Conceitos Fundamentais de O Capital
Manual de Economia Política

I. Lapidus e K. V. Ostrovitianov


Livro Primeiro: O Valor Regulador do Regime de Produção de Mercadorias
Capítulo II - A forma-valor e o dinheiro
14. Outras funções do dinheiro


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Mas será que o dinheiro está sempre em circulação? Terá apenas o papel de eterno viajante? Não é exactamente assim.

Vimos que a quantidade de dinheiro necessária para a circulação se determina pelo valor das mercadorias e pela velocidade da circulação monetária. Mas a quantidade de mercadorias que existe no mercado não é uma quantidade constante. Se esta quantidade diminui, as trocas aceleram-se, e uma parte do dinheiro chegará a ser supérflua. Que acontecerá a este dinheiro? Certa quantidade de moedas pode fundir-se e servir de metal para a confecção de jóias, tapaduras de ouro, etc. Mas uma parte das moedas pode esconder-se nas caixas fortes, nos baús, debaixo do colchão, etc. Enquanto o dinheiro permanece escondido, deixa de ser meio de circulação e transforma-se em tesouro. Aquele que esconde o dinheiro e o transforma em tesouro interrompe o processo M1—D—M2, na fase M1—D. O valor do tesouro, o trabalho que materializa, parece adormecido, pronto a despertar em qualquer momento e voltar a desempenhar o seu papel na regulação das relações sociais do sistema baseado na troca. Também pode produzir-se a transformação do dinheiro em tesouro sem que este seja supérfluo na circulação. O carácter de uma mercadoria ou as condições do mercado podem requerer uma interrupção momentânea do processo M—D—M.

O camponês que quer comprar uma debulhadora junta, pouco a pouco, o dinheiro que obtém da venda dos produtos agrícolas para reunir a soma necessária. Às vezes torna-se vantajoso não comprar uma mercadoria imediatamente a seguir a ter vendido a sua, mas sim esperar algum tempo.

Finalmente, as condições da circulação das mercadorias podem apresentar-se de tal modo que o comprador receba a mercadoria antes de a pagar com dinheiro. São os casos da venda a crédito, nos quais não podemos deter-nos longamente por agora, já que voltaremos a tratá-los mais tarde. Limitemo-nos a indicar que pode haver crédito, por exemplo, quando o camponês compra mercadorias a um comerciante, no Verão, com a intenção de as pagar depois da venda da colheita. O processo da circulação da mercadoria apresenta-se então com a seguinte «deformação»:

  1. M (o camponês compra no Verão tecidos a crédito);
  2. M1—D (o camponês vende o seu trigo no Outono);
  3. D (o camponês paga a sua dívida ao comerciante).

O processo habitual tem apenas duas fases:

  1. M—D
  2. D—M2

Quando, no Outono, o camponês paga ao comerciante, é evidente que o dinheiro já não é um meio de circulação, posto que as mercadorias circularam antes do pagamento. O pagamento parece fechar a brecha formada no processo M1—D—M2 pela compra a crédito. Neste caso diz-se que o dinheiro não cumpre já a função de meio de circulação, mas sim de meio de pagamento.

Portanto, constatamos que o dinheiro desempenha na economia de troca as seguintes funções: medida do valor, meio de circulação, meio de acumulação de tesouro e, finalmente, meio de pagamento. Sem dinheiro a existência da economia de troca e a sua regulação espontânea pela lei do valor tornar-se-ia muito difícil. Começámos por estudar o preço e, ao tentar explicá-lo, chegámos à lei do valor, base do preço. Agora damo-nos conta que o preço de uma mercadoria não é mais que o seu valor expresso em dinheiro. Neste ponto referimo-nos ao preço, e sempre supusemos que o preço correspondia ao valor. Esta suposição só corresponde à realidade quando a procura de mercadorias é igual à oferta. Uma vez mais recordamos que na economia desorganizada e baseada na troca este equilíbrio só pode existir durante um instante, como excepção. Regra geral, a repartição do trabalho entre os ramos da produção em forma proporcional às necessidades obtém- se através das variações constantes entre preço e valor. Mas esta circunstância não diminui a importância do valor, centro para o qual os preços se orientam irresistivelmente em todas as suas variações e em torno do qual oscilam.

Um autor russo, L. I. Lioubimov, faz no seu curso de economia política uma comparação interessante entre o valor e o toque da campainha que chama os alunos para a aula. É pouco frequente que o aluno entre na aula no momento exacto em que toca a campainha. A maioria dos alunos chega um pouco antes ou um pouco depois. Mas isto não quer dizer que o toque da campainha não tenha relação nenhuma com a chegada dos alunos e o começo das aulas. O toque da campainha indica o ponto de equilíbrio que regula a chegada dos alunos. Esta é apenas uma boa comparação, já que há entre o valor e o toque da campainha uma diferença enorme, pois que uma vontade consciente rege o toque da campainha enquanto que o valor regulador dos preços se estabelece por si só, espontaneamente, como vimos. As comparações não se baseiam nunca em analogias perfeitas.

Precisemos que em tudo o que ficou dito considerámos apenas o dinheiro, que tem um valor integral representado no nosso tempo pela moeda de ouro.

Todos sabemos que também figuram na sociedade moderna, e ao lado do ouro, moedas que têm um valor incompleto: moedas de prata, cobre, níquel, bronze e outras. Estas moedas materializam menos trabalho que o seu preço nominal e a proporção em que se trocam por ouro é disso indicativo (quando ocorre esta troca).

O papel-moeda, que pode (apenas em certas condições) substituir a moeda de ouro, ocupa um lugar mais importante na sociedade moderna, apesar de o trabalho empregado para o produzir ser praticamente insignificante.

À primeira vista este facto parece contradizer os nossos raciocínios; sugere a ideia de que o dinheiro não deve ter necessariamente um valor intrínseco. A realidade é diferente.

A moeda de valor completo só pode substituir-se por uma moeda de valor incompleto ou por papel- moeda quando desempenha o papel de meio de circulação, o que se explica pelo papel momentâneo que desempenha em certas circunstâncias.

Quando o camponês vende o seu trigo por um escudo e compra imediatamente petróleo por um escudo, o dinheiro só permanece um momento nas suas mãos e escapa-se-lhe em seguida. A partir do momento em que se desfez dele e que em troca recebeu mercadorias cujo valor equivale a um escudo, pouco importa que este escudo tenha sido de ouro ou substituído por papel. O comerciante de petróleo pensará o mesmo se voltar a pôr este escudo em circulação e comprar pano. Mas, devemos repeti-lo, o papel-moeda só pode substituir a moeda de valor intrínseco no processo de circulação. Se a moeda de valor intrínseco não existisse, a moeda que a substitui também não poderia existir.

Estudaremos este problema mais a fundo, no capítulo do papel-moeda e do crédito. Então chegaremos a conclusões sobre as funções do dinheiro.


Inclusão 26/06/2018