Do artigo: Projeto de Programa do Partido Social-Democrata e Explicação desse Projeto

V. I. Lênin

1896


Primeira Edição: Escrito na prisão em 1895/1896. Publicado pela primeira vez em 1924. Encontra-se in Obras, t. II, págs. 79/93 e 95/102.
Fonte: Editorial Vitória Ltda., Rio, novembro de 1961. Traduzido por Armênio Guedes, Zuleika Alambert e Luís Fernando Cardoso, da versão em espanhol de Acerca de los Sindicatos, das Ediciones em Lenguas Extranjeras, Moscou, 1958. Os trabalhos coligidos na edição soviética foram traduzidos da 4.ª edição em russo das Obras de V. I. Lênin, publicadas em Moscou pelo Instituto de Marxismo-Leninismo, anexo ao CC do PCUS. As notas ao pé da página sem indicação são de Lênin e as assinaladas com Nota da Redação foram redigidas pelos organizadores da edição do Instituto de Marxismo-Leninismo. Capa e planejamento gráfico de Mauro Vinhas de Queiroz. Pág: 12-30.
Transcrição e HTML:
Fernando A. S. Araújo.
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Projeto de programa

A
capa
  1. Na Rússia desenvolvem-se dia a dia com maior rapidez as grandes fábricas, arruinando os pequenos artesãos e os camponeses, transformando-os em operários privados de posses, arrastando um número cada vez maior de pessoas para as cidades e localidades fabris e industriais.
  2. Esse ascenso do capitalismo implica em enorme aumento da riqueza e do luxo entre um punhado de industriais, comerciantes e latifundiários e num crescimento ainda mais rápido da miséria e da opressão dos operários. Os aperfeiçoamentos alcançados na produção pelas grandes fábricas e o emprego de máquinas colaboram, ao contribuir para uma elevação da produtividade do trabalho social, para fortalecer o poder dos capitalistas sobre os operários e para incrementar o desemprego e, com ele, o desamparo dos operários.
  3. Mas, ao fortalecer em grau máximo o jugo do capital sobre o trabalho, as grandes fábricas geram uma classe especial de operários que obtém a possibilidade de lutar contra o capital, porque suas próprias condições de vida destroem todo vínculo com a propriedade individual, e, agrupando os operários num trabalho conjunto e atirando-os de uma fábrica a outra, aglutinam as massas operárias. Os operários iniciam a luta contra os capitalistas, e neles nasce um forte movimento de unidade. Dos distúrbios operários isolados surge a luta da classe operária russa.
  4. Essa luta da classe operária contra a classe capitalista é uma luta contra todas as classes que vivem às custas do trabalho alheio e contra toda exploração. Essa luta só pode terminar com a passagem do poder político para as mãos da classe operária, com a entrega de toda a terra, instrumentos de trabalho, fábricas, máquinas e minas ás mãos de toda a sociedade para organizar a produção socialista, na qual tudo produzido pelos operários e todas as melhorias introduzidas na produção devem redundar em benefício dos próprios trabalhadores.
  5. O movimento da classe operária russa, por seu caráter e seus objetivos, forma parte do movimento internacional (social-democrata) da classe operária de todos os países.
  6. Na luta da classe operária russa por sua emancipação, o principal obstáculo é o governo autocrático com suas atribuições ilimitadas e seus funcionários irresponsáveis. Apoiando-se nos privilégios dos latifundiários e dos capitalistas, e nos serviços que presta aos interesses deles, este governo nega todo direito às camadas inferiores, com o que entorpece o movimento operário e freia o desenvolvimento de todo o povo. Por isso, a luta da classe operária russa por sua emancipação impõe necessariamente a luta contra o poder ilimitado do governo autocrático.
B
  1. O Partido Social-Democrata da Rússia proclama como sua missão cooperar nessa luta da classe operária russa, desenvolvendo a consciência de classe dos operários, contribuindo para a sua organização e indicando as tarefas e os objetivos da luta.
  2. A luta da classe operária russa por sua emancipação é uma luta política, e sua primeira tarefa consiste em alcançar a liberdade política.
  3. Por isso, o Partido Social-Democrata da Rússia, sem se afastar do movimento operário, apoiará todo movimento social contra o poder ilimitado do governo autocrático, contra a classe dos latifundiários nobres privilegiados e contra todas as sobrevivências da servidão e do regime de castas que restringem a livre competição.
  4. Pelo contrário, o Partido Operário Social-Democrata da Rússia combaterá todo propósito do governo absolutista e de seus funcionários de exercer a tutela sobre as classes trabalhadoras e de conter o desenvolvimento do capitalismo e, por conseguinte, da classe operária.
  5. A emancipação dos operários deve ser obra dos próprios operários.
  6. O povo russo não necessita da ajuda do governo absolutista e de seus funcionários; o que necessita é emancipar-se do jugo desse governo.
C

Baseando-se nessas concepções, o Partido Social-Democrata da Rússia exige, antes de tudo:

  1. Convocatória do Zemski Sobor, composto de representantes de todos os cidadãos, para elaborar uma Constituição.
  2. Sufrágio universal e direto para todos os cidadãos russos maiores de vinte e um anos, sem distinção de crenças religiosas nem de nacionalidades.
  3. Liberdade de reunião, de associação e de greve.
  4. Liberdade de imprensa.
  5. Supressão das castas e plena igualdade de todos os cidadãos perante a lei.
  6. Liberdade de cultos e igualdade de direitos de todas as nacionalidades. Confiar o registro de nascimentos a funcionários civis, independentes da polícia.
  7. Concessão a cada cidadão do direito de acusação perante os tribunais contra qualquer funcionário, sem necessidade de ser obrigado a limitar-se a fazer queixas a seu próprio chefe superior imediato.
  8. Abolição dos passaportes e plena liberdade de trânsito e de residência.
  9. Liberdade de atividade econômica e de profissão, e supressão dos grêmios.
D

Para os operários, o Partido Social-Democrata da Rússia exige:

  1. Criação de tribunais de trabalho(1) em todos os setores da indústria, com juízes eleitos em bases paritárias por capitalistas e operários
  2. Limitação legal da jornada de trabalho a oito horas.
  3. Proibição legal do trabalho noturno e dos turnos da noite. Proibição do trabalho de crianças menores de quinze anos.
  4. Estabelecimento legal do descanso dominical.
  5. Extensão das leis fabris e da inspeção fabril a todos os setores industriais em toda a Rússia e as fábricas do Estado, assim como também aos artesãos que trabalham em seu domicílio.
  6. A inspeção fabril deve ser autônoma e não depender do Ministério da Fazenda. Os membros dos tribunais de trabalho são investidos das mesmas atribuições que a inspeção fabril no que concerne ao cumprimento das leis fabris.
  7. Proibição absoluta, em toda parte, do pagamento em espécie.
  8. Controle, a cargo de delegados eleitos pelos operários, da justa fixação das tarifas de salários, da determinação da produção defeituosa, das moradias destinadas pelas empresas aos operários e da inversão do dinheiro proveniente das multas.
    Uma lei em virtude da qual a totalidade dos descontos do salário dos operários, qualquer que seja seu motivo (multas, produção defeituosa, etc), não poderá exceder de dez copeques por rublo.
  9. Uma lei sobre a responsabilidade dos donos de fábricas pelos acidentes de trabalho dos operários, ficando obrigados os patrões a demonstrar a culpabilidade dos operários.
  10. Uma lei estabelecendo a obrigação dos patrões de abrir escolas e de facilitar assistência médica aos operários.
E

Para os camponeses, o Partido Social-Democrata da Rússia exige:

  1. Abolir os pagamentos de resgate e indenizar os camponeses pelos pagamentos de resgate feitos anteriormente. Devolução aos camponeses das somas versadas em excesso ao fisco.
  2. Devolução aos camponeses das terras que lhes tiraram em 1861.
  3. Plena igualdade no que diz respeito às contribuições e impostos para as terras dos camponeses e dos latifundiários.
  4. Abolição da caução solidária e de todas as leis que limitem o direito dos camponeses de disporem de suas terras.

Explicação do programa

O programa divide-se em três partes principais. Na primeira expõem-se todas as concepções das quais emanam as partes restantes. Nessa parte, indica-se a posição que a classe operária ocupa na sociedade moderna, o sentido e a importância que têm sua luta contra os patrões e a situação política da classe operária no Estado russo.

Na segunda parte, expõe-se a missão do Partido e indica-se a relação em que este se encontra com respeito às demais correntes políticas da Rússia. Diz-se qual deve ser a atividade do Partido e de todos os operários que têm consciência de seus interesses de classe e qual deve ser sua atitude ante os interesses e as aspirações das demais classes da sociedade russa.

A terceira parte contém as reivindicações práticas do Partido. Essa parte subdivide-se em três itens. O primeiro contém a reivindicação das transformações gerais do Estado. O segundo, as reivindicações e o programa da classe operária. O terceiro, as reivindicações em benefício dos camponeses. Algumas explicações preliminares desses itens são dadas mais adiante, antes de passar à parte prática do programa.

A. 1. O programa refere-se, antes de tudo, ao rápido crescimento das grandes fábricas, porque este é o fenômeno principal da Rússia moderna, fenômeno que transforma completamente todas as velhas condições de vida, particularmente as da classe trabalhadora. Nas antigas condições, quase todas as riquezas eram produzidas pelos pequenos proprietários, que constituíam a imensa maioria da população. A população vivia estagnada nas aldeias, destinando a maior parte de sua produção ou ao seu próprio consumo, ou ao pequeno mercado das localidades adjacentes, pouco ligado aos demais mercados vizinhos. Esses mesmos pequenos proprietários trabalhavam para os latifundiários, que lhes obrigavam a produzir principalmente para seu próprio consumo. Os produtos obtidos na propriedade doméstica eram entregues para sua elaboração aos artesãos, que também viviam nas aldeias ou percorriam os arredores em busca de trabalho.

Pois bem, depois da libertação dos camponeses, essas condições de vida da massa do povo passaram por uma modificação completa: em lugar das pequenas oficinas dos artesãos começaram a surgir grandes fábricas, que cresceram com extraordinária rapidez; substituíram os pequenos proprietários, transformando-os em operários assalariados, e obrigaram centenas e milhares de operários a trabalharem juntos, produzindo em enormes quantidades mercadorias que eram vendidas em toda a Rússia.

A libertação dos camponeses acabou com a estagnação da população e os colocou em tais condições que já não podiam alimentar-se à base das pequenas parcelas de terra que lhes sobraram. A massa do povo lançou-se em busca de um salário diário, acorrendo às fábricas e às obras de construção de ferrovias, que unem os diferentes confins da Rússia e distribuem por toda parte as mercadorias das grandes fábricas. A massa do povo demandou as cidades em busca de um salário diário, empregando-se na construção de edifícios fabris e comerciais, no transporte de combustível para as fábricas e na preparação de materiais com essa finalidade. Por último, muitos passaram a trabalhar a domicílio, a serviço de comerciantes e fabricantes que ainda não haviam podido ampliar seus estabelecimentos. Transformações idênticas operaram-se na agricultura: os latifundiários começaram a produzir trigo para a venda, apareceram grandes cultivadores entre os camponeses e os comerciantes, centenas de milhões de puds de cereal começaram a ser vendidos no estrangeiro. A produção exigia operários assalariados, e centenas de milhares e milhões de camponeses abandonaram suas minúsculas parcelas de terra, em troca de serem contratados como lavradores e diaristas a serviço dos novos patrões, que produziam trigo para vender. Tais modificações nas antigas condições de vida são as que o programa descreve, afirmando que as grandes fábricas arruínam os pequenos artesões e os camponeses, convertendo-os em operários assalariados. A pequena produção é substituída em toda parte pela grande, e nesta as massas de operários já são simples assalariados, que trabalham por um salário diário para patrão, o qual possui enormes capitais, constrói enormes oficinas, compra materiais em grande quantidade e embolsa todo o lucro dessa produção em massa dos operários concentrados num mesmo local de trabalho. A produção já é então capitalista e fustiga impiedosa e implacavelmente todos os pequenos proprietários, pondo fim à estagnação de sua vida nas aldeias e obrigando-os a vaguear de um extremo a outro do país, como simples trabalhadores não qualificados, a fim de vender seu trabalho ao capital. Uma parte cada vez maior da população desvincula-se definitivamente da aldeia e da agricultura, emigrando para as cidades e povoados, para as localidades fabris e industriais, formando uma classe especial de homens que não possuem propriedade alguma, a classe dos operários proletários assalariados, que vivem exclusivamente da venda de sua fôrça de trabalho.

Nisso consistem as enormes transformações impostas à vida do país pelas grandes fábricas: a pequena produção é substituída pela grande, os pequenos proprietários convertem-se em operários assalariados. Que significa para o povo trabalhador essa transformação e quais são seus efeitos? É disso que se fala mais adiante no programa.

A. 2. A substituição da pequena produção pela grande é acompanhada da substituição das pequenas somas em dinheiro em mãos de cada proprietário por imensos capitais, da substituição de ganhos pequenos e insignificantes por lucros de milhões. Daí o desenvolvimento do capitalismo levar, onde quer que seja, ao aumento do luxo e das riquezas. Na Rússia, criou-se toda uma classe de grandes magnatas do dinheiro, fabricantes, acionistas das companhias de estradas de ferro, comerciantes e banqueiros, formou-se toda uma classe que vive dos juros dos capitais emprestados aos industriais; enriqueceram-se os grandes latifundiários, recebendo dos camponeses elevadas somas pelo resgate da terra, aproveitando-se da necessidade que estes têm de terra, a fim de elevar o preço dos arrendamentos e montando em suas propriedades grandes usinas açucareiras e destilarias. O luxo e a dissipação em todas essas classes de potentados alcançaram proporções inusitadas, e nas ruas principais das grandes cidades erguem-se seus palácios principescos e seus suntuosos hotéis. Mas a situação do operário foi piorando mais e mais, à medida em que se ia desenvolvendo o capitalismo. Se bem que em alguns lugares tenham aumentado as receitas depois da libertação dos camponeses, isto ocorreu em pequena escala e por pouco tempo, pois a massa de famintos que aflui do campo aviltou os salários, ao mesmo tempo em que encareciam cada vez mais os comestíveis e as subsistências em geral, de modo que, mesmo com uma remuneração maior, os operários obtinham menos meios de sustento; tornava-se cada vez mais difícil encontrar um trabalho diário e, junto aos luxuosos palácios dos ricos (ou nos arrabaldes das cidades) levantavam-se os tugúrios dos operários, obrigados a viver em porões ou amontoados em apartamentos úmidos e frios, e, às vezes, simplesmente em choças perto das novas empresas industriais. O capital, cada dia mais numeroso, fustigava com fôrça crescente os operários, submetendo-os à miséria, obrigando-os a dar todo seu tempo à fábrica e compelindo suas mulheres e seus filhos a incorporar-se à produção. Nisso consiste, portanto, a primeira das modificações a que leva o desenvolvimento do capitalismo: enormes riquezas acumulam-se nas mãos de um punhado de capitalistas, enquanto as massas do povo transformam-se em indigentes.

A segunda modificação consiste em que a substituição da pequena produção pela grande acarretou inúmeros aperfeiçoamentos na produção. Sobretudo, ao trabalho individual e isolado em cada pequena oficina de cada pequeno patrão em separado sucedeu o trabalho de operários concentrados, que trabalham juntos na mesma fábrica, nas propriedades de um mesmo latifundiário, ou para um mesmo empreiteiro. O trabalho conjunto é muito mais eficaz (produtivo) que o individual e permite produzir mercadorias com muito mais facilidade e rapidez. Mas, de todas essas melhorias, beneficia-se exclusivamente o capitalista, que paga aos operários alguns centavos e se apropria gratuitamente de todo o lucro do trabalho conjunto dos operários. O capitalista torna-se ainda mais forte e o operário ainda mais débil, porque este se habitua a um mesmo trabalho e lhe é difícil passar para outro, mudar de ocupação.

Outro aperfeiçoamento da produção, muito mais importante, é o representado pelas máquinas introduzidas pelo capitalista. A eficiência do trabalho aumenta em grande medida em consequência do emprego de maquinaria; mas o capitalista faz com que essa vantagem redunde em prejuízo dos operários: aproveitando-se de que as máquinas requerem menos esforço físico, nelas coloca mulheres e crianças, pagando-lhes um salário mais baixo. Valendo-se de que com o emprego de máquinas se necessitam muito menos operários, o capitalista demite-os em massa da fábrica e aproveita-se desse desemprego forçado para escravizá-los ainda mais, para prolongar a jornada de trabalho, para tirar-lhes o repouso noturno e convertê-los em meros apêndices das máquinas. O desemprego criado pelas máquinas, que aumenta constantemente, torna agora o operário totalmente indefeso. Sua habilidade profissional perde valor, o operário é facilmente substituído por um simples trabalhador não qualificado, que logo se acostuma à máquina e que aquiesce, de bom grado, a trabalhar por um salário menor. Toda tentativa de defender-se dessa crescente pressão do capital leva á demissão. O operário, por si só, é absolutamente impotente diante do capital, e a máquina ameaça esmagá-lo.

A. 3. Na explicação do ponto anterior mostramos que o operário, por si só, é impotente e está indefeso diante do capitalista que introduz máquinas. O operário tem que procurar, de qualquer modo, o meio de opor resistência ao capitalista, a fim de encontrar sua própria defesa. E encontra esse meio na união. Impotente se está só, o operário transforma-se numa fôrça quando se une a seus companheiros, podendo então lutar contra o capitalista e oferecer resistência.

A união passa a ser uma necessidade para o operário, que já tem diante de si o grande capital. Mas, é possível unir a massa informe e dissociada, mesmo que seja apenas a que trabalha numa mesma fábrica? O programa particulariza as condições que preparam os operários para a união e desenvolvem sua capacidade e sua aptidão para unir-se. Essas condições são as seguintes:

  1. a grande fábrica com sua produção mecânica, que exige um trabalho contínuo durante todo o ano, destrói totalmente a vinculação do operário à terra e à exploração individual, convertendo-o em um proletário completo. Em compensação, a exploração individual na pequena parcela de terra desassociava os operários, fazia com que cada um deles se aferrasse a seus interesses particulares, diferentes dos interesses de seus companheiros, e, desse modo, dificultava sua união. Quando o operário se desvincula da terra esses obstáculos desaparecem.
  2. Além disso, o trabalho conjunto de centenas e de milhares de operários habitua, por si, os operários a examinarem coletivamente suas necessidades e a agirem em combinação, tornando patente a identidade de situação e interesses de toda a massa operária.
  3. Por último, a mudança constante dos operários de uma fábrica para outra acostuma-os a confrontar as condições e a ordem de coisas existentes nas diferentes fábricas, a compará-las, a comprovar que a exploração é igual em todas as fábricas, a assimilar a experiência de outros operários em seus choques com os capitalistas, reforçando assim a união e a solidariedade dos operários.

São essas condições, em seu conjunto, as que fizeram com que o aparecimento das grandes fábricas tenha levado à união dos operários. Entre os operários russos esta união exprime-se, mais que qualquer outra coisa e com mais fôrça que qualquer outra coisa, nas greves (mais adiante diremos por que é impossível para os nossos operários unir-se em sindicatos ou em estabelecimentos de previdência). Quanto mais se desenvolvem as grandes fábricas, mais frequentes, vigorosas e tenazes são as greves dos operários, de modo que, quanto maior é a opressão do capitalismo, mais indispensável se torna a resistência combinada dos operários. Como diz o programa, as greves e os distúrbios operários constituem na atualidade o fenômeno mais difundido nas fábricas russas. Mas, à medida em que se desenvolve o capitalismo e se amiúdam mais as greves, estas se tornam insuficientes. Os patrões adotam contra elas medidas conjuntas: promovem alianças entre si, contratam operários de outros lugares e obtêm o concurso do poder do Estado, que os ajuda a esmagar a resistência dos operários. Contra os operários, já não atua apenas o dono de cada fábrica, mas toda a classe capitalista, com o governo, que os ajuda. Toda a classe capitalista empreende a luta contra toda a classe operária, procurando medidas conjuntas contra as greves, solicitando do governo leis contra os operários, transferindo as fábricas para lugares mais afastados, recorrendo a encomendar trabalho a domicílio, e a milhares de outras manhas e subterfúgios contra os operários. A união dos operários de uma fábrica e inclusive de um ramo industrial não basta para opor resistência a toda a classe capitalista; faz-se absolutamente necessária a ação combinada de toda a classe operária. Assim, portanto, dos distúrbios operários isolados surge a luta de toda a classe operária. A luta dos operários contra os patrões transforma-se em luta de classes. Une todos os patrões, um mesmo interesse: manter os operários submissos e pagar-lhes o salário mais baixo possível. E os donos de fábrica veem que só podem salvaguardar seus interesses mediante a ação comum de toda a classe patronal e ganhando influência sobre o poder do Estado. Une os operários, também, um interesse comum: não permitir que o capital os esmague, defender seu direito à vida e a uma existência humana. E os operários convencem-se de que também eles necessitam da união, da ação conjunta de toda a ciasse — da classe operária — para o que é indispensável conquistar influência sobre o poder do Estado.

A. 4. Explicamos como e porque a luta dos operários industriais contra os patrões se transforma numa luta de classes, numa luta da classe operária — dos proletários — contra a classe dos capitalistas — a burguesia. Cabe perguntar: que significação tem esta luta para todo o povo e para todos os trabalhadores? Nas condições atuais, das quais já falamos na explicação do primeiro ponto, a produção por meio de operários assalariados substitui cada vez mais a pequena economia. O número de pessoas que vivem, do trabalho assalariado aumenta com rapidez, e não só cresce o número de operários fabris permanentes, como também cresce ainda mais o de camponeses que têm de procurar esse mesmo trabalho assalariado para subsistir. Atualmente, o trabalho por jornada, o trabalho para o capitalista, já é a forma de trabalho mais difundida. A dominação do capital sobre o trabalho abarca a massa da população não só na indústria, como também na agricultura. As grandes fábricas levam ao supremo grau de desenvolvimento essa exploração do trabalho assalariado, em que se baseia a sociedade contemporânea. Os processos de exploração postos em jogo pelos capitalistas em todos os setores da indústria, e cujas consequências a massa da população operária de toda a Rússia sofre, aqui, na fábrica, reúnem-se num feixe, acentuam-se, convertem-se em regra permanente, estendem-se a todos os aspectos do trabalho e da vida do operário e criam todo um regime regulamentado, todo um sistema de exaustão das fôrças do operário pelo capitalista. Esclareçamos isso com um exemplo: sempre, e em qualquer parte, todo aquele que se emprega descansa, deixa de trabalhar quando há festa no lugar onde mora. Coisa muito diferente acontece na fábrica: uma vez contratado um operário, a fábrica dispõe dele a seu capricho, sem prestar a menor atenção aos costumes do operário, a seu modo habitual de vida, a sua situação familiar, a suas necessidades intelectuais. A fábrica obriga-o a trabalhar quando ela o necessita, submetendo às suas exigências toda a vida do operário, fazendo-o fragmentar em partes seu descanso e obrigando-o, com a organização dos turnos, a trabalhar de noite e nos dias festivos. A fábrica recorre a todos os abusos imagináveis a respeito da jornada de trabalho, e, ao mesmo tempo, implanta suas “normas”, suas “regras”, obrigatórias para cada operário. A vida da fábrica está organizada expressamente para extrair do operário contratado todo o trabalho que ele possa render, para exaurir-lhe o quanto antes todas as fôrças e em seguida pô-lo na rua! Outro exemplo. Todo aquele que é contratado para trabalhar fica obrigado, imediatamente, a subordinar-se ao patrão e a cumprir tudo que lhe mandem. Mas, comprometendo-se a cumprir um trabalho temporário, o contratado não renuncia, de modo algum, à sua vontade; quando considera injustas ou desmedidas as exigências do patrão, abandona o trabalho. Em compensação, a fábrica exige que o operário renuncie por completo à sua vontade; a fábrica implanta em seu recinto uma disciplina, obriga o operário a levantar-se ao toque da sirena para comparecer ao trabalho e para suspendê-lo, arroga-se o direito de castigar o operário e lhe impõe muitas ou descontos em seu salário a cada infração das regras estabelecidas por ela própria. O operário converte-se numa parte de um enorme aparelho mecanizado: deve ser tão submisso, tão escravo e tão autômato quanto a própria máquina.

Vejamos um terceiro exemplo: todo aquele que é contratado para trabalhar manifesta frequentemente seu descontentamento ante o patrão, promove querelas contra ele nos tribunais ou apresenta queixas a seu próprio chefe superior imediato. Tanto seus chefes imediatos quanto os tribunais solucionam o litígio, comumente em benefício do patrão, apoiando-o. Mas essa proteção aos interesses do patrão não se baseia numa norma geral ou numa lei, e sim no servilismo de determinados funcionários, que às vezes defendem o patrão em maior medida e outras vezes em menor medida, e que decidem injustamente a questão em favor do patrão, seja por amizade a este, seja por desconhecer as condições de trabalho e por incapacidade de compreender o operário. Cada caso isolado de tal injustiça depende de cada choque concreto do operário com o patrão, e de cada funcionário em particular. Em troca, a fábrica concentra tal massa de operários, leva as afrontas a tal ponto, que se torna impossível resolver cada caso em separado. São estabelecidas normas gerais, dita-se uma lei sobre as relações entre operários e patrões, lei obrigatória para todos. E, nessa lei, a proteção dos interesses do patrão é referendada pelo poder do Estado. Em vez da injustiça de determinados funcionários surge a injustiça da própria lei. Surgem, por exemplo, normas em virtude das quais o operário, por ausência injustificada ao trabalho, não só perde o seu salário, como, além disso, paga uma multa, enquanto que o patrão pode despedi-lo sem indenizá-lo com um centavo sequer, o patrão, pode despedir o operário por uma atitude grosseira deste, enquanto que o operário não pode abandonar o trabalho por uma atitude idêntica de seu patrão; este tem direito de impor, à sua vontade, multas e descontos, ou a exigir que se trabalhe em horas extraordinárias, etc.

Todos esses exemplos mostram como a fábrica acentua a exploração dos operários e a generaliza, transforma-a em toda uma “ordem de coisas”. O operário, queira ou não, tem que medir fôrças, agora, não com um patrão isolado, sua vontade e suas afrontas, mas sim com a arbitrariedade e as perseguições de toda a classe patronal. O operário vê que quem o oprime não é um capitalista qualquer, mas toda a classe capitalista, porque em todas as empresas vigora o mesmo sistema de exploração; um capitalista isolado nem sequer pode renunciar a essa ordem de coisas: se, por exemplo, lhe ocorresse reduzir a jornada de trabalho, suas mercadorias ficariam mais caras que as de seu vizinho, que as de outro patrão que obrigasse o operário a trabalhar mais horas pelo mesmo salário. Para conseguir uma melhoria em sua situação, o operário tem que enfrentar agora toda uma organização social voltada para a exploração do trabalho pelo capital. O operário já não tem diante de si a injustiça de um funcionário qualquer, e sim a injustiça do próprio poder do Estado, que toma para si a defesa de toda a classe capitalista e promulga leis obrigatórias para todos em benefício dessa classe. Portanto, a luta dos operários industriais contra os patrões transforma-se, inevitavelmente, numa luta contra toda a classe capitalista, contra toda a estrutura social, baseada na exploração do trabalho pelo capital. Por isso, a luta dos operários adquire um significado social, converte-se numa luta de todos os trabalhadores contra todas as classes que vivem às custas do trabalho alheio. Por isso, a luta dos operários inaugura uma nova época da história da Rússia e é a aurora da emancipação dos operários.

Pois bem, em que se baseia a dominação da classe capitalista sobre toda a massa trabalhadora? Em possuírem os capitalistas, como propriedade privada, todas as fábricas, minas, máquinas e instrumentos de trabalho; em terem nas mãos enormes quantidades de terra (de toda a terra da Rússia europeia, mais de um terço pertence aos latifundiários, cujo número não chega a meio milhão). Os operários, não dispondo de instrumentos de trabalho e de materiais, têm que vender sua fôrça de trabalho aos capitalistas, que lhes pagam apenas o necessário para seu sustento, apropriando-se de todo o excedente produzido pelo trabalho; pagam, portanto, somente uma parte do tempo de trabalho invertido, ficando com a parte restante. Todo o aumento das riquezas proveniente do trabalho conjunto da massa de operários ou dos aperfeiçoamentos introduzidos na produção vai para a classe capitalista, enquanto os operários, trabalhando de geração em geração, continuam sendo proletários sem posses. Por isso, só existe um processo para pôr fim à exploração do trabalho pelo capital, qual seja: suprimir a propriedade privada sobre os instrumentos de trabalho, colocar nas mãos de toda a sociedade todas as fábricas e minas, assim como todas as grandes propriedades rurais, etc., e organizar a produção comum socialista, dirigida pelos próprios operários. Os produtos do trabalho comum reverterão assim em benefício dos próprios trabalhadores, e o que sobrar além do necessário para atender a seu sustento servirá para satisfazer as necessidades dos próprios operários, para desenvolver plenamente todas as suas capacidades e para usufruir em pé de igualdade de todas as conquistas da ciência e da arte. No programa assinala-se, por isso mesmo, que só assim pode terminar a luta da classe operária contra os capitalistas. Mas, para isso, é necessário que o poder político, isto é, o poder da direção do Estado, passe das mãos do governo que está sob a influência dos capitalistas e dos latifundiários, ou das mãos do governo formado diretamente por representantes eleitos dos capitalistas, para as mãos da classe operária.

Este é o objetivo final da luta da classe operária, esta é a premissa de sua plena emancipação. Para este objetivo finai devem dirigir-se os operários conscientes e unidos; na Rússia, porém, ainda há enormes obstáculos que os impedem de lutar por sua emancipação.

A. 5. Atualmente, os operários de todos os países europeus, assim como os da América e da Oceania, lutam contra o domínio da classe capitalista. A união e a coesão da classe operária não se limitam a um país ou a uma nacionalidade: os partidos operários de diferentes Estados proclamaram aos quatro ventos a plena identidade (solidariedade) de interesses e objetivos dos operários de todo o mundo. Esses partidos reúnem-se em congressos comuns, apresentam reivindicações comuns à classe capitalista de todos os países, instituem a festa internacional (Primeiro de Maio) de todo o proletariado unido, que aspira à sua emancipação, agrupando a classe operária de todas as nacionalidades e de todos os países num grande exército operário. Essa união dos operários de todos os países obedece a uma necessidade: a de que a classe capitalista, que domina os operários, não limita seu domínio a um só país. Os vínculos comerciais entre os diferentes Estados são cada vez mais estreitos e se multiplicam; o capital transfere-se constantemente de um país para outro. Os bancos, esses enormes depósitos de capitais, que reúnem capitais de toda parte e os distribuem em empréstimos aos capitalistas, convertem-se de nacionais em internacionais, concentram recursos monetários de todos os países e os distribuem entre os capitalistas da Europa e da América. As grandes sociedades anônimas organizam-se para pôr em funcionamento empresas capitalistas não apenas num país, mas em vários, ao mesmo tempo; surgem as sociedades internacionais dos capitalistas. O domínio do capital é internacional. Por isso, também, a luta dos operários; de todos os países por sua emancipação só tem êxito quando é uma luta conjunta contra o capital internacional. Por isso, o operário alemão, o operário polonês e o operário francês são companheiros do operário russo na luta contra a classe capitalista, do mesmo modo que são seus inimigos os capitalistas russos, poloneses e franceses. Assim, nos últimos tempos, os capitalistas estrangeiros transferem, de muito bom grado, seus capitais para a Rússia, constroem filiais de suas fábricas e fundam companhias para estabelecer novas empresas na Rússia. Lançam-se cobiçosos sobre um país jovem, no qual o governo é mais benevolente e servil com o capital que em nenhuma outra parte, num país em que veem que os operários estão menos unidos e são menos capazes de oferecer resistência que no Ocidente, um país em que o nível de vida dos operários, e, portanto, seu salário, é muito mais baixo, de modo que os capitalistas estrangeiros podem obter enormes lucros, desconhecidos em seus respectivos países. O capital internacional também já estendeu sua mão para a Rússia. Os operários russos estendem sua mão ao movimento operário internacional...

... B. 1. Este ponto do programa é o mais importante, o principal, porque indica em que deve consistir a atividade do Partido que defende os interesses da classe operária, a atividade de todos os operários conscientes. Indica de que modo devem ser unidas as aspirações do socialismo, a aspiração de suprimir a secular exploração do homem pelo homem, com o movimento popular que tem sua origem nas condições de vida criadas pelas grandes fábricas.

A atividade do Partido deve consistir em cooperar na luta de classe dos operários. A tarefa do Partido não consiste em discutir novos meios de ajuda aos operários, mas em aderir ao movimento operário, iluminar-lhe o caminho e ajudar os operários nessa luta que eles já iniciaram. A missão do Partido baseia-se em defender os interesses dos operários e em representar os interesses de todo o movimento operário. Como deve manifestar-se a ajuda aos operários em sua luta?

O programa afirma que essa ajuda deve consistir, em primeiro lugar, em desenvolver a consciência de classe dos operários. Já dissemos de que modo a luta dos operários contra os patrões se transforma numa luta de classe do proletariado contra a burguesia.

Do que expusemos infere-se então o que se deve entender por consciência de classe dos operários. Consciência de classe dos operários é a compreensão de que o único meio de melhorar a sua situação e de conseguir a sua emancipação consiste na luta contra a classe dos capitalistas e industriais, que foram criados pelas grandes fábricas. Além disso, a consciência de classe dos operários implica na compreensão de que os interesses de todos os operários de um país são idênticos, solidários, que todos eles formam uma mesma classe, diferente de todas as demais classes da sociedade. Por último, a consciência de classe dos operários significa que eles compreendem que para atingir seus objetivos necessitam de conquistar influência nos assuntos públicos, como a conquistaram e continuam tratando de conquistar os latifundiários e os capitalistas.

Como adquirem os operários a compreensão de tudo isso? Adquirem-na constantemente através dessa luta que começam a empreender contra os patrões e que cresce e se torna mais aguda dia a dia, abarcando um maior número de operários, à medida em que se desenvolve as grandes fábricas. Houve um tempo em que a hostilidade dos operários contra o capital expressava-se tão-somente num sentimento confuso de ódio contra seus exploradores, numa vaga consciência de sua opressão e escravidão, e no desejo de vingar-se dos capitalistas. Então, a luta traduzia-se em motins isolados dos operários, que destruíam os edifícios, quebravam as máquinas, espancavam os chefes das fábricas, etc. Esta foi a primeira forma, a forma inicial do movimento operário, necessária porque o ódio ao capitalista sempre foi, em toda parte, o primeiro motivo que despertou nos operários o afã de defender-se. O movimento operário russo, porém, já superou esta forma inicial. Em lugar do ódio confuso ao capitalista, os operários já começaram a compreender a completa oposição de interesses entre a classe operária e a classe capitalista. Em lugar do sentimento confuso da opressão, os operários já começaram a discernir por que e como o capital os oprime, e levantam-se contra uma ou outra forma de opressão, estabelecendo um limite à pressão do capital, defendendo-se da avidez do capitalista. Em vez de vingar-se dos capitalistas, passam agora à luta para conseguir concessões, começam a apresentar à classe capitalista uma reivindicação após outra e exigem melhores condições de trabalho, aumento de salários e redução da jornada. Cada greve faz os operários concentrarem toda a atenção e todos os esforços numa ou noutra das condições em que está situada a classe operária. Cada greve leva ao exame dessas condições, ajuda os operários a valorizá-las, a ver em que consiste, em cada caso, a pressão do capital e com que meios se pode lutar contra essa pressão. Cada greve enriquece a experiência de toda a classe operária. Se a greve termina vitoriosa, mostra à classe operária a fôrça da união dos operários e estimula outros a aproveitar o êxito de seus camaradas. Se a greve não tem um bom desenlace, suscita o exame das causas do fracasso e a procura de melhores meios de luta. Essa passagem dos operários, agora iniciada em toda parte na Rússia, a uma luta firme por suas necessidades vitais, a uma luta para alcançar concessões e melhores condições de vida, melhor salário e uma jornada mais curta, assinala o enorme progresso feito pelos operários russos, razão pela qual o Partido Social-Democrata e todos os operários conscientes devem dedicar a atenção principal a essa luta, a como colaborar com ela. A ajuda aos operárias deve consistir em mostrar-lhes as necessidades mais prementes, para cuja satisfação deve orientar-se a luta, na pesquisa das causas que pioram particularmente a situação de uns ou de outros operários e no esclarecimento das leis e normas fabris cuja infração (ligada aos enganosos estratagemas dos capitalistas) tão frequentemente leva a que os operários sejam submetidos a uma dupla pilhagem. A ajuda deve consistir em expressar com maior exatidão e precisão as reivindicações dos operários e formulá-las publicamente, em escolher o momento melhor para a resistência, em eleger o meio de luta, em examinar a situação e as fôrças de ambas as partes contendoras, em ver se não se pode escolher outro meio melhor de lutar (se possível, entregar uma carta ao patrão, dirigir-se ao inspetor ou ao médico, segundo as circunstâncias, ou passar diretamente à greve, etc).

Dissemos que a passagem dos operários russos para essa luta demonstra que deram um gigantesco passo adiante. Essa luta leva (faz enveredar) o movimento operário a um caminho certo e é a garantia segura de seus novos êxitos. Em primeiro lugar, através dessa luta, as massas operárias aprendem a distinguir e a pôr a nu todos e cada um dos processos da exploração capitalista, a estudá-los do ponto de vista da lei, de suas condições de vida e dos interesses da classe capitalista. Elucidando os diferentes casos e formas de exploração, operários aprendem a compreender o significado e a essência da exploração em seu conjunto, aprendem a compreender o regime social baseado na exploração do trabalho pelo capital. Em segundo lugar, os operários nessa luta experimentam suas fôrças, aprendem a unir-se, aprendem a compreender a necessidade e a importância da união. A ampliação dessa luta e a multiplicação dos choques levam inevitavelmente a estender a luta, a desenvolver o sentimento de unidade, o sentimento de solidariedade, a princípio entre os operários de uma localidade e em seguida entre os operários de todo o país, entre toda a classe operária. Em terceiro lugar, essa luta desenvolve a consciência política dos operários. A massa operária está colocada, por suas próprias condições de vida, numa situação em que os operários não têm (não podem ter) nem horas de lazer nem a possibilidade de refletir a respeito dos assuntos públicos. Mas a luta dos operários contra os patrões, por suas necessidades cotidianas, os faz, por si mesma e de modo inevitável, abordar os problemas públicos, os problemas políticos, os faz estudar como se dirige o Estado russo, como se ditam as leis e as normas, e a que interesses estas servem. Cada conflito fabril leva a que, forçosamente, os operários se defrontem com as leis e os representantes do poder estatal. Os operários ouvem, então, pela primeira vez “discursos políticos”. A princípio, ainda que seja apenas dos inspetores fabris, que lhes explicam que o ardil através do qual o patrão lhes suga o sangue está baseado no sentido exato das normas aprovadas pelas autoridades correspondentes, normas que deixam ao arbítrio do industrial a ação de pressionar os operários, ou que as perseguições do patrão são plenamente legítimas, posto que ele se limita a fazer uso de seu direito, apoia-se nessa ou naquela lei aprovada e protegida pelo poder do Estado. Às explicações políticas dos senhores inspetores agregam-se, às vezes, “explicações políticas” ainda mais úteis do senhor ministro, que lembra aos operários os sentimentos de “amor cristão”, em virtude do qual devem estar reconhecidos aos industriais porque estes embolsam milhões à custa do trabalho dos operários. Além disso, a essas explicações dos representantes do poder estatal e ao fato de que os operários vão conhecendo diretamente em benefício de quem age esse poder unem-se os volantes e outras explicações dos socialistas, de modo que os operários, nessa greve, já recebem plenamente sua educação política. Não só aprendem a compreender os interesses particulares da classe operária, como também o lugar especial que ela ocupa no Estado. Nisso, portanto, deve consistir a ajuda que o Partido Social-Democrata pode prestar à luta de classe dos operários: no desenvolvimento da consciência de classe dos operários, mediante a contribuição na luta por suas necessidades mais essenciais.

A segunda ajuda deve consistir, como se diz no programa, em contribuir para a organização dos operários. A luta que acabamos de descrever exige necessariamente que os operários estejam organizados. A organização é necessária à greve, a fim de levá-la a cabo com êxito, para efetuar coletas em benefício dos grevistas, para criar fundos monetários operários e para realizar agitação entre os operários, difundindo entre eles volantes, avisos, manifestos, etc. A organização é ainda mais necessária para defender-se das perseguições policiais, para resguardar todas as associações dos operários e todas as suas relações, para organizar distribuição de livros, folhetos, jornais, etc, entre os operários. Ajudar em tudo isso é a segunda tarefa do Partido.

A terceira consiste em assinalar o verdadeiro objetivo da luta, isto é, em explicar aos operários em que se assenta e baseia a exploração do trabalho pelo capital, de que modo a propriedade privada sobre a terra e os instrumentos de trabalho acarreta a miséria das massas operárias, obriga-as a vender seu trabalho aos capitalistas e a entregar-lhes gratuitamente todo o excedente do produto do trabalho do operário depois de atender ao sustento deste; em explicar, além disso, como essa exploração leva, inevitavelmente, à luta de classe dos operários contra os capitalistas, quais são as condições dessa luta e seus objetivos finais; numa palavra, em explicar o que sucintamente se assinalou nesse programa.

B. 2. Que significa a afirmação de que a luta da classe operária é uma luta política? Significa que a classe operária não pode lutar por sua emancipação sem conquistar influência nos assuntos públicos, na direção do Estado, na promulgação das leis. Os capitalistas russos já compreenderam há muito tempo a necessidade de tal influência, e nós mostramos como, apesar de toda a sorte de proibições impostas pelas leis policiais, os capitalistas puderam encontrar mil e um processos para alcançar influência sobre o poder estatal e como este serve aos interesses da classe capitalista. Daí se depreende logicamente que a classe operária também não pode desenvolver sua luta, não pode sequer conseguir uma melhoria constante de seu destino, se carece de influência sobre o poder do Estado.

Já dissemos que a luta dos operários contra os capitalistas leva-os, de modo inevitável, a enfrentar o governo, e o próprio governo trata, com todas as suas fôrças, de fazer ver aos operários que apenas através da luta e da resistência unida podem influir sobre o poder do Estado. Demonstram-no com singular clareza as grandes greves de 1885/1886 na Rússia. O governo preocupou-se imediatamente em ditar regulamentações com respeito aos operários, promulgou na mesma hora novas leis sobre o regime fabril, cedendo ante as enérgicas reivindicações dos operários (foram, por exemplo, estabelecidas normas para limitar as multas e regular o pagamento do salário); do mesmo modo, as recentes greves (1896) deram lugar a uma nova intervenção do governo, que compreendeu não poder limitar-se às detenções e aos desterros e que é ridículo comprazer os operários com estúpidas instruções sobre a nobreza de sentimentos dos patrões (veja-se. a circular do ministro da Fazenda, Vitte, aos inspetores fabris. Primavera de 1896). O governo notou que “os operários unidos representam uma fôrça com a qual é preciso contar”, já empreendeu a revisão das leis fabris e convocou em São Petersburgo um congresso de inspetores-chefes de empresas para examinar o problema da redução da jornada de trabalho e de outras concessões inevitáveis aos operários.

Assim, portanto, vemos que a luta da classe operária contra a classe capitalista deve ser, necessariamente, uma luta política. Com efeito, essa luta já exerce hoje influência sobre o poder do Estado, adquire alcance político. Quanto mais se desenvolve, porém, o movimento operário, com maior nitidez e vigor se pode observar e sentir a absoluta falta de direitos políticos dos operários, a que nos referimos anteriormente, assim como a impossibilidade total para eles de exercerem influência aberta e direta sobre o poder do Estado. Por isso, a reivindicação mais urgente dos operários e a primeira tarefa que se deve cumprir para conseguir que a classe operária influa sobre os assuntos políticos deve consistir em alcançar a liberdade política, quer dizer, a participação direta, garantida pelas leis (pela Constituição), de todos os cidadãos na direção do Estado, a concessão a todos os cidadãos do direito de reunir-se livremente, discutir seus problemas e influir sobre os assuntos públicos por meio de suas associações e da imprensa. Conseguir a liberdade política converte-se numa “causa vital dos operários”, porque sem essa liberdade os operários não têm nem podem ter influência alguma nos assuntos do Estado e, portanto, continuarão sendo, inevitavelmente, uma classe privada de direitos, humilhada e reduzida ao silêncio. E se até agora, quando mal começam a luta e a coesão dos operários, o governo se apressa em fazer concessões aos operários para deter o ascenso do movimento, não há dúvida de que quando os operários se agruparem e unirem, sob a direção de um partido político, saberão obrigar o governo a render-se, saberão conquistar para si e para todo o povo russo a liberdade política!

Nas partes anteriores do programa indicou-se o lugar que a classe operária ocupa na sociedade e no Estado modernos, o objetivo da luta da classe operária e a missão do partido que representa os interesses dos operários. Dado o poder ilimitado do governo na Rússia, não há nem pode haver partidos políticos legais, mas existem correntes políticas que exprimem os interesses de outras classes e que exercem influência sobre a opinião pública e sobre o governo. Por isso, para esclarecer a situação do Partido Social-Democrata é necessário agora indicar sua atitude em relação às demais correntes políticas da sociedade russa, a fim de que os operários determinem quem pode ser seu aliado, até que ponto pode sê-lo e quem é seu inimigo. É isso que se indica nos dois pontos seguintes do programa.


Notas de rodapé:

(1) Tribunais de trabalho: eram compostos de representantes eleitos entre operários e patrões. Era de sua responsabilidade o exame dos assuntos e conflitos sobre as condições dos contratos da mão-de-obra, salários, dispensa injustificada dos operários, multas injustamente impostas a estes, etc. (retornar ao texto)

Inclusão 14/10/2012