Eleições presidenciais em El Salvador: Ventos favoráveis a uma mudança real

Schafik Jorge Handal

2004


Observação: O original encontra-se em http://www.FMLN.org.sv/

Fonte: http://www.resistir.info/el_salvador/discurso_s_handal_p.html

Tradução: Carlos Coutinho

HTML: Fernando Araújo


Chegamos a um momento crucial da nossa história contemporânea: esgotou-se irremediavelmente um modelo de economia e de direcção do país, copiado do estrangeiro. Anunciado no início com promessas de prosperidade em todas as áreas da vida e que pelo contrário, nos trouxe estagnação, desemprego, incremento da emigração, mais delinquência, aumento exponencial da corrupção, destruição do ambiente, deterioração profunda da saúde da população, fracasso do sistema educativo e frustração massiva da juventude que ainda não vê espaços no presente nem encontra concerteza um lugar no futuro do solo pátrio.

Crise de sobrevivência para o sector agropecuário e para a micro, pequena e média empresa, desindustrialização, empantanamento e profundas iniquidades nas práticas da integração centro-americana, franco desprestígio dos três órgãos do Estado, autoritarismo e bloqueio de toda a concertação, perca acelerada de soberania e autodeterminação nacional, manipulação, em alguns casos desenfreada, da opinião pública, com riscos, crescentes para a democracia e graves ameaças de sofrimentos ainda maiores, dada a fanática insistência neste modelo neoliberal fundamentalista do pequeno grupo de donos do país, do partido Arena, do governo e dos principais meios de comunicação, que enriqueceram de maneira insaciável com esta tragédia do povo salvadorenho, e que agora, cegos pelo dogmatismo neoliberal, se apegam a um extremismo desesperado e amedrontador para evitar a mudança que já não pode ser impedida.

Face a este panorama adverso, praticamente todos os sectores económicos e sociais se pronunciam pela mudança, à excepção desse pequeno grupo dos donos do país e de quem os apoia.

De acordo com uma sondagem, esta opinião é compartilhada por 80% da população, incluindo a maioria dos que tradicionalmente votam Arena.

A direcção da Arena e o seu candidato só podem oferecer mais do mesmo, e apostam na divisão profunda da nação, difundindo o temor, medo e aterrorizando, em vez de discutir as mudanças que o país necessita urgentemente, num clima elevado e de reflexão.

A FMLN previu e disse claramente, desde o início da aplicação do modelo neoliberal, que este traria consequências nefastas, mas não quiseram ouvir-nos os que estavam mergulhados no frenesim do enriquecimento vertiginoso e fascinados com a chuva de elogios dos seus mentores estrangeiros. Alguns deles lamentam agora o seu erro.

A mudança hoje é a ideia e a aspiração mais generalizada no nosso país, é a motivação que pode unir a nação, que tanto necessita de pôr termo à confrontação. Para que haja uma mudança não necessitamos de trazer e implantar outro modelo estrangeiro de nenhum outro país. Temos um modelo de Estado, de país e de sociedade definido pela Constituição da República, que tem sido ou ignorado e esquecido, ou então contrariado e violado.

Mesmo nós que nos confrontamos no conflito armado dos anos setenta e oitenta, ou no conflito político desde os Acordos de Paz, podemos e devemos hoje unir esforços, talentos e vontades para delinear e construir a mudança. O Coronel David Munguía Payes pronunciou há poucas semanas, uma frase que me impressionou muito pela sua sensatez e profunda sabedoria:   "não podemos mudar o passado, — disse —, mas podemos construir juntos o futuro".

A FMLN e os seus candidatos oferecem a sua profunda vocação democrática, a sua provada vontade concertadora e includente, a sua provada e demonstrada honestidade.

No decurso da minha larga trajectória como esquerda e como pessoa, ponho à consideração e ao debate dos cidadãos o nosso programa de governo e a plataforma eleitoral para a todos ouvir; incluindo aqueles que se declaram nossos inimigos. Com todos queremos dialogar e construir o futuro.

Os entendimentos e pactos programáticos não têm natureza ideológica, são coincidências e convergências políticas, que preservam a identidade de cada um e asseguram à pátria a saída do desastre social e económico em que se encontra e evitam uma nova escalada na confrontação.

Nisto se firma a esperança do povo salvadorenho, que deseja superar a crise com o menor sofrimento possível.

Esta é a esperança salvadorenha, na qual está comprometida a FMLN, cada uma e cada um dos seus militantes. Para tornar realidade essa esperança, iremos visitar as famílias de casa em casa, em todas as cidades e distritos. Para que se realize essa esperança, estamo-nos reunindo e vamos continuar a reunir com todas as personagens, assim como com instituições e organizações, sem excepção. Algumas personagens situadas no campo dos nossos adversários, com quem me reuni mais de uma vez, sabem que digo a verdade.

Resolver a crise que o país atravessa e construir um futuro melhor requer, claro está, alguns sacrifícios da parte dos que beneficiaram a mãos cheias do modelo aplicado pelos governos da Arena, mas a esses digo:   vale a pena fazer esses sacrifícios, que não vos tornarão pobres e desvalidos, mas antes trarão felicidade à pátria e satisfatória tranquilidade e prestigio às vossas famílias e descendentes!

Queremos que a mudança de governo, a alternância democrática, decorra tranquila e harmoniosamente, mas ao mesmo tempo queremos deixar claro que nada nem ninguém, seja quem for, distorcerá, comprará, domesticará ou corromperá a nossa vontade de cumprir perante o povo salvadorenho o nosso histórico compromisso de encabeçar a sua luta para mudar esta injusta realidade e construir um porvir assente no postulado constitucional que diz:   "El Salvador reconhece a pessoa humana como a origem e o fim da actividade do Estado", cuja obrigação é "assegurar aos habitantes da república o gozo da liberdade, a saúde, a cultura, o bem-estar económico e a justiça social”.

Apelamos a todos os sectores, a todas as forças sociais e políticas a concertar no decurso da discussão do programa que propomos hoje, uma grande aliança pela mudança, que una a nação e transforme o país.

Esta será a façanha do povo em democracia, especialmente a façanha da juventude, a quem pertence o futuro. E esta obra e o seu progresso constante serão definitivamente assegurados porque faremos da democracia a componente inseparável do desenvolvimento económico e social.

O vento latino-americano agora está favorável, como no tempo dos nossos venerados precursores da independência pátria, em 5 de Novembro de 1811 e em 15 de Setembro de 1821.

Digo ao povo salvadorenho e aos povos latino-americanos e caribenhos:

Não faltaremos a este encontro com a história!


Inclusão: 29/10/2021