Os Khrushchevistas

Enver Hoxha


9. Os “demônios” escapam do controle


A contrarrevolução em ação na Hungria e na Polônia. Mátyás Rákosi. Quem preparou o “caldo” em Budapeste? Conversa com dirigentes húngaros. Debate com Suslov em Moscou. A “autocrítica” de Imre Nagy. A queda de Rákosi. A reação avança. Khrushchev, Tito e Gerö na Crimeia. Andropov: “Não podemos chamar os insurgentes de contrarrevolucionários”. A direção soviética fica hesitante. O Partido dos Trabalhadores Húngaros é liquidado. Nagy anuncia a retirada da Hungria do Tratado de Varsóvia. Parte das manobras dos bastidores: as cartas entre Tito e Khrushchev. Polônia 1956. Gomulka senta-se no trono. Em retrospecto: Bierut. O programa contrarrevolucionário de Gomulka. O que aprendemos com os eventos de 1956. Conversas em Moscou, dezembro de 1956.

A infecção do 20º Congresso armou e encorajou todos os elementos contrarrevolucionários nos países socialistas e nos partidos comunistas e operários, encorajou todos aqueles que se disfarçaram e estavam aguardando o momento de derrubar o socialismo onde quer que ele tenha triunfado.

Os contrarrevolucionários na Hungria, Polônia, Bulgária, Tchecoslováquia e em outros lugares, os traidores do marxismo-leninismo nos partidos da Itália, da França, e os titoístas iugoslavos, receberam com alegria as teses enfermas de Khrushchev sobre “democratização”, o “culto a Stálin”, a reabilitação de inimigos condenados, “coexistência pacífica”, “transição pacífica do capitalismo para o socialismo”, etc. Essas teses e palavras de ordem foram adotadas com entusiasmo e esperança pelos revisionistas, no poder ou fora dele, pela social-democracia e pelos intelectuais burgueses reacionários.

Os eventos na Hungria e na Polônia foram o prólogo visível da contrarrevolução que seria realizada de forma mais ampla e completa, não apenas lá, mas também na Bulgária, na Alemanha Oriental, na Tchecoslováquia, na China e, principalmente, na União Soviética.

Depois de garantir suas posições até certo ponto na Bulgária, Romênia, Tchecoslováquia e em outros lugares, a quadrilha khrushchevista atacou a Hungria, cuja direção não estava se mostrando tão obediente ao caminho soviético. Entretanto, Tito, juntamente com os americanos, estava de olho na Hungria.

Como estava se tornando evidente, a Hungria tinha muitos pontos fracos. Lá, o partido havia sido fundado e dirigido por Rákosi, em torno do qual haviam vários comunistas veteranos, como Gerö e Münnich, mas também novatos que acabavam de surgir, que encontraram a mesa já posta para eles, pelo Exército Vermelho e por Stálin. A “construção do socialismo” na Hungria começou, mas as reformas não foram suficientemente radicais. O proletariado estava à frente, mas sem incomodar seriamente a pequena burguesia. O partido húngaro era supostamente uma combinação do partido comunista ilegal (prisioneiros de guerra húngaros capturados na União Soviética), dos antigos comunistas de Bela Kun e do partido social-democrata. Assim, essa combinação era um enxerto doente, que nunca se estabeleceu de fato, até que a contrarrevolução e Kadar, juntamente com Khrushchev e Mikoyan, emitiram o decreto para a liquidação total do Partido dos Trabalhadores Húngaros (MDP).

Conheci Rákosi de perto e gostava dele. Conversei com ele em muitas ocasiões, porque o visitei várias vezes, tanto a negócios quanto em família, com Nexhmije. Rákosi era um homem honesto, um velho comunista e um dirigente da Comintern. Seus objetivos eram bons, mas seu trabalho foi sabotado por dentro e por fora. Enquanto Stálin estava vivo, tudo parecia estar indo bem, mas depois de sua morte, os pontos fracos na Hungria começaram a aparecer.

Certa vez, em uma conversa com Rákosi, ele falou sobre o exército húngaro e perguntou sobre o nosso.

— Nosso exército é fraco; não temos quadros. Os oficiais são os antigos do exército de Horthy; portanto, estamos pegando trabalhadores comuns das fábricas de Csepel e colocando-os em uniformes de oficiais, — disse-me.

— Sem um exército forte, o socialismo não pode ser defendido, — afirmei a Rákosi. — Você deve se livrar dos homens de Horthy. Fizeram muito bem ao convocar os trabalhadores, e agora devem dar especial atenção à sua formação adequada.

Enquanto estávamos conversando na casa de Rákosi, Kadar chegou. Ele tinha acabado de voltar de Moscou, onde foi tratar de uma doença ocular. Rákosi me apresentou, perguntou como estava sua saúde e lhe deu permissão para ir para casa. Quando ficamos a sós, Rákosi disse:

— Kadar é um quadro bem jovem e nós o nomeamos Ministro dos Assuntos Internos.

Para dizer a verdade, ele não me pareceu ser a pessoa certa para ser Ministro dos Assuntos Internos.

Em outra ocasião, conversamos sobre a economia. Ele me falou sobre a economia da Hungria, especialmente sobre a agricultura, que estava indo tão bem que as pessoas podiam comer à vontade e não sabiam o que fazer com toda a carne de porco, salsicha, cerveja e vinhos! Abri os olhos de surpresa, pois sabia que não só em nosso país, mas em todos os países socialistas, inclusive na Hungria, a situação não era assim. Rákosi tinha um equívoco: ele era otimista e exagerava nos resultados do trabalho. Porém, apesar dessa fraqueza, na minha opinião, Mátyás tinha um bom e grande coração comunista e não tinha uma visão incorreta da linha de desenvolvimento do socialismo. É preciso reconhecer, em minha opinião, que a reação internacional, apoiada pelo clero, pela poderosa camada kulak e pelos fascistas horthyvistas disfarçados, começaram a minar a Hungria e a direção de Rákosi, agindo em conjunto com o titoísmo iugoslavo e seus agentes internos, dirigida por Rajk, Kadar (disfarçado) junto a outros e, por fim, também por Khrushchev e os khrushchevistas, que não apenas não gostavam de Rákosi e daqueles que o apoiavam, mas até mesmo o odiavam, porque ele era leal a Stálin e ao marxismo-leninismo, e quando necessário, se opunha a eles com autoridade nas reuniões conjuntas. Rákosi era um dos membros da velha guarda da Comintern e, para os revisionistas modernos, a Comintern era o ête noire(1).

Desta forma, a Hungria se tornou no antro das intrigas e conspirações entre Khrushchev, Tito e os demais contrarrevolucionários (por trás dos quais estava o imperialismo americano), que degeneraram o partido húngaro junto às posições de Rákosi e dos elementos sólidos na direção do partido. Rákosi era um obstáculo tanto para Khrushchev, que queria colocar a Hungria sob seu controle, quanto para Tito, que queria destruir o campo socialista e tinha um ódio duplo por Rákosi, como um dos “stalinistas” que o denunciaram em 1948.

Em abril de 1957, quando o “grupo antipartidário” de Malenkov, Molotov, etc., ainda não havia sido liquidado, eu estava em Moscou com uma delegação do nosso partido e governo. Depois de um jantar não oficial no Kremlin, em Yekaterinsky Zal, sentamos em um canto para tomar café com Khrushchev, Molotov, Mikoyan, Bulganin, etc. Durante a conversa, Molotov virou-se para mim e, como se estivesse brincando, disse:

— Amanhã Mikoyan irá para Viena, para tentar preparar o mesmo caldo que fez em Budapeste.

Para manter a conversa, perguntei a ele:

— Foi Mikoyan quem preparou aquele caldo?

— Quem mais seria? — disse Molotov.

— Então Mikoyan não pode voltar para Budapeste novamente. — afirmei.

— Se Mikoyan for lá novamente, o enforcarão. — continuou Molotov.

Khrushchev baixou os olhos e estava mexendo seu café. Mikoyan franziu a testa, cerrou os dentes e depois disse com um sorriso cínico:

— Por que eu não deveria ir para Budapeste? Se me enforcarem, enforcarão Kadar também, porque preparamos aquele caldo juntos.

O papel dos khrushchevistas na tragédia húngara ficou clara para mim.

Os esforços de Khrushchev e Tito para liquidar tudo o que era correto na Hungria os unificaram e, portanto, eles coordenaram juntos suas atividades. Com a visita de Khrushchev a Belgrado, eles direcionaram seus ataques para reabilitar os conspiradores titoístas, Koçi Xoxe, Rajk, Kostov, etc. Embora nosso partido não tenha se afastado nem um pouco de suas posições justas e baseadas em princípios, o partido húngaro cedeu e, Tito e Khrushchev triunfaram. Com Rajk, a traição foi reabilitada. As posições de Rákosi ficaram bastante enfraquecidas.

É possível que a direção do partido húngaro, sob o comando de Rákosi e Gerö, também tenham cometido erros econômicos, mas não foram eles que causaram a contrarrevolução. O principal erro de Rákosi e de seus camaradas foi o de não terem se mantido firmes, mas terem vacilado sob a pressão de inimigos externos e internos. Eles não mobilizaram o partido e o povo, a classe operária, para cortar pela raiz as tentativas da reação, fizeram concessões a ela, reabilitaram inimigos como Rajk, etc., e enfraqueceram a situação a ponto de a contrarrevolução eclodir.

Em junho de 1956, a caminho de Moscou para uma reunião da Comecon, conversei com os camaradas do Birô Político do Partido dos Trabalhadores Húngaros em Budapeste. Não encontrei Rákosi, Hegedüs, que era o Primeiro-Ministro, nem Gerö, porque eles haviam partido de trem para Moscou. (Na verdade, em Moscou, não encontrei ou vi Rákosi em nenhuma consulta ou em qualquer outro lugar. Sem dúvida, ele estava “descansando” em alguma “clínica” onde os soviéticos o “convenceram a entregar sua renúncia”. Apenas duas ou três semanas depois ele foi dispensado das funções que exercia). Os camaradas húngaros me disseram que tinham algumas dificuldades em seu partido e em seu Comitê Central.

— Foi criada uma situação contra Rákosi no Comitê Central. — disseram-me. — Farkas, que era membro do Birô Político, assumiu a bandeira da oposição a ele.

— Chegou a hora de Farkas ser expulso não apenas do Comitê Central, mas também do partido, — dizia Bata, o Ministro da Defesa. — Sua posição é antipartidária e hostil. Sua tese é: “Cometi erros; Beria é um traidor. Mas quem mandou que eu cometesse esses erros? Rákosi”.

— Essa questão também foi levantada por Revay, que propôs que “deveríamos criar uma comissão para estudar esses e aqueles erros de Rákosi”. — disseram-me os camaradas húngaros.

Nesse ponto, eu os interrompi e perguntei:

— Então o Comitê Central não tem confiança no Birô Político?

— Então, ao que parece, — informaram-me, — fomos obrigados a aceitar a comissão, mas decidimos que seu informe seria enviado primeiro ao Birô Político.

— O que é essa comissão? — perguntei. — O Comitê Central deve encarregar o Birô Político de tais assuntos e o informe deve ser discutido no Comitê Central. Se for considerado necessário, o Comitê Central destitui o Birô Político.

Entre outras coisas, os camaradas húngaros me contaram que Imre Nagy, que havia sido expulso do partido por ser um contrarrevolucionário, havia organizado um grande jantar por ocasião de seu aniversário, para o qual havia convidado 150 pessoas, incluindo membros do Comitê Central e do governo. Muitos deles aceitaram o convite do traidor e foram ao jantar. Quando um membro do Comitê Central perguntou aos camaradas da direção se ele deveria ir ou não, eles responderam: “Isso cabe a você decidir”. É claro que essa resposta foi surpreendente para mim e perguntei aos camaradas húngaros:

— Mas por que vocês não disseram categoricamente que ele não deveria ir por Imre Nagy ser um inimigo?

— Deixamos que ele julgasse e decidisse por si mesmo com sua própria consciência. — essa foi a resposta.

Durante essa conversa, os dirigentes húngaros admitiram que tinham uma situação difícil no partido. O 20º congresso havia ampliado esses problemas.

— Há grupos no partido, escritores, etc. — disseram, — que não estão nos trilhos, que querem se aproveitar do 20º Congresso. Esses elementos nos dizem: “O 20º Congresso confirma nossas teses de que há erros na direção. Portanto, estamos certos”.

— A entrevista de Togliatti nos causou muitos problemas, — afirmou um dos presentes. — Há membros do Comitê Central que me disseram: “O que estamos fazendo? Seria melhor agir, ter uma política diferente e independente na Hungria também, como na Iugoslávia”.

Na verdade, as coisas lá tinham ido de mal a pior. Outro membro do Comitê Central disse a eles com raiva: “Vocês do Birô Político ainda estão escondendo de nós questões como as do 20º Congresso? Por que não estão publicando a entrevista de Togliatti?”

— E nós a publicamos, porque o partido precisava ser informado! — disseram-me os camaradas do Birô Político.

Eu disse aos camaradas húngaros que a situação conosco era boa e expliquei como agimos na Conferência de Tirana.

— Há uma democracia adequada no partido, — enfatizei, — democracia que deve fortalecer a situação e a unidade e não as destruir. Portanto, fomos duros com aqueles que tentaram explorar a democracia em detrimento do partido. Não permitimos que tais coisas ocorressem entre nós.

Falando sobre a entrevista de Togliatti, perguntaram minha opinião sobre ela:

— Com o que ele disse, Togliatti não está batendo bem. respondi. — É claro que não levantamos nossas objeções a ele publicamente, mas convocamos os Primeiros-Secretários dos comitês distritais do partido e explicamos a questão a eles, para que estejam vigilantes e prontos a qualquer momento.

Szallay, membro do Birô Político, levantou-se e disse:

— Eu li a entrevista de Togliatti e ela não é tão ruim assim. O começo é bom, e só a parte final estraga tudo.

— Não a publicamos e ficamos surpresos com a transmissão pela Rádio de Praga. — afirmei a eles.

A partir dessa conversa, formei a convicção de que a linha deles era instável. Além disso, parecia que os elementos mais sólidos do Birô Político estavam sob pressão de elementos contrarrevolucionários e, portanto, eles próprios haviam vacilado. O Birô Político parecia ser sólido, mas estava completamente isolado.

À noite, eles ofereceram um jantar para nós no prédio do Parlamento, em uma sala onde um grande retrato de Átila pendurado na parede chamava a atenção. Conversamos novamente sobre a grave situação que estava fervilhando na Hungria. Mas parecia que eles haviam perdido o senso de direção. Eu disse a eles:

— Por que estão agindo assim? Como podem ficar parados diante dessa contrarrevolução que está surgindo? Por que estão simplesmente observando e não tomam medidas práticas?

— Que medidas poderíamos tomar? — perguntou um deles.

— Deveriam fechar o Clube Petöfi imediatamente, prender os principais responsáveis e arruaceiros, trazer a classe trabalhadora armada para as ruas e cercar Esztergom. Se não podem prender Mindszenty, quem dirá prender Imre Nagy? Fuzilem alguns desses líderes contrarrevolucionários para lhes ensinar o que é a ditadura do proletariado.

Os camaradas húngaros arregalaram os olhos de surpresa, como se quisessem me dizer: “Você enlouqueceu?” Um deles me disse:

— Não podemos agir como você sugere, camarada Enver, porque não consideramos a situação tão alarmante. Temos a situação sob controle. O que eles estão gritando no Clube Petöfi é uma tolice infantil e, se alguns membros do Comitê Central foram parabenizar Imre Nagy, eles o fizeram porque há muito tempo eram camaradas, e não porque discordavam do Comitê Central que expulsou Imre de suas fileiras.

— Ao que me parece, vocês estão encarando o assunto com leviandade. — deixei claro. — Vocês não percebem o grande perigo que paira sobre vocês. Acredite em nós, conhecemos bem os titoístas e sabemos o que eles querem, como anticomunistas e agentes do imperialismo que são.

Eu era uma voz no deserto. Comemos aquele jantar de mau agouro e, durante a conversa que durou várias horas, os camaradas húngaros continuaram a despejar em meus ouvidos que “tinham a situação sob controle” e outras histórias.

De manhã, embarquei no avião e fui para Moscou. Encontrei Suslov em seu escritório no Kremlin. Como de costume, ele me recebeu com aqueles seus trejeitos, dançando como as bailarinas do Bolshoi, e quando nos sentamos, ele me perguntou sobre a Albânia. Depois de trocarmos opiniões sobre nossos problemas, levantei a questão da Hungria. Contei-lhe minhas impressões e opiniões com franqueza, exatamente como as havia expressado aos camaradas húngaros. Suslov me observou com aqueles olhos penetrantes através de seus óculos de aro de chifre e, enquanto eu falava, notei sinais de descontentamento, tédio e raiva em seus olhos. Esses sentimentos e essa desaprovação foram acompanhados de rabiscos com um lápis em uma folha de papel que ele tinha sobre a mesa. Continuei a falar e concluí dizendo que estava surpreso com a passividade e a “falta de preocupação” dos camaradas húngaros.

Suslov começou a falar com sua voz rouca e, em essência, disse:

— Não podemos concordar com seus julgamentos sobre a questão húngara. O senhor está desnecessariamente alarmado. A situação não é como você pensa. Talvez você não tenha informações suficientes. — e Suslov falava sem parar, tentando me “acalmar” e me convencer de que não havia nada de alarmante na situação da Hungria. Não fiquei nem um pouco convencido com seus “argumentos”, e os eventos que ocorreram nos dias seguintes confirmaram que nossas observações e opiniões sobre a grave situação na Hungria estavam completamente corretas. Cerca de dois meses depois, no final de agosto de 1956, tive outra discussão amarga com Suslov sobre a questão húngara. Ao passar por Budapeste, quando estávamos indo para o congresso do partido chinês, depois de uma conversa que tivemos no aeroporto com os dirigentes húngaros da época, ficamos ainda mais convencidos de que a situação na Hungria estava se tornando desastrosa, que a reação estava se movendo e que, com suas ações, a direção húngara estava contribuindo com a contrarrevolução. Durante a escala que fizemos em Moscou, Mehmet, Ramiz e eu nos encontramos com Suslov e lhe contamos nossos desconfortos, para que ele as transmitisse à direção soviética. Suslov manteve a mesma posição da reunião que tive com ele em junho.

— Com relação ao que vocês dizem, que a contrarrevolução está em ebulição, — expôs Suslov, — não temos fatos, seja da inteligência ou de outras fontes. Os inimigos estão fazendo alarde sobre a Hungria, mas a situação está sendo normalizada lá. É verdade que há alguns movimentos estudantis, mas eles são inofensivos e estão sob controle. Os iugoslavos não estão operando lá, como vocês afirmam. Vocês devem saber que não apenas Rákosi, mas também Gerö cometeram erros...

— Sim, é verdade que eles cometeram erros, porque reabilitaram os traidores húngaros titoístas que planejaram implodir o socialismo, — interrompi. Suslov franziu os lábios finos e depois continuou:

— Quanto ao camarada Imre Nagy, não podemos concordar com você, camarada Enver.

— Fico muito surpreso, — aludi, — que você se refira a ele como “camarada Imre Nagy” quando o Partido dos Trabalhadores Húngaros o expulsou.

— Talvez eles tenham feito isso, — replicou Suslov, — mas ele se arrependeu e fez uma autocrítica.

— As palavras vão com o vento, — objetei, — não acredite em palavras...

— Não, — certificou Suslov, com o rosto corado. — Temos sua autocrítica por escrito, — e ele abriu uma gaveta e retirou uma nota assinada por Imre Nagy, endereçada ao Partido Comunista da União Soviética, na qual ele dizia que estava errado “em suas opiniões e ações” e “buscava o apoio dos soviéticos”.

— Você realmente acredita nisso? — perguntei a Suslov.

— Por que não deveríamos acreditar nisso? — respondeu ele, e continuou, — Os camaradas podem cometer erros, mas quando eles reconhecem seus erros, devemos estender nossa mão a eles.

— Ele é um traidor, — exclamei a Suslov, — e achamos que vocês estão cometendo um erro grave ao estender a mão a um traidor.

Isso encerrou a conversa com Suslov e saímos discordando dele. Nessa reunião, tivemos a impressão de que, depois de condenar definitivamente Rákosi, os soviéticos estavam temerosos e alarmados com a situação na Hungria, não sabiam o que fazer e estavam buscando uma solução antes que a tempestade começasse. Sem dúvida, eles estavam conversando com Tito sobre uma solução conjunta. Eles estavam preparando Imre Nagy, achando que dominariam a situação na Hungria por meio dele. E foi o que aconteceu.

O círculo em torno de Rákosi era muito fraco. Nem o Comitê Central nem o Birô Político estavam à altura da situação. Pessoas como Hegedüs, Kadar, velhos como Münnich e alguns novatos sem nenhuma experiência no partido e na luta enfraqueciam cada vez mais a condução dos negócios e caíam na teia de aranha titoísta-khrushchevista.

Toda essa aventura estava sendo febrilmente preparada. A reação despertou, surgiu, falou e agiu abertamente. Aquele pseudocomunista, kulak e traidor, Imre Nagy, com a máscara do comunismo, tornou-se o porta-voz do titoísmo e da luta contra Rákosi. Este último, havia percebido o perigo que ameaçava o partido e o país, e tomou medidas contra Imre Nagy, expulsando-o do partido no final de 1955. Mas já era tarde demais. A Hungria havia sido apanhada na teia de aranha da contrarrevolução e estava perdida. Rákosi foi atacado por Khrushchev, por Tito, pelo centro de Esztergom e também pela reação estrangeira. Anna Ketli, Mindszenty, os condes e barões a serviço da reação mundial, que haviam se reunido na Hungria, bem como fora dela, na Áustria e em outros lugares, organizaram a contrarrevolução e enviaram armas para o banho de sangue que estavam preparando.

O Clube Petöfi tornou-se o centro da reação. Alegadamente, era um clube cultural da União da Juventude, mas, na verdade, funcionava, sob o nariz do partido húngaro, como um centro onde os intelectuais reacionários não apenas falavam contra o socialismo e a ditadura do proletariado, mas também se preparavam e se organizavam até chegarem ao ponto de apresentar arrogantemente suas exigências ao partido e ao governo na forma de um ultimato. Inicialmente, enquanto Rákosi ainda estava à frente, foram feitas tentativas de tomar algumas medidas: o Clube Petöfi foi atacado em uma resolução do Comitê Central, um ou dois escritores foram expulsos do partido, mas essas foram meras picadas de alfinete, e não medidas radicais. O ninho da contrarrevolução continuou a existir e, pouco tempo depois, quase todos os que haviam sido atacados foram reabilitados.

Rebaixado, Imre Nagy continuou sentado como um paxá em sua casa, da qual havia transformado em um refúgio para seus correligionários. Entre esses correligionários, haviam pessoas no Comitê Central do Partido dos Trabalhadores Húngaros. Os dirigentes húngaros iam e voltavam de Moscou atordoados e, em vez de tomar medidas contra o elemento reacionário que estava se formando, seus supostos camaradas do Comitê Central iam visitar Imre Nagy em sua casa para parabenizá-lo pelo seu aniversário. Os cortesãos de Rákosi tornaram-se cortesãos de Nagy e abriram caminho para que ele tomasse o poder.

A decisão de demitir Rákosi foi tomada em Moscou e Belgrado. Ele cedeu e não resistiu à pressão dos khrushchevistas e dos titoístas, e às intrigas de seus agentes na direção húngara. Eles forçaram Rákosi a renunciar, supostamente por “motivos de saúde” (porque ele sofria de hipertensão!), enquanto admitia “seus erros em violação da lei”. No início, falou-se sobre os méritos do “camarada Mátyás Rákosi” (assim, eles o “enterraram” com honras), depois falaram-se sobre seus erros, até chegar ao ponto de falar sobre a “quadrilha criminosa de Rákosi”. Na preparação das manobras de bastidores que precederam a remoção de Rákosi, um papel importante foi desempenhado por Suslov, que, exatamente nessa época, foi para a Hungria de férias(!).

Aparentemente, Rákosi foi o último obstáculo que impediu que a carroça revisionista seguisse a toda velocidade. É verdade que Gerö foi eleito Primeiro-Secretário, e não Kadar, como queriam os soviéticos e os iugoslavos, mas seus dias estavam contados. Kadar, que havia estado na prisão e se reabilitado um pouco antes, foi eleito para o Birô Político no início e, como homem de Khrushchev e Tito, na verdade ele era o “primeiro violino”.

Após a plenária de julho de 1956 (na qual Gerö substituiu Rákosi e Kadar no Birô), a reação avançou e a autoridade do partido e do governo praticamente não existiam mais. Os elementos contrarrevolucionários exigiam insistentemente a reabilitação de Nagy e a remoção dos poucos elementos sólidos que restavam na direção. Gerö, Hegedüs e outros foram de cidade em cidade e de fábrica em fábrica tentando esfriar os ânimos, prometendo “democracia”, “o estado de direito socialista” e aumento de salário. Obviamente, todas essas coisas foram feitas não da maneira marxista-leninista correta, mas submetendo-se à pressão do poderoso levante da pequena burguesia e da reação.

Consideramos a remoção de Rákosi da direção do partido húngaro um erro que causou grandes danos e enfraqueceu seriamente a situação na Hungria, e expressamos essa opinião aos dirigentes soviéticos quando fomos a Moscou em dezembro. Os próprios eventos mostraram como estávamos certos.

O “feliz” período de liberalização começou, o período de tirar da prisão e do túmulo aqueles que a ditadura do proletariado havia condenado com justiça. Aquele traidor, Rajk, e seus agentes foram reenterrados após uma cerimônia pomposa da qual participaram milhares de pessoas, encabeçadas pela direção húngara, e que terminou com “A Internacional”. Assim, Rajk, um traidor, tornou-se o “camarada Rajk”, e um herói nacional da Hungria, quase o mesmo que Kossuth.

Após uma carta formal ao Comitê Central, Nagy foi readmitido no partido e aguardou com confiança o desenrolar dos acontecimentos que o levariam ao poder. Eles não demoraram muito para acontecer.

Depois de Rajk, muitos outros condenados anteriormente entraram em cena: oficiais e padres, pessoas condenadas por crimes políticos e ladrões, aos quais foi dada satisfação moral e material. A viúva de Rajk recebeu 200 mil forints como recompensa pela traição do marido, e os jornais de Budapeste publicaram reportagens sobre a generosidade da “Madame Rajk”, que doou essa quantia para as faculdades públicas. Os condenados pelos tribunais foram proclamados vítimas de Rákosi, Gabor Peter e Mihaly Farkas, que tinha sido preso nessa época. As principais autoridades imploraram o perdão da reação por seus “crimes”. “Mas o que poderíamos fazer”, disse o Ministro da justiça, “quando o próprio camarada Rajk admitiu sua culpa!”

Hegedüs, quando ainda era Primeiro-Ministro, declarou sob a pressão de Khrushchev: “Lamentamos muito que nosso partido e governo tenham difamado os iugoslavos”, enquanto Gerö, em seu primeiro discurso após ter sido eleito para a direção do partido, disse: “Nosso partido ainda precisa pagar suas dívidas com a Liga dos Comunistas e com os dirigentes da Iugoslávia, e negar as calúnias que espalhamos em detrimento da República Popular Federal da Iugoslávia”.

Em tudo o que estava acontecendo, Gerö, que era um dos dirigentes mais antigos do partido, provou ser um oportunista e um covarde que oscilava de um lado para o outro e se movia como uma marionete manipulada pelos verdadeiros atores nos bastidores da tragédia húngara. Quando Tito estava de “férias” na Crimeia, Gerö foi conversar com ele na casa de Khrushchev e os três, junto com suas suítes, “passearam à beira-mar, conversaram e tiraram fotos”. Se a história das intrigas e manobras diabólicas em detrimento dos povos for escrita, essas serão “fotografias históricas”. Aqui, na casa de Khrushchev em Yalta, foram dados os primeiros passos para a conciliação e, alguns dias depois, Gerö, com Hegedüs e Kadar, foi para Belgrado, onde conversaram com Rankovic. Pouco tempo depois, quando os distúrbios começaram, Gerö foi jogado na lata de lixo e Kadar, com a bênção de Khrushchev, as manobras de Mikoyan e do ideólogo revisionista Suslov, foi elevado a Primeiro-Secretário.

Enquanto isso, Imre Nagy saiu de seu buraco, assumiu o poder, gritou em triunfo, proclamou a “democracia” e Tito estava no auge de sua vitória. A reação chegou ao poder, mafiosos vieram do exterior, os partidos fascistas horthyvistas e clericais da burguesia foram reformados. O imperialismo encheu o país de espiões e estava enviando armas por atacado da Áustria. A Rádio Europa Livre incitava a contrarrevolução dia e noite, e pedia a derrubada junto a liquidação total da ordem socialista. Ainda antes, a Hungria havia aberto suas portas para espiões disfarçados de turistas.

Quando passamos por Budapeste em outubro de 1956, na viagem de volta da China, os próprios membros do Birô do Partido dos Trabalhadores Húngaros nos disseram que “20 mil turistas visitaram a Hungria recentemente”. Quando eu disse que isso era perigoso, eles responderam: “Mas nós recebemos grandes câmbios deles”. Após a remoção de Rákosi, especialmente naqueles dias odiosos de outubro, as portas se abriram para os horthyvistas, os barões e condes, os antigos senhores e opressores da Hungria. Esterhazy se estabeleceu no centro de Budapeste e telefonou para as embaixadas, anunciando que pretendia se colocar à frente do governo. Mindszenty, libertado da prisão, voltou ao seu palácio escoltado pela “Guarda Nacional” e abençoou o povo. Os antigos partidos, os partidos dos proprietários, os partidos dos camponeses, os partidos social-democratas e os partidos católicos, reviveram como vermes em uma ferida purulenta, restabeleceram-se em suas antigas instalações, lançaram jornais, e Nagy e Kadar foram colocados no governo. A contrarrevolução varreu toda a capital e estava se espalhando para outras partes da Hungria.

Como Bato Karafili, nosso embaixador em Budapeste, nos contou mais tarde, as multidões frenéticas de contrarrevolucionários correram primeiro para um monumento de bronze de Stálin, que ainda estava de pé em uma praça de Budapeste. Da mesma forma que os Sturmabteilung(2) de Hitler no passado atacavam tudo o que era progressista, os horthyvistas e outros membros da ralé da Hungria se lançaram com fúria sobre o monumento de Stálin, tentando derrubá-lo. Como não conseguiram fazer isso nem mesmo com o uso de armas de fogo, como não conseguiram fazer isso nem mesmo com cabos de aço presos a um trator pesado, os bandidos horthyvistas fizeram seu trabalho com a ajuda de maçaricos. Seu primeiro ato foi simbólico: ao derrubar o monumento de Stálin, eles queriam dizer que iriam destruir tudo o que ainda restava do socialismo, da ditadura do proletariado e do marxismo-leninismo na Hungria.

Destruição, mortes e tumultos tomaram conta de toda a cidade.

Aquele abutre nojento, Imre Nagy, havia voado das mãos de Khrushchev e Suslov. Esse traidor, em quem Moscou havia depositado suas esperanças, como um homem que se afoga agarrando-se aos próprios cabelos para se salvar da morte, mostrou o que era e, no auge da fúria contrarrevolucionária, anunciou sua política reacionária e fez declarações públicas sobre a retirada da Hungria do Tratado de Varsóvia. O embaixador soviético na Hungria era um certo Andropov, um homem da KGB, que foi alçado ao poder mais tarde e desempenhou um papel sujo contra nós. Esse agente, com o rótulo de embaixador, viu-se cercado pela contrarrevolução que eclodiu. Mesmo quando os eventos contrarrevolucionários estavam ocorrendo abertamente, quando Nagy assumiu a chefia do governo, os soviéticos continuaram a apoiá-lo, aparentemente esperando que pudessem mantê-lo sob controle. Naqueles dias, após a primeira intervenção pouco convincente do exército soviético, Andropov disse ao nosso embaixador em Budapeste

— Não podemos chamar os insurgentes de contrarrevolucionários porque há pessoas honestas entre eles. O novo governo é bom e é necessário apoiá-lo para estabilizar a situação.

— O que você acha dos discursos de Nagy? — perguntou-lhe nosso embaixador.

— Eles não são ruins. — respondeu Andropov, e quando nosso camarada apontou que o que estava sendo dito sobre a União Soviética não parecia correto, ele respondeu:

— Existe o antissovietismo, mas o discurso recente de Nagy não foi ruim, não foi antissoviético. Ele quer manter vínculos com as massas. O Birô Político é tem crédito.

Os contrarrevolucionários agiram com tanta arrogância que forçaram Andropov, juntamente com toda a sua equipe, a sair para a rua e os deixaram lá por horas a fio. Instruímos nosso embaixador em Budapeste a tomar medidas para a defesa da embaixada e de sua equipe, e a colocar uma metralhadora no topo da escada. Se os contrarrevolucionários se atrevessem a atacar a embaixada, ele deveria abrir fogo sem hesitar. Mas quando nosso embaixador pediu armas a Andropov para garantir a defesa de nossa embaixada, ele recusou:

— Temos imunidade diplomática; ninguém vai tocar em vocês.

— Que imunidade diplomática?! — manifestou nosso embaixador, — ela saiu pela rua!

— Não, não, — apaziguou Andropov, — se dermos armas a vocês, eles poderão criar um incidente.

— Muito que bem. — formalizou nosso representante, — Estou lhe fazendo uma solicitação oficial em nome do governo albanês.

— Vou perguntar a Moscou... — anunciou Andropov, e quando o pedido foi recusado, nosso embaixador declarou:

— Tudo bem, já lhe informo que vamos nos defender com as pistolas e espingardas que temos.

O embaixador soviético havia se fechado na embaixada e não ousava colocar a cabeça para fora. Um funcionário responsável do Ministério das Relações Exteriores da Hungria, que estava sendo perseguido pelos bandidos, buscou refúgio em nossa embaixada e nós o admitimos. Ele disse aos nossos camaradas que havia ido à embaixada soviética, mas que eles o haviam rejeitado.

As tropas soviéticas estacionadas na Hungria intervieram no início, mas depois foram retiradas sob a pressão de Nagy e Kadar, e o governo soviético declarou que estava pronto para iniciar conversas sobre sua retirada da Hungria. Enquanto os contrarrevolucionários causavam estragos, Moscou tremia. Khrushchev estava com medo, hesitando em intervir. Tito era o rei da situação e o apoiador de Imre Nagy; de fato, ele havia reunido seu exército e estava pronto para intervir. Então Moscou enviou a pessoa certa a Budapeste, o traficante, Mikoyan, juntamente com o arrogante, Suslov.

Aqui em Tirana, não deixamos de nos manifestar. Liguei para o embaixador soviético e vociferei com raiva:

— Estamos completamente desinformados sobre o que está acontecendo em vários países socialistas. Tito e aquela quadrilha têm um dedo na organização da contrarrevolução na Hungria. Vocês estão abandonando a Hungria ao imperialismo e a Tito. Vocês devem intervir com armas e devem fazer uma piazza pulita(3) antes que seja tarde demais.

Mencionei os objetivos de Tito e condenei a confiança que Khrushchev tinha nele, bem como a confiança de Suslov na “autocrítica” de Imre Nagy.

— Agora vocês conseguem ver quem é Imre Nagy é?! —vociferei. — Agora, sangue está sendo derramado na Hungria e os culpados devem ser encontrados.

Ele respondeu:

— A situação é grave, mas não permitiremos que o inimigo se apodere da Hungria. Transmitirei a Moscou as opiniões que você me expressou.

Todos sabem o que aconteceu na Hungria e em Budapeste. Milhares de pessoas foram mortas. A reação, armada a partir do exterior, massacrou comunistas e democratas, mulheres e crianças nas ruas, queimou casas, escritórios e tudo o que pôde encontrar. A bandidagem prevaleceu por dias a fio. Apenas os destacamentos de segurança de Budapeste ofereceram uma leve resistência, enquanto o exército húngaro e o Partido dos Trabalhadores Húngaros foram neutralizados e liquidados. Kadar publicou o decreto sobre a liquidação do Partido dos Trabalhadores Húngaros, um ato que mostrou quem ele era, e proclamou a formação de um novo partido, o Partido Socialista dos Trabalhadores, que Kadar, Nagy e outros iriam construir.

A embaixada soviética foi cercada por tanques e Mikoyan, Suslov, Andropov e sabe-se lá quem mais, continuaram a produzir intrigas em seu interior.

A reação, encabeçada por Kadar e Imre Nagy, fechada no prédio do parlamento, onde se entregava a conversas fúteis, enviava apelos contínuos aos estados capitalistas ocidentais para que interviessem com armas contra os soviéticos. No final, assustado, Nikita Khrushchev foi obrigado a dar a ordem. As forças blindadas soviéticas marcharam para Budapeste e os combates começaram nas ruas. O traficante, Mikoyan, colocou Andropov em um tanque e o enviou ao parlamento para trazer Kadar de volta, a fim de manobrar por meio dele. E foi isso que aconteceu. Kadar mudou novamente de patrono, mudou novamente de casaco, voltou para o seio dos soviéticos e, protegido por seus tanques, conclamou o povo a cessar os distúrbios e pediu aos contrarrevolucionários que entregassem suas armas e se rendessem.

Esse foi o fim do governo de Nagy. A contrarrevolução foi reprimida, e Imre Nagy se refugiou na embaixada de Tito. Ficou claro que ele era um agente de Tito e da reação mundial. Ele também tinha o apoio de Khrushchev, mas escapou de seu controle porque queria ir além e o fez. Khrushchev discutiu com Tito durante meses sobre a entrega de Nagy. Tito se recusou até chegarem a um acordo de que Nagy deveria ser entregue aos romenos. Na época em que as negociações sobre esse problema estavam em andamento com Tito, Krylov, o embaixador soviético em Tirana, pediu nossa opinião sobre se concordávamos ou não que Nagy deveria ir para a Romênia.

— Como declaramos anteriormente, — respondi a Krylov, — Imre Nagy é um traidor que abriu as portas para o fascismo na Hungria. Agora, propõe-se que esse traidor, que matou comunistas e progressistas, que matou soldados soviéticos e pediu a intervenção dos imperialistas, vá para um país amigo. Essa é uma grande concessão e não concordamos com ela.

Depois que os ânimos se acalmaram e as vítimas da contrarrevolução húngara, em especial um feito de Tito e Khrushchev, foram enterradas, Nagy foi executado. A forma como isso aconteceu também não foi correta. Não que Nagy não merecesse ser fuzilado, mas não secretamente, sem julgamento e sem denúncia pública de seus crimes, como foi feito. Ele deveria ter sido julgado e punido publicamente com base nas leis do país do qual era cidadão. Mas, é claro, nem Khrushchev, nem Kadar, nem Tito queriam que ele fosse levado a julgamento, porque Nagy poderia ter revelado a sujeira daqueles que mexeram os pauzinhos na trama contrarrevolucionária.

Mais tarde, quando a contrarrevolução na Hungria foi suprimida, muitos fatos vieram à tona, provando a cumplicidade dos dirigentes soviéticos nos eventos húngaros. É claro que suspeitávamos do papel desempenhado pelos soviéticos, especialmente em relação à remoção de Rákosi, ao apoio a Nagy etc. Entretanto, naquela época, não sabíamos exatamente como a colaboração entre Khrushchev e Tito havia se desenvolvido e tampouco sabíamos sobre as reuniões secretas de Khrushchev e Malenkov com Tito em Brioni. Esses fatos foram revelados mais tarde e mantivemos nossa posição de oposição a essas ações dos soviéticos.

Alguns dias após o restabelecimento da ordem na Hungria, a direção soviética nos informou sobre a correspondência que havia trocado com a direção iugoslava sobre a questão húngara. Os fatos revelados nessas cartas nos perturbaram profundamente, pois os problemas eram sérios e críticos. Naquela época, os interesses do socialismo e do movimento comunista exigiam que a União Soviética fosse defendida dos ataques do imperialismo e da reação e que nossa unidade fosse preservada. Por outro lado, nosso partido tinha que se pronunciar sobre essas ações antimarxistas da direção soviética. Portanto, tudo tinha de ser cuidadosamente considerado e ponderado, tendo em mente os interesses do partido, do nosso país, da revolução e do socialismo. Foi assim que julgamos esses problemas e expressamos nossas opiniões aos dirigentes soviéticos em um tom de camaradagem, para que tudo fosse corrigido e mantido entre nós.

Naqueles dias, depois de recebermos as cartas, chamei Krylov:

— Eu o chamei aqui, — anunciei, — para esclarecer algumas questões que surgem a partir dessas cartas. Primeiro, quero lhe dizer que as alusões que Tito fez a “certos homens cruéis”, claramente implicando a direção do nosso partido, são inaceitáveis. Tal coisa, de sua parte, não nos surpreende, porque estamos acostumados aos ataques de Tito. No entanto, estamos extremamente surpresos com o fato de que, na resposta do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética, não há nenhuma posição clara em relação a essas insinuações de Tito. Você tem algo a dizer sobre essa questão?

— Não tenho nada a dizer sobre isso. — respondeu Krylov, fiel à sua maneira de se fazer de desentendido.

Depois continuei:

— Tito deveria ter sido respondido sem rodeios, de que não somos homens cruéis e inimigos do socialismo como ele diz. Somos marxista-leninistas, pessoas resolutas, que lutarão até o fim pela causa do socialismo. Tito, ao contrário, é um inimigo da revolução e do socialismo. Há muitos fatos que comprovam isso.

Krylov ficou em silêncio e, continuando a conversa, me detive especialmente em outra questão que havia atraído nossa atenção nessas cartas. Khrushchev escreveu a Tito: “Quanto à destituição de Rákosi, você expressou total satisfação ao constatar que, já no verão deste ano, o Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética buscou assegurar a nomeação de Kadar como Primeiro-Secretário”.

Além disso, a carta indicava claramente a colaboração entre eles, não apenas antes dos eventos de outubro, mas também durante, uma colaboração que foi concretizada no plano elaborado durante as conversas secretas de Brioni. Essas ações da direção soviética eram inaceitáveis para nós. Em nossa opinião, os titoístas continuaram com sua atividade secreta hostil, e isso ficou claramente evidente na Hungria em particular. Informamos essa opinião à direção da União Soviética.

Questionei Krylov sobre esse assunto:

— Não sabemos ao certo onde o Comitê Central do Partido dos Trabalhadores Húngaros foi formado, em Budapeste ou na Crimeia.

É claro que Krylov não gostou dessa farpa e, mordendo suas palavras, disse:

— É assim que as coisas devem ficar: os camaradas húngaros foram à Crimeia e conversaram com nossos camaradas. Lá foi levantada a questão de quem deveria ser colocado na direção. O Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética disse que seria bom se Kadar fosse eleito.

— Isso significa que a direção do Partido Comunista da União Soviética não apoiava Gerö, mas Kadar? — continuei.

— Isso é o que se depreende da carta. — respondeu Krylov.

— Além disso, — respondi, — o governo Kadar foi formado em estreita colaboração entre sua direção e Tito. Não é verdade?

— Sim, parece que sim... — Krylov foi obrigado a admitir.

Continuando a conversa, depois de informá-lo sobre a preocupação que os acontecimentos na Hungria despertaram em nosso partido, indiquei ao embaixador soviético:

— O Birô Político está unânime em considerar incorretas as ações dos camaradas do Presidium do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética, que estão dialogando com Tito sobre a composição da direção do partido e do governo húngaros. Nossa posição sobre todos esses assuntos já foi expressa à direção soviética, e isso é fato, não é verdade?

— Sim, é isso mesmo. — confirmou Krylov.

— Você transmitiu todas as nossas opiniões para Moscou?

— Sim, — respondeu ele, — eu as transmiti.

No final dessa conversa, como que por acaso, o embaixador soviético me perguntou:

— Dali Ndreu será levado a julgamento?

É claro que essa pergunta não foi acidental.

Ao que parece, os soviéticos não ficaram satisfeitos com o julgamento e a denúncia dos agentes dos revisionistas iugoslavos, Liri Gega e Dali Ndreu.

— O julgamento está sendo preparado e será conduzido, — disse à Krylov, — uma vez que esses indivíduos são considerados traidores e agentes estrangeiros. Diante do fracasso de suas tentativas de conspirar contra nosso partido e estado, Dali Ndreu e Liri Gega, percebendo que teriam que prestar contas por suas ações como agentes, tentaram fugir do país e foram capturados próximo à fronteira. A hostilidade de sua atividade já foi devidamente comprovada, inclusive por suas próprias admissões. Caso Tito continue com sua atividade hostil, divulgaremos a verdade sobre esses agentes, apresentando fatos e gravações. Não podemos mais tolerar os titoístas, que buscam nos apunhalar pelas costas e fazer acusações contra nós.

— Entendo sua situação... — murmurou Krylov e foi embora com o rabo entre as pernas.

Os mesmos fenômenos que ocorreram na Hungria também se manifestaram na Polônia, quase simultaneamente, embora lá os eventos não tenham atingido as proporções e o caráter dramático observados na Hungria. Na Polônia, a ditadura do proletariado foi estabelecida sob a liderança do Partido Unido dos Trabalhadores, mas, apesar da assistência fornecida pela União Soviética, o desenvolvimento socialista não ocorreu no ritmo necessário. Sob a liderança de Bierut e quando o partido polonês adotava posições justas, houve avanços no desenvolvimento socialista do país. No entanto, as reformas e medidas iniciais não foram totalmente implementadas, e a luta de classes não atingiu o nível adequado. Embora tenha havido aumento do proletariado e desenvolvimento industrial, os elementos burgueses conseguiram manter muitas de suas posições dominantes. A reforma agrária não foi efetivada no campo, e a coletivização foi realizada apenas parcialmente, até que Gomulka afirmou que as cooperativas e fazendas estatais não eram lucrativas, favorecendo assim o crescimento das camadas kulak no campo polonês.

Da mesma forma que na Hungria, na Alemanha Oriental, na Romênia e em outros lugares, o partido polonês foi formado por meio de uma fusão mecânica com os partidos burgueses, conhecidos como partidos dos trabalhadores. Talvez isso fosse necessário para unir o proletariado sob a direção de um único partido, mas essa unificação deveria ter sido alcançada por meio de intenso trabalho ideológico, político e organizacional. O objetivo seria assegurar que os antigos membros de outros partidos não apenas fossem incorporados, mas, o mais crucial, fossem plenamente educados de acordo com as normas ideológicas e organizacionais marxista-leninistas. No entanto, isso não ocorreu na Polônia, na Hungria ou em qualquer outro lugar. Na prática, o que ocorreu foi que os membros dos partidos burgueses mudaram seus nomes, tornaram-se “comunistas”, mas mantiveram suas antigas perspectivas e pontos de vista burguesas. Assim, os partidos proletários não foram fortalecidos, mas, ao contrário, enfraquecidos, pois sociais-democratas e oportunistas como Cyrankiewicz, Marosan, Grotewohl, etc., se estabeleceram neles com suas visões.

Além disso, na Polônia, havia outro fator que alimentava as manifestações contrarrevolucionárias: o antigo ressentimento do povo polonês em relação à Rússia czarista. Por meio do trabalho realizado pela reação tanto dentro como fora do partido, esse antigo ressentimento, que no passado era completamente justificado, foi direcionado agora contra a União Soviética e o povo soviético, que, na realidade, havia sacrificado vidas para libertar a Polônia. A burguesia polonesa, que não foi tão duramente afetada quanto deveria, fez tudo ao seu alcance para incitar sentimentos nacionalistas e chauvinistas contra a União Soviética.

Após a morte de Bierut, essas questões tornaram-se mais evidentes, e as fragilidades do partido e da ditadura do proletariado na Polônia também se manifestaram de forma mais clara. Assim, devido em parte às limitações do trabalho, em parte aos esforços da reação, da igreja, de Gomulka e de Cyrankiewicz, e em parte devido à interferência dos khrushchevistas, ocorreram os distúrbios de junho de 1956 e os eventos subsequentes. É evidente que a morte de Bierut criou condições propícias para os planos contrarrevolucionários. Eu já havia conhecido Bierut muito antes, quando visitei Varsóvia. Ele era um camarada maduro e experiente, calmo e amável. Apesar de eu ser mais jovem, ele tratou-me de maneira camarada, deixando uma impressão duradoura. Nas reuniões em Moscou, também era uma satisfação conversar com ele. Ele ouvia atentamente quando eu falava sobre nosso povo e sua situação. Sincero, justo e de princípios, Bierut deixou uma lembrança marcante. Recordo-me de uma discussão que ele mencionou ter tido com o camarada Mehmet em uma de nossas conversas em Varsóvia.

— Seu camarada falou comigo com franqueza quando criticou a posição do nosso Primeiro-Ministro. Gosto de camaradas que falam francamente. — Disse Bierut.

Eu o encontrei pela última vez em Moscou, quando foi realizado o 20º Congresso do PCUS.

Pouco antes de sua morte, Bierut e sua esposa, assim como Nexhmije e eu, estávamos juntos em um camarote no “Maly Teatr” para assistir a uma peça sobre a marinha revolucionária de Leningrado.

Durante o intervalo, tivemos uma conversa amigável na pequena sala atrás do palco. Entre outros tópicos, discutimos sobre a Comintern, pois, naquele momento, o búlgaro Ganev se juntou a nós. Bierut e Ganev compartilharam lembranças de quando se encontraram em Sofia, quando Bierut foi enviado clandestinamente lá para uma tarefa específica.

Pouco tempo depois dessa reunião, recebemos a má notícia: Bierut havia morrido, assim como Gottwald... de um “resfriado”. Grande tristeza e espanto!

Fomos ao seu funeral em Varsóvia; era o início de março de 1956. Muitos discursos foram proferidos por Khrushchev, Cyrankiewicz, Ochab, Zhu De, etc., sobre o caixão de Bierut. Vukmanovic-Tempo, que tinha vindo para participar do funeral como enviado de Belgrado, também discursou. Mesmo aqui, o representante titoísta aproveitou a oportunidade para lançar palavras de ordem revisionistas e expressar sua satisfação com as novas “possibilidades e perspectivas” que acabaram de ser abertas pelo 20º Congresso.

— Bierut foi tirado de nós em um momento em que se abriram possibilidades e perspectivas de colaboração e amizade entre todos os movimentos socialistas, a fim de concretizar as ideias de outubro de várias formas. — disse Tempo, ao qual pediu que se avançasse no caminho aberto “por meio de ações contínuas”. Enquanto os discursos estavam acontecendo, não muito longe de mim, vi Nikita Khrushchev encostado em uma árvore, trocando palavras com Wanda Wassilewska. Sem dúvida, ele estava fazendo acordos sobre o corpo de Bierut, que estavam colocando na cova.

Poucos meses depois desses amargos acontecimentos, no início de 1956, a Polônia estava mergulhada em confusão e caos que cheiravam a contrarrevolução.

Os eventos que ocorreram na Polônia foram quase idênticos aos da Hungria. As revoltas dos trabalhadores de Poznan começaram antes da eclosão da contrarrevolução húngara, mas, na verdade, esses dois movimentos contrarrevolucionários amadureceram ao mesmo tempo, na mesma situação e com a mesma inspiração. Não vou entrar em uma descrição detalhada deles porque são conhecidos, mas é interessante apontar a analogia dos fatos nesses países, os paralelos surpreendentes entre o desenvolvimento da contrarrevolução na Polônia e na Hungria.

Tanto na Polônia quanto na Hungria, houve mudanças de liderança: no primeiro país, Bierut faleceu (em Moscou), enquanto no segundo, Rákosi foi removido (por iniciativa de Moscou). Na Hungria, Rajk, Nagy e Kadar foram reabilitados; na Polônia, Gomulka, Spychalski, Morawski, Loga-Sowinski e vários outros foram considerados traidores. Na Polônia, surgiu a figura de Mindszenty, enquanto na Hungria foi Wyszynski.

A identidade ideológica e espiritual desses eventos é ainda mais significativa. Tanto na Polônia quanto na Hungria, esses acontecimentos se desenrolaram sob a influência do 20º Congresso, com as palavras de ordem de “democratização, liberalização e reabilitação”. Os khrushchevistas desempenharam um papel ativo e contrarrevolucionário fundamental no desenvolvimento desses eventos nos dois países. Embora os titoístas tenham exercido influência na Polônia, não foi tão direta quanto na Hungria. No entanto, as ideias de autogestão, “caminhos nacionais para o socialismo” e “conselhos de trabalhadores”, adotadas na Polônia, certamente foram inspiradas pelo “socialismo com características iugoslavas”.

Os eventos de junho em Poznan foram movimentos contrarrevolucionários inspirados pela reação, explorando as dificuldades econômicas e os erros cometidos pelo partido polonês no desenvolvimento da economia. Embora essas revoltas tenham sido reprimidas e não tenham assumido as mesmas proporções que na Hungria, tiveram consequências importantes no desenvolvimento subsequente dos eventos. Na Polônia, a reação encontrou seu próprio Nagy, Wladyslaw Gomulka, um opositor que saiu da prisão e imediatamente se tornou o Primeiro-Secretário do partido. Gomulka, que havia sido Secretário-Geral do Partido dos Trabalhadores da Polônia por algum tempo, foi condenado por suas opiniões nacionalistas e oportunistas de direita, semelhantes à linha seguida pelo grupo de Tito, denunciada na época pela Cominform. Quando o congresso para a união do Partido dos Trabalhadores e do Partido Socialista foi realizado em 1948, Bierut, outros dirigentes e delegados denunciaram e atacaram as opiniões de Gomulka. Nosso partido enviou um representante a esse congresso, e ao retornar à Albânia, relatou-nos sobre a posição arrogante e teimosa de Gomulka no congresso. Gomulka foi denunciado, mas mesmo assim, como disseram, “ele recebeu uma mão amiga mais uma vez” e foi eleito para o Comitê Central. Um polonês que acompanhava nosso camarada contou-lhe que, naqueles dias, Gomulka teve uma longa conversa tête-à-tête com Ponomarenko, um secretário do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética que participou do congresso, e, ao que parece, Ponomarenko persuadiu Gomulka a fazer uma autocrítica. No entanto, o tempo mostrou claramente que ele não havia abandonado seus pontos de vista e, mais tarde, também foi condenado por atividades antiestatais.

Quando a campanha de reabilitação começou, os partidários de Gomulka exerceram pressão sobre a direção do partido para proclamar a inocência de Gomulka. No entanto, ele estava profundamente desacreditado politicamente e ideologicamente, o que representava obstáculos significativos. Alguns meses antes de Gomulka retornar à direção do partido polonês, Ochab declarou “solenemente” que, embora Wladyslaw Gomulka tivesse sido libertado da prisão, “isso não altera em nada a essência correta da luta política e ideológica que o partido travou contra as opiniões de Gomulka”.

Após a eliminação de Bierut, Khrushchev apoiou Ochab, Zawadski, Zambrowski e outros elementos, como Cyrankiewicz. No entanto, a semente da discórdia e da ruptura havia sido profundamente plantada e estava germinando. Gomulka e seus apoiadores agiram e conseguiram chegar ao poder. Os khrushchevistas estavam preocupados; precisavam ter a Polônia firmemente sob controle manu militari, e sua política e ideologia foram adaptadas a essa necessidade imperativa. Khrushchev abandonou seus antigos camaradas e voltou-se para Gomulka, que não parecia ser tão obediente aos ditames de Khrushchev.

A chegada de Gomulka ao poder nos convenceu de que os acontecimentos na Polônia não estavam se desenvolvendo a favor do socialismo. Além de conhecermos o passado sinistro de Gomulka, pudemos julgá-lo pelas palavras de ordem que lançou e pelos discursos que fez. Ele ascendeu ao poder com um chamado claro para a “verdadeira independência da Polônia” e “a maior democratização do país”. Em seu discurso antes de se tornar Primeiro-Secretário, não deixou de ameaçar os soviéticos, proclamando que “nós nos defenderemos”. Confrontos entre os destacamentos soviéticos e poloneses foram relatados, indicando uma postura hostil. De maneira geral, os eventos na Polônia, semelhantes aos da Hungria, se desdobraram sob palavras de ordem antissoviéticas. Gomulka era abertamente antissoviético, opondo-se à União Soviética da época de Stálin, enquanto buscava escapar do controle planejado pelos khrushchevistas sobre os países do campo socialista. Formalmente, ele defendia a amizade com a União Soviética e “condenava” as palavras de ordem antissoviéticas, mas, ao mesmo tempo, reconhecia positivamente o papel do exército soviético na Polônia, principalmente devido aos interesses nacionais imediatos diante do temor de um possível ataque da Alemanha Ocidental, que nunca aceitou a fronteira Oder-Neisse.

Gomulka, o revisionista, agiu com uma arrogância sem precedentes. Cheguei a apontar algumas de suas ações para Khrushchev quando nos encontramos em Yalta. Estávamos sentados em um pavilhão com piso de pedra à beira do mar e, após me ouvir, Khrushchev concordou que eu estava correto, afirmando explicitamente: “Gomulka é um verdadeiro fascista”. No entanto, posteriormente, os dois contrarrevolucionários chegaram a um acordo e passaram a se elogiar mutuamente. Suas contradições e diferenças foram suavizadas.

O discurso proferido por Gomulka no plenário do Comitê Central que o elegeu Primeiro-Secretário era claramente revisionista. Ele criticou a linha adotada até então na indústria e na agricultura, pintou um quadro sombrio da situação e proclamou que o sistema de cooperativas no campo e as fazendas estatais não eram lucrativas. Consideramos essas opiniões antimarxistas-leninistas. É possível que tenham ocorrido erros na direção da coletivização e no desenvolvimento de cooperativas agrícolas na Polônia, mas o sistema de cooperativas não pode ser responsabilizado por isso. Ele demonstrou sua vitalidade como o único caminho para a construção do socialismo no campo na União Soviética, nos demais países socialistas e em nosso país. Gomulka atacou tanto à direita quanto à esquerda, criticando as “violações da lei”, o “culto à personalidade”, Stálin, Bierut (embora sem mencioná-lo pelo nome) e os dirigentes dos países socialistas, que ele rotulou como satélites de Stálin. Além disso, Gomulka defendeu as ações contrarrevolucionárias em Poznan. Na 8ª Plenária, em outubro de 1956, ele afirmou: “Os trabalhadores de Poznan não estavam protestando contra o socialismo, mas sim contra os males que haviam se disseminado em nosso sistema social. A tentativa de retratar a dolorosa tragédia de Poznan como obra de agentes imperialistas e provocadores foi politicamente muito ingênua. As causas devem ser buscadas na direção do partido e do governo”.

Os soviéticos estavam preocupados e alarmados com os eventos na Polônia, pois perceberam que o “novo rumo”, que eles próprios haviam proclamado, estavam levando os dirigentes poloneses mais longe do que desejavam, correndo o risco de escapar de sua influência. Durante os dias em que a plenária, que restauraria Gomulka ao poder, foi realizado, Khrushchev, Molotov, Kaganovich e Mikoyan foram urgentemente para a Polônia. No aeroporto, Khrushchev gritou com raiva aos dirigentes poloneses: “Nós derramamos nosso sangue para libertar este país, enquanto vocês querem entregá-lo aos americanos”. A preocupação dos russos aumentou, especialmente porque o marechal soviético Rokossovsky, de origem polonesa, e outros membros do Birô Político considerados pró-soviéticos, como Minc etc., estavam sendo pressionados e, de fato, foram expulsos do Birô Político. No entanto, os poloneses não cederam à pressão dos dirigentes soviéticos nem ao movimento dos tanques russos; eles nem mesmo os convidaram para a plenária. Foram realizadas conversas, nas quais Gomulka estava presente, mas, por enquanto, Khrushchev e companhia ficaram frustrados. Exerceu-se pressão, um artigo foi publicado no Pravda, ao qual os poloneses deram uma resposta arrogante, mas, no final, Khrushchev deu sua bênção a Gomulka e, depois de fazer uma “peregrinação” a Moscou, Gomulka recebeu créditos e falou sobre a “amizade leninista” soviético-polonesa.

Gomulka implementou seu “programa”, estabelecendo “conselhos de trabalhadores”, “cooperativas autogestionárias” e “comitês de reabilitação”. Ele incentivou o comércio privado, introduziu a religião nas escolas e no exército, e permitiu a propaganda estrangeira. Além disso, ele defendeu o “caminho nacional” para o socialismo.

As opiniões e ações de Gomulka eram tão evidentes e extremas que muitos não as aceitavam, ou não podiam aceitá-las abertamente.

Até mesmo Khrushchev era compelido, de tempos em tempos, a fazer críticas veladas a Gomulka. Os tchecos, os franceses, os búlgaros e os alemães orientais, observando atentamente Moscou, também adotaram posições de reserva ou de oposição. Nós, é claro, nos opúnhamos a Gomulka e suas ações, e isso foi comunicado aos dirigentes soviéticos com quem mantivemos diálogo. Os poloneses não apreciaram essa postura, e sua imprensa criticou abertamente os outros partidos por não compreenderem as mudanças em curso na Polônia. Um artigo publicado naquela época mencionava nossa imprensa e a de alguns outros países como exemplos desse “mal-entendido”, enquanto elogiava a italiana, a chinesa, a iugoslava e outros partidos por terem “compreendido corretamente o caráter profundamente socialista das mudanças na Polônia”.

Os iugoslavos receberam essas mudanças “socialistas” com entusiasmo e declararam que “as forças que lutaram pela democratização política, pela descentralização econômica e pelo sistema de autogestão haviam triunfado” na Polônia.

Os soviéticos também não nos forneceram nenhuma informação concreta sobre os acontecimentos na Polônia, apenas nos enviaram uma carta informando que a situação era muito grave e que uma delegação soviética seria enviada para lá. Além disso, não recebemos mais nenhuma notícia ou informação. Na imprensa soviética, encontramos ocasionalmente artigos que criticavam os acontecimentos na Polônia, mas também encontramos artigos que os apoiavam. Como mencionei, das conversas com Krylov, o embaixador soviético em Tirana, não obtivemos nenhuma posição clara. Em uma reunião que tive com ele, expressei nossa preocupação com o que estava acontecendo na Polônia.

— Como é possível, — questionei a ele, — que não sejamos informados? Como é possível que fiquemos no escuro sobre esses assuntos que dizem respeito a todos nós? Isso não está certo.

— Essa é uma solicitação justa. — respondeu Krylov.

— Transmita nossa opinião ao seu Comitê Central. —concluí.

Diante dos eventos em curso, as divergências de opinião entre nós e os soviéticos estavam se tornando mais evidentes. Nesse sentido, a posição de nosso partido era clara: não deveríamos tornar essas diferenças públicas, pois isso poderia prejudicar a União Soviética e o campo socialista. No entanto, também não deveríamos fazer concessões de princípio; era importante manter nossas posições e expressar nossos pontos de vista abertamente aos dirigentes soviéticos.

Quando estive em Moscou em dezembro daquele ano, discuti, entre outros assuntos, a situação na Polônia com os dirigentes soviéticos. Abordarei separadamente as conversas de dezembro de 1956, mas gostaria de mencionar aqui o apoio que Khrushchev e seus aliados deram a Gomulka para consolidar seu poder. Quando expressamos nossas preocupações sobre Gomulka para Khrushchev e Suslov, eles tentaram nos convencer de que ele era uma figura positiva e merecia apoio. No entanto, estávamos firmemente convencidos de que os distúrbios na Polônia, semelhantes à revolta húngara, foram instigados por Gomulka para ascender ao poder, onde permaneceu até ser removido pelos khrushchevistas e por Gierek, este último um adversário declarado do Partido do Trabalho da Albânia. Na Polônia, todos esses dirigentes caíram um após o outro. Cyrankiewicz, um antigo colaborador da burguesia, foi o que permaneceu por mais tempo e influenciou as ações do exército soviético que ocupava o país.

Os eventos na Hungria e na Polônia, com razão, preocuparam nosso partido e sua direção, pois prejudicaram a causa da revolução e enfraqueceram o socialismo na Europa e no mundo.

Após o término ou, mais precisamente, a diminuição da intensidade desses eventos, que passaram a ocorrer em segredo, chegou o momento de realizar análises e tirar conclusões. Tanto Khrushchev quanto Tito fizeram análises de acordo com seus próprios interesses e com as opiniões antimarxistas que defendiam. Os titoístas e os khrushchevistas, essencialmente, concordaram ao culpar os erros da direção do partido húngaro, especialmente Rákosi. Kadar, por sua vez, alinhado com ambas as partes, afirmou que “a revolta das massas foi justificada devido aos erros da camarilha criminosa de Rákosi e Gerö”.

Com base em nossa compreensão dos eventos e nos fatos que emergiram, nosso partido analisou a situação e chegou a suas próprias conclusões. Acreditamos que a contrarrevolução foi provocada e organizada pelo capitalismo internacional, em colaboração com Tito, no elo mais fraco do campo socialista, enquanto a direção de Khrushchev ainda não estava totalmente consolidada. O Partido dos Trabalhadores Húngaros e a ditadura do proletariado na Hungria entraram em colapso rapidamente diante da reação. Alguns fatos chamaram nossa atenção:

Primeiramente, os eventos destacaram a fraqueza e superficialidade do trabalho do partido húngaro na educação e formação da classe trabalhadora. Apesar de suas tradições revolucionárias, parte da classe trabalhadora húngara não soube defender seu poder durante a contrarrevolução, tornando-se, ao contrário, uma reserva da reação. O partido, por sua vez, não atuou como uma vanguarda organizada e consciente da classe, sendo dissolvido em poucos dias, o que permitiu a Kadar enterrá-lo de uma vez por todas.

Os eventos de outubro e novembro de 1956 destacaram mais uma vez o caráter vacilante dos intelectuais e da juventude estudantil húngara. Eles se tornaram a pata do gato da reação e o esquadrão de assalto da burguesia. Um papel especialmente importante foi desempenhado pelos escritores contrarrevolucionários dirigidos pelo reacionário e anticomunista Lukács, que também se tornou membro do governo de Nagy.

O caso da Hungria evidenciou que a burguesia não havia desistido de seus planos de restauração, mas, pelo contrário, havia se organizado clandestinamente, mantendo suas estruturas organizacionais antigas, como comprovado pela rápida formação de partidos burgueses clericais e fascistas.

Os acontecimentos na Hungria reforçaram a convicção do nosso partido sobre a justeza da posição que mantivemos em relação aos revisionistas iugoslavos. Os titoístas foram os principais instigadores e apoiadores da contrarrevolução húngara. As autoridades e a mídia da Iugoslávia acolheram esses eventos com entusiasmo. Os discursos inflamados feitos no Clube Petöfi foram amplamente divulgados em Belgrado, e as teses de Tito e Kardelj, juntamente com as resoluções do 20º Congresso, foram amplamente difundidas como referência desses discursos.

Para nós, esses fatos não foram surpreendentes nem inesperados. Nossa maior preocupação residia no papel desempenhado pela direção soviética nesses eventos, sua coordenação de estratégias com Tito e seus acordos em detrimento do povo húngaro, o que resultou em consequências profundas e amargas para eles.

A repressão da contrarrevolução na Hungria pelos tanques soviéticos foi inevitável para Khrushchev (caso contrário, sua autoridade seria questionada), e aqui os imperialistas e Tito subestimaram as consequências. No entanto, a experiência mostrou que essa contrarrevolução foi sufocada por elementos contrarrevolucionários que buscavam restaurar o capitalismo de maneira mais sutil, mantendo as aparências, semelhante ao que os khrushchevistas fizeram em seu próprio país.

Os eventos na Hungria aumentaram nossas dúvidas sobre a direção do PCUS e nos preocuparam profundamente. Sempre tivemos uma forte confiança no Partido Bolchevique de Lênin e Stálin, expressando essa confiança junto com nosso sincero amor pela União Soviética.

Com esses sentimentos de dúvida e preocupação, viajei a Moscou em dezembro de 1956, acompanhado de Hysni, que me apoiou e auxiliou nas difíceis discussões com os khrushchevistas, marcadas pela hostilidade e hipocrisia.

Conforme decidido anteriormente pelo Birô Político, fomos à União Soviética para discutir com os dirigentes soviéticos os problemas graves da situação, incluindo os acontecimentos na Hungria e na Polônia, além das relações com a Iugoslávia.

Naquela época, Khrushchev e sua quadrilha não estavam em bons termos com Tito. A amizade entre eles parecia ter esfriado consideravelmente. Enquanto isso, Tito proferiu seu polêmico discurso em Pula, que gerou forte oposição em muitos partidos do campo socialista. Nesse discurso, o líder de Belgrado criticou o sistema soviético, o socialismo e os partidos que não aderiram à linha “marxista-leninista original” de Tito, além de condenar a intervenção soviética na Hungria. Essas declarações não eram favoráveis a Khrushchev e seus aliados, e eles se viram obrigados a tomar uma posição para manter a aparência de unidade.

Assim, os khrushchevistas fizeram um ou dois ataques nos jornais, embora não muito contundentes (para evitar desagradar demasiadamente o “camarada Tito”!) e, na verdade, até mesmo com alguns elogios. Além disso, como era de praxe, começaram a exercer pressão econômica sobre a Iugoslávia, algo que Khrushchev admitiu para mim durante nossas conversas. Nessa época, o Pravda também havia publicado um artigo meu no qual o “socialismo específico” iugoslavo e seus representantes eram criticados de forma incisiva.

Estou relatando tudo isso para explicar por que fomos recebidos de forma mais “cordial” naquela época e por que nossos pontos de vista, especialmente em relação aos iugoslavos, não encontraram oposição e, na verdade, até pareceram ser aprovados pelos dirigentes soviéticos.

Desde o momento em que desembarcamos em Odessa, percebemos essa atmosfera nas conversas que tivemos com aqueles que nos receberam e nas discussões com os dirigentes dos órgãos do partido e do Estado na Ucrânia.

Viajamos de Odessa para Moscou de trem. Ainda não havíamos nos recuperado adequadamente da viagem quando fomos informados de que o Presidium do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética havia organizado um jantar em homenagem à nossa delegação. Como já mencionei anteriormente, os dirigentes soviéticos eram conhecidos por seus almoços e jantares que se estendiam por horas a fio. Apesar de ainda estarmos cansados da viagem, é claro que comparecemos a esse “jantar”, que teve início por volta das quatro horas da tarde. Segundo minhas recordações, todos os membros do Presidium, com exceção de Brezhnev, Furtseva e mais um, estavam presentes. O jantar se estendeu por várias horas, durante as quais Khrushchev e os outros se esforçaram para criar uma atmosfera o mais amigável possível. Quase todos os presentes propuseram brindes (apenas Khrushchev propôs cinco ou seis), e durante esses brindes foram feitos belos discursos sobre nosso partido e a Albânia, com destaque para elogios a mim. Pospyelov, que havia participado do 3º Congresso de nosso partido em maio, foi especialmente efusivo em seus elogios.

Muitos dos brindes propostos foram discursos políticos, especialmente aqueles propostos por Khrushchev, para quem não era incomum falar por meia hora ao propor um brinde. De qualquer forma, por meio desses discursos, obtivemos uma indicação preliminar da posição que adotariam durante as conversações.

Naquela noite, Khrushchev não poupou críticas aos dirigentes iugoslavos.

— Suas posições são anti-leninistas e oportunistas, — declarou Khrushchev, entre outras coisas. — Sua política é uma confusão. Não faremos concessões a eles. Eles sofrem de megalomania, — prosseguiu. — Quando Tito esteve em Moscou, ele pensou que, com a recepção grandiosa que lhe foi dada, as massas estavam concordando com ele e contra nossa política. Na verdade, bastaria sussurrarmos uma palavra ao povo para que o despedaçassem, ele e sua quadrilha.

Ao falar sobre nossa postura em relação aos titoístas, ele afirmou:

— Os camaradas albaneses estão corretos, mas devem manter a calma e o autocontrole. Seus cabelos estão ficando grisalhos, mas nós já somos carecas, — disse Khrushchev, concluindo seu brinde.

Enquanto o banquete prosseguia, “o careca” nos informou que a Albânia, embora pequena, possuía uma posição estratégica crucial. Ele sugeriu: “Se construirmos uma base de submarinos e mísseis lá, poderemos controlar todo o Mediterrâneo.” Essa mesma ideia foi repetida por Khrushchev e Malinovsky quando visitaram nosso país em 1959. Essa proposta foi concretizada na base de Vlorë, que os khrushchevistas mais tarde usaram como forma de nos pressionar.

Conforme mencionei, Khrushchev e os outros dirigentes soviéticos foram muito “cordiais”, cheios de elogios, numa tentativa de apaziguar a justa indignação de nosso partido em relação às suas posições equivocadas. Recordo-me de que, durante a noite, debatemos sobre a possível visita de Khrushchev ao nosso país. Embora ele tenha visitado quase todos os países, não veio à Albânia, nem aberta nem secretamente. Contudo, naquela noite, houve uma inclinação positiva em relação à nossa solicitação. Não apenas Khrushchev, mas vários membros do Presidium expressaram o desejo de visitar a Albânia. Alguém, cujo nome não me recordo, sugeriu em tom de brincadeira que eles poderiam até mesmo realizar uma reunião do Presidium ou do Comitê Central na Albânia! Também foi mencionado o suposto “amor” que Khrushchev tinha pelo nosso país (algo que ele demonstrou mais tarde!), e ele até foi apelidado de “Albanyets(4).

Entre outros brindes, recordo-me de que Molotov também fez uma proposta.

— Eu pertenço àquela categoria de pessoas que não davam muita importância à Albânia e não a conheciam, — assumiu ele. — Agora, nosso povo está orgulhoso de ter um amigo tão leal, resoluto e militante. A União Soviética tem muitos camaradas, mas nem todos são iguais. A Albânia é nossa melhor amiga. Vamos fazer este brinde desejando que a União Soviética tenha camaradas tão leais quanto a Albânia!

No geral, nossa linha justa foi elogiada, e os revisionistas iugoslavos foram condenados por todos os dirigentes soviéticos naquela noite. O marechal Zhukov nos informou que tinham provas do apoio dos dirigentes de Belgrado à contrarrevolução na Hungria, não apenas ideologicamente, mas também organizacionalmente, agindo como uma agência do imperialismo americano.

Após o jantar, tivemos uma reunião preliminar com Suslov, secretário do Comitê Central, encarregado das questões ideológicas e internacionais. Suslov, conhecido por sua habilidade em lidar com situações delicadas, foi um dos poucos a escapar das depurações na direção soviética. Embora nossos encontros anteriores tenham sido desconfortáveis, era necessário debater com ele novamente.

Brezhnev também participou da reunião, mas permaneceu em silêncio, enquanto Suslov conduzia a conversa. Lembro-me de nosso primeiro encontro no 20º Congresso, onde Brezhnev já demonstrava uma personalidade vaidosa. Ele revelou sua suposta ligação com “armas especiais”, sugerindo ser o responsável pelo assunto no Comitê Central.

Brezhnev foi promovido ao Presidium do Comitê Central após o 20º Congresso e, posteriormente, ao se tornar membro pleno. No entanto, nunca o vi nem o ouvi falar em minhas visitas subsequentes a Moscou até o final do mandato de Khrushchev.

Suslov iniciou a reunião destacando os problemas que seriam discutidos, especialmente os eventos na Hungria. Ele criticou Rákosi e Gerö por seus erros, que causaram descontentamento popular, enquanto Nagy estava fora de controle.

— Nagy e os iugoslavos, — continuou ele, — lutaram contra o socialismo.

— Mas por que eles readmitiram Nagy no partido? — perguntei.

— Ele foi injustamente expulso, já que seus erros não justificavam tal punição. No entanto, Kadar está atualmente adotando uma linha correta. Embora sua imprensa tenha expressado algumas críticas a Kadar, é crucial apoiá-lo, considerando que os iugoslavos estão se opondo a ele.

— Não conhecemos bem Kadar. Sabemos que ele estava na prisão e que estava com Imre Nagy.

Em resposta à nossa reclamação de que não havíamos sido informados sobre o desenvolvimento dos eventos na Hungria, Suslov disse que os eventos ocorreram sem aviso prévio e que não houve tempo para consultas.

— Além disso, não houve consultas com as outras partes. Somente quando interviemos pela segunda vez, consultamos os chineses, enquanto Khrushchev, Malenkov e Molotov foram para a Romênia e a Tchecoslováquia. — explicou.

— Como foi possível encontrar tempo para consultar Tito sobre a nomeação de Kadar, enquanto nós não fomos informados de nada? — questionei.

— Não consultamos Tito sobre Kadar, — esclareceu. — Simplesmente comunicamos a ele que não havia mais espaço para o governo de Nagy.

— Essas são questões de princípio, — enfatizei. — É essencial realizar consultas, mas elas não estão sendo realizadas. O Conselho Político Consultivo do Tratado de Varsóvia, por exemplo, não se reúne há um ano.

— Uma reunião foi marcada para janeiro, enquanto que, naquela época, cada dia de atraso causava um grande derramamento de sangue, — respondeu ele.

Entre outras coisas, eu lhe disse que o termo que estava sendo usado agora, a “quadrilha criminosa de Rákosi e Gerö”, parecia surpreendente para nós, e achávamos que isso não ajudava a unir todos os comunistas húngaros.

— Os erros de Rákosi criaram uma situação grave e descontentamento entre o povo e os comunistas, — disse Suslov.

Pedimos a ele que nos falasse concretamente sobre os erros de Rákosi e Gerö, e Suslov listou uma série de coisas gerais, por meio das quais tentou culpá-los por tudo o que havia acontecido. Pedimos um exemplo concreto, e ele nos disse:

— Por exemplo, a questão de Rajk, que foi descrito como um espião sem nenhuma prova documental.

— Essas coisas foram discutidas com Rákosi? Ele recebeu algum conselho? perguntei.

— Rákosi não aceitou o conselho, — foi a resposta.

Da mesma forma, tínhamos opiniões bastante opostas às de Suslov sobre a atitude em relação a Gomulka e seus pontos de vista.

— Gomulka depurou os comunistas, os antigos dirigentes e oficiais leais, e os substituiu por outros, que haviam sido condenados pela ditadura do proletariado, — disse a Suslov.

— Ele confia nos homens que conhece, — disse Suslov. É preciso dar tempo a Gomulka e então poderemos julgá-lo.

— Mas suas opiniões e atividades já podem ser julgadas muito bem, — objetei. Como você pode explicar as palavras de ordem antissoviéticos que ele usou quando chegou ao poder?!

Suslov fez uma careta e disse rapidamente:

— Não foi Gomulka quem fez essas coisas, agora é justamente ele quem as está impedindo.

— Mas o que dizer de suas posições e declarações sobre a igreja, por exemplo?

Suslov entrou em uma longa conversa fiada, “argumentando” que se tratava de “táticas pré-eleitorais”, que Gomulka estava “tomando posições corretas” em relação à União Soviética, ao campo socialista, etc., etc. Nós nos separamos ainda discordando um do outro.

Naquele mesmo dia, tivemos as conversas oficiais com Khrushchev, Suslov e Ponomaryov. Abri a discussão apresentando os pontos de vista do nosso partido em relação aos acontecimentos na Hungria e na Polônia, bem como em relação às relações com a Iugoslávia. Logo no início, eu disse:

— Nossa delegação expressará as opiniões do Comitê Central do nosso partido sobre essas questões com franqueza, mesmo que em várias questões tenhamos diferenças com a direção soviética. Essas opiniões, sejam elas agradáveis ou não, — continuei, — devemos declarar abertamente, como marxista-leninistas, e discutir de forma camarada se estamos certos ou não e, se não estivermos certos, devemos ser convencidos do porquê.

Quanto à Hungria, reiterei a falta de informações e consultas sobre esse doloroso problema no campo socialista.

— Acredito que o Conselho Político Consultivo do Tratado de Varsóvia deveria ter sido convocado nessa situação. Nestes momentos, as consultas são fundamentais para coordenar nossas ações e posições, demonstrando nossa força e união. — declarei.

Prossegui discorrendo sobre a questão húngara e transmiti nossas impressões sobre o partido húngaro, Rákosi e Gerö. Especialmente, destaquei nossa surpresa com a avaliação de Kadar ao chamá-los de “uma quadrilha criminosa”, pois em nossa visão, os erros de Rákosi e Gerö não justificavam essa descrição. Quanto aos equívocos no desenvolvimento econômico da Hungria, desconhecíamos a gravidade da situação que justificasse uma “revolta das massas”. Os soviéticos concordaram conosco nesse ponto, reconhecendo que a situação econômica não era tão crítica quanto se pensava.

Em seguida, abordei nossa posição em relação a Nagy, Kadar, entre outros. Expressamos a desconfiança de nosso partido em relação a Kadar, ressaltando, no entanto, que nossa postura em relação a ele foi muito prudente.

Quanto aos eventos na Hungria, destaquei o papel dos revisionistas iugoslavos e manifestei a desaprovação do Partido do Trabalho da Albânia pela intervenção de Tito como árbitro nessas questões.

No tocante às relações com a Iugoslávia, após esboçar a história do problema conforme decidido pelo Birô Político, declarei, em essência:

— Os iugoslavos têm historicamente empreendido atividades hostis contra nosso partido e país, e essa hostilidade persiste até os dias atuais. Acreditamos que os dirigentes iugoslavos são contrários aos princípios do marxismo-leninismo e, em conjunto com as agências do imperialismo americano, desempenham um papel significativo nos acontecimentos na Hungria. Defendemos que nossas relações com a Iugoslávia devem ser normalizadas seguindo uma abordagem estritamente marxista-leninista, sem concessões que comprometam nossos ideais. O Partido do Trabalho da Albânia opina que a União Soviética não deve satisfazer o pedido de armas feito pela Iugoslávia através de Gosniak. Em nossa parte, manteremos apenas relações de cunho estatal e comercial, sem qualquer vínculo partidário com os iugoslavos.

Em particular, em nome do Comitê Central de nosso partido, reiterei nossa opinião de que a visita de Khrushchev a Belgrado em 1955 não deveria ter ocorrido sem consultar os partidos irmãos e sem convocar a Cominform, que havia condenado Tito como antimarxista.

Após minha intervenção, Nikita Khrushchev tomou a palavra e iniciou um relato sobre como havia criticado os dirigentes iugoslavos por sua postura em relação ao nosso partido e país. Embora tenha aparentado concordar e apoiar nossas opiniões e posições, não deixou de nos tecer críticas e nos dar “conselhos”. Referindo-se ao meu artigo publicado no Pravda, ele mencionou:

— Tito ficou furioso com este artigo. No Presidium, cogitamos em suprimir algumas partes do artigo, mas o senhor insistiu que nenhuma alteração fosse feita e o publicamos como estava. Contudo, o artigo poderia ter sido abordado de forma diferente.

Em relação aos eventos na Hungria e na Polônia, Khrushchev continuou a expressar suas opiniões e, entre outras coisas, “instruiu-nos” a apoiar Kadar e Gomulka. Sobre este último, ele declarou:

— Gomulka está enfrentando uma situação desafiadora, pois a reação está se mobilizando. As opiniões expressas na imprensa não representam as posições do Comitê Central, mas sim de alguns que se opuseram a Gomulka. A situação está gradativamente se estabilizando. As eleições que serão realizadas na Polônia são de suma importância. Por isso, devemos apoiar Gomulka. Para isso, Zhou Enlai deve ir até lá, o que ajudará consideravelmente a fortalecer sua posição. Acreditamos que seria mais adequado que os chineses tomassem a frente, pois a reação está mobilizada contra nós.

E Zhou Enlai foi à Polônia em acordo com Khrushchev e para auxiliá-lo.

Posteriormente, Khrushchev “aconselhou-nos” a manter a calma em relação aos iugoslavos e, fazendo-se passar por um “grande estadista”, discorreu sobre as diferenças entre os dirigentes iugoslavos.

Ao final de seu discurso, Khrushchev tentou “amenizar” o clima, prometendo que estudariam nossas demandas econômicas e nos apoiariam.

Assim encerraram-se as discussões, onde expressamos nossas opiniões e os líderes soviéticos procuraram evitar qualquer responsabilidade pelo ocorrido. Dessa forma, encerrou-se a análise desta página trágica na história dos povos húngaro e polonês. A contrarrevolução foi sufocada, seja com o uso de tanques soviéticos ou poloneses, mas foi reprimida pelos inimigos da revolução. Contudo, o mal e a tragédia persistiram. A cortina caiu, mas nos bastidores, Kadar, Gomulka e Khrushchev continuaram seus atos até consumarem completamente sua traição, restaurando o capitalismo.