só homem: «Morreremos lutando ou conseguiremos a liberdade!», o dia em que, para ocupar o posto das centenas de operários abatidos na luta, se levantem com maior decisão ainda milhares de novos combatentes. E então se levantarão também os camponeses, levantar-se-ão em toda a Rússia e acudirão em ajuda dos operários das cidades, dispostos a lutar até o fim pela liberdade dos camponeses e dos operários. Quando este levante tiver lugar, não haverá forças tsaristas capazes de se oporem a ele. A vitória será do povo trabalhador, e a classe operária marchará sobre o grande e amplo caminho que libertará todos os trabalhadores de toda opressão. A classe operária aproveitará para lutar pelo socialismo!
Já dissemos o que é um programa, para que é necessário e por que tão-somente o Partido Social-Democrata propõe um programa claro e concreto. O único organismo que pode aprovar definitivamente o programa é o congresso de nosso Partido, isto é, uma assembleia em que se reúnam os delegados de todos os militantes. Atualmente, o Comitê de Organização está levando a cabo os preparativos para a realização desse congresso. Mas, muitos comitês de nosso Partido já disseram publicamente que estão de acordo com Iskra, que reconhecem Iskra como órgão central da imprensa do Partido. Por isso, nosso projeto de programa pode muito bem servir para dar a conhecer com toda exatidão, antes da realização do congresso, o que querem os social-democratas. Daí termos considerado necessário oferecer a íntegra deste projeto como apêndice a nosso folheto.
É claro que sem uma explicação prévia, nem tudo o que se diz no programa poderá ser compreendido por qualquer operário. Muitos grandes socialistas trabalharam na criação da doutrina social-democrata, definitivamente elaborada por Marx e Engels; muito tiveram de padecer os operários de todos os países para adquirir a experiência que hoje nós queremos aproveitar, baseando nela nosso programa. Por isso, os operários devem estudar a doutrina social-democrata, para compreender cada palavra do programa, que é seu programa, sua bandeira de luta. Os operários compreendem e assimilam o programa social-democrata com muita facilidade, porque nele se fala do que todo operário consciente viu e viveu. Não devem assustar a ninguém as «dificuldades» que a compreensão do programa oferece à primeira leitura: quanto mais cada operário lê e reflete, quanto mais experiência de luta possui, mais o compreenderá. Mas, é preciso que todos meditem e discutam o programa integral dos social-democratas, que cada um tenha sempre presente na memória tudo quanto os social-democratas pedem e o que pensam acerca da libertação de todo o povo trabalhador. Os social-democratas querem que todos e cada um conheçam com clareza e exatidão, do princípio ao fim, toda a verdade acerca do que é o Partido Social-Democrata.
Não podemos explicar aqui detalhadamente todo o programa. Para isso seria necessário um livro. Limitar-nos-emos a assinalar brevemente o conteúdo do programa, e aconselharemos o leitor a recorrer à ajuda dos livros. Um deles é O Programa de Erfurt, do social-democrata alemão Karl Kautsky, que está traduzido para o russo, e o outro é A Causa Operária na Rússia, obra do social-democrata russo L. Martov. Ambos os livros ajudá-lo-ão a compreender todos os pontos de nosso programa.
Agora, designaremos com uma letra cada uma das partes de nosso programa (ver o texto do programa mais adiante) e diremos de que trata cada uma delas.
Disponível outra tradução deste texto
Notas de rodapé:
(1) Estaroste é o aportuguesamento de stárosta. O termo já está incluído no Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa como chefe de comunidade, na Rússia. (Nota da Tradução) (retornar ao texto)
(2) Pud: medida russa de peso equivalente a 16,38 kg. (Nota da Tradução) (retornar ao texto)
(3) Burguês quer dizer proprietário. Burguesia quer dizer o conjunto de proprietários. Um grande burguês é um grande proprietário. Um pequeno burguês e um pequeno proprietário. Os termos “burguesia” e “proletariado” significam o mesmo que proprietários e operários, ricos e pobres, gente que vive do trabalho alheio e gente que trabalha para outros em troca de um salário. (retornar ao texto)
(4) Uma deciatina equivale, aproximadamente, a um hectare. (Nota da Compilação) (retornar ao texto)
(5) Todas estas cifras, como as que se seguem, relativas à terra, datam dos anos de 1877 e 1878 e estão muito antiquadas. Mas, não existem dados mais recentes. O governo russo só pode manter-se pelo obscurantismo, razão pela qual muito raramente se reúnem em nosso país dados completos e verazes sobre a vida do povo em todo o Estado. (retornar ao texto)
(6) Repetimos mais uma vez que calculamos em números redondos, em cifras aproximadas. Pode ser que os camponeses ricos não sejam exatamente um milhão e meio, e sim um milhão e um quarto, um milhão e três quartos, ou, inclusive, dois milhões. A diferença não é muito grande. Nosso objetivo não é calcular cada milhar ou cada centena de milhar, e sim compreender claramente qual é a força dos camponeses ricos, qual é sua situação, para saber distinguir os inimigos e os amigos, para não nos iludirmos com quaisquer lendas e charlatanices, e sim para conhecer com exatidão tanto a situação dos pobres, como, especialmente, a dos ricos.
Que cada trabalhador rural examine de perto seu distrito e os distritos vizinhos. Verá que nosso cálculo é exato, que, em números redondos, é assim em toda parte: para cada cem famílias, dez, ou, no máximo, vinte, correspondem aos camponeses ricos; umas vinte, aos camponeses médios; as demais, aos camponeses pobres. (retornar ao texto)
(7) Na Rússia, esses simplórios que querem o bem do mujique e que, não obstante, às vezes dão atenção a essas adulações se chamam “populistas” ou “partidários da pequena exploração”. Por suas poucas luzes, seguem-nos os “socialistas revolucionários”. Também entre os alemães há não poucas pessoas melífluas. Uma delas, Eduard David, escreveu há pouco um livro volumoso, em que afirma que a pequena exploração é incalculavelmente mais vantajosa do que a grande, pois o pequeno camponês não tem gastos supérfluos, não mantém cavalarias para arar a terra e as trabalha com a mesma vaca que lhe dá leite. (retornar ao texto)