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Todas estas formas de renda pré-capitalista pressupunham a existência do servilismo na agricultura.
Elas pertencem a um passado longínquo e nos países atrasados existem apenas vestígios.
Em compensação, a simples economia mercantil, a simples produção de mercadorias dos cultivadores, proprietários de pequenas parcelas de terra, está bem difundida na agricultura de todos os países capitalistas ao lado dos grandes domínios explorados segundo os princípios capitalistas.
É verdade que o capitalismo arruína, como veremos em seguida, por muitas maneiras, estas pequenas empresas, transformando uma pequena minoria de camponeses acomodados em camponeses ricos e depois em capitalistas médios e grandes, não sem transformar paralelamente a massa dos camponeses destituídos da posse do solo, dos meios de produção e dos meios de existência, em proletários: mas este processo de decomposição das pequenas empresas individuais está ainda bem longe de ter atingido as mesmas proporções que na indústria; a pequena economia camponesa desempenha ainda em todos os países papel importante.
Ela se distingue do servilismo pelo fato de ser o camponês o livre proprietário da terra e dos meios de produção, e o distingue também do operário que também é livre, mas privado de meios de produção e de meios de existência, constrangido por isto a vender sua força de trabalho ao capitalista. Em que medida as leis da renda territorial capitalista se aplicam à economia do pequeno cultivador independente? Vejamos primeiro a renda diferencial. Ela resulta, repitamo-lo, das diferenças de rendimento do trabalho nas terras mais ou menos férteis e mais ou menos bem situadas. Ela é a parte da mais-valia criada pelos operários agrícolas em beneficio do fazendeiro e cedida por este último ao proprietário territorial.
Pode-se falar, entre os pequenos produtores de mercadorias, entre camponeses, de trabalho diferencial? A maior ou menor fertilidade de um terreno e sua situação mais ou menos favorável são qualidades naturais e não podem ser modificadas. Os cultivadores que possuem as melhores terras receberão um excedente de produtos que se transformará, na economia mercantil, em excedente de valor? Mas nós já dissemos que a renda diferencial, ainda que ligando-se às qualidades naturais do solo, é uma categoria social com todas as outras categorias da economia política, e encerra relações definidas de produção.
Qual é, portanto, a diferença entre as relações de produção que se dissimulam, na economia capitalista, detrás da renda diferencial e das relações que têm lugar na simples economia mercantil dos cultivadores? O camponês independente, possuidor de uma boa terra, cultiva-a com sua família, e guarda, consequentemente, todo o excedente do produzido. Os operários criadores de mais-valia não existem neste caso, do mesmo modo que os fazendeiros capitalistas e os proprietários territoriais que deveriam partilhar a mais-valia. A renda territorial, parte da mais-valia paga ao proprietário territorial, não existe, portanto. A categoria de renda diferencial é, pois, inaplicável à economia camponesa baseada na simples produção de mercadorias, consideradas no estado puro, sem nenhuma relação com seu envoltório capitalista.
Vejamos, agora, qual será a influência do meio capitalista na economia camponesa e mais particularmente no problema da renda diferencial. Marx escreveu :
A decomposição do valor, materialização do trabalho novamente reunido em rendimento sob a forma de salário, de lucro e de renda territorial, é tão natural no modo capitalista de produção e decorre dele de tal maneira, que este método é ainda aplicado quando as condições de existência dessas forças de rendimentos (não falamos aqui dos períodos históricos anteriores que vimos ao estudar a renda territorial) não existem inteiramente. Assimila-se então, por analogia, a estas formas de rendimento tudo e que se quer.
Se o trabalhador independente — tomemos a título de exemplo o pequeno cultivador, porque as três formas de rendimento se aplicam no seu caso — trabalha por sua própria conta e vende seus próprios produtos, ele é considerado, em primeiro lugar, como seu próprio patrão (capitalista) e seu operário; em segundo lugar, como seu próprio proprietário territorial e seu próprio locatário. Ele paga a si mesmo seu salário de operário, entrega a si mesmo seu próprio lucro capitalista e recebe sua própria renda territorial.
Supondo-se que o modo capitalista de produção e as relações que lhe correspondem constituem a base social geral, este modo de ver deve ser reconhecido como justo, pois que o trabalhador independente pode apropriar-se de seu próprio trabalho suplementar, não em virtude de seu trabalho, mas da sua condição de proprietário dos meios de produção — que já toma em geral a forma de capital.(1) Além disso, na medida em que ele produz sob a forma mercadoria e depende por consequência do preço da mercadoria (e o preço devia ser tomado em consideração mesmo que este não fosse o caso), a massa de trabalho suplementar que ele pode realizar depende, não de sua própria grandeza, mas da taxa gerai do lucro; do mesmo modo, o excedente que recebe, em comparação com a grandeza da mais-valia definida pela taxa geral do lucro, não depende, ainda uma vez, da quantidade de trabalho que gastou e não pode tornar-se sua propriedade senão porque ele é proprietário do solo.
Como estas formas de produção não correspondem absolutamente ao modo de produção capitalista, elas podem, não sem razão, ser assimiladas às formas capitalistas de rendimento, fortalecendo ainda mais a ilusão de que as relações capitalistas são as relações naturais de todo modo de produção.(2)
Procuremos explicar estas considerações de Marx. Marx indica, de início, que as relações de produção da economia camponesa independente são diferentes das relações capitalistas; não existem mesmo as condições das formas capitalistas de rendimento na economia camponesa, diz Marx. Em segundo lugar, mostra que não obstante esta diferença, se pode, no regime de produção capitalista (servindo esta de “base social geral”) assimilar por analogia as formas não capitalistas de rendimento (incluímos os rendimentos das pequenas explorações camponesas) às formas capitalistas.
“Com os lobos é preciso uivar”. Ainda que a natureza do cultivador seja, na realidade, diferente da do capitalista, é preciso, nas condições da produção capitalista, que o camponês confira aos preços de seu produto as aparências capitalistas e que estes preços sejam convencionalmente decompostos num “salário” de operário, numa “taxa média de lucro” de possuidor de meios de produção (de “capitalista”) e numa “renda territorial” de proprietário territorial que o cultivador paga a si próprio.
Esta aplicação das categorias da economia puramente capitalista à pequena economia camponesa pode ser considerada como justa até certo ponto: em primeiro lugar, porque o camponês independente não pode apropriar-se do produto de seu trabalho senão em razão de sua qualidade de proprietário dos meios de produção que, no regime capitalista, tomam a forma de capital; em segundo lugar, porque ele produz mercadorias e depende, por consequência, do seu preço (ora no regime capitalista, o preço de uma mercadoria não depende de seu valor, mas da taxa geral do lucro) de maneira que, realizando no mercado o produto de seu trabalho, ele cai sob a influência das leis gerais da economia capitalista, embora sua produção não tenha caráter capitalista; enfim, em terceiro lugar, porque o excedente do valor que o camponês recebe em consequência do rendimento mais elevado do trabalho nas melhores terras, não lhe volta inteiramente porque — sempre no regime capitalista — ele próprio trabalha a terra que é de sua propriedade.
Pode-se aplicar à pequena economia camponesa, tendo um envoltório capitalista, a categoria de renda diferencial? Devemos, agora, responder a esta pergunta que se pode, num certo sentido limitado e convencional, na medida em que a realização do excedente do valor resultante do rendimento mais elevado do trabalho nas melhores terras depender do mercado capitalista, já que este mercado é regido pelo preço da produção, já que a apropriação do excedente pelo camponês não se prende a seu trabalho, mas à qualidade de proprietário do solo e dos meios de produção que no regime capitalista tomam a forma de capital.
continua>>>Notas de rodapé:
(1) Sublinhado por nós. (retornar ao texto)
(2) C. MARX: O Capital, livro III, 2.ª parte. (retornar ao texto)
Inclusão | 06/06/2019 |