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Linguagem e medo global
Eduardo Galeano
23 de fevereiro de 2007
Fonte: resistir.info
HTML: Fernando Araújo.
- Na era vitoriana, as calças não podiam ser mencionadas na
presença de uma senhorita.
- Hoje, não fica bem dizer certas coisas na presença da
opinião pública. O capitalismo ostenta o nome artístico
de economia de mercado, o imperialismo chama-se globalização.
- As vítimas do imperialismo chamam-se países em vias de
desenvolvimento, o que é como chamar de crianças aos anões.
- O oportunismo chama-se pragmatismo, a traição chama-se realismo.
- Os pobres chamam-se carentes, ou carenciados, ou pessoas de escassos recursos.
- A expulsão das crianças pobres do sistema educativo é
conhecida sob o nome de deserção escolar.
- O direito do patrão a despedir o operário sem
indemnização nem explicação chama-se
flexibilização do mercado laboral.
- A linguagem oficial reconhece os direitos das mulheres entre os direitos das
minorias, como se a metade masculina da humanidade fosse a maioria.
- Ao invés de ditadura militar, diz-se processo.
- As torturas chamam-se pressões ilegais, ou também pressões
físicas e psicológicas.
- Quando os ladrões são de boa família, não
são ladrões e sim cleptómanos.
- O saqueio dos fundos públicos pelos políticos corruptos responde
pelo nome de enriquecimento ilícito.
- Chamam-se acidentes os crimes cometidos pelos automóveis.
- Para dizer cegos, diz-se não visuais, um negro é um homem de cor.
- Onde se diz longa e penosa enfermidade deve-se ler cancro ou SIDA.
- Doença repentina significa enfarte, nunca se diz morte e sim
desaparecimento físico.
- Tão pouco são mortos os seres humanos aniquilados nas
operações militares.
- Os mortos em batalha são baixas, e as de civis que a acompanham
são danos colaterais.
- Em 1995, aquando das explosões nucleares da França no
Pacífico Sul, o embaixador francês na Nova Zelândia
declarou: "Não me agrada essa palavra bomba, não são
bombas. São artefactos que explodem".
- Chamam-se "Conviver" alguns dos bandos que assassinam pessoas na
Colômbia, à sombra da protecção militar.
- Dignidade era o nome de um dos campos de concentração da ditadura
chilena e Liberdade a maior prisão da ditadura uruguaia.
- Chama-se Paz e Justiça o grupo paramilitar que, em 1997, metralhou pelas
costas quarenta e cinco camponeses, quase todos mulheres e crianças, no
momento em que rezavam numa igreja da aldeia de Acteal, em Chiapas.
O medo global
- Os que trabalham têm medo de perder o trabalho.
- Os que não trabalham têm medo de nunca encontrar trabalho.
- Quem não tem medo da fome, tem medo da comida.
- Os automobilistas têm medo de caminhar e os peões têm medo
de ser atropelados.
- A democracia tem medo de recordar e a linguagem tem medo de dizer.
- Os civis têm medo dos militares, os militares têm medo da falta de
armas.
- É o tempo do medo.
- Medo da mulher à violência do homem e medo do homem à
mulher sem medo.
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Inclusão: 25/11/2021