Em Defesa da Revolução Africana

Frantz Fanon


Quarta parte: A caminho da libertação da África

O sangue corre nas Antilhas sob dominação francesa(1)


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Assim, pois, também as velhas colónias utilizam o caminho da “rebelião”. Esses florões do império, esses países castrados que deram tantos e tão bons e leais servidores, começam a agitar-se.

Todo o antilhano, todo o guianense, seja em que sítio for que se encontre, sentir-se-á violentamente perturbado. Com efeito, os Franceses, depois de terem pejorativamente categorizado os Árabes e os Africanos, os Malgaxes e os Indo-chineses, concediam, reconheciam, que com os Antilhanes as coisas tomavam um outro aspecto. Ouvia-se dizer por toda a parte que os Antilhanos eram franceses, como os Corsos. E havia grandes massas de antilhanos e antilhanas que acreditavam nisso. É claro que, de vez em quando, o racismo eclodiu, e o colonato antilhano oprimia e condenava à fome endêmica os operários agrícolas, mas o título de cidadão francês parecia valer bem esses pequenos incómodos. É claro que trezentas toneladas de ouro por ano deixavam o território guianense para abastecer as caves do Banco de França, mas Monnerville, segundo ou terceiro cidadão francês, não era ao mesmo tempo um símbolo e o pagamento de uma dívida?

Contudo, apesar dessa imensa intoxicação, a despeito dessa enorme impostura, houve martiniquenhos que entraram em luta aberta contra as forças francesas, que ocuparam comissariados, que cortaram estradas. Submergindo esses trezentos anos de presença francesa, houve martiniquenhos que pegaram em armas e ocuparam Fort-de-France durante mais de seis horas. Mortos? Houve-os. E feridos também.

Quinze mortos, dizem; várias dezenas de feridos e centenas de prisões.

Enviam-se reforços na direção das Antilhas e, para desmantelar um movimento que deve parecer suficientemente iminente, inunda-se o Guadalupe de fuzileiros navais, de C.R.S. e de soldados.

Os serviços franceses de informação pretendem que a origem do motim estaria num banal incidente de circulação. Talvez. Mas então a que se devem essas súbitas dimensões? Que é que faz com que uma população reaja com tanta violência, com tanta raiva? Que é que faz com que os C.R.S. reajam com tanta precipitação, com tanta desenvoltura, perante a vida de “concidadãos”? Na realidade, o problema levanta-se. E tanto melhor. Põem-se em questão a ficção Antilhas Francesas e a fórmula “com o Antilhano não há problemas”. E tanto melhor.

Atualmente, os velhos políticos, assimilados, infestados por dentro, que há muito não representavam senão os seus interesses medíocres e a sua própria mediocridade, devem estar bastante inquietos. Descobrem de repente que a França pode perfeitamente tratar os Martiniquenhos como rebeldes. Descobrem também a existência de um espírito rebelde, de um espírito nacional.

Por ocasião do referendo organizado pela França, perguntaram a Césaire a razão do seu “sim” a De Gaulle. Respondeu que os Martiniquenhos tinham feito uma aposta com a V República. O nosso “sim”, dizia Césaire, é um “sim” de circunstância. A França compromete-se a melhorar a nossa condição e a reconhecer-nos algumas prerrogativas no plano local.

Pois bem! Parece que o povo põe em causa essa aposta e levanta o problema nacional. A questão antilhana, a questão da federação caraíba, já não pode ser dissimulada por mais tempo. As Guianas ex-holandesas e ex-britânicas, hoje independentes, exercem uma atração sobre a Guiana sob dominação francesa. As Antilhas sob dominação britânica tornam-se independentes. Em Cuba, Castro dá um novo rosto às Caraíbas. Não há dúvida de que a questão foi posta.

Não há dúvida de que as forças francesas e os seus aliados, os atuais homens políticos, deputados e senadores, desmantelarão para já esta primeira manifestação do espírito nacional martiniquenho. Mas sabemos agora que os Guadalupenses, os Martiniquenhos e os Guianenses hão-de ser independentes e hão-de construir os respectivos países como entenderem. O povo argelino assegura aos Antilhanos e aos Guianenses a sua simpatia fraternal e encoraja-os a estimular a sua combatividade. Os antilhanos e os guianenses, soldados, sargentos e oficiais, que lutam contra os seus irmãos argelinos enquanto as tropas francesas metralham os seus povos em Fort-de-France ou em Basse Terre devem recusar-se a lutar e devem desertar.

Sabe-se agora que existem laços entre a guerra da Argélia e os recentes acontecimentos que ensanguentaram a Martinica. Foram antigos funcionários franceses da África do Norte, os expulsos de Marrocos e da Tunísia e aqueles que estavam demasiado comprometidos na Argélia, que provocaram a réplica das massas martiniquenhas. A brutal reação do povo martiniquenho indica apenas que chegou a hora de clarificar os problemas e de dissipar os mal-entendidos.

continua>>>


Notas de rodapé:

(1) El Moudjahid, n.° 58, de 5 de Janeiro de 1960. (retornar ao texto)

Inclusão 24/07/2018