Conceitos Fundamentais de O Capital
Manual de Economia Política

I. Lapidus e K. V. Ostrovitianov


Livro oitavo: A acumulação do capital e a reprodução das relações capitalistas
Capítulo XX - Formas especiais da concentração na agricultura
108. A cooperação agrícola no regime capitalista


capa

O estudo da situação dos pequenos cultivadores no regime capitalista leva-nos a concluir que só há diante deles dois caminhos: uma minoria relativamente pouco numerosa se transformará, a principio, segundo a expressão de Lenine, em “capitalistas em germe”, é, de pois, em autênticos capitalistas; a majoria dos camponeses médios irá aumentar o número de proletários privados de meios de existência e de produção.

Mas os representantes do socialismo cooperativista tomam neste momento a palavra e mostram aos camponeses pobres e médios uma outra saída: a cooperação.

Já dissemos alguma coisa a este respeito, ao tratarmos do capital comercial. Detenhamo-nos, agora, mais longamente na cooperação agrícola.

As suas mais conhecidas formas são: cooperação de compra, de venda e de crédito.

Conhecemos as vantagens que a cooperação de compra e de venda oferece ao pequeno produtor em geral, e mais particularmente ao camponês. A cooperação de crédito fornece-lhe os fundos em condições bastante boas, arrancando-o assim das garras da usura. Está aí porque estas diversas formas de cooperação tomaram na agricultura grande incremento. Não se pode dizer o mesmo da cooperação de produção, cuja tarefa é muito mais árdua: organizar o próprio processo da produção agrícola em bases coletivas. Isto subentende a comunhão da terra e de todo inventário, numa palavra, a organização socializada da produção.

A cooperação agrícola de produção não é nada viável no regime capitalista. Não resiste à concorrência das empresas capitalistas propriamente ditas. Baseada no trabalho coletivo de seus membros, ela não pode recorrer às formas de exploração em uso em certas empresas privadas. Não pode, imitando os patrões, no decorrer das crises, dispensar os trabalhadores. Sua organização, aliás bastante pesada, não se pode adaptar tão rapidamente quanto é preciso às condições mutáveis do mercado capitalista, onde a concorrência é desenfreada, Também não dispõe geralmente de capitais comparáveis aos das empresas capitalistas, que não se envergonham absolutamente de explorar a mão-de-obra assalariada. Numa palavra, ela justifica plenamente o velho ditado russo que diz: “O trabalho do justo não constrói palácios”.

A cooperação de produção agrícola encontra, por fim, um grande obstáculo na mentalidade do camponês, agarrado à pequena propriedade. As condições da pequena produção individual, sob a influência das quais se forma a mentalidade do camponês, inculcam-lhe a desconfiança das formas sociais de produção. Por mais pobre que seja, ele se agarra avaramente ao seu pedaço de terra e não desespera nunca de “chegar a ser alguma coisa”.

Está aí porque todas as tentativas para se organizar o trabalho coletivo na agricultura, baseado na cooperação, tem o mais das vezes fracassado.

Isto sucede tanto pelos dissentimentos interiores, como pela concorrência; e, quando acontecia a estas cooperativas resistir às lutas do mercado, acabavam por adquirir, por sua vez, pela exploração da mão-de-obra assalariada, um caráter nitidamente capitalista.

Também a cooperação de produção agrícola não se desenvolve tão rapidamente no regime capitalista senão quando se trata de empresas complementares, tais como leiterias, etc., que não exigem do camponês a renúncia da propriedade privada do solo e dos meios de produção.

As cooperativas agrícolas, que se desenvolvem, ou, mais exatamente, que já se desenvolveram no regime capitalista, não podem conduzir a pequena agricultura ao socialismo.

Os defensores e os ideólogos da pequena agricultura, que procuram opor, no regime capitalista, a cooperação à grande produção, cometem um erro. Na verdade, a cooperação não é no caso mais que um meio de assegurar à pequena agricultura certas vantagens daquela outra, da grande. E as vantagens da cooperação não estão — no regime capitalista — ao alcance de todos os camponeses, mas, longe disto, toda cooperativa obrigada a lutar com a concorrência se esforça por agrupar os fortes e não acolhe voluntariamente o camponês pobre.

No regime capitalista, a cooperação agrícola tende a tornar-se a organização dos camponeses ricos e principalmente dos elementos capitalistas dos campos.

Segundo Lenine, as leiterias cooperativas alemães agrupavam, antes da guerra, 140.000 cultivadores que possuíam 1.100.000 vacas. Contavam-se então na Alemanha cerca de 4.000.000 de camponeses pobres, dos quais 40.000 somente eram cooperadores. Um camponês pobre, em 100, beneficiava-se com a cooperação. Estes 40.000 camponeses pobres apenas possuíam 100.000 vacas. Os camponeses médios eram em número de 1.000.000, dos quais 50.000 cooperadores (5 por 100), possuíam 200.000 vacas. Os camponeses ricos e os latifundiários eram aproximadamente de 330.000, dos quais 50.000 cooperadores (17 por 100) possuíam 800.000 vacas.

A importância e a influência de 50.000 camponeses ricos e latifundiários pertencentes a esta forma de cooperação era, portanto, muito maior que a de 50.000 camponeses médios e de 40.000 camponeses pobres; os ricos escoavam, com efeito, pela cooperativa, uma quantidade muito maior de produtos, ainda que os pobres e os médios fossem mais numerosos. 90.000 cooperadores pobres e médios possuíam 300.000 vacas; 50.000 cooperadores ricos possuíam 800.000. Como verdadeiros dirigentes desta cooperativa, estes últimos não deixavam de tirar partido, no interesse da grande produção agrícola capitalista.

A situação pouco diferia nos demais países capitalistas.

Outros fatores ainda contribuem para fortalecer as tendências capitalistas da cooperação. Em numerosos países capitalistas, os latifundiários e os camponeses pertencem às mesmas organizações que englobam às vezes até jornaleiros agrícolas.

A União Agrícola do Reich, que conta mais de dois milhões de membros solidamente organizados, é, na Alemanha, a principal organização dos agrários e camponeses. Os grandes agrários, os grandes capitalistas, uma parte da indústria pesada e a reação monárquica desempenham aí um papel dominante. Antigos oficiais e antigos funcionários constituem o quadro desta organização ... A mesma coisa se passa em França. Seis ou sete grandes organizações, todas dirigidas pelos agrários e pelos capitalistas, reúnem neste país os latifundiários e os camponeses. A estrutura, a composição e os métodos destas vastas associações merecem nossa atenção. Assemelham-se em todos os países e constituem em geral a base de um partido político ou de vários. São uma espécie de Uniões Rurais, onde entram os agrários e os camponeses mais pobres, e mesmo operários agrícolas; mas interiormente têm uma organização jerárquica solidamente estabelecida. Os grandes capitalistas sempre exercem o poder por meio de um aparelho especialmente adaptado às suas necessidades...

Estas organizações ligam-se à cooperação e esta, por sua vez, aos bancos.(1)

A cooperação agrícola não é, portanto, unicamente uma organização principalmente capitalista por sua composição social e sua direção, mas ainda pela influência das associações dirigidas pelos grandes agrá rios, latifundiários e capitalistas. Esta dependência em relação às grandes associações dirigidas “pelo bando dos grandes capitalistas e dos agrários”, segundo a expressão de Bukharine, completa-se pela dependência em relação aos bancos e às associações capitalistas da grande indústria. A cooperação agrícola está assim ligada por todas as formas, de alto abaixo, a poderosas associações capitalistas: uniões agrárias, bancos, grandes empresas, etc.

Daí suas tendências bem compreensíveis de se transformarem elas próprias em organizações capitalistas. É pura utopia falar de desenvolvimento não capitalista da pequena agricultura no regime capitalista.

É absurdo, diz Kautski, esperar do camponês que ele passe na sociedade moderna à produção socializada. Isto quer dizer que o modo de produção capitalista exclui a transformação das cooperativas como meio — para os camponeses — de assenhorear-se das vantagens da grande produção e de fortalecer assim sua economia rural, esta base eternamente instável do Estado moderno. O camponês, que se convencer de que não pode melhorar e estabilizar suas condições de vida a não ser pela socialização da agricultura, terá infalivelmente consciência de que uma agricultura socializada só será possível quando o proletariado tenha tomado o poder para transformar as relações sociais de acordo com seus interesses.(2)

continua>>>


Notas de rodapé:

(1) Resumo dos trabalhos do Comitê Executivo Ampliado da Internacional Comunista (ed. russa, págs. 308-309). (retornar ao texto)

(2) C. KAUSTKI: A questão agrária. (retornar ao texto)

Inclusão 16/06/2019