MIA> Biblioteca> Karl Korsch > Novidades
Primeira Edição: Publicado em: New Essays. A Quarterly Devoted to the Study of Modern Society, Vol. 6, 1942, no 2, Outono.
Fonte: Crítica Desapiedada
Tradução: Rodrigo Aguiar, a partir da versão disponível em: http://aaap.be/Pages/Korsch-en-1942-Notes-On-History.html. Revisado por Felipe Andrade. A tradução foi comparada com a versão disponível em: Karl Korsch. Escritos Políticos I & II. México: Folio Ediciones, 1982. https://drive.google.com/file/d/1-TPGdPS8K5E7VZUArJWrXiBElQEhO9F3/view?usp=sharing
HTML: Fernando Araújo.
“Coisas não aconteceram comigo;
pelo contrário, sou eu quem aconteceu ao mundo”.
Embora incoerente como uma descrição de impacto de um escritor politicamente insignificante sobre o mundo, essa afirmação paradoxal de G. B. Shaw ajuda a explicar um tipo de desvio dos conceitos tradicionais da história, os quais tendem vir à tona em nossa época sob o impacto da chamada revolução totalitária. Sem dúvida, existe um sentimento nos atuais países não totalitários do efeito que “Adolf Hitler aconteceu ao mundo”. Por outro lado, este é também o espírito no qual uma vitória do grupo de guerra totalitário veria sua própria relação com o resto do mundo.
Certas pistas nesta direção podem ser descobertas na própria linguagem do movimento nazista atual. “Espaço” ou “espaço vital” nesta linguagem não conota apenas qualquer território no qual as pessoas vivem, mas particularmente territórios fora do atual domínio nazista, que pertencerão a seu império quando chegar o momento. Desta maneira, houve um “Sudeten-Raum” e um “Donau-Raum”, mas nunca houve um “Elb-Raum” ou um “Rhein-Raum”, uma vez que esses territórios pertenciam ao Império Alemão. Até o “mundo” não manteve mais sua tradicional conotação geográfica. Isto significa para o hitlerista verdadeiro que o mundo no qual o império nazista vive e move e no qual em seu devido rumo se tornará, de fato já é em sua essência – uma parte da Grande Alemanha, dos Estados Unidos da Europa dominados pelo nazismo ou de qualquer área mais extensa, será suficiente para o ainda indeterminado “espaço vital” da raça alemã.
Porém, devemos ter cuidado para não superestimar essa ou qualquer outra característica na ideologia do totalitarismo atual. Em contraste com a crença defendida por muitos estudantes da história recente da Alemanha, a ideologia do nacional-socialismo não oferece pistas para seus reais objetivos. Diferentemente de outras ideologias, ela não revela sequer a realidade sócio-política de uma determinada situação histórica ou as necessidades genuínas de uma classe social definida.
Qualquer que seja a aparência de consistência, ela pode ser descoberta entre as frases flagrantemente sem sentido e irrelevantes reunidas no Mein Kampf e nas políticas atuais do governo nazista. Elas não são de uma ordem lógica, nem resultam de qualquer correlação, exceto a mais arbitrária entre fatos e ideias. A transformação rápida dos slogans do nazismo nada refletem, senão as condições efêmeras da situação imediata ou da tarefa em mãos. Eles não são nem mesmo pragmáticos, mas definitivamente oportunistas. Suas próprias contradições não expressam, como fazem outras ideologias, os conflitos e lutas reais de uma determinada sociedade. Antes, eles surgem de uma tentativa consciente de ocultar conflitos existentes sob o véu de conflitos recém-inventados e completamente fictícios.
Tampouco ajudaria descrever a ideologia nazista como uma negação sistemática e uma revalorização de todos os valores tradicionais em termos de Nietzsche. É verdadeiro que uma das características mais marcantes do nazismo durante os últimos dez anos tenha sido seu absoluto desrespeito em relação às doutrinas tradicionais do Estado, do direito e da economia, e todos os outros tabus práticos e teóricos do passado que poderiam de alguma maneira ter obstruído seu objetivo supremo de eficiência e conquista. Porém, este trabalho destrutivo tem sido mais um meio do que um fim, e uma questão de prática em vez de uma parte da ideologia oficial nazista.
A linha principal do pensamento nazista não é tradicionalista nem modernista, tampouco conservadora ou niilista. O nazismo é essencialmente um movimento contrarrevolucionário. Ele participa de todas as incertezas, das meias-verdades e da natureza mista da longa sucessão de movimentos contrarrevolucionários que, durante os últimos cento e cinquenta anos, perturbaram o progresso “normal” da sociedade europeia, tal como pensado pelas várias fileiras de herdeiros da filosofia histórica da Revolução Francesa.
Não devemos ser iludidos pelas abordagens ocasionais de um genuíno conceito ativista da história que está presente nos discursos fornecidos para fins particulares por um ou outro dos líderes ideológicos nazistas. Não devemos, por exemplo, cair nas frases pseudo-nitzscheanas com as quais na primeira Convenção Nacional dos Historiadores da Nova Alemanha em Erfurt, 1937, o presidente do novo “Instituto Imperial de História” tentou levantar seu público ao nível da ocasião histórica. “Como o cantor Tyrtaeus”, disse o Dr. Frank, “o historiador deveria desfilar diante de seu povo em marcha e testemunhar a eternidade do povo contra o ir e vir dos indivíduos”.
Outro e muito mais importante passo para uma ruptura com a concepção tradicional de história está presente no trabalho de Karl Haushofer. Seria uma simplificação excessiva considerar as teorias “geopolíticas” de Haushofer e sua escola apenas como uma forte continuação das tendências imperialistas do período antecedente, representado, entre outros, pelo historiador alemão, Treitschke, e pelo historiador britânico, Seely. Essas tendências ainda estavam mais ou menos ligadas às ideias tradicionais do período inaugurado pela Revolução Francesa. O problema principal ainda era criar as condições para uma exploração irrestrita do mercado mundial; o resultado inevitável foi atrair todas as nações, mesmo as mais “bárbaras”, para a órbita da civilização Ocidental. “A burguesia”, dizia o Manifesto Comunista de 1848, “obriga todas as nações, sob pena de extinção, a adotar o modo de produção burguês, a introduzir em seu meio o que chamamos civilização, ou seja, a tornarem-se burguesas. Em uma palavra, ela cria um mundo à sua própria imagem”.
Como o escritor apontou em outro artigo,(1) todo esse sonho de um modo de produção burguês cosmopolita e da consequente dominação de um mundo inteiramente “civilizado” pela classe burguesa Ocidental sofreu diversos choques graves antes do advento do totalitarismo. Longe de transformar toda a terra habitada em uma enorme colônia do Ocidente capitalista, a expansão mundial das técnicas ocidentais, da ciência, das instituições políticas e econômicas, do nacionalismo e dos métodos de guerra, simplesmente criou novas armas que os povos da China, Japão, Índia e do mundo árabe da Ásia Oriental e do Norte da África poderiam se voltar contra o agressor ocidental. Portanto, desde o começo do século XX, surgiu esse novo tipo de expansão imperialista que encontrou sua aplicação até então mais eficiente na teoria e prática da agressão totalitária.
As novas técnicas do imperialismo, que foram inventadas quase simultaneamente no Oriente e no Ocidente, são totalmente diferentes dos métodos aplicados pelo velho imperialismo do século XIX que é descrito de forma nostálgica por seus admiradores como uma forma “democrática” de expansão imperialista. No entanto, a diferença não consiste em um aumento da violência; a violência impiedosa tem sido característica de toda fase histórica da colonização capitalista. A novidade da política totalitária neste aspecto é que os nazis apenas estenderam aos povos europeus “civilizados”, os métodos até então reservados aos “nativos” ou “selvagens” que vivem fora da chamada civilização.
A grande diferença entre o velho e o novo imperialismo é expressa ideologicamente no colapso da missão “civilizadora”, que antes estava ligada à conquista da terra habitada nas chamadas partes “subdesenvolvidas”, seja pelos próprios imperialistas, seja por aqueles que, ao menos, se opunham sem entusiasmo à sua política realista. Embora esta reivindicação ideológica dos filantropos liberais, educadores, historiadores e outros ideólogos humanitários nunca tenha sido totalmente justificada, ela não era inteiramente sem sentido considerando-se o resultado objetivo da corrida competitiva pelas colônias que era característica da política externa do século XIX. Existe um grão de verdade até mesmo na bem conhecida afirmação que os ingleses “conquistaram seu império em um momento de distração”. Foi pelos mercados, comércio, privilégios e pela proteção mais eficiente das posições já conquistadas que o estado britânico expandiu a área de seu domínio político. Também é verdade que este velho tipo de expansão capitalista não levou a uma forma muito confiável de dominação permanente. Já um quarto de século antes da Declaração de Independência, o filósofo francês, Turgot, comparou as colônias a “frutos que se agarram à árvore somente até amadurecerem”. De acordo com esta ideia, que após a perda das colônias americanas foi amplamente aceita entre políticos e historiadores britânicos, foi considerado axiomático que “todo império conquistado é efêmero”. Ainda hoje é mantida uma confiança ideológica na missão educacional de colonização em certos círculos da intelligentsia radical dos países não-totalitários. Como Bertrand Russell disse em sua discussão crítica sobre a fase mais recente da política britânica na Índia: as vantagens de um nível mais elevado de civilização que, a princípio, estão todas do lado do conquistador estão fadadas a diminuir com tempo. Para ser governado, o território conquistado deve ser unificado. Assim, mais cedo ou mais tarde, surgirá um movimento de liberdade que, em última instância, levará à derrubada do conquistador dominante que se fundamenta no “prestígio e blefe” em vez de uma força real de qualquer forma.
Qualquer que tenha sido a aplicação limitada que a teoria descrita acima possa ter tido para os britânicos e outros tipos de colonização do século XIX, é certo que ela não se aplica mais ao novo imperialismo de potências mundiais totalitárias como a Rússia, o Japão ou a Alemanha. Estas potências nem sequer fingem visar uma expansão mundial de sua marca particular de “civilização”. Elas aprenderam a prevenir os perigos que, de acordo com a teoria tradicional, ameaçam a permanência de toda conquista capitalista e expansão colonial. Podem contar não para unificar, mas sim para dividir ainda mais as esferas europeias e extra-europeias de sua dominação imperialista. Longe de comunicarem suas capacidades industriais e militares superiores a seus súditos coloniais, mesmo ao modesto grau em que isso foi feito, ou melhor, involuntariamente permitido por governantes de impérios anteriores, elas não tentam desindustrializar até mesmo os países industriais plenamente desenvolvidos da Europa e de outros continentes em benefício da minoria conquistadora. Não há dúvida de que sua política se fundamenta em uma concepção completamente nova do próprio processo histórico e do papel a ser desempenhado neste processo por sua própria ação totalmente sem restrições.
Hoje não é tão certo, como parecia aos admiradores acríticos das realizações totalitárias de alguns anos atrás, que os nazistas serão capazes de mostrarem-se à altura da impiedade de seu próprio programa original. Foi relativamente fácil aplicá-lo aos novos métodos de conquista totalitária a países que ficaram para trás no desenvolvimento de formas totalitárias – uma tendência geral que pode ser traçada, mais ou menos distintamente, nas políticas externas e internas de todas as grandes potências do mundo, ao menos desde o fim da Primeira Guerra mundial. Provou-se mais difícil alcançar os mesmos sucessos impressionantes sob condições mais competitivas. O monopólio dos nazistas na guerra totalitária e na política foi rompido quando tentaram subjugar a Rússia em junho de 1941, e quando alguns meses depois da entrada do Japão na guerra, transformou um assunto até então essencialmente europeu em um verdadeiro conflito mundial. Desde então, um espírito muito menos confiante se revelou em várias ocasiões no tom geral da política nazista. Parecia que durante a última fase até mesmo a condução da própria guerra tem mostrado uma certa tendência a regressar às formas da primeira guerra mundial.
Em meio a uma colisão sem precedentes de forças imperialistas, na qual o lado fraco tentou ampliar seu poder conquistador através de um ataque simultâneo a toda a estrutura interna da sociedade atual, surge uma fatal ambiguidade no interior do próprio objetivo nazista. Após ter apostado na ideia de uma revolução social mundial, os nazistas parecem se retrair dos riscos e consequências de seus próprios planos originais. Assim, eles demostram os limites intrínsecos de um movimento contrarrevolucionário, em contraste com uma autêntica revolução.
A análise anterior mostra que as ambiguidades marcantes que observamos nas manifestações ideológicas do nazismo se baseiam no caráter igualmente ambíguo de sua ação histórica. Apesar das aparências, o totalitarismo em sua forma atual não tinha ainda se libertado dos conceitos tradicionais de uma época histórica remota. Os nazistas abandonaram as ideias da fase ascendente da era capitalista só para cair no conceito pouco dinâmico, fatalista e pessimista da história que, na fase final pré-totalitária, foi expresso por Spengler em Decline of the West [A Decadência do Ocidente]. Todo estudante dos discursos de Hitler durante os últimos vinte anos esteve ciente do desespero fatalista que formou o contexto persistente de seus pronunciamentos, mesmo naqueles momentos no qual ele tentou inspirar seus seguidores para suas ações mais ousadas e decisivas.
Este aspecto sombrio da filosofia histórica do atual totalitarismo é elaborado em grande extensão pelos velhos e novos exponentes ideológicos dos mitos e das doutrinas nazistas desde Mouller van den Bruck e Rosenberg até Juenger e Stending; está presente com um tom inconfundível mesmo nas afirmações de representantes do nazismo tão extremos como o professor Haushofer.
O nacional-socialismo não rompeu com aquela longa tradição dos historiadores na qual, após a inauguração revolucionária do atual sistema da sociedade europeia, o “fazer da história” foi gradualmente transformado em um objetivo em que a história não é mais feita, mas sim sofrida e aceitada passivamente pelos homens. Uma contribuição importante a essa transformação foi feita durante o século XIX pela filosofia idealista de Hegel e, após ele, pela filosofia materialista de Marx. Quando Marx e Engels finalmente rompem com os sonhos “não científicos” das gerações precedentes de socialistas e anarquistas, abandonam também aquele enorme conceito ativista de história que Marx, em sua juventude, havia resumido na famosa afirmação: “Os filósofos apenas interpretaram o mundo de várias maneiras; o que importa é transformá-lo”. Em seu desenvolvimento posterior, o chamado socialismo científico dos partidos marxistas foi perder até mesmo os últimos resquícios de um credo revolucionário enquanto que, por outro lado, alguns dos supostamente elementos utópicos e não-científicos do pensamento socialista anterior se mostraram suficientemente científicos e realistas na medida em que se voltaram contra seus detratores “científicos” pela contrarrevolução nazista.
O passo final na eliminação de todos os elementos ativistas da filosofia histórica do século XIX foi dado pela própria classe dominante burguesa. Como toda “filosofia”, mesmo a filosofia da história ainda era remanescente do período revolucionário do pensamento burguês e foi, portanto, definitivamente abandonada e substituída por um sistema de ciências históricas altamente especializado e, por sua vez, totalmente despojadas de qualquer conteúdo revolucionário
A decadência final da concepção burguesa de história foi alcançada no pan-historicismo contemporâneo que encontra sua formulação clássica no trabalho de Spengler.
“Quando sonhamos que estamos sonhando
Nós estamos a ponto de despertar.”
Novalis
Parece que hoje chegamos a uma concepção própria de história, inteiramente histórica e imparcial. Sabemos que cada abordagem da história, cada termo aplicado a ela, e cada resultado da pesquisa histórica revela algo não somente sobre a atitude do escritor, mas também sobre sua época e sobre sua posição particular nas lutas econômicas, políticas e culturais que ocorrem em seu tempo. Não podemos mais nos deixar enganar pela afirmação irreverente de um escritor ultramoderno de que o historiador “deveria omitir tanto quanto possível”, ou pelo pronunciamento mais inteligente de que é mais importante para o historiador esquecer do que lembrar. Sabemos que há mais de um século, Hegel disse que “o pensamento é, afinal, o resumo mais vigoroso”.
Não podemos ser enganados pela exigência igualmente paradoxal de um bem conhecido professor de Harvard de que o historiador “deveria começar com um preconceito declarado em relação aos fatos da história”. A crítica socialista nos convenceu há muito tempo do caráter instável da chamada “objetividade” da história e da economia e de todas as outras ciências históricas burguesas. Foi somente sob o impacto da contrarrevolução totalitária que o mesmo princípio crítico foi adotado por uma série de defensores vigorosos da natureza imparcial de todo verdadeiro pensamento cientifico, enquanto ao mesmo tempo e pela mesma razão, alguns dos adeptos de uma filosofia e ciência estritamente partidária tornaram-se notavelmente menos entusiastas sobre a inevitável e completa divisão de classe e partido nos domínios da teoria e da cultura. Podemos até mesmo sorrir para o desejo moderno de introduzir uma quantidade suficiente de parcialidade na escrita histórica de uma época altamente sofisticada. Sabemos que nenhuma quantidade desse preconceito conscientemente inculcado pode rivalizar com a força do preconceito totalmente inconsciente contido nas teorias políticas e econômicas que foram universalmente adotadas durante toda a extensão do período burguês. Um bom exemplo é oferecido pela fé implícita dos economistas políticos na inevitabilidade da forma particular de produção de mercadorias que prevaleceu durante as fases iniciais do período burguês.
Para resumir uma longa história, não existe nada na escrita histórica de ontem, hoje e amanhã, que não possa ser explicada e entendida como o resultado de um determinado período pelo espírito complemente histórico da geração presente. Para nós, depende inteiramente de um período determinado se a “história” é tratada com uma história providencial da criação ou como uma história profana da civilização. E, neste último caso, se seu objeto é supostamente a Civilização (no singular e com um C maiúsculo) ou uma série de civilizações coordenadas; se ela é considerada estaticamente como uma recorrência de essencialmente os mesmos processos ou dinamicamente como um “desenvolvimento”; se o desenvolvimento em questão é concebido como um movimento externo de objetivos visíveis e tangíveis no espaço e no tempo ou como o chamado desenvolvimento “interno” no tempo; se é considerada como um movimento para cima ou para baixo ou no mesmo nível, em uma linha reta, em espirais ou círculos; se procede do simples ao complexo ou vice-versa; e se é considerada como uma cooperação harmoniosa de indivíduos e grupos ou como uma luta de todos os homens contra todos os homens, de nações, raças ou classes.
Além disso, ela depende dos fatos históricos de uma determinada época – se a história é abordada de forma otimista como um desenvolvimento progressivo, ou pessimista como um declínio da cultura; como um processo contínuo ou como uma série de avanços e retrocessos alternados, de períodos críticos e orgânicos, de prosperidade e crises, de paz e guerra. Mais uma vez, o resultado do processo histórico pode ser concebido como destino cego ou como um evento feito pelo homem, como produzido pelo povo como um todo, ou como impulso sobre uma massa rebelde por uma minoria restrita de grandes homens, de gênios, ditadores ou loucos; como um crescimento inconsciente ou um movimento mecânico; como um caos sem sentido ou o desdobramento de uma grande ordem cósmica.
Igualmente dependente das condições atuais é a questão de saber se o historiador aborda seu tema de forma crítica ou dogmática; com um método místico ou racional; e se considera seu trabalho como um reflexo passivo do processo histórico objetivo na mente de um observador externo, ou como um subproduto de sua participação ativa no próprio movimento histórico.
Mais uma vez, é decidido pelo caráter do objetivo de uma determinada época quais são os campos da atividade humana incluídos na pesquisa histórica, e quais deles são enfatizados. A história pode ser representada como um processo religioso ou político, econômico ou cultural; pode ser tratada como uma história da técnica e da ciência, do comportamento humano, das instituições sociais e das ideias. Pode ser considerada como um processo cósmico no qual o desenvolvimento da sociedade humana no “tempo histórico” é só um episódio curto e um tanto desacreditado; ou, novamente, todo desenvolvimento da natureza e da sociedade humana pode ser representado como uma encarnação da mente ou “da ideia” per se em seu caminho rumo à autorrealização final. Ou, finalmente, esta interpretação espiritual da história pode ser novamente revertida e a história ser considerada como um conflito nunca resolvido entre as forças produtivas da sociedade e a sucessivas formas de sua aplicação atual.
Essa visão pan-histórica da era atual não é apenas o termo final de um desenvolvimento prolongado do passado. Ao mesmo tempo, ela contém a base para uma abordagem completamente nova que pode ser descrita alternativamente como a rejeição final do conceito fetichista da história, ou como a última historicização de todas as atividades humanas e de todos os campos de pesquisa social.
Enquanto nos acostumamos lentamente a considerar o historiador e seu trabalho como sendo tão histórico quanto a própria história, a história parece perder em importância. Ela certamente perde toda a alegação de uma existência autônoma. Não existe mais uma História em geral, como não existe mais um Estado em geral, uma Economia, uma Política ou um Direito em geral. Há somente uma forma específica e definida de história pertencente a um determinado período, à determinada estrutura da sociedade ou uma determinada civilização. Isto não significa que a história seja reduzida a uma mera ideologia. Ela participa antes da natureza mista (metade material, metade ideológica) de “instituições” tais como o Direito, a Igreja e o Estado. Como tal, ela tem sido tratada na Filosofia do Direito de Hegel, onde a “história mundial” é discutida juntamente com a família, a sociedade civil e o Estado, como um dos atributos do que o filósofo chama de “Die Sittlichkeit”, mas que é, de fato, a determinada estrutura da civilização burguesa moderna.
Com base nessa nova abordagem, o conceito fetichista de que o desenvolvimento do mundo acontece na história é substituído pela afirmação relativista de que cada forma particular de história é parte integrante de uma determinada estrutura da sociedade, e muda sua forma e conteúdo juntamente com as transformações que ocorrem na economia, na política e em outras esferas da sociedade a que pertence. E tal como podemos imaginar uma estrutura futura da sociedade na qual não apenas a teoria do Estado, mas também o próprio Estado terá deixado de existir sem ter sido substituído por outro Estado, podemos imaginar um período em que não haverá história. Algo deste tipo deve ter acontecido aos egípcios e a outras civilizações orientais no período em que passaram de seu período dinâmico de gênese e crescimento para um período menos dinâmico, durante o qual tentaram mais ou menos com sucesso proteger sua sociedade contra uma ameaça de desintegração, estabelecendo um Estado universal. Uma mudança similar está prevista, de acordo com as teorias de Spengler e A. J. Toynbee, para toda forma de civilização existente, incluindo nossa própria civilização orgulhosa do Ocidente.
O resultado final da nova abordagem da história aqui considerado não é uma perda total, mas sim uma aplicação diferente do conhecimento teórico que até então foi adquirido pelos estudos históricos. Quando toda a forma pratica e teórica de lidar com fatos sociais vir a ser fundamentada, entre outras coisas, em um pleno reconhecimento de seus aspectos particulares condicionados pelo tempo, uma ciência (ou filosofia) autônoma da história per se será considerada tão supérflua quanto uma ciência abrangente da “natureza” per se tem sido considerada há muito tempo. Assim como as ciências físicas contemporâneas tornam-se cada vez mais estreitamente relacionadas com sua aplicação prática na tecnologia e indústria, também a história teórica acabará se fundindo com sua aplicação prática às tarefas concretas a serem resolvidas pelos indivíduos dentro da estrutura de uma determinada forma de sociedade.
Notas de rodapé:
(1) The World Historians from Turgot to Toynbee, Partisan Review, Setembro de 1942. (retornar ao texto)