Conceitos Fundamentais de O Capital
Manual de Economia Política

I. Lapidus e K. V. Ostrovitianov


Livro oitavo: A acumulação do capital e a reprodução das relações capitalistas
Capítulo XVIII - Noção geral da reprodução
100. A reprodução capitalista simples


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A reprodução capitalista pode, como qualquer outra, ser simples, ampliada e restrita.

Comecemos por estudar a reprodução simples. Qual é seu carácter específico? Que é que a distingue da reprodução simples das formas econômicas pré-capitalistas, escravatura, servilismo, simples produção mercantil, etc.? Este caráter específico deve evidentemente decorrer da diferença das relações de produção nestes diversos sistemas.

Sabemos que o modo capitalista de produção se caracteriza:

  1. pela propriedade privada dos meios de produção;
  2. pela liberdade jurídica do operário (isto o distingue do escravo e do servo) que, sem meios de produção, (isto o distingue do artesão) está obrigado a vender ao capitalista sua força de trabalho;
  3. pela exploração do operário pelo capitalista, exploração que toma desde então a forma de produção de mais-valia e torna-se o objeto da produção capitalista.

Estas relações especificamente capitalistas, nascidas de decomposição das formas feudais e artesãs da economia pré-capitalista, devem reproduzir-se sem interrupção.

No que se refere ao operário, sua situação de vendedor de força de trabalho desprovido de meios de produção se reproduz, em outros termos, se perpetua depois do processo de produção, pelo fato de seu salário permitir-lhe no máximo, no melhor dos casos, manter sua força de trabalho em estado de mercadoria (isto é, em estado de trabalhar) e prover, de outra parte, às necessidades de sua família média. Se a grandeza do salário ultrapassasse por pouco tempo que fosse, o valor da força de trabalho, e as proporções necessárias à manutenção da exploração capitalista, o operário teria a possibilidade de acumular, e começaria a se resignar com a exploração.

No que se refere ao capitalista, a reprodução de sua situação dominante não é possível se ele não reaparece sem cessar no processo de produção como o possuidor de um capital que lhe assegure a possibilidade de comprar a mercadoria força de trabalho e dai tirar, graças à propriedade dos meios e instrumentos de produção, a mais-valia.

Como pode ser atingido este resultado na reprodução simples?

O capitalista, vendendo a mercadoria produzida, recupera o valor de seu capital e realiza, além disso, a mais-valia.

O valor recebido pelo capitalista, na realização de suas mercadorias, pode, em geral, ser empregado em satisfazer suas necessidades pessoais, ou colocado na produção para permitir o renovamento.

Pressupondo a reprodução simples a repetição regular do processo de produção em proporções invariáveis, o capitalista deve, para assegurá-la, repor na reprodução apenas o valor de seu capital transferido às mercadorias escoadas. A mais-valia não deve, nestas condições, ser investida na produção, mas sim ser absorvida totalmente para a satisfação das necessidades pessoais do capitalista.

Entendemos, pois, como reprodução simples capitalista, a reprodução em que o capitalista emprega toda a mais-valia arrancada da exploração dos seus operários para satisfazer suas necessidades.

A reprodução simples reduz-se à repetição do processo de produção em proporções invariáveis. Mas, nas condições do capitalismo, a exclusiva repetição do processo de produção em proporções invariáveis lhe confere novos caracteres. Suponhamos que o capitalista tenha a princípio colocado na produção 10.000 francos, dos quais 8 000 de capital constante e 2.000 de capitai variável. Supondo-se que a taxa da mais-valia e da exploração seja igual a 100 %, este capital variável de 2.000 francos renderá uma mais-valia de 2.000 francos. O capitalista colocará, portanto, na produção, cada ano, 10.000 francos que lhe darão anualmente 2.000 francos. Estes 2.000 francos ele os empregará integralmente em satisfazer suas necessidades. Cria-se a impressão de que o capitalista explora sua empresa com estes 10.000 francos que ele investiu a princípio. Se ele houvesse realizado 10.000 francos de economia em seu próprio trabalho, ou se ele tivesse herdado esta soma de seus antepassados, não seria direito negar que seu capital seja o resultado da exploração e sustentar que ele o produziu “com o suor do seu rosto”, como gostam de dizer certos capitalistas? A verdade, porém, seria bem outra. Sabemos que o operário, em razão do duplo caráter de seu trabalho, por um lado incorpora ao valor da mercadoria criada a do capital constante gasto para produzir esta mercadoria — edifícios, máquinas, matérias primas e matérias auxiliares — e por outro lado cria um novo valor do qual uma parte constitui o seu salário e outra a mais-valia. O valor do capital constante e do capital variável não está perdido para o capitalista, mas ressuscita no produto criado e volta-lhe no fim da produção. A mais-valia, pelo contrário, não lhe volta quando é dispendida em gastos pessoais, e constitui uma despesa nítida. Assim, desde que temos uma reprodução simples, desde que uma parte destes 10.000 francos adiantados a princípio pelo capitalista for, a cada movimento de rotação do capitai, substituído na medida de 1.000 francos pelo trabalho dos operários explorados, não restará, depois de cinco movimentos de rotação, um cêntimo do capital primitivo do capitalista; ainda que os primeiros 10 mil francos tenham talvez sido acumulados pelo capitalista com “o suor de seu rosto”, os dez mil francos de capital atual não representam senão o fruto da exploração dos operários.

Assim, sem falar nos fatos que mencionamos no capítulo sobre acumulação primitiva do capital, em que vimos como se constitui, em realidade, na grande maioria dos casos, a propriedade capitalista, verificamos que, mesmo quando o capitalista opera com um capital “bem adquirido”, seria ingênuo considerar-lhe o capital como honesto e inocente durante toda a duração da produção. Nós percebemos isto desde que começamos a considerar o processo de produção do ponto de vista de sua reprodução. Tal é a primeira conclusão que se nos impõe.

A segunda é que, quando apenas examinamos um movimento de rotação do capital, excluindo os demais, como se o processo da produção só se realizasse uma vez e não se repetisse, parece que o capitalista, pagando o salário ao operário antes de ter lançado no mercado as mercadorias produzidas, faz-lhe um pagamento adiantado, com seus próprios recursos. Desde que se examine a questão do ponto de vista da reprodução, descobre-se uma verdade completamente inversa. Cada movimento de rotação do capital é examinado, então, em ligação indissolúvel com os outros. Torna-se evidente que o capitalista paga o salário dos operários por meio de fundos obtidos pela realização do valor produzido pelos operários no curso do processo de produção anterior.

A terceira conclusão, que temos a tirar da reprodução simples, refere-se à importância, para o capitalista, da reprodução da força de trabalho. Quando o operário gasta ao trabalhar, no processo e produção, os meios de produção — máquinas, ferramentas, matérias primas, materiais auxiliares — este gasto chamado produtivo, que se faz dentro das paredes de uma fábrica pertencente ao capitalista, evidentemente serve ao capitalista. E o contrário quando se trata da reprodução da força de trabalho. O operário satisfaz com este fim suas próprias necessidades, come, bebe, veste- se, descansa, lê jornais, diverte sua família, etc. Isto ele faz geralmente em sua casa e não na fábrica, e isto lhe parece uma questão pessoal.

A realidade é, porém, um pouco diferente.

Se examinarmos, diz Kautski, o processo de produção capitalista em conjunto, na sua generalidade, isto é, como um processo de reprodução, devemos estudar, não o capitalista individual e o operário individual, mas sim a classe capitalista e a classe operária.

A reprodução do capital exige a conservação da classe operária, porque é indispensável, para o renovamento constante do processo de produção, que os operários reconstituam constantemente a força de trabalho gasta e se preocupem com substituir os trabalhadores velhos por jovens. O capital generosamente deixa aos próprios operários o cumprimento destes graves deveres: a conservação do indivíduo e a conservação da espécie.

Fora do tempo de trabalho, os operários parecem viver para eles próprios, mas, na realidade, quando “ociosos”, vivem ainda para o capitalista. Quando, acabada sua faina, comem, bebem, dormem, etc., eles mantêm e renovam a classe dos operários assalariados e, ao mesmo tempo, a reprodução capitalista. Quando o capitalista-nutridor, como o chamavam nas épocas patriarcais, quando o capitalista-empregador, como o chamam na época atual os professores alemães, de economia, paga ao operário um salário merecido, ele lhe fornece os meios de manter a classe operária no interesse dos capitalistas.

Os operários que consomem os meios de subsistência comprados com o salário, são, por isto mesmo, levados a vender de novo sua força de trabalho.

Assim, portanto, no ponto de vista da reprodução, o operário age em benefício do capital nas horas de liberdade como nas horas de trabalho. Ele come e bebe, não para si mesmo, mas para conservar sua força de trabalho em benefício do capitalista. Está aí porque não é indiferente ao capitalista que o operário coma bem. Se, em vez de descansar e de reconstituir sua força, o operário embriaga-se aos domingos e dias feriados, e se passa a segunda-feira “de ressaca”, o capitalista não vê aí um mal que o operário faz a si mesmo mas um crime contra o capital, uma traição da força de trabalho.(1)

A reprodução simples não só pode, pois, acontecer, como veremos, ocasionalmente, mas pode ser um fenômeno constante. É mais uma hipótese teórica abstrata do que uma realidade. Nós dela necessitávamos para estudar o mecanismo da reprodução capitalista.

continua>>>

Notas de rodapé:

(1) (1) C. KAUTSKI: Doutrina econômica. (retornar ao texto)

Inclusão 06/06/2019