Trabalho perpétuo?

Robert Kurz

4 de novembro de 2005


Primeira Edição: Original LEBENSLÄNGLICH ARBEIT? Insemanário Freitag, Berlim, 04.11.2005

Fonte: http://www.obeco-online.org/robertkurz.htm

Transcrição e HTML: Fernando Araújo.


Vê-se quão doente está a reprodução capitalista da sociedade em dois imperativos diametralmente opostos: "nós" temos que ser cada vez mais e simultaneamente cada vez menos "nós" temos que ser. Cada vez mais, pois quem mais há-de pagar as reformas dos malvados velhos de longa vida? E cada vez menos, pois donde hão-de vir os postos de trabalho para a nova geração baby-boom, sob as condições da terceira revolução industrial e da globalização? As reformas e o mercado de trabalho entram numa oposição irreconciliável. Esta esquizo-argumentação há muito que mergulhou na consciência das massas. Os casais heterossexuais sem filhos já são provocados pelos vizinhos, porque não deixam como outrora descendência obrigada a contribuir para a segurança social. Simultaneamente estão os pais amargurados porque os seus filhos já não arranjam um lugar de aprendiz, nem sequer num trabalho não qualificado, e vão crescendo num futuro precarizado. Derrete-se a base do trabalho produtivo do capital, enquanto incha a massa dos beneficiários de transferências, o que não pode dar certo e revela a contradição interna do modo capitalista de vida e de produção.

Um princípio para a quadratura do círculo político-social é o aumento da idade da reforma; para já até aos 67 anos, logo que possível até aos 70, como pré-anunciado pelo discurso neoliberal. Esta grandiosa solução, há muito objecto de negociações, é agora, com os acordos da grande coligação, posta em marcha, ainda que com dores de barriga dos social-democratas. O que, na verdade, nunca foi motivo de impedimento algum, pois a social-democracia vive a bem dizer das dores de barriga. Que uma sociedade com a mais alta produtividade da história mundial amarre à produção as pessoas idosas por mais tempo que na Idade Média, já não indigna quase ninguém. As pessoas já se habituaram aos paradoxos deste que é o melhor dos mundos. Em todo o caso trata-se apenas de um adiamento do problema. Pois a mesma produtividade torna agora o trabalho em grande medida supérfluo, enquanto que, apesar disso, só deve comer quem trabalha. Se, em desespero, os reformados são atirados para o prolongamento do jogo, naturalmente que estão a bloquear os já raros postos de trabalho para a geração seguinte. A administração da crise só tapa buracos para outros abrir. O pragmatismo político reduz-se a si mesmo ao absurdo.

Oficialmente, as associações de empregadores manifestam o seu consentimento consciente e responsável. Na realidade, porém, por razões de custo e de eficiência, as empresas não querem nem dar formação nem empregar pessoas com mais de 40 anos. Requisitados são os famigerados campeões olímpicos do dinamismo e alta motivação, rondando os 25 anos e com diploma e experiência profissional. De onde é que eles vêm e quem paga a sua formação, é um problema da sociedade, não dos empresários. Esta atitude reivindicativa ainda "deve" ser permitida na globalização a um comprador de trabalho com oferta em abundância. Os anciãos coercivamente obrigados à produção, são apenas modelos em fim de linha e pesos mortos, são alvo a abater quanto antes. Há aqui de facto um conflito de interesses entre a administração da crise social e a racionalidade da economia empresarial. Até há pouco tempo exoneravam-se os "excrementos da produção" humanos em variante de luxo através de reformas antecipadas; entretanto, transformam-se na variante de miséria através de despedimentos provocados por encerramentos de empresas e trasladação para o destino Harz-IV. O que continuará assim, em caso de dúvida através da deslocalização da produção para a Europa Oriental ou para a China. Com isso, então, serão eliminados não só os peões que foram decisivos no milagre económico, mas até os caríssimos campeões olímpicos domésticos.

Em geral, o eldorado do capitalismo selvagem indica a orientação a leste. Aí estão à disposição equipas de homens e mulheres altamente motivadas, jovens e baratas, enquanto a esperança de vida desce drasticamente e os velhos batem a bota sem um queixume. Este é um modelo de futuro. O aumento da idade da reforma por cá pode ser considerado um programa de transição. Quando se tem de arrastar os velhos no processo de produção, estes ficam expostos à pressão do serviço e à chicana permanente. O que ninguém aguenta por muito tempo se não tiver um corpo em forma. A assistência médica de segunda classe trata do resto. O discurso de que "socialmente compatível é morrer mais cedo", que um presidente da ordem dos médicos deixou escapar, marca a época. O fim da vida será antecipado e deslocado para o dia a dia da actividade profissional. Não mais reformados hedonistas, mas soldados da valorização, que, de certo modo, morrem com as botas calçadas. Que há de mais belo para um alemão? Assim se resolve o dilema social, pelo menos para a administração estatal da crise. As jovens gerações não ganharão nada com esta situação, porque é ela precisamente que lhes racionaliza ainda mais os seus potenciais postos de trabalho; por sua vez, os ocupantes dos velhos postos de trabalho fordistas são condenados à "perpétua". É esta a justiça capitalista.


Inclusão: 28/12/2019