A Internacional

Paul Lafargue

1 de fevereiro de 1872


Primeira publicação: O Pensamento Social, n.º 1, 1 de fevereiro de 1872, p.2

Fonte: O Pensamento Social.

Tradução: Anónimo.

Transcrição: Graham Seaman.


Nota do transcritor

Como todos os artigos em O Pensamento Social, o artigo foi publicado anónimamente. Uma carta do Nobre França ao Engels confirma o autor como sendo Paul Lafargue.

Um dos phenomenos mais singulares do presento século, e talvez de toda a historia humana, é indubitavelmente a Associação Internacional dos Trabalhadores. O que ha com effeito mais singular e formidavel que o movimento que agita todas as classes operarias da Europa e da America? O que ha mais inaudito que a uniformidade de vistas e tendências do proletariado moderno?

Os jornaes inglezes, os melhor redigidos e informados da imprensa europea e americana, foram os primeiros que se occuparam da Internacional; comtudo não puderam prevêr o grande movimento, que ia, com o um turbilhão, levantar a classe operaria dos dois mundos. O orgão dos negociantes, o Times, dando noticia do primeiro congresso operário, vaticinava que operarios illetrados, vindos dos pontos mais afastados da Europa, pertencendo a raças contrarias e fallando diversos idiomas, jámais conseguiriam entender-se e entre si estabelecerem quaesquer laços. O Pall-Mall, o orgão da gente de creação e do bom tom, com a sua delicadeza habitual affirmava que os operarios nos congressos tinham a graça de hypopotamos recreando-se em seus paúes.

Ora, os hypopotamos enganaram as previsões de seus inimigos. Fundaram uma associação, que reune nas suas fileiras todos os filhos do trabalho; o que os burguezes debalde quizeram fazer algum as vezes, mesmo quando as suas associações internacionaes tinham á sua frente homens tão celebres com o Mazzini e Victor Hugo.

Analysando os relatórios dos congressos internacionaes e os pareceres que as secções lhes enviam a respeito das questões que estudam; examinando os processos dos internacionaes de França, Alemanha e Belgica, onde estão incluídas suas defezas e a correspondência intima sequestrada pela policia; lendo em summa os numerosos periódicos que a associação conta na America e na Europa, constata-se uma unidade não só de pensamento, mas também de expressão. que dá a razão d’este facto incomprehensivel: a aceitação, por todos os operários, do programma unico contido nos considerandos que precedem os estatutos geraes da Internacional, formulados por Karl Marx.

O movimento da Internacional não tem analogo na historia humana senão o dos christãos dos primeiros séculos; e ainda para explicar este ultimo recorrem os philosophos espiritualistas á intervenção de um Deus. Quando injuriam os internacionaes, os chefes e os pensadores da burguezia repetem as injurias que aos christãos lançavam os representantes da aristocracia romana.

A Internacional é a sublevação dos escravos da civilisação moderna, assim como o christianismo foi a sublevação dos escravos da civilisação antiga. Encerrou-se. porém o cyclo dos deuses­ e não é á in intervenção divina ou providencial que podemos attribuir a sublevação do proletariado moderno.

Quem estuda as condições económicas nas quaes se desenvolve a sociedade moderna conhece que a riqueza da burguezia é produzida em toda a parte pelas mesmas causas. A concentração dos instrumentos de trabalho (terra, minas, officinas, capital-moeda, etc.), o trabalho do homem substituído pelo do autómato, a divisão do trabalho e o estabelecimento de novos mercados para os productos industriaes e agricolas, taes são as condições essenciaes do desenvolvimento d’essa riqueza. Mas ao passo que a riqueza augmenta, a miséria cresce. Nos paizes civilisados onde ha grandes riquezas, ha innumeros miseráveis. Os instrumentos de trabalho concentram-se: o numero dos desapropriados sobe; e estes não possuindo instrumentos de trabalho, são constrangidos a vender a força vital ou productíva, como outros vendem suas vaccas e seus carneiros.

As condições do trabalho são também iguaes em toda a parte. O operario catalão, como o inglez, trabalhando em commum nas officinas, respirando a mesma atmosphera, ali esgotam as forças, curvados sob o mesmo jugo, o jugo do capital. É esta igualdade nas condições de existencia e a vida miserável de todos, o que desperta sentimentos communs. As sociedades de resistencia, por exemplo, têem organisação similhante em todos os paizes industriaes.

A Internacional é pois a fusão de todas as necessidades idênticas dos proletários modernos em uma aspiração commum: a emancipação da classe trabalhadora pela classe trabalhadora mesma. Isto é o que cria a força invencivel da Internacional, contra a qual virão desfazer-se e annullar-se as perseguições e as resistências da burguezia.

A Internacional é a propria obra do meio economico no qual se desenvolveu e no qual deve desapparecer a burguezia. Para destruir a Internacional, seria necessario revolver todas as bases da sociedade moderna.