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Primeira Edição: Original alemão DER UNTERGANG DES ABENDLANDS in Neuen Deutschland, Berlin, 29.10.2004
Fonte: http://www.obeco-online.org/robertkurz.htm
Transcrição e HTML: Fernando Araújo.
A onda de encerramentos e despedimentos em massa continua, sem fim à vista. Karstadt, Opel e em breve a Volkswagen são apenas a ponta do iceberg. As medidas restritivas dos conglomerados transnacionais são tematizadas espectacularmente nos media, enquanto a grande maioria, em situações idênticas nas pequenas empresas e ao nível regional, só por sorte aparece e apenas nas pequenas notícias. E o problema já tem uma história, ainda que ela desapareça na memória curta dos media, fixados nos "eventos". Quem se lembra ainda da heróica luta de resistência dos mineiros ingleses contra os grandes encerramentos de minas na era Thatcher? Mais tarde seguiram-se, na Alemanha e noutros lados, as igualmente infrutíferas manifestações dos operários da indústria naval, como por exemplo em Bremen. Apesar dos cortes de estradas e barricadas em chamas, repete-se actualmente a mesma representação em Cadiz, na Espanha. Os metalúrgicos também já estão na calha. Olhando à volta, por todo o lado se vêem as derradeiras e cada vez mais rapidamente desmoralizadas lutas de retirada.
Trata-se de um processo de imparável desindustrialização. Como é sabido, a terceira revolução industrial derrete os empregos em grande escala, através da automação e da reorganização da informação. Porém, não surgem no sector dos serviços postos de trabalho suficientes (e muito menos de igual valor), como mostram a bacia do Ruhr ou as descoroçoadas zonas industriais inglesas. Por isso se formam sobrecapacidades, por falta de poder de compra social, na produção high tech que emprega pouca gente, e até nas grandes casas comerciais tradicionais e nas cadeias de centros comerciais, último símbolo do milagre económico há muito desvanecido. Após a redução de efectivos por via da tecnologia, paralisam por completo partes cada vez maiores da produção e da distribuição já racionalizadas, por causa da redução do poder de compra e portanto dos mercados.
Mas o caso não é que as estruturas industriais tradicionais, juntamente com o poder de compra, os mercados e os palácios do consumo que lhe estão associados, se transfiram simplesmente para a China ou para a Europa Oriental. Aí apenas se instalam sectores relativamente pequenos duma industrialização puramente virada para a exportação, mediante e importação de capital ocidental, e aliás à custa duma paralisação acelerada das indústrias internas não rentáveis. O que surge primeiro como crescimento nas zonas económicas de exportação, como já antes no Japão e nos tigres asiáticos, apenas se realiza como bolhas financeiras e acaba por se revelar como sobreinvestimento especulativo. É apenas uma questão de tempo até que também na China o admirável boom industrial descambe em desindustrialização e lá também fiquem à vista ruínas de investimentos e museus da indústria.
Todas as anteriores crises e revoluções industriais desembocaram numa nova expansão do emprego na indústria. As lutas dos sindicatos e movimentos sociais assim habituados têm sido até hoje cegamente orientadas nesse sentido, para tomar parte da valorização do capital no posterior desenvolvimento industrial, incluindo nos sectores daí derivados da prestação de serviços e das infra-estruturas. Daí que ninguém queira saber que este paradigma esbarrou nos seus limites absolutos. Por isso se dá credibilidade a afirmações absurdas, como a do governo alemão, quando proclama que se trata de "casos isolados" e de "erros de gestão". Num cartaz do sindicato Verdi numa filial de Karstadt podia ler-se: "Os gestores de Karstadt são o exemplo acabado da decadência do Ocidente". A busca de bodes expiatórios não ajuda nada, apenas promove as ideologias de crise da direita radical. Não se trata de "erros" individuais, a questão é literalmente o sistema. O "Ocidente", digo, a lógica destrutiva da coacção ao trabalho industrial, à reprodução através de receitas em dinheiro e de consumo de mercadorias, é este mesmo o erro — e, em última instância, a sua própria decadência.