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Primeira Edição: Original DEAD MEN WRITING em www.exit-online.org. Tradução de Lumir Nahodil e Boaventura Antunes
Fonte: http://www.obeco-online.org/robertkurz.htm
Transcrição e HTML: Fernando Araújo.
A colectânea "Dead Men Working", publicada recentemente, sob muitos aspectos ainda se enquadra nos resquícios do antigo contexto da Krisis, anteriores à cisão, provocada precisamente pelos editores do referido livro por terem escorraçado desse contexto a maioria da redacção e do grupo de coordenação, com recurso a meia dúzia de truques baixos, apoderando-se assim do controlo formal do projecto; e tudo se passou de uma forma que poderia ter servido de exemplo para Foucault e Agamben demonstrarem as suas teorias sobre a constituição da sociedade burguesa en miniature (declaração arbitrária de um "estado de excepção", patologização dos adversários, "tomada do poder", legitimação por um procedimento formalmente democrático levado a efeito com meios fraudulentos). Da macabra ironia desta história também faz parte o facto de a edição da colectânea, com a chancela da editora Unrast-Verlag, ora apresentada com grande alarido como suposta nova conquista da crítica do valor, até se dever ainda à intermediação do mesmo Robert Kurz, que pouco tempo depois se viu exposto a tentativas de denúncia pessoais especialmente infames por parte dos usurpadores do rótulo da Krisis.
O conteúdo do livro, contudo, involuntariamente ilustra alguns aspectos do pano de fundo deste modo de proceder digno de uma "honorável sociedade". Não é por acaso que os artigos mais interessantes (como por exemplo os de Frank Rentschler e Martin Dornis) não são da autoria dos editores. Os textos destes não trazem nada que em termos de conteúdo vá minimamente além do "Manifesto contra o Trabalho" e do livro "Feierabend" [Final de Serviço] (ambos publicados em 1999 e, para quem queira saber, com uma participação considerável dos que foram afastados pelo golpe dos editores). Especialmente o que apresenta o autor Lohoff, em dois artigos no início e no final do livro, como uma espécie de enquadramento teórico do "Dead Men Working" não passa em grande medida de um ruminar dos enunciados anteriores e há muito conhecidos. Esta produção apregoada como inovadora não é mais que uma grande ETAR do acervo da crítica do trabalho. Um petisco para aqueles fãs que vão ver o mesmo filme cem vezes e acham que estão a fazer algo de inteligente.
Uma das causas desta forma de marcar passo em termos teóricos é uma viragem pouco especificada para a chamada "prática", cujo conceito é conscientemente mantido nebuloso. A dita viragem foi congeminada num discurso paralelo e separado dessa clique, à revelia da maioria da redacção e do grupo de coordenação do contexto da Krisis, e representa um aspecto da cisão encenada com requintes de malvadez. A motivação para isso é, em parte, um ordinário comportamento concorrencial grupodinâmico e problemas de auto-afirmação desses actores intriguistas, mas igualmente as suas dificuldades com o desenvolvimento teórico do conteúdo da crítica do valor e da dissociação, no qual ultimamente já apenas se tinham posto em relevo como empatas e relativizadores.
É que já não tinham nem capacidade nem vontade para acompanhar plenamente a elaboração da crítica do sujeito e do iluminismo fundamentada na teoria da dissociação, nem queriam mais suportar a coerência necessária, mas não estiveram dispostos a enfrentar o conflito deste modo programado. Não estiveram e até à data não se mostraram dispostos a (ou simplesmente não são capazes de) resolver este conflito com base em argumentos teóricos; em vez disso afirmaram por razões tácticas impostas pelo seu modo de proceder intriguista que no fundo não havia quaisquer diferenças em termos de conteúdos para, com esta mentira descarada, cobrirem as vergonhas da sua regressão em matéria de conteúdos e a sua ideologização da crítica do valor — mesmo que não tenham qualquer posição própria coerente a oferecer. Pretende-se manter em suspenso a dissensão em termos de conteúdos, nesta medida não posta em pratos limpos, quanto à questão de até onde deve e "pode" ir a crítica do sujeito e do iluminismo, a fim de dissimular a afinidade dos golpistas da Krisis com o universalismo ocidental androcêntrico (e com momentos conexos do contra-iluminismo burguês).
Esta é a razão essencial por que pretendem que o desenvolvimento teórico ulterior decorra em lume brando ou fique quase congelado, para de futuro andarem a vender pelos sociótopos de esquerda sobretudo o conhecimento fundamental pretensamente assegurado da crítica do trabalho, para calmamente repisarem os tópicos essenciais superficializados, os tornarem compatíveis com a consciência romba em termos teóricos de certos meios de esquerda e conquistarem um lugar ao Sol do discurso, a fim de, nos pódios da esquerda restante e em alguns lugares suplentes, poderem ir dizendo umas bacoradas como representantes bem recebidos, vinculativamente desvinculativos, de um inofensivo capricho excêntrico. Tal corresponde, por assim dizer, a relegar a crítica do valor a uma pré-reforma teórica, em que um homem se dedica à recapitulação pachorrenta de proezas passadas, mesmo que estas em grande parte não tenham sido próprias de quem as comemora.
Quem é deste modo literalmente traído e vendido é a prática teórica que, embora saiba que representa um momento da prática social, mesmo assim tem de enfrentá-la em vez de se subordinar a um falso imperativo da prática e a necessidades imediatas da imanência. A crítica do valor e da dissociação e a crítica do trabalho a ela associada nunca teriam existido, se os seus expoentes de ambos os sexos não se tivessem subtraído conscientemente ao entendimento da prática abusivamente simplificado do intelecto politiqueiro da esquerda de pacotilha, o qual sempre apenas quer obsequiar a teoria com um tratamento instrumental e legitimatório. A atribuição à reflexão teórica de uma importância independente de todos os requisitos da prática política foi precisamente a imagem de marca da abordagem crítica do valor, já na sua fase embrionária, a fim de se evitar desde logo qualquer simplificação abusiva instrumentalizante. O conceito de "prática teórica", criado originalmente por Althusser noutro contexto, foi recuperado neste sentido, que entronca na crítica do positivismo de Adorno e Horkheimer. A intenção era libertar a dinâmica própria da elaboração teórica das grilhetas de um falso imperativo da prática, que precisamente não conduz a uma "mediação" mas, sim, ao cerceamento e à limitação do processo teórico. Em resultado de tudo isso, também a própria prática é limitada e reduzida a uma falsa imanência.
Mas mal a crítica do valor tinha alcançado o grau de concreção da crítica do trabalho e esta tinha sido tornada acessível a um público mais alargado pelo "Manifesto contra o Trabalho", surgiu logo uma pressão no sentido de se reduzir a crítica e a reflexão ao imediatismo da eterna questão do "Que fazer?". Era e continua a ser essencial resistir a essa pressão. Mas, devido aos referidos motivos pouco decorosos, a camarilha usurpatória da Krisis restante não soube resistir-lhe. Os seus artigos no livro "Dead Men Working" e em diversas publicações de esquerda são documentos de um suicídio teórico.
Na realidade os auto-denominados mentores da prática do movimento não podem evidentemente responder à questão central dos politiqueiros inveterados. Se já o simples facto de aceitar colocar as questões nestes termos os desqualifica, as tentativas de resposta a este nível não podem deixar de ser tolas. No presente momento nem sequer é possível uma "transposição" directa da prática teórica crítica do valor em prática social do movimento. Uma relação deste modo unilateral da "transposição" da teoria em prática é, de qualquer modo, errónea, ilusória e devida a um entendimento abusivamente simplificado do problema. Em primeiro lugar, a mediação não pode ser "feita" de forma unilateral e voluntarista por parte da teoria, mas os movimentos sociais, os seus activistas e opinion leaders, etc. têm de se aproximar da teoria por sua própria iniciativa. Em segundo lugar, mesmo quando ambos os lados, por assim dizer, crescerem em direcção a esta polaridade, a mediação continua a ser um processo complexo, cujo grau de maturidade não pode ser antecipado.
Mas sobretudo não se pode confundir a concretização da teoria, que a aproxima da mediação, com a sua popularização e simplificação. Como não levam em conta a realidade do processo de mediação e os seus problemas e fazem tudo por "se afirmarem" precipitada e ruidosamente de uma forma compatível com o movimento, os apregoadores da Krisis restante têm de reduzir a teoria a um nível agitprop em vez de a concretizarem. A concretização ainda é um processo teórico, uma relação de mediação no seio da própria prática teórica e, nessa medida, o exacto oposto de um abrandamento da inovação teórica revolucionária para, ao invés, supostamente se compatibilizar ao nível uma vez alcançado com a prática e com o movimento.
A linguagem infantil a meio caminho entre a agitação e a crítica literária de um Franz Schandl, por exemplo, e as "histórias da vida" não mediadas privilegiadas no livro "Dead Men Working", iguais às que poderiam ler-se em qualquer folheto sindical (tendo ali o seu lugar adequado) tão pouco têm a ver com mediação como os disparates de um Lothar Galow-Bergemann que na vienense Streifzüge, aliada à clique dos golpistas da Krisis restante, postula uma espécie de crítica do valor popularizada para o envio de folhetos publicitários a Fulano e Sicrano, para que a crítica do valor (C) consiga finalmente "engatar" o sindicalista médio (S): "A crítica que é crítica do valor movimenta-se presentemente a um nível de generalidade tão elevado que ainda é pouco dada a uma aplicação prática... Como seria, se a nossa boa C para variar simplesmente dedicasse um pouco de reflexão ao guarda-roupa?... O encantador vestido de baile da Krisis é uma maravilha, e também a Streifzüge fica simplesmente deslumbrante na sua combinação desportiva. Mas talvez no caso do nosso S ainda um pouco seco devesse mostrar-se ainda um pouco mais ousada e pensar em ocasionalmente envergar um atrevido vestido curto... O que está a dar são folhetos informativos com um número de páginas limitado e altas tiragens, práticos mailings que encontram acesso ao activista ‘normal’ do movimento, e redigidos em uma linguagem que ele entende..." (Streifzüge 31 de Julho 2004, p. 5 s.). Se isto é uma mediação entre a teoria e a prática, é-o no máximo ao nível dos famigerados folhetos de instruções para gravadores de vídeo, ainda por cima acrescidas de metáforas sexistas. O resultado de semelhantes requisitos não é a concretização, mas a diluição e a banalização da teoria numa geringonça mediática.
O "Dead Men Working" representa em grande medida uma tentativa de cumprir este programa de banalização; o que desvaloriza os poucos artigos mais exigentes. É este o melhor caminho para tornar verdadeiras as denúncias de inimigos da crítica do valor e da dissociação transformando esta realmente numa estéril seita agitprop, segundo um esquema conhecido até à saciedade. A concretização da teoria, pelo contrário, apenas pode implicar que se continue a dar um impulso enérgico à mediação teórica da crítica do trabalho com a crítica da dissociação, isto é, com a crítica do sujeito masculino, branco e ocidental (MBO) em todos os seus aspectos. É precisamente esta incumbência que é minimizada de uma forma mais ou menos envergonhada pelos ideólogos da popularização "críticos do valor", é relativizada, desagudizada e negada de todo em pontos decisivos, porque os seus protagonistas não querem pôr em causa, de uma forma realmente fundamental, a sua existência social como MBO. A fuga para a pouco profunda frase feita agitatorio-propagandista, pelo seu conteúdo, acaba por corresponder a um apelo aos seus similares, mais concretamente à identidade masculina e à anacrónica razão de pai de família no estado do asselvajamento, a fim de deter a crítica do valor no limiar desta necessária concretização e de dar-lhe uma viragem pseudo-prática.
Resta dizer que o desdobramento jornalístico na Streifzüge como uma espécie de edição infantil da Krisis restante e na "revista de teoria pura", a Krisis propriamente dita, apenas se refere a características perfeitamente exteriores como a linguagem e a extensão dos textos, ao passo que nos conteúdos pontifica a mesma "crítica do valor" abusivamente simplificada e superficializada. Já a viragem pseudo-prática por si só insere a teoria em um contexto instrumental e legitimatório; a única função que lhe resta é a de conferir aos requisitos do chavão propagandístico no contexto de uma crítica do trabalho unidimensional, economisticamente reduzida e aos êxitos esperados nos movimentos o verniz de uma reflexão crítica.
No entanto, essa viragem cai em saco roto não só no que diz respeito ao conteúdo, mas também em termos estratégicos. A pretensão formulada assim nem sequer pode ser cumprida. Nem a teoria está suficientemente concretizada, nem inversamente o próprio movimento social está num estádio de desenvolvimento a condizer. Neste patamar, a mediação apenas é possível no sentido de a reflexão teórica ser colocada à disposição, isto é, tornada pública para aqueles activistas do movimento que, devido à experiência do cariz necessariamente limitado da prática actual, querem apropriar-se da reflexão teórica sem postularem a possibilidade da sua "transposição" prática imediata. O que interessa é obter uma perspectiva, e não um "folheto de instruções" para uma actuação imediata. A crítica do valor e da dissociação é contrária ao entendimento tosco de uma exequibilidade próxima. Tanto do lado da prática teórica, como do lado da prática do movimento, a mediação apenas pode ser levada a avançar se os implicados aguentarem a tensão entre os dois pólos sem tentarem provocar um curto-circuito.
Estamos perante um curto-circuito destes, se fizermos de conta que podemos conduzir a luta em torno de necessidades, interesses vitais e muitas vezes literalmente da sobrevivência aqui e agora directamente como transcensão "crítica do valor" da forma do valor na prática social. Simultaneamente a referência permanece difusa e totalmente abstracta no mau sentido. Por um lado, pressupõe-se implicita ou explicitamente que a luta imanente por salários, prestações sociais, transferências, etc. é de qualquer modo inútil, devido à objectividade do limite inerente à crise. Assim se formula ao menos o argumento de crise "crítico do valor" que se apresenta de um modo objectivista e que é utilizado pela Krisis restante (também sob este aspecto, a recepção da crítica do valor permanece unidimensional; a teoria da crise é igualmente "simplificada"), e que assim é quase absolutamente idêntico ao argumento neoliberal da "necessidade" conforme ao sistema. Por outro lado, deixa-se transparecer que "de algum modo" não se é propriamente contra as lutas imanentes. A relação entre a crítica do valor e a luta imanente, porém, fica totalmente obscura; no fundo, tanto menos se tem a dizer em relação à questão da mediação quanto mais alto se brada pela mediação. A projecção indefinida, apenas palavresca de uma superação da forma do valor sobre a luta directa pela sobrevivência aqui e agora em boa verdade barra o caminho à mediação também em termos práticos, visto que o salto da imanência para a transcendência tem assim de ser imaginado como acto imediato que nem sequer pode ser bem sucedido. O abismo entre o interesse sob a forma da mercadoria, de modo algum superado, e uma socialização para além da forma do valor, deste modo, apenas ainda fica mais escancarado.
Se é para encarar seriamente a mediação, para já tem de se reconhecer a separação entre os dois pólos, que não pode ser vencida pela superficialização agitatória dos tópicos essenciais da crítica do valor. A luta social, para já, é conduzida inevitavelmente como uma luta de interesses imanente no interior da forma do valor. O que não é apenas uma questão de consciência, mas é igualmente devido à existência de espaços de manobra reais. O limite objectivo do processo de valorização não significa que em cada situação concreta da crise já não exista qualquer alternativa de decisão imanente. Para que apesar da crise também ainda no interior da forma do valor possam ser afirmados interesses vitais, no entanto, é necessária uma consciência de que, em primeiro lugar, o sistema de qualquer forma está a esbarrar com limites absolutos e que, em segundo lugar, precisamente por isso também as necessidades afirmadas de forma imanente têm de ser impostas, custe o que custar, contra as "leis" pseudo-"naturais" da lógica da mercadoria, sendo que uma pessoa não pode permitir que os administradores de crise lhe "façam as contas" à impossibilidade da própria existência. Nesta medida, um momento de mediação consiste, para já, em que a crítica do valor e da dissociação se torne um catalisador para a própria capacidade de luta imanente, em vez de almejar por via "directa" uma sociedade que não obedeça à forma da mercadoria.
A luta de interesses imanente bem pode, no seu desenvolvimento ulterior, ser enriquecida com abordagens, formas embrionárias, momentos de uma reprodução que não obedeça à forma da mercadoria (por exemplo instituições cooperativas que, contrariamente às empresas cooperativas tradicionais, não voltem a ir dar ao mercado, ou seja, se "esgotem no uso", sem uma nova mediação pelo dinheiro). Semelhantes enriquecimentos, que podem estar associados a processos de apropriação naturais e correspondentes exigências ao estado, a ocupações etc., não são, no entanto, possíveis nem no âmbito de projectos pequenos, nem num baixo nível de desenvolvimento do movimento social, mas apenas quando esse movimento tiver alcançado uma determinada abrangência e profundidade social. É, também por isso que estas abordagens não podem ser postas em oposição à luta de interesses imanente, podendo unicamente tornar-se eficazes juntamente com ela e através dela. Os ideólogos da popularização da Krisis restante não reflectiram sobre o problema de uma forma crítica; é por isso que não têm qualquer resposta ao mesmo, querendo iludi-lo pela banalização da própria teoria.
Para que a luta de interesses imanente possa ser transformada, para já, ela tem de existir na realidade, e não apenas em acções simbólicas e simulativas. Só a um nível elevado de desenvolvimento do movimento social e da polarização social, a questão da apropriação dos recursos sociais para lá da forma do valor pode ser mobilizada de um modo adequado (e evidentemente associado a uma nova formulação emancipatória da questão do poder), ou seja, também no que diz respeito às grandes agregações e infra-estruturas sociais (cf. a este respeito os textos de autoras e autores da EXIT! relativamente à crítica do conceito abusivamente simplificado da "apropriação" e da ideologia do Copyleft etc.).
Os pressupostos para tal em termos de consciência são criadas pela mediação de uma teoria não abusivamente simplificada mas concretizada de uma crítica do valor e da dissociação radical, por um lado, e experiências assimiladas de forma independente pelos próprios movimentos sociais, por outro, não através de uma simplificação pedagogizante da teoria, supostamente para que esta pudesse ser entendida, mesmo de um modo não mediado, pelo "homem da rua".
Os autodenominados candidatos a teóricos de liderança e "instrutores dos movimentos" da Krisis restante, no entanto, de qualquer modo apenas se dirigem a um meio da esquerda residual que nem sequer chega a movimento social; e, mesmo que o fosse, não seria capaz de intervir seriamente no processo social. É bem significativo que a própria fraqueza irreflectida se apresente, em "Dead Men Working", de imediato sob a forma da jactância e de uma pretensão exacerbada, nomeadamente como a avidez pela "hipótese de obter uma irradiação muito para além dos segmentos e subculturas até à data oposicionistas" (Prefácio dos editores, p. 11). O que acontece na realidade é precisamente o contrário; com o seu esforço para deter o desenvolvimento da teoria e transformá-la com detrimento dela, estes impostores enfunados amarram-se precisamente a uma subcultura irrelevante de gente supostamente mergulhada na prática, urdidores de projectos e eternos protagonistas de negociatas de esquerda. Tal referência, no entanto, não deixa de corresponder à sua essência interior.
Na realidade aqui faltam ambos os pólos da mediação, da qual não se pára de falar de um modo nebuloso. Na mesma medida em que os arrivistas da Krisis restante superficializam a teoria pela sua popularização e travam o seu desenvolvimento ulterior, eles deixam de representar também o pólo da prática teórica. De modo inverso, os meios, os ambientes da esquerda residual, e mesmo organizações com características de movimento como a Attac não constituem o pólo da prática social do movimento, enquanto as suas acções forem de uma natureza antes de mais simbólica ou se esgotarem no mero raciocínio. Uma mediação de "teóricos" de cervejaria para "gente mergulhada na prática" de cervejaria não é mediação nenhuma ou, na melhor das hipóteses, é a sua caricatura.
Se a teoria simplificada é demasiado fraca para poder oferecer uma perspectiva que se preze, e se o movimento (ou o que é tido como tal) é demasiado fraco para poder conduzir uma luta de interesses imanente que se preze, também não se ocasiona qualquer desenvolvimento mediador da imanência com a transcendência. Em vez disso, pretende-se tapar o incomensurável buraco negro da ausência de mediação com umas quaisquer palavras de ordem da moda. Descartar-se a luta de interesses imanente em uma atitude pseudo-radical ou, reconhecendo-a embora de um modo desprendido e sem uma relação concreta com o papel da crítica do valor, negar ao mesmo tempo pelo reducionismo objectivista a sua possibilidade em teoria, apenas pode conduzir a que a transcendência degenere em um chavão que, na realidade continua ele próprio imanente; por exemplo sob a forma do conceito abusivamente simplificado da "apropriação" que apenas vai dar ao paradoxo de um "consumo de mercadorias sem pagamento".
O que os Schandl & Cia entretanto tentam colocar e repisar de um modo inflacionário nas diversas gazetas de esquerda, Lohoff o apresenta, uma vez mais, em "Dead Men Working" como conclusão última do seu raciocínio para aquela "gente normal mergulhada na prática dos movimentos", que se quer fazer passar um pouco por parva; nomeadamente como intenção de que a crítica prática "se oriente para a paulatina apropriação directa e colectiva dos recursos sociais" (Ernst Lohoff, Das Schweigen der Lämmer [O silêncio dos inocentes], in: Dead Men Working, p. 40). "Directo" aqui não designa socialização pós-capitalista (ainda por conseguir) sem intervenção de um meio fetichista, mas o movimento pura e simplesmente sem mediação do status quo constituído pelo fetiche para a administração de recursos para lá da forma do fetiche, da experiência imediata do sofrimento para a transformação social.
Faz-se passar por mediação a própria ausência de mediação. Aqui também se vinga o objectivismo teórico que faz parte da identidade do MBO, e de que os popularizadores da Krisis restante não conseguem livrar-se desde os dias da infância da crítica do valor; a complexa relação entre a falsa objectividade fetichista e a consciência do sofrimento, entre a forma da vontade constituída e o conteúdo da vontade a converter em emancipatória não é penetrada e posta a descoberto, sendo antes a própria emancipação malentendida como uma nova e "superior" realização da objectividade.
Os adeptos caídos da prática teórica falham a transcendência, porque falham a necessária imanência; deste modo, a transcensão da forma do valor por eles apregoada como "directa" permanece ela própria negativamente imanente. O que eles entendem por "mediação" não passa de uma falsa imediatez; o que entendem por "abertura" é apenas um abandalhamento da crítica do valor e da dissociação num populismo encenado, que vulgarmente vai desenroscando o seu raciocínio e repetidamente vai percorrendo as suas conjunturas de fórmulas ocas e mimetismos simbolico-simulativos.
A relação da teoria crítica com as abordagens do movimento social por princípio não pode ser pacífica. Enquanto os ideólogos anti-alemães foram coerentes ao ponto de associarem à sua capitulação incondicional como críticos radicais e ao seu apoio ao colonialismo imperial de crise uma desenfreada denúncia de qualquer resistência social, agora anuncia-se a mera inversão deste modo de proceder nos meios da esquerda residual e, não em último lugar, na "crítica do valor" simplificada e abusivamente simplificadora da Krisis restante.
No entanto, o pólo teórico, se quiser manter-se fiel à sua tarefa, apenas pode situar-se numa relação de solidariedade crítica para com o pólo prático de movimento social. É provável que a Krisis restante apenas continue a professar esta determinação nos seus chavões; como relação real, porém, é algo de completamente diferente que se insinua em "Dead Men Working". Se os ideólogos anti-alemães já tinham liquidado a solidariedade, tornando a crítica absoluta até ao extremo da denúncia pura e simples, a fim de pôr termo por completo à solidariedade com a resistência social, os populistas da prática pseudo-críticos do valor agora, de modo inverso, tornaram absoluta a solidariedade com os movimentos, a fim de enfraquecer a crítica e permitir a sua degradação em chavão alibista superficial.
Crítica às abordagens do movimento social significa evidentemente sobretudo crítica ideológica. Tal diz respeito à crítica do capitalismo abusivamente simplificada em termos conceptuais e a concepções correspondentes (Taxa Tobin, exigência de um subsídio de rendimento mínimo generalizado, etc.), que conduzem a luta de interesses imanente para um beco sem saída, em vez de a fazer avançar até à transcensão da forma do valor; trata-se ainda igualmente e em especial de ideologias que prosperam nesta base da crítica do capitalismo abusivamente simplificada, como o racismo e o antisemitismo enquanto formas irracionais de lidar com a crise. Estas devem ser levadas a sério, analisadas e combatidas, tanto no que diz respeito aos seus conteúdos como no que se refere ao seu modo de constituição.
Os artigos dos editores Lohoff e Trenkle são testemunhos inequívocos de que a Krisis restante fica sistematicamente aquém dos requisitos acabados de enunciar. Enquanto que em Lohoff, tanto no seu texto introdutório como no final, que encerra o livro resumindo o seu conteúdo, a crítica ideológica praticamente já nem sequer aparece, Trenkle circunscreve-se à referência meramente alibística do facto de infelizmente "existirem" disposições e correntes racistas e antisemitas no seio do movimento social, sem perder um único pensamento analítico ou teórico com o assunto; o problema merece-lhe uma única frase (p. 81).
Em vez disso é invocado, de um modo de todo acrítico e já quase à moda dos seguidores de Hardt e Negri ou dos anteriores apóstolos da espontaneidade, o efeito supostamente já de si impulsinador do progresso das experiências de movimento e luta acumuladas nos exemplos da Argentina e da Bolívia, sem qualquer reflexão relativamente à forma do sujeito: "Especialmente ao fim de longos anos, em que a resistência e o protesto social pareciam estar paralisados, as próprias experiências de luta e os efeitos de auto-organização e solidarização que lhes correspondem (também e não em último lugar no plano do quotidiano) revestem-se de um valor inestimável... A apropriação colectiva dos meios de subsistência e de produção, a ocupação de fábricas, edifícios e terras, a criação de centros de comunicação e cultura autónomos, a constituição de cooperativas e redes de auto-ajuda, tudo isso não só alterou de um modo fundamental o quotidiano dos implicados, mas igualmente criou... uma base para a mobilização da resistência" (Norbert Trenkle, Antipolitik in Zeiten kapitalistischen Amoklaufs [Antipolítica em tempos de amoque capitalista], in: Dead Men Working, p. 63 s.). Em sua opinião, a única coisa capaz de pôr em causa a qualidade emancipatória é a ilusão política todavia existente. A decisão sobre o carácter emancipatório depende, por isso, "... não em último lugar de saber de que modo é reflectida no plano político a evidente ineficácia das lutas travadas até à data..." (Trenkle, ibidem, p. 64).
Toda a conversa e insistência no "quotidiano" (cujo conceito abstracto, carregado de conotações putativamente importantes, mas pouco claras, ameaça converter-se na mais recente fórmula oca) e da "apropriação" apenas idolatra a espontaneidade, que desde sempre é o mero reverso das pretensões leninistas e politiqeiras de vanguardismo, omitindo o facto de, mesmo em termos económicos, nem sequer ter sido aflorado o ponto decisivo, a saber, a superação da forma do valor. O critério de uma forma de cooperação, que já não volta a ir dar ao mercado, não se encontra cumprido em nenhuma destas lutas, e já foi devido a isso que as ocupações foram essencialmente um fracasso. A tentativa abrangente de constituir "empresas de trabalhadores" ocupadas que vendam as suas mercadorias no mercado como dantes não só é inútil e conduz para a desmoralização como até, pelo surdo constrangimento da concorrência, se pode converter no catalisador da guerra civil e da barbárie, como o demonstrou a autogestão operária na antiga Jugoslávia. E mais ainda tem de ser criticada de um modo fundamental a ilusão dos anéis de troca, incluindo a sua permeabilidade ideológica a elementos do ideário de direita, que, na Argentina, chegou a mobilizar milhões depois do colapso financeiro e que também já se desmoronou de um modo confrangedor. Nada disto se encontra em Trenkle que, assim, já desviou a teoria da crítica para a simplificação abusiva com fins legitimatórios.
De resto, ainda é pior a este respeito o artigo de Marco Fernandes em "Dead Men Working", que se dedica a festejar o "trabalho sem patrão". Aqui se torna evidente uma regressão ao nível do movimento alternativo da Europa ocidental do início dos anos oitenta, associada a ilusões do velho movimento operaista italiano; já nem há rasto da crítica do "sujeito automático" e da forma do sujeito, degenerando a invocação de uma superação do sistema produtor de mercadorias numa mera frase feita sem qualquer mediação e que nem ajuda os activistas, nem contribui para a análise das relações de crise. Semelhante "abertura" da crítica do valor sem comentário crítico quase que desrespeita o dever de diligência exigido ao autor.
Uma atitude igualmente abusivamente simplificante consiste em limitarmo-nos a contrapor em abstracto a antipolítica à ilusão política. Logo que se trate de colocar a crítica categorial da esfera política em uma relação concreta com movimentos sociais de massas, a antipolítica emancipatória tem de ser estrita e explicitamente delimitada face a conotações direitistas e fascistas deste mesmo conceito que já são virulentas desde os anos vinte e que, de resto, também figuram na história da "ideologia alemã" (pense-se apenas na denúncia da política pelo Thomas Mann primordial, entusiasta da guerra, após 1914). Em especial na Argentina, os momentos fascistas e populistas de uma pseudo-antipolítica têm uma longa tradição nas correntes peronistas; e equivale a um atestado de pobreza celebrar-se os movimentos argentinos sem se debruçar sobre eles com as ferramentas da crítica ideológica. Não é por acaso que a ideologia peronista que esgrime motivos antipolíticos tem na Argentina uma base de massas, e é impossível que os movimentos espontâneos de apropriação tenham sido indiferentes a isso. É, no melhor dos casos, sinal de ingenuidade que o "expert" Trenkle eclipse este aspecto por completo. E não por acaso que a Argentina foi um dos locais de refúgio dos nazis alemães, nem é por acaso que ali o antisemitismo está mais fortemente enraizado do que em outros países da América latina. Se o enfraquecimento e o eclipsar da crítica ideológica (ou, melhor dizendo: a sua redução à crítica do "trabalho" e da "política", num sentido estreito, abstracto e, em última análise, economicista, circunscrita aos padrões legitimatórios do "neoliberalismo") já é perigoso no contexto latino-americano, muito mais o é para a referência a movimentos sociais por estas bandas; afinal é a estes que o livro "Dead-Men-Working" se dirige em primeiro lugar.
A sentença clássica, frequentemente abusada por cegos apologetas do movimento, adeptos anti-intelectuais do culto dos proletários e marxistas de partido, de que um passo dum verdadeiro movimento vale mais que mil programas, depois de Auschwitz já não pode ser reproduzida impunemente. Com Trenkle & Co., não é o descontentamento (crítico da Ideologia) mas, sim, a complacência pseudo-crítica do valor a sentar-se à mesa dos movimentos.
É que a crítica do valor não é o que diz ser se não incluir sistematicamente uma crítica da ideologia e do sujeito reflectida, abrangente e não reducionista, penetrando em termos teóricos o próprio problema da ideologia. Os populistas da Krisis restante também aqui são portadores de um entendimento objectivista abusivamente simplificante proveniente dos dias da infância da crítica do valor; a ideologia era, na maior parte dos casos, malentendida e alvo de atribuições unidimensionais como um mero reflexo do desenvolvimento "objectivo", em vez de ser entendida como uma aquisição própria negativa dos sujeitos burgueses (incluindo evidentemente os salario-dependentes) que de modo algum se resume à objectividade, e de ser reflectida no âmbito dessa mesma dimensão crítica. Um Schandl, que é capaz de mobilizar muita compreensão para as tiradas antisemitas "mais inofensivas" (o que ainda terá de ser documentado), ainda em 2003 opinava, nas discussões sobre o modo de se proceder contra os anti-alemães, ignorando os défices de crítica ideológica, que a Krisis já teria dito no passado o essencial em relação ao antisemitismo e à problemática ideológica em geral, remetendo a esse propósito para velhos textos objectivistas de Lohoff e outros.
Pela parte dos autores agora associados à EXIT!, no entanto, e contrariamente aos Schandl & Cia, a campanha contra o belicismo e a mania burguesa de enaltecer o iluminismo própria dos anti-alemães não foi conduzida para prolongar a vida à velha simplificação abusiva objectivista e à negligência face à crítica ideológica mas, antes pelo contrário, para a superar e somente deste modo combater a absolutização anti-alemã da crítica ideológica (que assim deixa de o ser — cf. a este respeito as considerações sobre a ideologia e a crítica ideológica n’ "A ideologia anti-alemã" que já não se coadunam com a antiga posição da Krisis).
Que os teóricos vulgares da Krisis restante não se limitam a negligenciar a crítica ideológica e implicitamente a reduzí-la a uma perspectiva economicista, mas que, ao fazê-lo, preconizam de forma explícita um programa contrário à EXIT!, que corresponde à sua vontade de banalização e ao seu oportunismo no relacionamento com o movimento, disso não resta a mínima dúvida quando os editores do livro "Dead Men Working" querem atribuir a paralisia da esquerda logo a um "excesso" de temáticas que vão além da imediatez da "questão social": "Para já, esta paralisia apresenta-se como consequência de um eclipse temático. A guerra e a Paz, o racismo, o sexismo, a ecologia e a solidariedade internacional, nas últimas décadas, mobilizaram a esquerda vezes sem conta, tendo despoletado debates renhidos. A realidade social e do trabalho no próprio país (!), porém, quase que desapareceu das discussões e pouca ou nenhuma importância teve para a imagem própria da esquerda" (Prefácio, p. 8 s.).
Esta contraposição realmente diz tudo. Procedem como se tivessem acabado de descobrir a "realidade social", porque as condições da própria reprodução se vão tornando precárias, e a fim de imediatamente simplificarem esta "descoberta" de modo brutal a um enfoque sobre a "crítica social" pura, libertada de fait-divers como a abordagem vincadamente crítica do racismo, do sexismo e do antisemitismo etc. Tal não é uma formulação aleatória mas sim um programa: Aqui, a carta da "questão social" é jogada conscientemente contra os temas essenciais dos movimentos de resistência não imediatamente socio-económicos e da crítica ideológica; o suposto "eclipse temático" da "realidade social" que, como recriminação endereçada à esquerda tradicional, de qualquer modo não passa de uma anedota de mau gosto, apenas serve de pretexto para, por seu lado, eclipsar ou pelo menos ofuscar esses "outros temas" (que, como por exemplo o racismo, o antisemitismo e o sexismo, representam "temas" para lá da "realidade social"). Lá está, tudo isto não passa de um economicismo pseudo-"crítico do valor" que aqui mostra as suas orelhas de burro e que, de resto, evidentemente condiz às mil maravilhas com a carga hereditária objectivista.
No entanto não se trata de um ofuscamento apenas da crítica ideológica, antes os Lohoff, Trenkle, Schandl e afins são, eles próprios, gravemente atingidos pelo mesmo. O facto de o chavão estupido-alemão do "próprio país" não ter desqualificado essa gente de imediato para o discurso da crítica social, apenas é indicador do estado de degradação a que já chegou uma esquerda residual que deixa passar uma coisa destas em branco. Quem emana formulações deste género e ainda por cima as contrapõe à suposta enfatização exagerada da solidariedade internacional, não é recuperado pelos estrategos direitistas de uma frente transversal de um modo porventura distorcido e contrário ao próprio conteúdo, mas fornece-os, ele mesmo, com uma inspiração positiva. O chavão da "realidade social no próprio país" tem em si a capacidade de merecer a adesão de disposições nacionalistas, etnocêntricas e racistas e, associado à recriminação das esquerdas de supostamente terem perdido demasiado tempo a ocupar-se do racismo, do sexismo e do internacionalismo, é simplesmente uma impertinência. Aqui já se vislumbra que uma "crítica do valor" abusivamente simplificada de modo androcêntrico e universalista, objectivista e economicista já nem sequer disfarça muito a sua viragem ideológica à direita, reproduzindo os correspondentes derivados do iluminismo burguês (uma análise pormenorizada deste assunto está a ser preparada por Roswitha Scholz).
Como o problema da relação entre a imanência e a transcendência não é reflectido de uma forma crítica, sendo a dimensão da crítica ideológica banalizada e reduzida a meras frases feitas, alvo do reducionismo economicista ou eclipsada de todo, os textos de introdução e enquadramento dos editores de "Dead Men Working" não passam de pálidas recapitulações do que já há muito foi dito e, tirando as auto-denúncias ideológicas involuntárias, são de uma insignificância confrangedora. Sempre se consegue esticar o lençol desta pobreza franciscana recorrendo a banalidades de base. Assim nos conta Lohoff: "Pela grandiosa transformação dos centros de emprego em ‘agências de trabalho’, estas passam a concorrer com as empresas privadas de trabalho temporário, o que ainda não significa nem por sombras a criação de locais de trabalho adicionais" (Das Schweigen der Lämmer [O silêncio dos inocentes], in: Dead Men Working, p. 15). O mesmo até já foi escrito no "Neues Deutschland", há cerca de um ano; mas talvez semelhantes enunciados necessitem de uma bênção crítica do valor, obtida pelo facto de o senhor Lohoff fazer o obséquio de os papaguear. E ele ainda tem mais notícias horrendas sobre o capitalismo, a saber: "...sob o domínio total da economia, para a esmagadora massa da população mundial nem sequer se encontra previsto um mínimo de bem-estar " (ibidem, p. 16). Será que alguma vez nos teria ocorrido uma coisa destas? Pois não, deve ter sido o Norbert Blüm [ministro do trabalho dos governos de Helmut Kohl; N.d.Tr.] quem já há algum tempo nos abriu os olhos a este respeito. O facto de agora também Lohoff já ter reparado nisso até acaba por o honrar, dada a sua condição particular.
E prossegue: "Contra o desenvolvimento da conjuntura mundial e a fuga ao fisco, a política nacional não tem muitos meios; contra os desempregados tem, e bastantes" (ibidem, p. 19). Esta frase provavelmente apenas parecerá familiar àqueles que há dez anos já leram algo de similar na "Konkret". Mas não faz mal, que uma página mais tarde puxa definitivamente pelos galões da crítica do valor. O que faz a sociedade capitalista? "Embora produza bens em massa, não o faz devido à sua qualidade material e em prol da satisfação de quaisquer necessidades humanas, mas sempre apenas como estação de passagem a caminho de uma riqueza abstracta e monetarizada" (ibidem, p. 20 s.). É de cair! E tudo isto no tom exultante de quem acaba de inventar a roda. Esse Lohoff de quando em vez lá está a inventar algo nunca visto, enriquecendo a crítica do valor por onde deambula. E assim não tem problemas em enfiar em 29 páginas todos os argumentos que teriam cabido em 2,9 páginas; e o proveito é do leitor que, uma vez sem exemplo, volta a ter "mais no envelope".
Se a estação de reprocessamento precisa de ser alimentada com páginas atrás de páginas, não se pode ser esquisito quanto à origem do material. Assim sendo, não só os próprios pensamentos velhos recebem um verniz novinho em folha, como também, e de preferência, os dos elementos saneados da Krisis. Qual é a diferença, "aquilo de qualquer maneira é tudo nosso", ao menos segundo a enternecedoramente modesta pretensão dos autoproclamados reis e senhores do ideário crítico do valor. Os leitores teriam de ser deveras atentos, tais como, nessa cena ruidosa, de qualquer modo não se encontram, para poderem reparar em que, por exemplo, um Lohoff pilha sob as suas premissas ideológicas (ou seja, falseando-os e distorcendo-os) os motivos, os temas, os pensamentos e, em parte, até as formulações do "Livro Negro do Capitalismo" e de outros textos da pessoa não grata Robert Kurz, tal como um traficante de órgãos pilha os cadáveres de uma qualquer guerra civil atrás da frente de batalha; e provavelmente fá-lo-á sem ele próprio sequer dar por isso.
Serão necessários exemplos? Robert Kurz refere, no "Livro Negro" sobre a "Anormalidade do mercado de trabalho" (p. 668): "Assim se revela em que acaba por consistir ao certo a radicalização do liberalismo face à crise fundamental do modo de produção capitalista: a saber, na tentativa violenta de banir essa crise tratando o mercado de trabalho até à última consequência como se fosse um mercado como qualquer outro... Mercadorias sem escoamento são armazenadas..., mas a força de trabalho sem escoamento não pode ser ‘armazenada’ sem que as respectivas pessoas continuem a existir socialmente... Elas não podem ser 'desligadas’ (por exemplo sendo imersas em um líquido nutriente ou ultracongeladas)..., mas têm de continuar a viver. Esta continuação da sua vida, porém, depende dos proventos da venda da ‘força de trabalho’... o lixo humano sem escoamento e que deixou de ser valorizável com os seus conhecimentos e capacidades teria, a bem dizer, de ser morto pelo estado ou suicidar-se voluntariamente ... para realmente se tornar um ‘objecto do mercado’ a cem por cento" (p. 668 s.). Já Ernst Lohoff escreve em "Dead Men Working": "A mercadoria chamada força de trabalho não é uma mercadoria como qualquer outra... Supostamente o mercado de trabalho é um mercado como qualquer outro e a força de trabalho, uma mercadoria como qualquer outra. Tal apenas teria de ser tido em conta sem falsos sentimentalismos..., é isso o que a propaganda do terrorismo económico passa a vida a inculcar a toda a gente... A mercadoria de base da sociedade capitalista, a mercadoria chamada força de trabalho, tem um carácter muito específico. Os fornecedores de outras mercadorias baixam a respectiva produção quando a procura escasseia... Acontece que os fornecedores da mercadoria chamada força de trabalho estão estruturalmente impedidos de ir por essa via... (não lhes resta) outra alternativa senão ainda assim conseguirem colocar a sua mercadoria sem escoamento no mercado... Face ao paulatino desacoplamento da produção de riqueza do dispêndio de trabalho vivo, um ‘equilíbrio entre a oferta de trabalho e a procura de trabalho’ com base na lógica económica poderia, em boa verdade, apenas ser produzido por uma via: Ter-se-iam de fuzilar os que, sob o ponto de vista capitalista, são supérfluos..." (ibidem, p. 14, p. 17 s.). O que é supérfluo dum ponto de vista crítico do valor, é o papagueamento lohoffiano no seu contexto (economicista) sem qualquer referência ao "Livro Negro".
Ou então Robert Kurz escreve numa coluna da Folha de São Paulo sob o título "Schluß mit lustig" [Acabou-se a brincadeira!] sobre a "filosofia" da gestão da era da new economy, cuja falta de veracidade e de nexo entretanto já se encontra comprovada: "O trabalho foi redefinido como tempos livres, e os tempos livres como trabalho... O tão propalado valor de tempos livres do trabalho devia motivar os empregados a espremerem-se a si próprios que nem limões mediante um sem-número de horas extraordinárias não remuneradas. Imolarem-se a si próprios no altar da economia empresarial era considerado uma forma de originalidade de indivíduos... flexíveis que, após uma jornada de trabalho a lembrar os primórdios do capitalismo, continuam na empresa a divertir-se jogando matraquilhos...". Ernst Lohoff diz no livro "Dead Men Working": "Nas novas empresas da ‘New Economy’ criou-se um ‘admirável mundo novo’, no qual os tempos livres se transformaram na continuação do trabalho por outros meios e, nessa mesma medida, se desvaneceram os limites entre ambos. Na medida em que o universo do trabalho foi absorvendo elementos do mundo da vida como matéria-prima adicional, no sentido restrito parece que estes já nem existem. O trabalho, no novo sistema de referências, enquadrava-se tanto na categoria do ‘divertimento’ como a ‘after work party [festa pós-laboral]’..." (ibidem, p. 30 s.). Esses tempos já pertencem ao passado, vaticina Lohoff no que se segue sob o título "Schluß mit lustig" (ibidem, p. 35).
Este parafrasear, ilustrar e papaguear de pensamentos e formulações "apropriados" sem a devida referência é sistemático. Diz Robert Kurz no livro "Final de serviço!": "Existem poucos conceitos que simultaneamente pertençam à esfera da reflexão teórica e à da vida prática quotidiana... O ‘trabalho’ é um conceito que, por um lado, representa uma categoria filosófica, económica e sociológica, mas que, por outro, é igualmente aplicado de um modo desconcertantemente variegado na prática da vida de toda a gente" (A ditadura do tempo abstracto, in: "Final de serviço! Onze ataques contra o trabalho", p. 9). Ao passo que Ernst Lohoff, em "Dead Men Working", vai assim: "O conceito do trabalho pertence a dois mundos ao mesmo tempo. Por um lado pode ser considerado, juntamente com o valor, como a categoria mais abstracta e geral da crítica da economia política... Por outro lado, o trabalho representa, em milhões de casos, a prática e experiência quotidiana imediata" (ibidem, p. 293).
Ou Robert Kurz, no "Livro Negro", sobre o pathos do trabalho transversal às classes no fordismo: "O homem que associou o seu nome à nova era capitalista, Henry Ford..., havia muito que se tinha denominado a si próprio e aos seus semelhantes os ‘primeiros operários’... O estreito parentesco entre as terminologias liberal e fascista revela-se até hoje, entre outras coisas, na ideia kitsch de uma ideologia da ‘comunidade de empresa’... em uma forma militarizada e racionalizada de ‘camaradas da batalha do trabalho’, que ocupam postos diversos e que, mesmo assim, ao mesmo tempo se encontram igualizados..." (S. 456 ff.). Ernst Lohoff em "Dead Men Working" sobre a era fordista: "Da identificação com o processo caracterizado pela divisão do trabalho nas grandes fábricas até à invocação da grande ‘comunidade de empresa’ vai apenas um passo, e esta última bem poderia ser igualmente interpretada de uma forma transversal às classes. A irmandade do trabalho desempenhou um papel chave na ideologia dessa era..., sendo que o capital se dotou da auréola da utilidade pública assumindo a pose do primeiro servidor do trabalho" (ibidem, p. 296).
Poderíamos referir mais e mais exemplos. E o processo seguido no caso do livro "Dead Men Working" não é novo, tendo apenas sido encoberto e quase que recalcado durante anos a fio em nome do putativo interesse do comum contexto da Krisis, uma vez que ninguém o queria ver, embora se tivessem feito sentir algum mal-estar e embaraço. Primeiro, o descaramento teria de ser levado ao derradeiro paroxismo pela expulsão mediante uma espécie de golpe de estado dos que tinham andado a dar as deixas, até que, no círculo mais restrito da elaboração teórica crítica do valor e da dissociação, se admitisse o facto de aqui estar a operar uma "vontade de exploração" que, por fim já nem sequer se absteve de usurpar o poder administrativo sobre o acervo de ideias acumulado e a respectiva administração. Até onde Lohoff aparentemente poderia reivindicar a primazia de publicação em textos da Krisis, os conceitos centrais por ele utilizados (por exemplo a substituição da "história das lutas de classes" pela "história das relações de fetiche") remontam a uma pilhagem de documentos internos ou à anotação de contributos de outras pessoas para a discussão; isso também se aplica à tentativa de usurpação por parte de Lohoff da concepção da constituição primordial da Modernidade pela "economia política das armas de fogo". Tudo isso já foi dito, já foi pré-mastigado e em seguida ruminado por Lohoff "em palavras próprias", ou nem sequer em palavras próprias. Mas qual é a diferença? É que essa personalidade publicística postiça e parafraseadora de outrem imagina seriamente que os livros e textos de Robert Kurz se devem, a bem dizer, ao seu próprio esforço intelectual (cf. a este respeito "A revolução das boas maneiras"). Assim sendo, Lohoff passa, no fundo, a vida plagiando-se a si próprio, e tal certamente lhe valerá todas as honras no contexto de uma "honorável sociedade".
No entanto o ideário dos textos "apropriados" de um autor escorraçado do contexto da Krisis não é o único a ser pilhado sem qualquer referência, antes qualquer coisa serve desde que fique bem na fotografia. Assim, por exemplo, a tradução literal do conceito da "industrialização" com intenção crítica como "diligenciação" (lat. industria = diligência) é da autoria do investigador de história social Wolfgang Dreßen (A máquina pedagógica, 1982), tendo sido, a partir daí, recuperada por numerosos trabalhos de investigação (tal como no caso do "Livro Negro"). Lohoff, por sua vez, no livro "Dead Men Working" faz de conta de ter sido ele próprio quem criou este conceito crítico, referindo aparentemente de passagem e em busca de aplausos que "a colocação ao serviço da produção de riqueza sensível por parte da grande máquina de trabalho e valorização... pode ser descrita como processo de diligenciação" (ibidem, p. 290) e voltando logo a seguir a falar uma vez mais em "diligenciação" — o que acontece sistematicamente sem a menor referência a Wolfgang Dreßen.
Pois é, o Lohoff está habituado a roubar como quem bebe um copo de água; mas qual é a diferença se uma pessoa faz de qualquer forma pontaria para um público com pouca bagagem literária, junto do qual quer literalmente "encenar-se". Será embaraçoso chamarmos coisas semelhantes pelos nomes? Decerto, mas para quem? Precisamente porque, em contextos solidários de uma elaboração teórica crítica não se trata de armar-se em protector ciumento dos seus próprios pensamentos como se de propriedades privadas se tratasse, também deveria ir de si que uma pessoa pusesse em pratos limpos as suas próprias referências. Faz uma diferença enorme se as pessoas, com base em um processo de discussão e de produção teórica comum, se referem umas às outras de uma forma descomplexada e se influenciam mutuamente ou se, tal como em Lohoff, se verifica um "processo de apropriação" ávido, dissimulado e inadmitido ao serviço de uma autoafirmação a qualquer preço, associada a um ódio concorrencial que vai até à exclusão organizada dos pilhandos, a fim de, por fim, vulgarizar e ideologizar o ideário assim "apropriado". O que, em um contexto solidário, se enquadraria na categoria da ajuda mútua, aqui se converte em uma desonestidade intelectual fedorenta. A pretensão de uma teoria crítica emancipatória assim se vê aviltada em um modus da autovalorização a expensas alheias.
A colaboração dos senhores Lohoff e Trenkle no "Manifesto contra o Trabalho", em 1999, consistira em terem deixado à posteridade uma pilha de destroços sob a forma de fragmentos de texto intragáveis que tiveram de ser totalmente reformulados. O que eles nem sequer mencionaram, a saber, a relação entre sexos e a dissociação, apenas foi acrescentado a posteriori (sob o ponto 7). O que já nessa altura não fora pensamento seu, Lohoff agora o rumina em "Dead Men Working" sob uma forma antes de mais piorada e banalizada.
Assim, o "Manifesto contra o Trabalho" refere: "7. Trabalho é dominação patriarcal ... Mesmo que a lógica do trabalho e de sua metamorfose em matéria-dinheiro insista, nem todas as esferas sociais e atividades necessárias deixam-se embutir sob pressão na esfera do tempo abstrato. Por isso, surgiu junto com a esfera "separada" do trabalho, de certa forma como seu avesso, também a esfera privada doméstica, da família e da intimidade. Nesta esfera definida como "feminina" restam as numerosas e repetidas atividades da vida cotidiana que não podem ser, salvo excepcionalmente, transformadas em dinheiro: da faxina à cozinha, passando pela educação das crianças e a assistência aos idosos até o "trabalho de amor" da dona de casa típica ideal, que reconstrói seu marido trabalhador esgotado e que lhe permite "abastecer seus sentimentos". A esfera da intimidade, como avesso do trabalho, é declarada pela ideologia burguesa da família como o refúgio da "vida verdadeira" — mesmo se na realidade ela é, antes, um inferno da intimidade. Trata-se justamente não de uma esfera de vida melhor e verdadeira, mas de uma forma de existência tão reduzida quanto limitada, só com os sinais invertidos. Essa esfera é ela própria um produto do trabalho, cindida dele, mas só existente em relação a ele. Sem o espaço social cindido das formas de atividade "femininas", a sociedade do trabalho nunca poderia ter funcionado. Este espaço é seu pressuposto tácito e ao mesmo tempo seu resultado específico. ... Isto vale também para os estereótipos sexuais que foram generalizados no decorrer do desenvolvimento do sistema produtor de mercadorias. Não é por acaso que se fortaleceu o preconceito em massa da imagem da mulher submetida irracional e emocionalmente, natural e impulsiva, juntamente com a imagem do homem trabalhador, produtor de cultura, racional e autocontrolado. E também não é por acaso que o auto-adestramento do homem branco para as exigências insolentes do trabalho e para sua administração humana estatal foi acompanhado por seculares e enfurecidas "caças às bruxas". Simultaneamente a estas, inicia-se a apropriação do mundo pelas ciências naturais, desde logo contaminadas em suas raízes pelo fim em si mesmo da sociedade do trabalho e pelas atribuições de gênero." (p.18 s.).
Ernst Lohoff em "Dead Men Working" reza assim: "Trabalho é patriarcal? O domínio do trabalho nem sequer pode ser concebido sem um volumoso sector de ‘actividades-sombra’ que, pelo seu conteúdo, apenas podem ser traduzidas de forma condicional, ou nem isso, no dispêndio acíclico e linear de músculos, nervos e cérebro e que escapam à organização como fonte de proventos. Nenhuma sociedade pode existir, sem que alguém se ocupe das crianças e sem que seres humanos, por si e por outros, assegurem a reprodução quotidiana. A elevação do trabalho à única forma de actividade social válida coincide com a desvalorização dessas actividades que, ao mesmo tempo, são estruturalmente definidas como ‘femininas’ e que em regra são atribuídas às mulheres. Elas até podem ser tão imprescindíveis como o ar que se respira, [mas] como não se encontram vinculadas à qualidade sem qualidade que consiste em fazer de dinheiro mais dinheiro, elas são despromovidas a um ‘assunto particular’ de valor inferior ficando em grande parte invisíveis..." (ibidem, p. 291).
O que, com pretensões de grandiosidade, é suposto constituir o enquadramento teórico para o livro "Dead Men Working", sob este aspecto não passa de um reprocessamento, privado da dimensão da profundidade histórica, assim como cultural e simbólica, ou seja, encontra-se abusivamente simplificado e banalizado. E a fonte teórica que aqui aproveita, Lohoff vota-a a um silêncio especialmente insistente. Enquanto corresponde à natureza de um manifesto que não se recorra a citações e que não apareçam quaisquer referências a autores, num ensaio comum com pretensão teórica seria uma questão da mais elementar decência humana que a referência teórica fosse mencionada; neste caso seriam evidentemente os textos de Roswitha Scholz, em cuja teoria da dissociação também se baseiam as formulações ruminantes de Lohoff sobre este tema.
Mas enquanto o leitor avisado não pode deixar de raparar que os Lohoff, Trenkle, Lewed & Cia estão a montar um miserável e pequeno cartel de citações, em que preferencialmente se referem uns aos outros, não é menos evidente que, apesar de se servirem (de um modo vulgarizador e abusivamente simplificante) do acervo da teoria da dissociação, as referências a Roswitha Scholz são extremamente raras e, se é que aparecem, apenas são atiradas ao papel a contragosto. Em Lohoff, porém, não aparecem nunca por princípio, nem nos artigos escritos para o livro "Dead Men Working", nem em textos anteriores, e tanto na Krisis como em outras revistas (por exemplo Phase 2) em que Lohoff se alongou sobre a relação entre os sexos e de dissociação (também aí sempre ruminando frases feitas). Com esta lubricidade intelectual digna de qualquer associação masculina de um Lohoff contrasta agradavelmente, em "Dead Men Working", por exemplo o artigo de Andreas Exner, que consegue ter a decência de referir a referência teórica respectiva. Resta desejar a este autor que também de futuro não se deixe converter à prática de um Lohoff, o qual dá o exemplo de como se pilha a Roswitha Scholz sem a "mencionar especificamente".
No entanto este comportamento reles é sistemático, uma vez que aqui também se trata de ocultar uma dissensão quanto ao conteúdo. No que diz respeito à teoria da dissociação, os senhores da "honorável sociedade" da Krisis restante não se limitam à pilhagem e à "apropriação"; mas também se trata de ajustar a nomenclatura "apropriada" da teoria da dissociação às próprias necessidades da identidade masculina, ou seja: reduzi-la a um fenómeno hierarquizado, apenas secundário, cujo cume teórico é decepado (afinal são de qualquer modo contrários a qualquer "agudização"), e que de qualquer forma apenas é "mencionado" pela maior parte dos autores da Krisis restante no plano historico-empírico. A banalização ruminante também é devida a um momento de interesse sexual desta identidade masculina no contexto da crise.
No entanto, os contornos de um complexo de vilania ordinária esboçam-se em "Dead Men Working" também sob outro aspecto. É que algumas das intenções menos confessáveis dos editores transpiram de alguns trechos dos seus textos com uma candura quase brutal. Quando, no prefácio, chamam a atenção para a circunstância de que a mobilização geral dos administradores de crise capitalistas também destrói de passagem as condições de existência dos "sociótopos de esquerda" e das "formas de empenhamento oposicionista existentes até à data" (prefácio, p. 10), situação para que em sua opinião urge encontrar uma resposta, aqui não deixa de se tratar de um grosseiríssimo recado para consumo interno. Apenas à primeira vista parece estarmos perante um postulado inocente quando lemos: "Há que levar a sério a ‘questão social’, não em último lugar, mesmo em relação ao próprio quotidiano e às próprias circunstâncias de vida" (prefácio, p. 10), apelando-se em seguida a uma "solidarização que transcenda todos os limites traçados pelo capitalismo" (ibidem).
Dediquemos alguns instantes à reflexão. O apelo à solidariedade apenas pode referir-se a lutas sociais no grande espaço social, e estas apenas se vão tornando possíveis na medida em que se consegue superar a concorrência em um grau suficiente. Neste contexto, porém, é uma enormidade elevar-se as circunstâncias de vida sociais específicas e próprias de dactilógrafos de esquerda do género da Krisis residual a um tema específico que não coincida em absoluto com o tema geral da depravação social. É que a "própria reprodução" que aqui é tematizada pode, para já, apenas sê-lo no âmbito da forma do valor. Mas, e lá está, sob a premissa teórica de um objectivismo disfarçado no que diz respeito à relação para com a superação da forma do valor, nada de concreto e capaz de ser vertido em termos operacionais há a dizer com respeito à luta de interesses imanente. Enquanto agora se emite, para o movimento social como tal, a errónea e por nada mediada palavra de ordem da "apropriação directa dos recursos materiais", condenada a não passar de um mero chavão, os seus autores não deixam de ambicionar para si a respectiva reprodução (particular) no seio da forma do dinheiro não superada; no entanto exactamente não como resultado de lutas sociais, mas como pretensão face ao próprio movimento social.
Que outra coisa significa isto senão o estabelecimento de uma hierarquia de duas classes da luta social e da segurança social: Em primeiro lugar vem a "preocupação consigo próprio", com o vil e ordinário metal no aqui e agora para os "instrutores de utilização", para a "elite" (conta essa em que para si lá se têm, não obstante toda a graxa pedagogizante, apesar de todo o pseudo-igualitarismo, de todas as palavrosas rejeições do "pedantismo", e mesmo de toda a afirmação da própria normalidade penetrante), para os do "quadro", os "importantes" etc. — e só depois é que vem a preocupação com a forragem para as hordas anónimas de peões das cenas e dos movimentos no além não mediado da "apropriação directa", sendo que os ditos peões, aqui e agora, a bem ver de qualquer forma apenas servem para que certos senhores "importantes" possam ganhar o seu sustento. Os bandidos intelectuais da Krisis residual, que sabem muito bem que não conseguem viver da sua produção teórica de segunda mão, ainda por cima banalizada, ou seja, que não têm qualquer existência social como teóricos na circulação imanente, no fundo não precisam de mais que cem ou duzentos tansos como membros da respectiva associação para os governarem no seio da vil forma do dinheiro como auto-intitulados heróis do intelecto. Não há outra forma de o dizer: Sem sombra de dúvida são os motivos de uma intelligentsia lumpen depravada que aqui reclamam o tributo supostamente devido.
Como se tudo isso ainda não chegasse, o reacoplamento da "questão social" à vontade de sobrevivência concorrente e individual de autodenominados VIPs de esquerda tem o descaramento de se fazer passar por uma questão fundamental da emancipação social, que se apresenta como uma espécie de ramo de negócios: "Uma formação emancipatória à altura dos problemas do tempo tão-só se torna possível, se ela, em termos de perspectivas, for capaz de conciliar a questão da reprodução pessoal (!) e a luta por objectivos sociais" (Ernst Lohoff, Das Schweigen der Lämmer [O silêncio dos inocentes], in: Dead Men Working, p. 40). De uma forma pouco ou nada subtil, o movimento social aqui é entendido como base da reprodução para a própria existência no âmbito da forma do valor, e a teoria emancipatória como objecto especulativo para um punhado de aventureiros, malabaristas e vendedores ambulantes da banha da cobra intelectuais da intelligentsia lumpen. Se, por esta ordem de ideias, se fala de uma orientação "para a paulatina apropriação directa e colectiva dos recursos sociais" (ibidem), facilmente se imagina o "campo de apropriação" primário: São os próprios movimentos incipientes quem se pretende ordenhar, fazendo-se os ilustres senhores patrocinar sem qualquer realização própria de monta que fosse inovadora em termos teóricos, armados em pequenos monstros de importância mediáticos.
Contudo, este nobre objectivo de uma "honorável sociedade" da intelligentsia lumpen necessita de uma base de sustentação material, intelectual e organizacional para ser alguém ou ao menos poder parecê-lo. E é sob este prisma que o raciocínio sobre "a questão da reprodução pessoal" desenvolve toda a sua malícia. O facto de, nos grupos e contextos com a pretensão de uma radical crítica que vá para além da mera e descomprometida ocupação de tempos livres, também ter de existir uma solidariedade nas relações de proximidade pessoal que não exclua as questões materiais — isso é demasiado evidente para ter de se apresentar no traje da teoria. É que a forma de este auxílio mútuo se processar no plano pessoal dificilmente serve de tema a uma reflexão teórica geral. Apesar de tudo, os senhores também não tencionam notificar-nos de que resolveram formar uma comuna, dividem os seus rendimentos entre todos ou amanham juntos um campo de batatas. Trata-se da reprodução pessoal, também no contexto do grupo, mas num plano totalmente diferente e no contexto de um género específico de "solidariedade" da intelligentsia lumpen. Por esta ordem de ideias, o enunciado de Lohoff, com toda a sua ausência de mediação e com a sua astuciosa pose de descoberta de um novo campo de reflexão teórica, não deixa de denunciar as verdadeiras intenções. A sua obscena verdade é que se trata realmente da "reprodução pessoal" — nomeadamente de uma determinada quadrilha mafiosa, que por "solidarização que transcenda todos os limites traçados pelo capitalismo" não entende outra coisa senão a sua própria lealdade de quadrilha, cujo cimento é o ódio concorrencial e a inveja face aos outros. Foi precisamente neste sentido que esta quadrilha colocou a "questão da reprodução" no contexto da Krisis também em termos internos, tendo providenciado uma solução à moda da "honorável sociedade".
A este propósito convém saber que, num ponto em liça aparentemente secundário do conflito, também estiveram em causa as finanças da Krisis. A administração destas foi em grande medida levada a cabo pelo "secretário-geral" informal Norbert Trenkle, à velha moda de um dono de herdade, isto é, de um modo praticamente discricionário e apenas baseado na confiança. Os membros da redacção, do grupo de coordenação e evidentemente os sócios comuns nunca viram mais que uma fachada formal, sem qualquer prestação de contas exacta e concreta. Os três golpistas principais, Trenkle, Lohoff e Schandl, há anos que dividiam entre eles a maior parte das contribuições dos sócios para a sua "reprodução pessoal", sem que alguma vez tivesse existido qualquer deliberação oficial nesse sentido. Estes despojos nunca foram especificados, sendo antes escondidos sob o título genérico das "verbas destinadas a despesas" sem que alguma vez tivessem sido referidos de forma explícita os nomes dos beneficiários, os montantes em questão e os serviços prestados em troca. Especialmente no que diz respeito a Lohoff, dificilmente poderia ter sido referida grande coisa a não ser a sua suma importância adquirida pelo facto de existir. Este processo ilegítimo (e também formalmente ilegal), de resto, mantém-se até hoje inalterado no seio da associação de apoio à Krisis residual, cujo controlo foi agora assumido na totalidade por essa quadrilha. Aí, para além de um punhado de adeptos da quadrilha, já apenas se procede à administração de cadáveres de ficheiro pagantes.
Quando começou a cheirar a esturro, os membros da quadrilha tentaram desdramatizar o assunto (o que sempre foi o seu forte) remetendo para as receitas relativamente reduzidas em termos de quotas e donativos. Entende-se por si que o contexto da Krisis não foi dono de qualquer fortuna. Ainda assim, sob as condições da precarização não é nenhuma bagatela que um escriba que não se destacou nem por uma originalidade, nem por uma produtividade avassaladora como Lohoff tenha recebido, ano após ano, cerca de 6.000 Euros ou 12.000 Marcos [1.200 contos; N.d.Tr.]; não como remuneração da sua produção teórica, mas como um opaco patrocínio de um clube de adeptos da boa fé controlado informalmente. Tal já quase corresponde ao contravalor de um qualquer biscate mal pago que uma pessoa não tem de fazer. De resto também fazia parte do lote uma grossa fatia proveniente dos honorários do "Livro Negro" de Robert Kurz destinada a donativo a favor da associação; assim sendo, Lohoff recebia um parte do seu sustento dos proventos do "Livro Negro" para ter tempo disponível suficiente para a seu bel-prazer poder urdir intrigas contra o respectivo autor e dar largas aos seus ressentimentos pessoais.
Quando se colocou a questão financeira, na realidade não se tratava de cortar ou até de tirar a alguém o salário que aparentemente já tinha ingressado nos anais do direito consuetudinário. Tratava-se apenas de justificar de uma forma correcta e especificar (também com referência dos nomes dos destinatários) as verbas despendidas, em vez de as deixar escondidas como dantes sob o véu do título genérico das "verbas destinadas a despesas". O que estava em causa era, portanto, a simples transparência, depois da base de confiança já ter sido abalada pelos crescentes conflitos de conteúdo e relacionais.
No entanto, a transparência incluindo a especificação das verbas despendidas também teria significado uma disponibilidade de princípio por parte dos grémios oficiais da Krisis (redacção, grupo de coordenação, assembleia de sócios). Tal já era risco a mais para a quadrilha mafiosa, tanto mais que se antevia que também outros sócios activos que não os que até data já eram beneficiários de pagamentos poderiam vir a requerer auxílio devido à crescente pressão no sentido da precarização sentida em toda a área mediática e cultural. A quadrilha não queria abrir mão do controlo informal das finanças, nem estava disposta a partilhá-las.
Assim se decidiu rapidamente e em força o que pouco tempo depois até viria a adquirir o estatuto da reflexão teórica, nomeadamente "em termos de perspectivas, conciliar a questão da reprodução pessoal e a luta por objectivos sociais", objectivo esse que devia ser atingido pelo saneamento e a expropriação daquelas e daqueles camaradas encarad@s como concorrentes que pareciam constituir obstáculos à pretensão de controlo e apropriação da quadrilha.
Não se tratava apenas de dinheiro, mas também da avidez de reputação que devia servir de passaporte para a própria importância, para poder manter fiel uma paróquia de patrocinadores. É também por isso que a quadrilha se comporta como administradora intelectual do espólio dos que foram saneados pelo seu golpe de estado, como se estes já tivessem morrido, usurpa os seus textos contra a vontade das respectivas autoras e autores na sua página da Internet e arroga-se autoridade de interpretação e publicação com base no domínio formal da associação da Krisis obtido por meios fraudulentos e mafiosos.
A editora Unrast-Verlag esteve mal aconselhada para ter entretanto oferecido guarida editorial para o rótulo usurpado da Krisis a esta corja de impostores intelectuais lumpen, forjadores e autores de publicidade enganosa, tendo assim tomado partido de um modo que em tudo desmente o seu próprio programa editorial. A médio e longo prazo, porém, serão impossíveis de disfarçar a falta de substância e de independência de uma elaboração teórica que já deixou de o ser, a vulgarização e banalização ideológica das ideias pilhadas do acervo da crítica do valor e da dissociação.