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Primeira Edição: Discurso proferido na Conferência do Partido Socialista Operário(1) em 1948. Publicado originalmente em Fourth International em Dezembro de 1948; Republicado no livro C.L.R. James on the “Negro Question”, Scott McLemee (ed.), Jackson (Miss.) 1996, pp. 138–147.
Tradução: Jorge Fonseca de Almeida com base no texto inglês disponível em https://www.marxists.org/archive/james-clr/works/1948/revolutionary-answer.htm
HTML: Fernando Araújo.
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A decadência do capitalismo à escala mundial, a ascensão do CIO(2) nos Estados Unidos, e a luta do povo Negro, precipitaram uma tremenda batalha pelas mentes do povo Negro e pelas mentes da população dos EUA como um todo sobre a Questão Negra. Nos últimos anos, alguns setores da burguesia, reconhecendo a importância desta questão fizeram uma poderosa demonstração teórica da sua posição, difundida em O Dilema Americano de Gunnar Myrdal(3), uma publicação que custou 250 mil dólares a produzida(4). Setores da pequena burguesia sentimental também produziram os seus porta-vozes, uma das quais é Lillian Smith(5). Isso produziu estranhos frutos de que, contudo, resultou um livro que vendeu cerca de meio milhão de cópias durante os últimos anos. A pequena burguesia Negra, radical e envolvida com o movimento comunista, também fez sua oferta na pessoa de Richard Wright(6), cujos livros venderam mais de um milhão de cópias. Quando os livros sobre uma questão tão controversa como a questão Negra chegam ao ponto de vender meio milhão de exemplares, isto significa que o tema deixou a esfera da literatura e definitivamente na esfera política.
Podemos perceber o que de novo temos a dizer comparando a nossa posição com as posições anteriores do movimento socialista sobre a Questão Negra. O proletariado, como sabemos, deve liderar as lutas de todos os oprimidos e de todos os perseguidos pelo capitalismo. Mas isso no passado foi interpretado - e por alguns muito bons socialistas - do seguinte modo: as lutas independentes do povo Negro não têm muito mais do que um valor episódico e, de facto, podem até constituir um grande perigo não só para os próprios Negros, mas para o movimento operário organizado. A liderança real da luta dos Negros deve estar nas mãos dos sindicatos e do partido marxista. Sem isso, a luta dos Negros não só enfraquece, como é provável que cause dificuldades aos Negros e ponha em perigo o movimento operário organizado. Esta foi, como disse, a posição de muitos socialistas no passado. Alguns grandes socialistas nos Estados Unidos estiveram associados a esta atitude.
Nós, por outro lado, dizemos algo completamente diferente.
Dizemos, em primeiro lugar, que a luta independente dos Negros tem uma validade e uma vitalidade própria; que tem raízes profundas no passado da América e nas lutas atuais; que tem uma dinâmica política e orgânica ao longo da qual se desenvolve, em maior ou menor grau, e que, tudo o indica, avança hoje a grande velocidade e com grande vigor.
Dizemos, em segundo lugar, que este movimento Negro independente é capaz de intervir com uma força terrível na vida social em geral e na vida política da nação, apesar do facto de esta batalha ser travada sob a bandeira dos direitos democráticos e não ser necessariamente dirigida pelo movimento sindical ou pelo partido Marxista.
Dizemos, em terceiro lugar, e este é o ponto mais importante, que este movimento é capaz de exercer uma poderosa influência sobre o proletariado revolucionário, que dá um grande contributo ao desenvolvimento do proletariado nos Estados Unidos, e que é, em si mesmo, uma parte constituinte da luta pelo socialismo.
Por isso contestamos diretamente qualquer tentativa de subordinar ou de empurrar para a retaguarda o significado social e político da luta independente dos Negros pelos seus direitos democráticos. Esta é a nossa posição. Era a posição de Lenine há 30 anos atrás. Era a posição de Trotsky pela qual lutou durante muitos anos. Tem sido concretizada pela luta de classes nos Estados Unidos em geral e pelas monumentais lutas do povo Negro. Esta posição tem sido aperfeiçoada e refinada pelo debate político no interior do nosso movimento e, acima de tudo, tem a vantagem da experiência da sua aplicação prática à luta dos Negros e à luta de classes pelo Partido Socialista Operário durante os últimos três ou quatro anos.
Se, agora, esta posição atingiu o estádio em que pode ser formulada como o fazemos, isso significa que a sua apreensão é atualmente mais fácil do que era antes; e que meramente pela observação da Questão dos Negros, do povo Negro, das lutas que têm travado, das suas ideias, podemos ver as raízes desta posição de uma forma que era difícil descortinar há quinze anos. Dizemos, que o povo Negro, com base na sua própria experiência, se aproxima das posições do Marxismo. Ilustrarei resumidamente esta ideia tal como foi demonstrada na Resolução(7).
Em primeiro lugar a questão da guerra imperialista. O povo Negro não acredita que as duas últimas guerras e a que pode vir a acontecer sejam fruto da necessidade da burguesia americana lutar pela democracia e pelos povos oprimidos. Não podem acreditar em tal coisa.
Na questão do Estado, qual é o Negro, particularmente entre os que vivem a sul da linha Mason-Dixon(8), que acredita que o Estado capitalista é um estado acima de todos as classes e que está ao serviço de todas as pessoas? Podem não formular a sua crença em termos marxistas, mas a sua experiência leva-os a rejeitar este estribilho da democracia burguesa.
Relativamente ao que chamamos de processo democrático, os Negros não acreditam que as queixas e as dificuldades das várias camadas da população se podem resolver através do debate, pelo voto, por telegramas enviados ao Congresso ou por aquilo que é conhecido pela “maneira americana” (American way).
Por último sobre a questão da ação política, a burguesia americana prega que a Providência, na sua divina sabedoria, decretou que deviam existir dois partidos políticos nos Estados Unidos, não um, não três, não quatro, apenas dois: e também na sua bondade, a Providência mostrou que esses dois partidos deviam ser um, o Partido Democrata e, o outro, o Partido Republicano, para todo o sempre.
Isto está a ser posto em causa nos Estados Unidos por um número crescente de pessoas. Mas os Negros mais do que ninguém o põem em causa - e um conhecimento básico da sua imprensa e das suas atividades diz-nos que estão dispostos a romper completamente com essa conceção bipartidária.
Como bolcheviques, somos defendemos, não só teoricamente, mas também na prática, do papel principal do movimento operário organizado em todas as lutas fundamentais contra o capitalismo. É por isso que, durante muitos anos no passado, esta posição sobre a Questão Negra teve alguma dificuldade em ser completamente aceite, particularmente no movimento revolucionário, porque há esta dificuldade - qual é a relação entre este movimento e o papel principal do proletariado – particularmente porque muitos Negros e nomeadamente a camada dos Negros mais disciplinada, endurecida, treinada e altamente desenvolvida participa hoje no movimento operário organizado.
Primeiro, as lutas dos Negros no Sul não são apenas uma questão de lutas dos Negros, por mais importantes que estas sejam. São uma questão de reorganização de todo o sistema agrícola nos Estados Unidos e, portanto, uma questão para a revolução proletária e para a reorganização da sociedade com base no socialismo.
Em segundo lugar, dizemos que no Sul, apesar de a embrionária unidade entre brancos e Negros no movimento sindical poder parecer frágil e haver dificuldades nos sindicatos, tal é a decadência da sociedade do Sul e tal a importância fundamental do proletariado, particularmente quando organizado em sindicatos, que este pequeno movimento vai ser obrigado a desempenhar um papel decisivo nas inevitáveis lutas revolucionárias.
Em terceiro lugar existem, pelo menos, um milhão e duzentos e cinquenta mil Negros organizados em sindicatos.
Destas posições fundamentais não nos afastamos um milímetro que seja. Não só não nos afastamos delas como as fortalecemos. Mais ainda permanece uma questão: qual a relação entre o movimento independente de massas Negro e o movimento sindical? E aqui chegamos a uma questão que tem sido e continuará a ser intrigante se não tivermos uma posição clara.
Aqueles que acreditam que a questão negra é, no fundo, pura e simplesmente, ou até certo ponto, meramente uma questão de classe, apontam com alegria para o enorme crescimento do número de pessoas Negras organizadas no movimento sindical. Os sindicalizados cresceram em poucos anos de trezentos mil para um milhão; e são agora um milhão e meio. Mas para surpresa dessas pessoas, quanto mais os Negros aderemm ao movimento sindical, quanto mais o capitalismo os incorpora na indústria, quanto mais eles são aceites no movimento sindical, tais factos não provocam a diminuição ou o enfraquecimento da luta do movimento Negro independente, Foi mesmo durante este período, de 1940 para cá, que o movimento de massas independente irrompeu com uma força que nunca demonstrou antes.
Esse é o problema que temos de enfrentar, que temos de compreender. Não podemos avançar e não podemos explicar-nos a não ser que o tenhamos claramente resolvido. Eu sei que ele apresenta dificuldades. Pretendo dedicar algum tempo a esta questão, porque se ela for resolvida, tudo está resolvido. As outras dificuldades são incidentais. Se, no entanto, esta questão não ficar clara, então estaremos continuamente a enfrentar dificuldades que, sem dúvida, dificilmente resolveremos a tempo.
Lenine abordou este problema e na Resolução citamo-lo. Ele diz que a dialética da história é tal que no contexto da luta contra o imperialismo as pequenas nações independentes, as pequenas nacionalidades, que são impotentes – repito a palavra - impotentes, podem agir como fermento, como bacilos, e trazer para a cena o verdadeiro poder contra o imperialismo - o proletariado socialista.
Deixem-me repetir, por favor. Pequenos grupos, nações, nacionalidades, em si mesmas impotentes contra o imperialismo podem, no entanto, agir como um fermento, como um bacilo que traz para a cena a verdadeira força fundamental contra o capitalismo - o proletariado socialista.
Por outras palavras, como muitas vezes acontece do ponto de vista marxista, do ponto de vista dialético, a questão da liderança é muito complicada.
O que Lenine diz é que, embora a força fundamental seja o proletariado, embora esses grupos sejam impotentes, embora o proletariado tenha que liderá-los, isso não significa de forma nenhuma que eles não possam fazer nada até que o proletariado realmente se apresente para os liderar. Ele diz exatamente o contrário.
Eles podem, pela sua agitação, pela sua resistência e pelos desenvolvimentos políticos a que podem dar origem, ser o meio pelo qual o proletariado é trazido para a cena.
Nem sempre, nem todas as vezes, e não é o único meio, mas é um dos meios. É isso que temos de ter claro.
Ora está muito bem vê-lo do ponto de vista do marxismo que desenvolveu estas ideias com base na experiência europeia e oriental. Lenine e Trotsky aplicaram este princípio à Questão Negra nos Estados Unidos. O que temos que fazer é concretiza-lo, e um dos melhores meios de o fazer é aprofundar a história do povo Negro nos Estados Unidos, e ver a relação que se desenvolveu entre os Negros e os elementos revolucionários nas lutas revolucionárias passadas.
Devemos centrar-nos na Guerra Civil dos Estados Unidos e tenciono agora, de forma breve, tirar algumas conclusões precisas e ver se elas nos podem ajudar a chegar a uma perspetiva mais clara. Não para mero conhecimento histórico, mas para observar o movimento como ele se desenrola diante de nós, ajudando-nos a chegar a uma perspetiva mais clara sobre esta difícil relação entre o movimento negro independente e o proletariado revolucionário. A Guerra Civil foi um conflito entre a burguesia revolucionária e a plantocracia do Sul. Isso nós sabemos. Esse conflito era inevitável.
Durante os vinte e cinco anos anteriores à eclosão Guerra Civil, as massas dos Negros no Sul, através das rotas de fuga clandestinas(9), através de revoltas, como Aptheker nos conta, e pelo tremendo apoio e ímpeto que deram aos elementos revolucionários no interior do movimento abolicionista, impediram totalmente que a burguesia reacionária - (revolucionária mais tarde) - e a plantocracia chegassem a um acordo como queriam.
Em 1850 estas duas camadas burguesas fizeram uma grande tentativa de chegar a um acordo. O que é que impediu esse acordo? Foi a Lei do Escravo Fugitivo(10). Eles poderiam impedir tudo o resto por mais algum tempo, mas não podiam impedir os escravos de fugir nem impedir os revolucionários no Norte de os ajudar. Encontramos, pois, aqui na história dos Estados Unidos uma situação em que as massas do povo Negro, com a sua prontidão para se revoltar à menor oportunidade, formaram, no tempo da Guerra Civil, uma força que agiu sobre a burguesia como um fermento, como ignição e estimulo.
Esse é o primeiro ponto.
Ponto número dois. A Guerra Civil segue o seu curso, como era inevitável. Muitos negros e seus líderes tentam incorporar-se no Partido Republicano e fazer com que sua causa seja abraçada pela burguesia. E o que acontece? A burguesia recusa. Não quer a emancipação dos Negros.
Ponto número três. À medida que a luta se desenvolve, tal é a situação dos Negros nos Estados Unidos, que a emancipação dos escravos se torna uma absoluta necessidade política, organizacional e mesmo do ponto de vista militar.
Os Negros são incorporados na luta contra o Sul. Não só são incorporados na guerra, como mas mais tarde são incorporados também no governo militar que esmaga os restos de resistência nos estados do Sul.
Mas, pouco despois, a burguesia abandona a causa dos Negros e cai sobre eles uma terrível repressão.
Este foi o curso dos acontecimentos neste episódio central da História americana.
E se foi assim na Guerra Civil, olhemos também para o que se passou na Guerra da Independência. É provável- porque não é sempre uma certeza absoluta – mas é provável que encontremos alguns indícios antecipados do que viria a ser o desenvolvimento dos acontecimentos na Guerra Civil. Estão lá.
Os Negros começaram a exigir os seus direitos. Eles disseram: se estais a exigir que os Ingleses vos libertem, então também devemos ter os nossos direitos e a escravatura abolida. A burguesia americana não reagiu bem a esta reivindicação. Os Negros insistiram – os Negros do Norte – insistiram que deviam poder alistar-se no Exército Independentista. Foram recusados.
Mais tarde Washington viu que era vital tê-los, e quatro mil Negros lutaram integrados nos 34 mil soldados de Washington. Obtiveram alguns direitos depois da independência ter sido conseguida. Depois as camadas da burguesia que os apoiavam retiraram o seu apoio. E o movimento Negro colapsou.
Vemos exatamente a mesma coisa no movimento Populista(11). Houve um movimento poderoso de um quarto de milhão de Negros no Sul (A Associação dos Rendeiros do Sul). Juntaram-se ao movimento Populista e posicionaram-se na ala da extrema-esquerda do movimento na altura em que o Movimento discutiu se devia aderir ao Partido Democrático ou criar um terceiro partido. Os Negros votaram por um terceiro partido e por todas os pontos mais radicais da plataforma.
Lutaram ao lado do movimento Populista. Mas quando o Populismo foi derrotado, caiu sobre os Negros, entre 1896 e cerca de 1910, uma impiedosa e extrema repressão e a perseguição legalizada nos Estados do Sul.
Alguns de nós pensam que é bastante claro que o movimento de Garvey chegou e se virou para a África porque não havia nenhum movimento proletário nos Estados Unidos capaz de liderar o movimento Negro, capaz de integrar esta grande erupção dos Negros como a Guerra Civil e o movimento populista tinham feito com os Negros insurgentes do seu tempo.
E o que podemos ver hoje? Hoje os Negros nos Estados Unidos estão organizados como nunca estiveram antes. Há mais de meio milhão na NAACP, e para além disso, existem todos os tipos de grupos e organizações Negras - as igrejas em particular - cada um dos quais é dominado pela ideia de que cada organização deve, de uma forma ou de outra, contribuir para a emancipação dos Negros da humilhação capitalista e da opressão capitalista. De modo que o movimento Negro independente que vemos hoje, que vemos crescer diante de nossos olhos não é nada de estranho. Não é nada de novo. É algo que sempre apareceu no movimento americano ao primeiro sinal de crise social.
Ele representa o clímax dos movimentos Negros que vimos no passado. Pelo que vimos no passado, esperaríamos que tivesse a cabeça voltada para o movimento dos trabalhadores. E não só de um ponto de vista histórico, mas hoje a experiência concreta diz-nos que as massas do povo Negro olham hoje para o CIO com um respeito e uma consideração que não atribuem a nenhuma outra força social ou política no país. Quem quer que conheça o povo Negro - e eu não estou a falar somente do trabalhadores Negros -, que leia a sua imprensa, se observar verá que, mesmo os Negros pequeno-burgueses reacionários, reformistas como alguns são em toda a sua propaganda, em toda a sua agitação, quando enfrentam qualquer dificuldade se aproximam do movimento sindical. Quanto às massas de Negros, elas são cada vez mais pró-Trabalho. Portanto, não se trata apenas de ideias marxistas; não se trata apenas de uma questão de análise bolchevique-marxista. Não se trata apenas da história dos negros nos EUA.
Os fatos reais e concretos que temos diante de nós mostram, a quem quiser ver, esta importante conclusão: que o movimento Negro logica, histórica e concretamente se move na direção do campo do proletariado. Esse é o caminho que sempre tomou no passado, o caminho para o campo das forças revolucionárias. Hoje o proletariado é essa força. E se estas ideias quando aplicadas às crises revolucionárias americanas mostraram possuir poder explicativo do passado, a situação atual da luta de classes, tais são os antagonismos entre a burguesia e o proletariado, tal é o ímpeto do movimento negro em direção às forças revolucionárias, que o que movimento que descortinámos no passado é hoje mais forte do que nunca. Para que possamos ao olhar para este movimento Negro, não só para o que tem sido e o que tem sido capaz de fazer – e sejamos capazes de perceber, como marxistas e através da nossa própria teoria e do nosso próprio exame da história americana, que ele se está a dirigir para o campo proletário, que ele tem de ir para esse campo. Não tem outro campo para onde ir.
E mais, para podermos ver que se não for para o campo do proletariado, as dificuldades que os Negros sofreram no passado quando foram abandonados pelas forças revolucionárias, serão agora dez, cem, dez mil vezes maiores. O movimento Negro independente, que se está a mover e a aquecer, deve encontrar o seu caminho para o proletariado. Se o proletariado não for capaz de o apoiar a repressão que se abaterá sobre os Negros será infinitamente, repito infinitamente, mais terrível hoje do que foi nos tempos passados quando as forças revolucionárias lhes falharam com o seu apoio.
Assim, a nossa apreciação sobre o movimento Negro independente não diminui a importância do proletário – nem a imprescindível liderança proletária. Pelo contrário. Inclui-o. Permite-nos ver que a mera existência do CIO, a sua mera existência, apesar da falsidade da sua liderança sobre a questão Negra, como em todas as outras questões, é uma proteção e um estímulo para os Negros.
Vemos e vou mostrar-vos daqui a um minuto que os Negros são capazes, pela sua atividade, de atrair os elementos revolucionários e os elementos mais fortes do proletariado para o seu lado. Estamos a chegar a esse ponto. Mas temos que tirar e enfatizar novamente esta importante conclusão. Se - e temos que levar em consideração estas questões teóricas - se o proletariado for derrotado, se o CIO for destruído, então cairá sobre o povo negro nos EUA uma tal repressão, uma tal perseguição, não comparável a nada que se tenha visto no passado. Vimos na Alemanha e noutros lugares a barbárie de que o capitalismo, na sua agonia mortal, é capaz. O povo Negro nos EUA abre uma possibilidade semelhante à burguesia americana. A burguesia americana está a demonstrar que percebeu a oportunidade que a Questão Negra lhes dá para prejudicar e tentar corromper e destruir o movimento operário.
O desenvolvimento interno do capitalismo não deu só ao movimento negro independente esta relação fundamental e incisiva com o proletariado. Criou proletários Negros e colocou-os como proletários eles que antes eram as massas mais oprimidas e exploradas. Mas nas indústrias de automóveis, do aço e do carvão, por exemplo, estes proletários tornaram-se agora a vanguarda da luta dos trabalhadores e trouxeram um número substancial de Negros para uma posição de liderança na luta contra o capitalismo. O atraso e a humilhação dos Negros que os empurrou para estas indústrias são os próprios fatores que hoje os está a catapultar para a frente da luta, e estão na vanguarda do movimento proletário e no amago da própria natureza da luta proletária. Mas como é que se expressa esta complicada inter-relação Leninista? Henry Ford(12) poderia escrever uma tese muito boa sobre este tema se para isso estivesse inclinado.
Ford integrou os Negros nas suas fábricas. Ford queria-os, primordialmente, para o trabalho bruto e duro. Fui informado pelos camaradas de Detroit que ele estava ansioso por desempenhar um papel paternalista para com a pequena burguesia Negra. Ele queria mostrar-lhes que não era a pessoa que todos diziam que ele era - vejam! Está a dar oportunidades aos Negros na sua fábrica.
Em terceiro lugar, Ford foi, assim, capaz de criar divisões entre brancos e negros o que lhe permitiu continuar a sua política antissindical, reacionária.
Mas o que mudou nos últimos anos? Dizem-me que as massas dos Negros na fábrica do Rio Rouge(13) são uma das camadas mais poderosas do proletariado de Detroit. Eles são os líderes da luta proletária, não os fantoches que Ford pretendia que fossem.
Mas não só, eles atuam como líderes não só do movimento operário como um todo, mas também da comunidade Negra. É o que eles dizem que é decisivo na comunidade. O que é muito triste para Henry. E os pequenos burgueses negros seguiram o proletariado. Estão a apoiar e a seguir o movimento dos trabalhadores: também deixaram de apoiar Ford. Diz-se que ele finalmente reconheceu essa situação e que vai deixar de empregar Negros. Pensa que vai fazer melhor com as mulheres. Mas elas também o vão dececionar...
Não nos esqueçamos de que no povo Negro, que desperta agora do seu sono, acordando paixões de uma violência talvez superiores, na medida em que estas coisas podem ser comparadas, a qualquer outra das tremendas forças que o capitalismo criou. Quem os conheça, que conheça a sua história, que seja capaz de falar com eles intimamente, e os veja nos seus teatros, nos seus bailes, nas suas igrejas, leia a sua imprensa com um olhar perspicaz, e os observe com olho clínico, deve reconhecer que, embora a sua força social possa não ser comparável à força social de igual número de trabalhadores organizados, o ódio e a vontade de destruir a sociedade burguesa quando a oportunidade se apresentar, existe neles num maior grau do que em qualquer outra camada da população dos Estados Unidos.
Notas do tradutor:
(1) Socialist Workers Party (SWP), partido norte-americano de tendência trotskista, fundado em finais de 1937. C.L.R. James pertenceu a este partido. A sua fação, a tendência Johnson-Forrest, Johnson era um pseudónimo de CLR James, saiu do SWP mas regressou em 1947. James permaneceu no SWP até ser expulso dos EUA em 1953. (retornar ao texto)
(2) O CIO – Congress of Industrial Organizations foi uma central sindical que existiu nos Estados Unidos entre 1935 e 1955. Fundiu-se com a AFL – American Federation of Labor (Federação Sindical Americana) dando origem à AFL-CIO. Em 1947 a burguesia americana através da Lei Talf-Hartley iniciou um ataque contra os sindicatos, expulsando os comunistas e exigindo que os dirigentes sindicais assinassem declaração afirmando que não pertenciam ao Partido Comunista Americano. Assistiu-se a uma batalha no interior do CIO com os sindicatos mais à esquerda a serem expulsos da central e esta enfraquecida acabou por se ter de fundir com a central sindical “amarela” a AFL, formando a AFL-CIO (retornar ao texto)
(3) Gunnar Myrdal (1898-1987), economista sueco, recebeu o Prémio Nobel da Economia em 1974. (retornar ao texto)
(4) Esta obra foi financiada pela Carnegie Corporation a fundação estabelecida pelo multimilionário norte-americano Andrew Carnegie. Nas suas empresas os trabalhadores tinham um horário de 84 horas por semana e as greves reprimidas com violência. (retornar ao texto)
(5) Lillian Smith (1897-1966), escritora norte-americana, escreveu Strange Fruit (Fruto Estranho) publicado em 1944, um romance que aborda o amor inter-racial. Note-se que o título é uma apropriação do nome de uma canção de 1939 de Billie Holiday sobre os linchamentos. O livro foi proibido em várias partes dos EUA. (retornar ao texto)
(6) Richard Wright (1908-1960), escritor Negro norte-americano. O livro referido é Black Boy publicado em 1945 e que foi um grande sucesso de vendas. Um romance de cariz autobiográfico da juventude de Wright no Sul dos Estados Unidos até à sua migração para Chicago e à sua adesão ao Partido Comunista. (retornar ao texto)
(7) Trata-se da Resolução “The Revolutionary Answer to the Negro Problem in the United States” (A Resposta Revolucionária ao Problema Negro nos Estados Unidos) apresentada por CLR James sob o pseudónimo de J. Meyer à 13ª Conferência do Partido Socialista Operário realizada em 1948. (retornar ao texto)
(8) A Linha Mason-Dixon é a fronteira entre os Estados da Pensilvânia, do Delaware, da Virgínia Ocidental e do Maryland. A Sul desta linha situavam-se os Estados esclavagistas e a norte os Estados em que os negros tinham já conquistado a sua libertação da escravidão. (retornar ao texto)
(9) Estas rotas ficaram conhecidas por “underground railroad” literalmente o “comboio clandestino”. Elas incluíam não só itinerários, como casas/abrigos, permitindo a fuga de pessoas escravizadas dos Estados do Sul para os Estados livres e até mesmo para o Canadá. Outras rotas levavam as pessoas escravizadas em direção a Sul, até ao México. Estima-se que mais de 100.000 pessoas tenham fugido através destas rotas. Harriet Tubman foi a grande heroína que ajudou muitas pessoas a fugir através destas rotas. (retornar ao texto)
(10) A Lei do Escravo Fugitivo (Fugitive Slave Act), aprovada em 1850 fez parte do Compromisso de 1850 entre o Norte e o Sul. Esta Lei obrigava os Estados do Norte a capturar as pessoas escravizadas fugidas e a entrega-las aos esclavagistas. A resistência à Lei foi tão grande que nunca pôde ser plenamente implementada, criando fricções entre o Norte e o Sul. No entanto só foi revogada já em 1864 em plena Guerra Civil. (retornar ao texto)
(11) O movimento Populista, organizado no Partido do Povo, foi uma corrente política de esquerda do campesinato americano. Atingiu o seu auge por volta de 1890. Em 1892 o candidato presidencial do Partido do Povo, James B. Weaver; atingiu os 8% dos votos e ganhou mesmo em quatro Estados, sendo dos poucos terceiros partidos que ganharam eleições estaduais. Em 1986 apoiaram William Jennings Bryan do Partido Democratico o que foi o princípio do fim do Partido do Povo. Na Carolina do Norte a burguesia lançou uma campanha de propaganda contra o Partido do Povo a que se seguiu uma brutal repressão, especialmente dos membros Negros do Partido com os supremacistas brancos a liderar a repressão. Na Carolina do Norte os supremacistas brancos levaram a cabo um enorme massacre de contra os Negros em Wilmington no dia 10 de Novembro de 1898, matando centenas de pessoas Negras. O mesmo se passou por todo o Sul dos Estados Unidos. O Partido dissolveu-se em 1900. Ressurgiu em1904, veio a dissolver-se definitivamente. (retornar ao texto)
(12) Henry Ford (1863-1947), um grande capitalista norte-americano fundador da companhia automóvel Ford. Ficou conhecido pela exploração dos seus trabalhadores e pela divisão de tarefas que levou ao extremo para aumentar a produtividade e que foi materializada na linha de montagem. O seu respeito pelo consumidor ficou celebre com a frase “Podem escolher a cor que quiserem desde que seja preto”. (retornar ao texto)
(13) O Complexo do Rio Rouge, um enorme complexo fabril da Ford, foi construída em 1917 e tornou-se a maior fábrica integrada do mundo. Ainda hoje funciona. (retornar ao texto)