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O lucro é a meta de todo o capitalista. Ora bem, como já sabemos, a mais-valia criada pelos operários no processo de produção é a única fonte de lucro. O capitalista só pode apropriar-se desta mais-valia porque é o proprietário das máquinas e dos meios de produção, sem os quais o operário não pode empregar a sua força de trabalho.
O segredo da produção de mais-valia está no facto de quando o capitalista compra a força de trabalho só paga ao operário o valor desta força, e não o valor que o trabalho cria. Deste modo, a força de trabalho transforma-se, no regime capitalista, numa mercadoria que tem um determinado valor. Mas este valor - como o de qualquer mercadoria - tem de encontrar a sua expressão num equivalente determinado, e fá-lo frequentemente numa soma de dinheiro que é o preço da força de trabalho e se chama salário.
Pode parecer, a julgar pelas aparências, que o salário não só paga a força de trabalho, mas também o trabalho realizado pelo operário durante a sua jornada. É o que pensam os capitalistas que têm muito interesse em manter esta concepção errónea do salário; é o que pensa por vezes o operário. A explicação é a seguinte:
Deste modo, a forma salário dissimula e obscurece as relações entre operários e capitalistas. Mas já explicámos o suficiente a essência do salário preço da força de trabalho, ao estudar a mais-valia.
Como já dissemos, é frequente expressar o preço da força de trabalho ou salário numa soma de dinheiro. Falámos neste caso na forma dinheiro do trabalho.
Nos primeiros tempos do desenvolvimento da sociedade capitalista era bastante frequente outra forma de salário, o salário em espécies. Neste caso o operário não recebia dinheiro, mas sim uma quantidade determinada de produtos que ele próprio produzia na fábrica ou de produtos necessários para a sua subsistência e para a da família (pão, roupa, etc.) que o patrão tinha comprado no mercado.
Pouco a pouco, o desenvolvimento do capitalismo elimina estas formas de retribuição em espécies.
Mas se o salário representa uma certa soma de dinheiro, compreende-se que é necessário considerar na apreciação da sua quantidade, não o dinheiro em si, mas sim a quantidade real de meios de existência que este dinheiro representa. Se, por exemplo, dois operários, um de Moscovo e outro de Samara, recebem dois rublos diários cada um, podemos dizer que o salário é o mesmo? Aparentemente podemos, se julgarmos a soma de dinheiro que recebem (salário nominal). Mas se examinarmos o problema mais de perto, se nos perguntarmos o que cada operário pode comprar com dois rublos, tudo se modifica. Primeiro, o operário precisa de alimentos para manter a sua força de trabalho. O operário russo gasta quase metade do seu orçamento com a alimentação(1). Quase um quarto gasta-o em renda de casa(2). Ora bem, os alimentos e a habitação são mais baratos em Samara que em Moscovo. Portanto, o salário real do operário de Samara, ao contrário do salário nominal, será superior ao salário real do operário de Moscovo.
A forma de pagamento da força de trabalho (em dinheiro ou em espécies) e o modo de calcular o salário são tão importantes para o operário como para o capitalista.
Na sociedade capitalista conhecem-se duas formas essenciais de salário: salário por tempo e salário à peça.
O operário pago por tempo recebe um determinado salário por hora, dia, semana ou mês.
O operário pago à peça recebe conforme a quantidade de mercadorias que produz, independentemente - na aparência - do tempo de trabalho. Qual o resultado desta forma de salário?
O operário pago por tempo não tem particular interesse em trabalhar intensivamente, pois, trabalhe mais ou menos, o salário da jornada não se altera. O operário pago à peça tem sempre presente que quanto menos faz, menos recebe. No caso do salário diário, o capitalista tem de manter um corpo de capatazes para vigiar os operários durante o trabalho. No trabalho à peça esta vigilância é inútil, pois o próprio sistema disciplina o operário e obriga-o a trabalhar mais intensamente. E quanto mais intensamente trabalha maior é a mais-valia para o capitalista.
Mas como se determina o salário que o operário pago à peça recebe por cada uma? Não é difícil adivinhar que, como o salário deve proporcionar ao operário o valor dos meios socialmente necessário à sua subsistência, o salário à peça deve calcular-se de modo que o operário médio possa ganhar na sua jornada o que necessita para recuperar as forças. Suponhamos que cada operária de uma oficina de confecção cose, em média, cinco camisas por dia. Suponhamos que precisa para viver de 4$ por dia. E evidente que o equilíbrio da força de trabalho só pode manter-se se a operária recebe 0$80 por camisa(3). Consideremos que o capitalista lhe dá precisamente este preço. Será que as operárias se limitam a coser cinco camisas por dia? A operária que vive numa pobreza constante tentará produzir mais para ganhar mais e fará, por exemplo, seis camisas por dia, o que proporcionará um salário de 4$80. Uma operária habilidosa será imitada por outras; produzir-se-á uma certa emulação, porque cada operária quer produzir mais do que as outras. Pode ser que aconteça muitas operárias produzirem mais de seis camisas por dia. Que se passará então? Como a operária média cose agora seis camisas por dia, basta-lhe para viver que receba por cada camisa 4$ divididos por seis, ou seja 0$66(4). Se, ao preço dum novo esforço, as operárias conseguem produzir como termo médio sete camisas por dia, o preço que recebe por camisa baixará de novo, desta vez, para 0$56.
Deste modo, a vantagem que os operários tiram do trabalho à peça recorda o pássaro azul que os meninos do drama de Masterlink procuravam. Cada vez que pensavam tê-lo encontrado, mal o tinham nas mãos, o pássaro azul tornava-se cinzento.
A tensão extrema do trabalho, consequência do trabalho à peça, é nefasta para a classe operária. Conduz ao cansaço crónico, ao nervosismo, à deterioração prematura do organismo do trabalhador; além da baixa do salário, o trabalho à peça provoca a competição, a inveja e o desacordo entre os operários. Além disso, também pode acontecer que a recompensa do esforço dos operários seja o despedimento, pois a produção mais forte de cada trabalhador permite empregar menos trabalhadores para determinada tarefa. Finalmente, o trabalho à peça pode dar uma ideia equívoca do salário. Parece que cada peça feita pelo operário lhe é paga, enquanto que na realidade o capitalista só lhe paga uma parte do valor do produto do seu trabalho. Esconde-se, deste modo, a exploração.
Esta a razão por que nos países capitalistas os operários organizados lutam desde há tempo contra o trabalho à peça e pedem o salário por hora, por jornada ou por semana.
Além destes dois modos fundamentais de calcular o salário, existem na sociedade capitalista vários outros modos secundários.
Estes modos caracterizam-se em todas as suas variedades pela intenção de dissimular o carácter de classe da sociedade capitalista, pela intenção de ocultar a própria exploração e de obrigar o operário, oferecendo-lhe falsas vantagens, a trabalhar mais intensamente sem necessidade de empregar a violência exterior.
Em primeiro lugar deve mencionar-se o sistema dos prémios.
Consiste em estabelecer uma determinada norma para a produção diária do operário (digamos, cinco camisas, como no nosso exemplo). O operário recebe um salário diário determinado (suponhamos 4$). Mas se a produção da jornada é mais alta que a norma estabelecida, paga-se-lhe um prémio por cada peça suplementar.
Falta-nos dizer que este sistema não é mais que uma variedade do trabalho à peça e, muitas vezes, pior ainda, pois, como o capitalista considera o pagamento das peças suplementares como um prémio, e não como salário normal da força de trabalho, só paga o trabalho suplementar numa proporção insignificante: se a operária coseu duas camisas a mais, recompensa-la-á dando-lhe um prémio de 1$, pagando-lhe, portanto, 0$50 por cada camisa confeccionada para além do estabelecido, quando na realidade o preço por cada camisa, segundo a norma, era de 0$80. Ainda que, quando o capitalista paga à peça a produção suplementar, não a paga, em geral, ao mesmo preço que a produção normal da jornada.
Assinalemos, em segundo lugar, o sistema da participação operária nos lucros.
Neste sistema, o operário recebe no fim do ano, além do seu salário, uma soma complementar de dinheiro que, aparentemente, representa a parte dos lucros que o capitalista entrega aos seus operários.
Não é difícil compreender o mecanismo desta participação nos lucros: o capitalista quer obter dos seus operários um trabalho mais intenso e, com este fim, interessa-os no rendimento da empresa; deste modo tenta suscitar neles o sentimento de que os seus interesses coincidem com os do patrão.
Entende-se que esta participação nos lucros não é mais que um logro e só prejudica os operários: a percentagem que o capitalista dá ao operário é insignificante, já que toma a precaução de reduzir, previamente, na mesma proporção, o salário principal(5).
Muitas vezes o operário encontra-se ligado à empresa por um período de tempo bastante longo, porque o capitalista só paga «os lucros» ao fim de certo tempo de casa, um ano, por exemplo.
Não obstante, os operários deram-se conta do prejuízo que lhes causava este sistema, e por isso não se espalhou muito.
Para concluir, temos de mencionar outra forma de salário: o sistema da escala variável. Neste sistema o salário altera-se segundo o preço da mercadoria produzida pelos operários. Sem falar das falsificações e fraudes que podem produzir-se, recordemos que deste modo o salário depende das variações do mercado. O capitalista que tem de enfrentar os seus concorrentes diminui o preço de venda das suas mercadorias e, com a ajuda da escala variável dos salários, faz recair nos operários parte dos riscos da baixa de preços.
Notas de rodapé:
(1) Segundo o inquérito de 1908, 47,96 %. (retornar ao texto)
(2) Segundo o mesmo inquérito, 23,01 %. (retornar ao texto)
(3) Supomos naturalmente a procura igual à oferta. (retornar ao texto)
(4) Também não consideramos o aumento de consumo dos meios de existência provocado por uma maior intensidade de trabalho. Vimos anteriormente (livro II) que, no mesmo caso, o capitalista não perde nada com a intensidade do trabalho que se obtém com o trabalho à peça. (retornar ao texto)
(5) Os próprios capitalistas admitem por vezes que a participação operária nos lucras é ficção: «O director da Sociedade de Gases de Londres, gabava-se na Câmara do Comércio, de que a participação operária nos lucros não custava nada aos accionistas.» (O. ERMANSKY, A Organização Científica do Trabalho). Em russo. (retornar ao texto)
Inclusão | 26/06/2018 |