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Primeira Edição: Original alemão Die Ökonomie des Bodens em Neues Deutschland, 06.02.2004. Tradução de Ana Moura
Fonte: http://www.obeco-online.org/robertkurz.htm
Transcrição e HTML: Fernando Araújo.
Tal como na física quântica, também na economia política há que pensar o impensável; ou seja, tornar tematizável um modo de vida e de produção não mais como um "modo de produção baseado no valor" (Marx), como aquele que hoje marca o nosso dia a dia e foi interiorizado com as suas categorias (trabalho abstracto, valor, mercadoria, dinheiro, mercado, estado, etc.) pela consciência normal. Apesar da cada vez mais profunda crise deste sistema, os homens recuam perante o desconhecido; agarram-se à ilusão de que este sistema possa ter conserto. Por isso há um problema para uma nova crítica radical da economia política a formular: a mediação.
Trata-se assim não apenas de tornar acessível a crítica teórica à generalidade das consciências normais, mas também de encontrar uma saída prática para além da "área de terramoto" das condições da relação-dinheiro-mercadoria. O que é tão difícil porque este sistema é totalitário. A forma do valor e com ela a forma do dinheiro, no decurso de um desenvolvimento capitalista multissecular, estenderam tão profundamente a sua devassa ao interior das condições de vida, que apenas se apresentam superáveis a partir de um ponto de apoio central, porventura de acordo com o lema: "ou tudo, ou nada". Seguramente a totalitária relação-dinheiro-mercadoria é unha com carne com o carácter de mercadoria da força de trabalho, pois é daqui que resulta um, por assim dizer, sistema mercantil de pensamento superficial. É em primeiro lugar porque a força de trabalho se transformou em mercadoria que todos os produtos têm que ser transformados em mercadorias. Porém, estão para ser feitas as reflexões sobre os passos de mediação ou de transição para superar este modo de vida e de produção. Será pensável romper com determinados âmbitos para fora da forma da mercadoria?
A questão da terra, no sentido da sua disponibilidade, já vem dos começos do modo de produção capitalista. A constituição da relação de capital desenvolveu-se a par de um processo de "transformar as terras em meros artigos comerciais" (O Capital, livro I, pag. 752). E sucessivamente se voltou às questões de princípio, de libertar estas bases elementares da reprodução social do férreo aparelho da forma do dinheiro e da comercialidade. Condição para isso era libertar a terra também da forma jurídica da propriedade privada. Socialistas, comunistas e anarquistas, e até reformadores burgueses, pensaram neste sentido. Uma terra liberta da forma da mercadoria pertence em todo o caso ao programa de emancipação social, também em Marx: "Do ponto de vista de uma formação económico-social mais elevada, a propriedade privada de indivíduos isolados sobre o globo terrestre há-de parecer absolutamente tão sem sentido como a propriedade privada de um homem sobre outro homem. Mesmo uma sociedade no seu conjunto, uma nação ou até todas as sociedades contemporâneas no seu conjunto, não são proprietárias da terra. São apenas suas possuidoras, suas utilizadoras, e como boni patres familias têm que a deixar melhorada à geração seguinte" (O Capital, Livro III, pag. 784).
A expulsão primordial da terra, como ela continua até hoje no terceiro mundo, através da constituição capitalista de rapina e do consequente privar os seres humanos do controle comum sobre as literalmente bases da vida, faz parte do desaforo fundamental da ordem dominante. Muitas vezes esta questão havia de ser levantada e outras tantas havia de ser branqueada com um novo impulso do desenvolvimento capitalista. Porém, na crise mundial actual, esta questão elementar adquiriu um novo peso. São a perder de vista os numerosos movimentos de ocupação de terras nas regiões em crise do terceiro mundo. Mas também nos centros a questão da terra poderia novamente ser colocada. Seria um dos vários campos do movimento social mundial conjunto sob as condições da globalização. No socialismo de estado até já nem havia propriedade privada. Mas a propriedade do estado sobre a terra sem dúvida significava igualmente uma separação jurídica dos seres humanos dos seus elementares meios de reprodução, para os objectivos de uma "modernização recuperadora" burocrática. A propriedade jurídica da terra foi estabelecida, no sentido da afirmação de Marx, para negar a graça do simples possuir, isto é, da utilização à moda da auto-administração comunal. Os pequenos proprietários poderiam ser aliviados ou totalmente exceptuados deste cilindramento, à maneira de uma indulgência plenária global.
Qual seria o efeito? Se a renda da terra caísse sem compensações poderiam descer muitos custos (por exemplo, arrendamentos). Além disso seria estabelecido um pressuposto básico, o de que os homens poderiam pôr em movimento instituições comuns de todos os géneros, total ou parcialmente independentes da relação-dinheiro-mercadoria. Naturalmente tal só ocorrerá se por exemplo no terceiro mundo a propriedade latifundiária não for apenas substituída pela propriedade privada (como foi o caso na Revolução Francesa) e se a terra em geral perder a característica de ser objecto de compra e venda. Não se trata de uma utopia estragada, mas de uma entre várias possibilidades de abrir uma brecha na pretensão totalitária do sistema produtor de mercadorias.