A ilusão do boom das matérias-primas

Robert Kurz

18 de março de 2005


Primeira Edição: Original alemão„Die Illusion vom Rohstoff-Boom", Neues Deutschland, 18.03.2005. Tradução de Virgínia Freitas/Boaventura Antunes

Fonte: http://www.obeco-online.org/robertkurz.htm

Transcrição e HTML: Fernando Araújo.


A desmoralizada esquerda tradicional descobre, no seu desespero, cada vez mais estranhas figuras luminosas. A este círculo pertence agora, também, Hugo Chavez, o "Maximo Leader" populista e nacionalista de esquerda da Venezuela. Um verdadeiro anacronismo na era da globalização. Efectivamente Chavez pôs em marcha programas sociais e levantou a voz contra os EUA. Contudo, por detrás de tudo isso não está um programa de revolução social, mas apenas o elevado preço do petróleo. As ideias nublosas de Chavez são tão pouco sustentáveis como a sua base económica. Trata-se de uma enfunada riqueza duvidosa alimentada apenas exteriormente pela situação do mercado mundial, mas que não despoleta qualquer desenvolvimento interno. Programas sociais de distribuição popular à la Peron e compra de sistemas de armamento não têm nada a ver com emancipação social, mas muito com cavalaria de aventura nos nichos da globalização.

Um desses nichos é formado actualmente pelo boom das matérias-primas. Assim como na época da guerra fria os "Führer" populistas da periferia do mercado mundial puderam comprar literalmente um campo de acção político-económico, através de habilidosas manobras entre as super-potências, também hoje acontece o mesmo na vigência da globalização, só que agora através dos preços explosivos das matérias-primas, em especial do petróleo. Regressou, assim, um líder típico do terceiro mundo, que se pensava já estar historicamente ultrapassado. Mas tais figuras têm pés de barro, como os seus antecessores. Nenhum país consegue conquistar um lugar ao sol do capitalismo com base na exportação de matérias-primas. Pelo contrário há aqui um dilema estrutural. A força de capital é muito fraca para conseguir alcançar o desenvolvimento industrial dos centros. Daí terem fracassado todos os projectos nacionais de desenvolvimento do século XX. O terceiro mundo foi degradado a fornecedor de matérias-primas. Isso quer dizer que estes países foram sistematicamente obrigados a comprar mais caro (os produtos acabados e os componentes para produção) do que conseguiam vender (predominantemente matérias-primas). Esta discrepância entre preços de importação e exportação (terms of trade) conduziu ao endividamento externo e, por fim, ao colapso.

O que é que mudou? Na globalização já não há desenvolvimento nacional, mas apenas cadeias de produção de valor de conglomerados transnacionais, que utilizam a seu favor a queda global dos custos. Enquanto em países como a China, a Índia ou o Brasil a pobreza de massas aumenta e a economia nacional vai definhando, as "ilhas" de produção barata de componentes e de prestação global de serviços que, ao mesmo tempo, aí surgiram, dão um impulso nominal ao crescimento. Todavia, aquilo que parece ser uma industrialização para exportação mais não é do que a articulação de determinadas zonas à placa giratória dos conglomerados globais. Este boom, que em parte alguma contribui para o desenvolvimento integral de um país, antes pelo contrário divide brutalmente a população, está, por seu lado, dependente dos circuitos globais do deficit, em particular das vias de sentido único da exportação sustentada pelo endividamento dos EUA. Os preços das matérias-primas dispararam em consequência desta revolução estrutural do mercado mundial e do boom unilateral a ela ligado em determinadas regiões do mundo. E, na sombra do vento desta globalização alimentada pelo deficit, alguns países exportadores de matérias-primas, principalmente petróleo, cujo inesperado dinheiro lhes cai nas caixas, podem subitamente desenvolver um nicho político ostentoso.

Mas esta magnificência acabará dentro em breve. O elevado preço de petróleo, que não é só conjuntural, mas que também está marcado pela fraca qualidade da extracção e por limitações à exploração, de nada servirá se acontecer o descalabro da conjuntura global do deficit e se as contradições aniquilarem a sociedade na China, Índia, etc. Para os pobres da Venezuela e de outros sítios (a quem entretanto mais uma vez foi oferecido um pouco de pão e de jogo), isto significa, apesar de tudo, um momentâneo alívio dos seus sofrimentos. Também se reconhece isso em Chavez. Infelizmente, no entanto, toda esta situação não tem absolutamente nada a ver com uma perspectiva social de emancipação.


Inclusão: 28/12/2019