No Programa de Transição, está dito: “a premissa econômica da revolução proletária chegou, depois de muito tempo, ao ponto mais elevado que poderia chegar. As novas invenções e progressos técnicos não conduzem mais ao crescimento da riqueza material”.
E claro que temos aí um problema que devemos debater, pois apenas Trotsky e os trotskistas sustentam que essa tese foi confirmada pelos fatos. Todas as demais tendências do movimento operário dizem o contrário, e eu não falo aqui evidentemente do ideólogos da burguesia, os quais, obviamente, estão obrigados a afirmar que seu sistema tem futuro e, em consequência, que as forças produtivas seguem em ascensão. A social-democracia estima que as forças produtivas continuam a crescer, assim como os stalinistas, os pablistas, Mandel, todas as tendências que se dizem revolucionárias: “Rouge”, o Movimento de 22 de março, os anarquistas; tomando-se uma a uma essas tendência, sobre esta questão há um acordo total, global entre elas; esse acordo não é a “união dos revolucionários”, mas a unidade aqueles que proclamam-se revolucionários com os pensadores da burocracia stalinista e do reformismo.
O marxismo considera o desenvolvimento das forças produtivas como o motor de avanço da marcha da humanidade. A noção marxista de forças produtivas não faz delas uma categoria abstraída da realidade social. As forças produtivas e o modo de produção que lhe corresponde são relações sociais; na sociedade capitalista essas relações sociais são a expressão das relações entre a burguesia e o proletariado. Marx escreveu em 1859, no prefácio à Contribuição para a Crítica da Economia Política: “o modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social, político e intelectual em geral. Não é a consciência do homem que determina a sua existência; é inversamente à sua existência social que determina a sua consciência”. E o lugar dos homens na produção social que determina sua consciência, no regime capitalista, as relações de propriedade em que se movem as forças produtivas são as que resultam da propriedade privada dos meios de produção, possuídos pelo capital. Quanto ao proletariado, ele faz funcionar esse meios de produção e não tem outra propriedade senão a sua força de trabalho.
Marx prossegue: “Em certo estágio de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes, ou, o que é sua expressão jurídica, com as relações de propriedade no seio das quais estavam contidas até então.
De formas de desenvolvimento, de forças produtivas que eram, estas relações transformam-se em entraves. Abre-se então a época de revolução social… As relações de produção burguesas são as relações de produção existentes, que é a expressão não de uma contradição individual, mas de uma contradição que nasce das condições de existência social dos indivíduos.
Entretanto, as forças produtivas que se desenvolvem no seio da sociedade burguesa criam ao mesmo tempo, as condições materiais para resolver essas contradições”. Desculpem-me esta longa citação, mas creio que ela seja absolutamente indispensável para a compreensão da questão. É absolutamente indispensável, por que, das duas uma: ou Marx está certo ou está errado. Concebo perfeitamente que se possa polemizar com Marx e explicar que ele errou em tal ou qual parte de seu raciocínio ou em todo seu raciocínio; mas o que é impossível de aceitar, já não digo em nome dos interesses da luta pela revolução proletária, mas simplesmente em nome da verdade, é que pessoas que se proclamam marxistas questionem essa tese fundamental de Marx, a saber, que um modo de produção determinado é considerado por ele como progressivo quando permite o desenvolvimento das forças produtivas e como reacionário, regressivo, a partir do momento em que ele não possibilita o desenvolvimento das forças produtivas. Mas é preciso ser consequentes; se, atualmente, as forças produtivas continuam a crescer, isso quer dizer que o prognóstico da revolução proletária foi refutado pela história, quer dizer que temos diante de nós um grande período de expansão do capitalismo, quer dizer que hoje em dia trata-se não da luta pelo socialismo, mas da adaptação ao sistema capitalista, da capitulação a ele, e é isso mesmo que fazem todas as pessoas. Devemos compreender que, se abandonarmos essa tese segundo a qual as forças produtivas cessaram de crescer, justifica-se, por aí, a posição dos stalinistas que explicam, e explicam em maio-junho de 1968: as condições não estão reunidas para a revolução proletária. Por outro lado, é evidente que os stalinistas, batizando a fase atual da história como de “capitalismo monopolista de Estado”, fazendo da mesma uma etapa distinta do imperialismo, estágio supremo do capitalismo, e atribuindo a esse novo sistema social, o “Capitalismo-Monopolista de Estado”, a faculdade de desenvolver as forças produtivas, pretendem por aí justificar sua política de capitulação frente à burguesia.
Se as forças produtivas continuam sua ascensão, nesse sistema capitalista-monopolista de Estado, nessas condições, as medidas adotadas por esse sistema para assegurar a progressão das forças produtivas são parcialmente progressivas, e é por isso que eles nos explicam não apenas que as forças produtivas materiais desenvolvem-se, mas que o proletariado cresce (e não somente o proletariado, mas os estudantes, os intelectuais, os engenheiros, os quadros; voltarei logo a este assunto): quer dizer que a partir daí a integra-se à reforma de Fouchet. Vejam então, camaradas, toda a importância deste debate; ele está no coração de todos os problemas; tanto assim que aqueles que, hoje em dia criticam os stalinistas como não sendo revolucionários, como, por exemplo, os dirigentes anarquistas, os pablistas, “Rouge”, Lutte Ouvriére , apóiam por sua vez toda a sua política sobre a afirmação de que o capitalismo continua sua ascensão (assim, o célebre teórico Mandel professa a teoria do neo-capitalismo como uma fase inserida, após o imperialismo, entre o capitalismo e o socialismo é caracterizada por um novo desenvolvimento das forças produtivas). Compreende-se então que eles não cessem de oscilar, que de um lado eles boicotam e de outro lado aceitem a reforma Fouchet-Faure, para, em seguida, recusar-se a participar dos organismos criados por essa reforma. Tais oscilações tornam-se inevitáveis devido à sua base teórica, pois ela está em contradição com o marxismo.
Esse problemas têm uma importância decisiva, pois se as aspirações à felicidade, à liberdade, à justiça sempre existiram no coração dos homens, desde que há exploradores e explorados, o problema a resolver é o de criar as condições materiais que poderão assegurar essa felicidade, essa liberdade, essa justiça. Os escravos crucificados após a derrota de Spartacus exprimiam essa tendência irreprimível que existe no coração dos explorados, mas eles deviam ser derrotados… não podiam deixar de ser derrotados. É preciso compreender, também, que todos os horrores do período da acumulação primitiva do capital, esse período que conheceu, entre 1820 e 1840, a Inglaterra, um pouco mais tarde a França, onde viram-se gerações inteiras, crianças de 10 anos, mesmo de 8 ou 6 anos trabalharem durante 14, 16 ou 18 horas diária nas máquinas porque tinham os dedos finos demais para apanhar os fios de seda, eram inelutáveis.
O Capital, que se alimentou da destruição física de milhares, de centenas de milhares de filhos de proletários, esse Capital tinha um futuro histórico, pois assegurava então, efetivamente, o desenvolvimento das forças produtivas.
É evidente que os revolucionários daquela época deviam combater as consequências do modo de produção capitalista, mas eles deviam constatar, faltava-lhes constatar que o capitalismo era um fator de progresso e de civilização. Mas atualmente, como Marx analisou, as condições materiais de satisfação das necessidades humanas estão reunidas e é isso que pode, hoje em dia, dar ao proletariado a certeza de que seus objetivos revolucionários não são utópicos. Essas condições materiais estão realizadas, não apenas porque as forças produtivas atingiram o limiar senil da socialização dos meios de produção, mas porque elas estão sufocadas no quadro da propriedade privada dos meios de produção e da camisa-de-força do Estado Nacional, que elas tendem a arrebentar esse quadro e essa camisa-de-força. É porque aquilo que Marx tinha estabelecido como um prognóstico, o que Lênin, em 1914, exprimiu em termos científicos, em “O Imperialismo, Estágio Supremo do Capitalismo”, está realizado, é por isso que nós podemos hoje em dia dizer que a revolução proletária é uma perspectiva correta. Senão, não haveria para nós mais do que uma vaga aspiração que, de fato, não poderia encontrar os meios de realizar-se.
Então, camaradas, devemos agora, a partir das definições que acabo de apresentar, que são as mesmas de Marx, as mesmas de Lênin, o qual definia o imperialismo como a “reação em toda a linha”, qualquer que fosse o regime político, como um capitalismo parasitário, apodrecendo, um capitalismo agonizante, temos agora que considerar esse problema das forças produtivas para ver se Lênin tinha razão, se Trotsky, que retomou as posições de Lênin no Programa de Transição, tinha razão e se, por isso mesmo, Marx tinha razão.
Esse problema é suficientemente amplo para que seja necessário ceder-lhe alguns minutos. As forças produtivas são uma categoria que é necessário caracterizar. O que são as forças produtivas? Nada mais que o produto da atividade dos homens; a categoria das forças produtivas é uma categoria social, portanto humana. As forças produtivas tem diferentes componentes: de uma parte, há efetivamente a técnica, e sem nenhuma dúvida, a técnica avançou muito. O que aliás o Programa de transição não contestava absolutamente pois, após a tese sobre as forças produtivas, lê-se nele: “as novas invenções e progressos técnicos não condizem mais a um crescimento da riqueza material”. É claro, portanto, que quando Trotsky afirmava que as forças produtivas pararam de crescer, ele não constatou, absolutamente, que a técnica continuaria a desenvolver-se; ele dizia que o progresso da técnica não levaria mais a um desenvolvimento das forças produtivas, mas terminariam, ao contrário, transformando essas forças produtivas em forças de destruição. Pois a noção de forças produtivas não é, evidentemente, independente da finalidade dessas forças produtivas; as forças produtivas ascendentes, na fase ascendente do capitalismo, era um fator de cultura e se, por exemplo, um certo Jules Ferry que tinha uma grande barba, que era o pior canalha que existia na face da terra, que liquidou tunisianos e indochineses, esse Jules Ferry, fez passar as leis sobre a escola laica, gratuita e obrigatória, e não foi porque tivesse qualquer amor pelos filhos dos proletários, é que as forças produtivas exigiam que operários especializados soubessem ler e escrever, ajustadores, torneiros, deviam aprender sua profissão qualificada.
Hoje em dia, todo o fenômeno da decadência da classe operária, está justamente ligado ao fato de que as novas técnicas, tais como a automação, não levam mais, no quadro do regime capitalista, a uma elevação do nível técnico e cultural das massa de operários e de intelectuais, mas ao contrário, à uma desqualificação generalizada.
A destinação da forças produtivas, dizíamos nós, é fundamental e é necessário – o que não fazem jamais as publicações do Partido Comunista Francês, nem as publicações pablistas – discutir essa destinação; pois, hoje em dia, o motor da economia capitalista em declínio são os créditos militares, uma injeção enorme de créditos militares na economia.
As forças produtivas transformam-se em forças destrutivas
Darei alguns exemplos: o orçamento americano elevou-se em 1968 a 83 bilhões de dólares, e vocês sabem a importância dos EUA na economia mundial; eu poderia pegar, por outro lado, o caso da Inglaterra ou da França, e chegaria às mesmas conclusões. Tomei voluntariamente os Estados Unidos porque o peso do imperialismo americano nos domínios da política, da economia, do comércio, das finanças mundiais é tamanho, que o que se passa nos Estados Unidos repercute imediatamente no que ocorre nos demais países do mundo. 83 bilhões de dólares, de créditos militares; para entender o que isso significa, mencionemos que em 1934, a porcentagem dos créditos militares no orçamento americano era de 10%. Em 1968, essa porcentagem é de 54%. Em 1929, sempre nos Estados Unidos, a porcentagem dos créditos militares em relação à renda nacional era de 1%. Em 1968, ela ultrapassou os 10%. Em 1913, o orçamento militar dos Estados Unidos elevou-se a 335 milhões de dólares. Em 1929 a 838 milhões de dólares, em 1938 a um bilhão e 221 milhões de dólares e em 1968 a 83 bilhões, 66 vezes o montante de 1936, e trata-se aí de um mínimo, porque falta acrescentar a esse 83 bilhões oficialmente confessados, dez bilhões e meio para os juros de uma dívida pública que é essencialmente herança das guerras passadas, e ainda 7 bilhões para as pensões dos antigos combatentes; de fato, as despesas militares diretas elevam-se assim hoje em dia, nos Estados Unidos, a 100 bilhões de dólares.
E indiretamente? Meu camarada Chenet estabeleceu, numa revista sindical, que as despesas militares estão na origem do emprego de mais de 20% da população ativa em atividade nas indústrias, aos quais se acrescem os 2 milhões e meio de homens recrutados ou alistados. Desde 1952, as despesas militares atingem um montante pelo menos igual ao investimento industrial em máquinas e construções: e, certos anos, elas foram superiores à cifra global da formação de capital fixo, incluídas as construções. Essa afirmação é confirmada pela “Business Week”, que conclui um artigo explicando que o montante dos créditos militares em 1968 equivale ao conjunto dos lucros líquidos de impostos de todas as sociedades americanas. O motor da economia do lucro é então a injeção crescente de créditos militares, o mais imenso desperdício de trabalho humano. Assim, as forças produtivas não tem mais, hoje a finalidade de acrescer a riqueza material da humanidade, mas transforma-se sob nossos olhos em seu contrário, em forças de destruição. O capitalismo, antes progressivo, tornou-se, com o imperialismo, a reação em toda a linha. Senão, as forças de produção, no interior do regime da propriedade dos meios de produção, perseguiram sua marcha para frente. Hoje em dia uma mudança qualitativa já ocorreu, elas transformam-se em seu contrário, elas preparam a maior catástrofe da humanidade. E nos dirão que o programa da 4ª Internacional não foi confirmado pelos fatos, que as forças produtivas continuam a crescer!
Camaradas, quero ainda acrescentar o seguinte: por seus efeitos diretos ou indiretos, as despesas militares contribuem para formação de cerca de 30% do Produto Nacional Bruto nos Estados Unidos. Para se ter uma ideia precisa da defesa nacional na economia dos EUA, deve-se recordar que as forças armadas desse país empregam uma percentagem de diplomados do ensino secundário mais elevada e uma percentagem de diplomados do ensino superior tão elevada quanto não importa qual empresa civil. Em segundo lugar, elas dispendem diretamente de 8 bilhões e meio de dólares para a pesquisa e o desenvolvimento e indiretamente, uma soma tal que o total representa a metade das despesas em pesquisa e desenvolvimento do governo, da indústria e das universidades em conjunto. E a maior parte das despesas de pesquisa e desenvolvimento na indústria e nas universidades, está diretamente afetada pelo governo com pesquisas militares. Em terceiro lugar, o Pentágono repassa diretamente, a cada ano, 45 bilhões em contratos a 22 mil empresas que, por sua vez, subcontratam mais de 100 mil empresas. Em quarto lugar, o mesmo Pentágono contrata 20% de todos os engenheiros e eletricistas do país, 40% de todos os físicos e 60% de todos os engenheiros eletrônicos. Quinto, ele exerce uma pressão considerável sobre todos os ramos de serviços de transportes, empresas e comércio varejista. Sexto, enfim, eles mantêm a economia de cinco estados numa dependência estreita dos empregos militares. Portanto, é evidente que as despesas militares exercem uma influência poderosa, tanto sobre a estrutura como sobre o funcionamento da economia. E o peso do complexo militar-industrial faz-se sentir da mesma maneira em toda a vida política do país.
Eis as bases do que o mundo, dos liberais burgueses aos burgueses menos liberais, dos social-democratas, dos stalinistas, dos centristas, dos pablistas, dos redatores de “Rouge” aos redatores de “Lutte Ouvriere” e outros, chamam de capacidade do capitalismo de superar em parte duas contradições.
É preciso compreender bem o significado da economia de armamento: os créditos militares subtraem, momentaneamente, do mercado, uma parte das forças produtivas para atribuir-lhes uma destinação improdutiva; mas a fração correspondente do capital social continua seu movimento, distribui salários, lucros, etc. Quer dizer que ela deve inserir-se novamente na economia e, por isso mesmo, a transformação da economia dita de paz em economia de armamento encontra rapidamente seus limites. Em 1937, exatamente no mês de setembro. O doutor Schacht, ministro da economia sob Hitler, foi ver seu Führer para dizer-lhe que aquilo não podia continuar, porque senão era claro que iríamos à guerra. Hitler retorquiu que ele sabia disso. “Mas nós a perderemos…” replicou Schacht. ” O que você propõe no lugar?” perguntou Hitler. Schacht demitiu-se porque não tinha nada de diferente a propor, pois, de maneira automática, lógica, implacável, a economia de armamento deve transformar-se em economia de guerra e, se meu camarada Chenet tem razão nas cifras que fornece, se o que ele disse corresponde à realidade – e eu creio que sim, tendo em vista as cifras dadas pelos próprios jornalistas americanos – se, hoje, nos Estados Unidos, 30% do PNB são “criados” pelos créditos militares, isso significa que a economia americana começa a pender, de uma economia de armamentos para uma economia de guerra.
A principal força produtiva
É preciso compreendê-lo, esses problemas têm uma importância decisiva. Mas, na categoria das forças produtivas, não há simplesmente a produção e o destino dessa produção. A principal das forças produtivas, para um marxista, é a classe operária, quer dizer, a classe que produz o capital, aquela que, de fato, é a fonte, por seu trabalho, pela sua força de trabalho, de desenvolvimento de toda a civilização.
Camaradas, a todos os que nos falam dos milagres que o imperialismo mundial seria capaz de realizar hoje em dia, que ele é suscetível de superar suas contradições no quadro de um novo regime, batizado de capitalismo monopolista de Estado ou neo-capitalismo, devemos colocar, desse ponto de vista, algumas questões a mais. Certo, com a injeção sempre crescente de créditos militares, cujo significado histórico e imediato, acabei de definir, o capitalismo pôde suplantar em certa medida os efeitos das crises, efeitos que não deixariam de ser bem mais amplos em diversos períodos. Mas, camaradas, independentemente do fato de que essa capacidade genial de capitalistas geniais, de passar, por seu movimento consciente, a um novo estágio que se chama neo-capitalismo, prepara-nos a terceira guerra mundial atômica, é evidente que devemos também examinar numa escala história o que significa todo esse período que, de fato, não dura mais que 10 ou 12 anos. “Grosso modo”, pode-se dizer que foi no final do século que o capitalismo transformou-se em imperialismo. A manifestação mais eloquente disso, se posso expressar-me assim, foi a primeira guerra imperialista mundial, a de 1914 a 1918, com seus 30 milhões de mortos, entre os quais 10 a 12 milhões de vítimas daquilo que foi batizado de gripe espanhola e que não passava do cólera e a fome, aos quais é preciso juntar mais de 7 milhões de feridos graves. Para a guerra de 1939-1945, essas cifras podem ser multiplicadas por três. No espaço de uma geração, de 120 a 150 milhões de homens morreram nos campos de batalha por um sistema que, parece, ainda é progressivo. E, se olharmos mais de perto, torna-se evidente que em 1913, e isso ninguém pode pôr em dúvida, a Europa e o mundo estavam na véspera de uma nova crise econômica, a qual só foi suplantada pelos meios que conhecemos, isto é, pela guerra imperialista. Em 1919, no final da guerra, há uma nova crise, uma crise de transformação da economia de guerra em economia dita de paz. Em 1920-1922, houve uma fase de ascensão da economia; em 1923-1924, nova crise, e em 1924-1928, período do que se chamou a “prosperidade do pós-guerra”. Em 1929-1934 é a grande crise, a destruição maciça de riquezas, o desperdício desenfreado do trabalho humano; e a essa crise de 1929 só será superada pela preparação para a guerra, que começa nesse período. 1937: a economia de armamentos desenvolve-se no mundo inteiro; 1940-1945: a crise é conjurada como em 1913. 1945-1950 (1955 para a Europa, principalmente para a França) é o período da reconstrução e somente em 1955 que se atinge, na França, o nível de produção de 1938. Mas em 1949, nos Estados Unidos, a “recessão” avança e somente será superada graças à Guerra da Coréia (1951); evidentemente, como cada um sabe, uma maneira progressiva de exprimir o crescimento das forças produtivas é fazendo a guerra. Depois, a partir de 1955, nós tivemos efetivamente, sustentada por uma injeção crescente de créditos de guerra, um período de prosperidade.
Assim, de 1918 a 1969, em 65 anos, tivemos 18 a 20 anos, no máximo, que correspondem a períodos de prosperidade, e isso, sobre as bases que acabei de definir. Camaradas, é preciso compreender o que significa hoje em dia a sobrevivência do Capital, tendo, como única perspectiva, a destruição física para milhões e milhões de homens, quando os problemas dos mercados, os problemas de exportação dos capitais colocam-se com a amplitude que vimos em novembro de 1969. Atualmente, reintegrar a URSS, a China, os países de democracia popular no seio do circuito do imperialismo mundial, é uma necessidade vital para o capital, mas significa preparar a terceira guerra mundial, ou seja, preparar a carnificina mais sangrenta que a humanidade jamais conheceu, na qual as próprias bases da civilização humana poderiam, de fato, ser aniquiladas. Essa é a perspectiva, que, desde agora, esta civilização inteira, todos esse conhecimentos, todo o trabalho dos intelectuais, dos sábios, dos estudantes, seja orientados não para o desenvolvimento das forças produtivas, mas para a destruição. Da pesquisa, nos Estados Unidos, não são mais, como se diz, que as “sobras” que atingem a indústria de consumo.
Mas mesmo isso, hoje em dia, é somente um aspecto do problema; o capitalismo continua capitalismo, inclusive no seu próprio período de decadência, de agonia. O capitalismo, as leis o capital permanecem as mesmas e continuam a funcionar, a concorrência entre os capitalistas continua a atuar, basta saber o que se passa hoje em dia entre a BSN e a Saint Gobain para saber o que é a lei imanente do capital, a concorrência, que implica a batalha de todos os capitalistas e de cada capitalista em particular, para estender seu mercado às custas dos outros; isso significa abaixar seus preços de revenda para tomar os mercados dos outros, o que é feito em duas direções: de um lado a superexploração do trabalho, pela intensificação da produtividade no quadro existente; de outro, a substituição do trabalho humano pela máquina. Fala-se hoje em dia de uma Segunda revolução industrial, a da automação, mas esse termo é falso, não há Segunda revolução industrial, pois a primeira revolução industrial foi uma fonte de mão-de-obra, ela foi uma fonte de trabalho para a classe operária, enquanto isso o que se chama a segunda revolução industrial, no quadro do regime capitalista é na verdade a expulsão dos trabalhadores de seu trabalho. Gostaria de explicar-lhes certo número de coisas sobre a automação; vou citar-lhes simplesmente as palavras do presidente de um truste americano de fabricação de computadores. Segundo esse senhor, os otimistas comparam com facilidade esse fenômeno de automação com a segunda revolução industrial, mas trata-se de um erro. Em última análise, esta última revolução criou empregos, mas a nova tecnologia torna superadas, não apenas as máquinas clássicas, mas também os homens ditos modernos. Atualmente, diz ele, nós usamos máquinas de uma tal sutileza que elas suprimem empregos; e ele prossegue dizendo: eu refuto esse mito segundo o qual as vítimas da automação podem ser requalificadas e encontrar um novo emprego que exija uma melhor formação, melhor remunerado; muitos operários não podem ser requalificados, muitos quadros não serão requalificados devido à idade, ou mesmo de sua deformação profissional; não se pode requalificar as pessoas contra a sua vontade, assim como não se podem criar empregos por um passe de mágica. Mas, camaradas, todas as organizações sindicais de hoje em dia são pela reciclagem, cujas consequências só podem ser essas que acabo de dizer; não somente as organizações sindicais, mas todos estão cheios de ilusões, os que gostariam de reformar a Universidade em maio e junho, o que nos diziam? Eles diziam-nos que era necessária uma Universidade noturna, aberta aos trabalhadores ativos, para fazer o quê? Para se reciclarem. Quando se refaz o mundo em sua própria cabeça, ele nunca corresponde ao mundo real, à realidade social.
O mesmo autor continua: seria preciso para os Estados Unidos, daqui até 1970 – e isso foi escrito em 1936 – 36,5 milhões de novos empregos; o crescimento demográfico fornecerá 12 milhões e meio de jovens em idade de trabalhar enquanto que o aumento da produtividade dos operários eliminará, principalmente devido à automação, 24 milhões de empregos. Eis o que significa a aplicação dos métodos dessa “segunda revolução tecnológica”. Nenhuma categoria está isenta deles, nenhuma poderá passar ao largo; por exemplo, hoje nos Estados Unidos, já um computador que está construído, que funciona, ele permite acelerar o processo da educação e remediar a falta de educadores. Esse computador cuida de cada aluno individualmente, fornece-lhe todos os elementos de conhecimento necessários, interroga-o, registra suas respostas e leva-o passo-a-passo em seu próprio ritmo, através do programa completo do curso. Ao mesmo tempo, ele faz um relatório detalhado sobre o comportamento do aluno… vocês entenderam camaradas! Os professores, que eram até agora uma categoria privilegiada, como todos sabem, esses professores, hoje, que devem levar seus ensinamentos a uma juventude destinada ao desemprego e à desqualificação, existem agora, computadores que podem fazer seu trabalho melhor que eles. Eis o que a automação gera atualmente.
Certo, o surgimento da automação, num regime que fosse liberto da propriedade privada dos meios de produção, reintegraria efetivamente o trabalho humano em seu real significado, aboliria a divisão entre o trabalho manual e o trabalho intelectual. Certo, a automação é a prova palpável de que as forças produtivas chegaram a um tal grau de desenvolvimento, que lhes faz falta o socialismo, a revolução proletária. E o obstáculo que impede os trabalhadores de tomar plenamente a consciência dessa necessidade, uma necessidade da qual eles se ressentem assim como milhões de jovens, como os dez milhões de grevistas de maio-junho de 1968, os quais sentiam instintivamente que tudo era possível, é um obstáculo interno ao movimento operário. Não tenho possibilidade, camaradas, e desculpo-me por isso, de ler-lhes o que os stalinistas escrevem a respeito do desenvolvimento das forças produtivas, o que Mandel e o “rouge” escrevem a esse respeito. Todos têm a mesma posição, essa posição de princípio que é a deles e que pretende que o capitalismo tenha um futuro. Hoje em dia, é esse obstáculo interno que é preciso remover. Todas as condições objetivas estão maduras para o socialismo, elas começam a apodrecer, disse Leon Trotsky no Programa de Transição. É preciso remover esse obstáculo, e remover esse obstáculo é construir o partido revolucionário, defender o programa marxista, reconstruir a 4ª Internacional, é não aceitar que se toque nesse programa sem fazer fatos, documentos, análises, elementos. Remover esse obstáculo é recusar àqueles que, por outro lado. Não usurparão mais longamente a qualificação de trotskistas, o direito de se afirmarem como tais, enquanto eles colocam em causa os fundamentos programáticos da 4ª Internacional, os fundamentos do marxismo.
Janeiro de 1969