Conceitos Fundamentais de O Capital
Manual de Economia Política

I. Lapidus e K. V. Ostrovitianov


Livro segundo: A produção de mais valia
Capítulo IV - A mais-valia na URSS
23. Característica geral da economia da URSS


capa

Agora, que conhecemos em linhas gerais a natureza da mais-valia, forma específica da exploração capitalista, impõe-se-nos a questão seguinte: — Em que medida a categoria da mais-valia será aplicável à economia da URSS?

Devemos, para responder, definir, ainda que brevemente, a economia da URSS. Já em 1918, Lenine, discutindo com os comunistas da esquerda, definiu essa economia como formando a transição do capitalismo ao socialismo. Escrevia:

Ninguém negou ainda o caráter transitório dessa economia. Mas, que significa a palavra transição? Não significa, aplicada à economia, que dada sociedade encerra elementos, parcelas, partículas de capitalismo e socialismo? Todos o reconhecem. Mas todo mundo, em o reconhecendo, não reflete na natureza precisa destes elementos de diversas relações econômico-sociais existentes na Rússia. No entanto, tudo está aí.

Enumeremos esses elementos:
1. Economia camponesa patriarcal, isto é, natural, em larga escala.
2. Pequena produção de mercadorias (a esta categoria pertence a maior parte dos camponeses que vendem trigo).
3. Capitalismo privado.
4.
Capitalismo de Estado.
5.
Socialismo.

A Rússia é tão grande e diferenciada, que estes diversos tipos econômicos e sociais se misturam. É o que a situação tem de original.

O conteúdo das três primeiras formas econômico-sociais não suscita dúvidas e não precisa, portanto, ser explicado. Ao contrário, a significação, que Lenine dava às noções de capitalismo de Estado e de socialismo, origina vivas discussões. Alguns afirmam que a noção de capitalismo de Estado abrange a economia da URSS por inteiro e que a indústria estatal deve ser considerada como parte do capitalismo de Estado.

Que pensava Lenine? No texto, que acabamos de citar, o capitalismo de Estado é mencionado em quarto lugar, no mesmo plano que as outras formas, o que parece permitir interpretar a noção de capitalismo de Estado num sentido restrito mais do que num sentido lato.

Mas Lenine deixou outras indicações sobre o que ele entendia por capitalismo de Estado, indicações estas que não permitem nenhum equívoco. Para começar, ele deu a definição geral seguinte:

O capitalismo de Estado é o capitalismo que saberemos limitar ao qual estabeleceremos limites. Este capitalismo de Estado está ligado ao Estado e o Estado são os operários, são os operários adiantados, e a vanguarda operária, somos nós.

Lenine entendia, pois, por capitalismo de Estado, nas nossas condições, o capitalismo colocado sob o controle do Estado proletário. Mas, não se limitando a essa definição geral, ele enumerava, em 1921, na sua brochura. O imposto em espécie, as formas concretas do capitalismo de Estado existentes naquela época.

Ele aí fazia entrar, antes de tudo, as concessões.

Que é uma concessão no sistema soviético, do ponto de vista das formas econômico-sociais e das suas relações? E’ um contrato, um cartel, a aliança do poder proletário, do Estado proletário com o capitalismo de Estado, contra a pequena propriedade (patriarcal e pequeno-burguesa). O concessionário é um capitalista. Ele conduz os negócios como capitalista para recolher lucros. Ele consente em contratar com o poder proletário a fim de obter um lucro excepcional, superior ao normal, ou, então, matérias primas que não poderia obter ou obteria dificilmente de outro modo. O poder dos Soviets lucro com o desenvolvimento das forças produtoras e o aumento da quantidade dos produtos.

Assim, Lenine considerava como capitalismo de Estado o emprego do comerciante na qualidade de intermediário que ganha uma comissão, na organização da venda ou compra de produtos e, enfim, a locação, pelo capital privado, de empresas pertencentes ao Estado.

Consideremos uma terceira forma(1) de capitalismo de Estado. O Estado faz intervir o capitalista na qualidade de comerciante, paga-lhe uma comissão determinada pela venda dos seus produtos ou pela compra dos produtos do pequeno produtor. Quarta fornia: o Estado cede em locação ao patrão capitalista um estabelecimento, uma indústria, uma floresta, ou terras.

Lenine não se limita a definir e concretizar a noção de capitalismo de Estado; coloca, também, claramente e sem equívoco, nossa indústria de Estado nas formas socialistas da economia.

Observemos, desde já, que, nos cinco regimes econômicos que ele menciona, figura a forma socialista da economia. Se nossa indústria estatal fosse capitalismo de Estado, não se compreenderia o que Lenine haveria de chamar a forma socialista. Se fosse impossível fazer entrar nossa indústria estatal na concepção de socialismo, que se poderia aí colocar? E, se as formas socialistas não existem na economia da URSS , por que as mencionaria Lenine?

Há mais, porém: no seu artigo sobre “a cooperação”, Lenine chama as empresas estatais “empresas do tipo socialista consequente” e explica entre parêntesis o que as caracteriza: é que 44os meios de produção, o solo em que está a empresa e a própria empresa, tudo pertence ao Estado”.

Lenine não colocava, pois, entre os elementos de capitalismo de Estado senão as concessões, as empresas arrendadas aos particulares e todas as formas de utilização do capital privado em condições determina* das por contraio sob o controle do Estado. Quanto à indústria do Estado, ele a relacionava aos elementos socialistas da economia.

E ele considerava a economia soviética, no seu conjunto, como uma economia de transição do capitalismo ao socialismo.

Não se pode, pois, dar uma resposta geral à questão da mais-valia na economia da URSS. Teremos que dar diferentes respostas, correspondentes às relações de produção que caracterizam as diversas formas econômicas existentes.


Notas de rodapé:

(1) Na sua brochura “O imposto em espécie, década de 1921, Lenine considera a cooperação como uma segunda forma de capitalismo do Estado. Examinaremos, mais adiante, a natureza da cooperação e sua junção na construção socialista. Ver os capítulos “O capital comercial e o lucro comercial na URSS.” e “Da acumulação socialista”. (retornar ao texto)

Inclusão 16/08/2018