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Primeira Edição: edição de 26 de dezembro da revista Revolution Africaine, foi realizada por Josie Fanon, a viúva da figura da revolução argelina Frantz Fanon, autor de “Os condenados da Terra”. A tradução para o inglês foi feita pela World Outlook e transcrita por Priya Prabhakar - https://priyavprabhakar.medium.com/che-guevara-on-africa-interview-with-josie-fanon-1aefc395fdfb
Fonte: TraduAgindo - https://traduagindo.com/2021/01/26/che-guevara-sobre-a-africa-entrevista-com-josie-fanon/
Tradução: Andrey Santiago
HTML: Fernando Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
Josie Fanon: Qual é o motivo da sua visita a Argélia?
Che Guevara: O motivo da minha visita é muito simples. Em alguns dias irei visitar um número de países africanos, e para ir a África, é necessário vir a Argélia primeiro. Nós estamos também aproveitando essa oportunidade; antes de irmos embora, para discutir os problemas gerais internacionais e os problemas africanos com nossos irmãos argelinos. Estamos pensando em ficar dois ou três dias a mais na Argélia.
Josie Fanon: Você poderia dizer de amplo modo qual é a posição do governo cubano em relação a África como um todo?
Che Guevara: A África representa um dos mais importantes, senão o mais importante, campo de luta contra todas as formas de exploração existentes no mundo, contra o imperialismo, o colonialismo e o neocolonialismo. Existem grandes possibilidades de sucesso na África, mas existem também muitos perigos. Os aspectos positivos incluem a juventude do povo Africano enquanto estados modernos, o ódio que o colonialismo deixou na mente do povo, a consciência clara que o povo africano tem das diferenças entre um homem africano e o colonizador, a convicção de que nunca poderá haver uma sincera relação de amizade entre eles, exceto depois da ida embora dos colonizadores. Existem também outros aspectos positivos: as presentes possibilidades de um maior e mais rápido desenvolvimento do que alguns anos atrás por conta do auxilio que alguns dos países capitalistas podem provar em certas condições (mas sobre esse ponto temos que estar vigilantes).
O que consideramos ser o principal perigo para a África é a possibilidade de divisão entre o povo africano que parece estar constantemente crescendo. De um lado temos aqueles que são lacaios do imperialismo, do outro lado temos aqueles que estão buscando se libertar dos caminhos traçados a eles. Nós temos uma razão concreta para temer esse perigo. Existe um fenômeno de trocas desiguais entre os países industrializados e os países economicamente dependentes. A relação de desigualdade é mostrada de maneira mais brutal na conexão com o colonialismo. Mas os países independentes também correm o risco de se encontrarem amarrados a prisão do mercado capitalista, porque os grandes países industrializados impões sob eles seu alto desenvolvimento tecnológico. Os grandes países desenvolvidos começam, depois da independência a exercer um tipo de “sucção” dos países libertados e depois de alguns anos as condições estão novamente na esteira da dominação política.
Acreditamos que a burguesia ainda tem algo a dizer na África hoje em dia. Isso muito diferente da América Latina onde a burguesia nacional não tem nenhuma escolha a não ser se submeter completamente ao imperialismo. Em muitos países africanos independentes, a burguesia tem, desde o início, a possibilidade de desenvolvimento e de ter um papel “relativamente” progressivo. Ela pode, em um período, mobilizar o povo das forças de esquerda sob a palavra de ordem pela luta contra o imperialismo, mas inevitavelmente acontece o momento em que burguesia e o governo que a representa entram em um impasse.
Não é possível para a burguesia, pela sua própria natureza, seguir o caminho que o povo pretende percorrer. O único caminho que permanece aberto para isso é a colaboração com o imperialismo e a opressão do povo. Em suma, pode dizer-se que existem atualmente grandes possibilidades na África devido à efervescência que existe nesta região do mundo, mas que também existem perigos reais que temos de ter em mente. Existem problemas econômicos importantes que devem ser lembrados. As relações desiguais nas trocas internacionais conduzem a um impasse onde se torna muito fácil ceder ao imperialismo e oprimir o povo a quem, por um curto período, parecem servir.
Josie Fanon: Se lhe perguntassem qual caminho de desenvolvimento econômico é adequado para os países africanos, o que você diria?
Che Guevara: Se me pedissem o meu conselho, ou melhor, a minha opinião, como Ministro da Indústria cubano, diria simplesmente que um país que começa a se desenvolver deve, no primeiro período, trabalhar sobretudo na organização e que se deve abordar os problemas práticos “usando sua própria cabeça”. Pode parecer uma opinião abstrata e um tanto vaga, mas é algo muito importante.
Na África, onde muitos países já procederam a nacionalizações muito extensas, talvez haja a possibilidade de criar certas empresas para fornecer produtos para outros países que não as têm e vice-versa. É necessário trabalhar com espírito de lucro mútuo e para isso é necessário conhecer-se melhor e estabelecer relações de confiança. No início, isso deve ser limitado a coisas muito simples. Pode ser necessário, às vezes, instalar pequenas fábricas que exigem muitos trabalhadores e oferecem empregos para muitos desempregados, em vez de empresas altamente mecanizadas que empregam um número reduzido de trabalhadores. Em certos casos, um setor deve ser mecanizado rapidamente; em outros casos, isso não é necessário. De fato, em um país em vias de desenvolvimento, a maioria dos problemas envolvem a agricultura e a indústria extrativa, mas é evidente que esses problemas se colocam de maneira diferente em cada país e que se deve estar atento, sobretudo, às realidades particulares. É por isso que é impossível fornecer uma fórmula geral que possa ser aplicada a todos os países africanos.
Josie Fanon: Quais são as perspectivas, em sua opinião, da luta revolucionária na América Latina?
Che Guevara: Você sabe, isso é algo próximo ao meu coração; é o meu maior interesse. Acreditamos que a luta revolucionária é uma luta muito longa, muito difícil. É difícil acreditar – difícil, mas evidentemente não impossível – no triunfo isolado da revolução em um país. O imperialismo vem preparando uma repressão organizada aos povos da América Latina há alguns anos. Em diferentes países, eles formaram uma internacional de repressão. Neste exato momento, de fato, nos países latino-americanos onde foram travadas as últimas batalhas pela libertação da América do jugo espanhol, no Peru, estão sendo realizadas manobras militares. Vários países estão participando dessas manobras, realizadas pelos Estados Unidos, na região de Ayacucho. O que estamos testemunhando nesta região são os preparativos diretos para a repressão. E por que essas manobras estão acontecendo justamente nesta região montanhosa do Peru, nesta zona de selva? É porque Ayacucho está situada perto do lugar onde existem importantes bases revolucionárias. Ayacucho não foi escolhida por acaso.
Os americanos estão prestando muita atenção ao problema da guerra de guerrilha. Eles escreveram coisas muito interessantes sobre isso. Eles compreenderam a ideia bastante correta de que a guerra de guerrilha é extremamente difícil de liquidar se não for liquidada assim que aparece. Toda a sua estratégia está agora orientada para este objetivo, tomando duas formas principais: em primeiro lugar, a repressão; em segundo lugar, o isolamento dos revolucionários de sua base principal – os camponeses. Li em um documento americano a própria expressão usada por Mao Tse-tung: “Entre o povo, os revolucionários são como peixes na água”. Os americanos perceberam que o poder do guerrilheiro reside nisso e perceberam que tudo deve ser feito para impedir que isso continue.
Claramente, todos esses fatores tornam a luta mais difícil. Mas contra a internacional de repressão virá a resposta inevitável e natural da internacional de luta dos proletários e camponeses contra o inimigo comum. É por isso que prevemos a organização de uma frente continental de luta contra o imperialismo e seus aliados domésticos. Esta frente demorará muito para se organizar, mas quando existir será um duro golpe contra o imperialismo. Não sei se será um golpe definitivo, mas será um golpe muito forte. É por esta razão que propomos este princípio fundamental: a luta pela liberdade não deve ser apenas uma luta defensiva, mas também uma luta ofensiva contra o imperialismo.
Acrescentamos ainda que a classe trabalhadora dos Estados Unidos, por seu alto padrão de vida, não vê de forma aguda as contradições existentes na sociedade americana. Para os trabalhadores americanos, essas contradições parecem atenuadas e eles não podem adquirir consciência clara de sua própria exploração enquanto continuarem a receber as migalhas que o imperialismo norte-americano lhes lança da festa.