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O Congresso adota a palavra de ordem de independência imediata e decide tomar todas as medidas necessárias para mobilizar as massas africanas em torno desta palavra de ordem e traduzir nos fatos esta vontade de independência.
É nestes termos que termina a declaração de guerra que acaba de ser dirigida, de Cotonou, ao governo francês do general De Gaulle pelos povos da África Negra.
Já em Bamako, em Setembro de 1957, tinha rebentado o dispositivo de segurança posto a funcionar pela “lei-padrão”. O traidor Houphouët-Boigny e os seus cúmplices tiveram de recuar perante a reivindicação nacional africana. Todos os especialistas em letargia colonial se tinham então dirigido ao local para aí verem consagrada a sua vitória.
Ora, em Bamako, os Africanos rejeitaram a “lei-padrão”, rejeitaram a irresponsabilidade a que o colonialismo os condenava.
Em Bamako o ferrolho de segurança na África Negra era quebrado. Iniciava-se um processo. Cotonou é a antestreia da grande luta de libertação na sequência da qual mais de 30 milhões de africanos terão acesso à independência.
Recordamo-nos da euforia que reinou nos meios políticos franceses depois do voto da “lei-padrão”. Por uma vez, afirmava-se, a França toma a iniciativa e, segundo “a sua tradição mais essencial”, antecipa-se à reivindicação dos povos. Ora, precisamente, o observador lúcido das coisas da África Negra sabia perfeitamente que a lei Defferre estava infinitamente aquém das aspirações das massas africanas.
Os operários africanos, os estudantes africanos, são há vários anos contidos, refreados, pelos parlamentares africanos.
Desde 1947 que na África Negra o colonialismo francês deve a sua quietude à inqualificável traição de certas elites africanas.
Desde 1947, de um modo difuso, e depois, de um modo muito mais organizado, a partir de 1953, os sindicalistas africanos desenvolvem a sua ação segundo uma perspectiva deliberadamente nacional.
Afastadas de todo o corporativismo, inscrevendo-se na ótica dupla da africanização dos quadros e da nacionalização, logo da independência, as ações sindicais imprimiram à luta contra o colonialismo francês um estilo absolutamente novo.
A UGTAN, que estende a sua rede por todo o conjunto do país, asfixia progressivamente a fera colonialista. Perante os operários que reclamam a nacionalização e a socialização das empresas e das propriedades, o colonialismo, aterrado, apressa-se a mobilizar novos mercenários para defenderem, na África Negra, a civilização ocidental.
Por seu lado, a Federação dos Estudantes da África Negra tem levado a cabo, de há alguns anos para cá, um trabalho de propaganda em profundidade, de desmistificação atual, de formulação de palavras de ordem claras. Assim, a polícia do traidor Houphouët-Boigny tem-se encarniçado contra os responsáveis estudantis. A polícia das cidades universitárias em França, a pedido do ministro Houphouët-Boigny, tem perseguido, prendido e torturado estudantes da África Negra.
Supressão de bolsas, chantagens, apreensões e proibição do jornal da Federação dos Estudantes foram outras tantas operações realizadas sob a autoridade de Houphouët-Boigny. Além disso, na África Negra, os estudantes que se opõem à política de traição de certos dirigentes do RDA não são utilizados como funcionários pelos ridículos conselhos de governo; são transferidos, despedidos, expulsos do território. A despeito dessas manobras policiais, apesar dessas medidas de intimidação, os estudantes da África Negra, em Cotonou, pela voz do seu presidente, manifestaram a sua firme decisão de passagem à açào direta e de conquista da independência nacional pelas armas.
Deferre, que devia ligar o seu nome a esta paródia de política liberal, teve, depois, tempo para meditar sobre “a ingratidão dos Africanos”. Com a “lei-padrão”, o colonialismo francês esperava ter estabelecido um compromisso de uma boa vintena de anos contra o vírus nacionalista. A “lei-padrão” oficializava a divisão do continente africano, dispersava por aqui e por ali conselhos de governo, criava zonas económicas competitivas. A centralização, a unidade territorial, a constituição da nação, a integração económica do país, davam lugar à odiosa balcanização da África Negra.
O erro de Houphouët-Boigny e dos seus cúmplices foi não terem levado suficientemente em conta a invectiva argelina que, há quatro anos, abala nos seus fundamentos o império francês.
Por se ter empenhado, para lá do bom senso, na Argélia, o colonialismo francês acabará por nela perder a vida. Com o fim da guerra da Argélia, com a vitória das forças armadas do ELN e com a independência da Argélia, será todo o sistema imperial francês a desabar.
A resolução do Congresso de Cotonou não é importante só pela razão de pôr como objetivo a independência imediata. Os próprios termos em que essa independência é exigida, o conteúdo social, a nitidez com que se utilizam as noções de socialismo, de coletivização, de comunidade progressista, indicam que os Africanos não visam uma independência formal.
Em Cotonou não assistimos à evolução dos espíritos africanos, mas sim a uma mutação essencial que desemboca na tomada efetiva de poder pelo povo.
A partir de Cotonou, o colonialismo francês ficou aterrado e sem voz. Ora, desde há quatro anos que, porque a Revolução Argelina existe em África, a reivindicação nacional dos outros povos africanos se inspira amplamente no próprio movimento da nossa Revolução. Desde há quatro anos, é a própria existência do colonialismo em África que é feita em pedaços pelo povo argelino, e é banal reconhecer hoje que um certo número de países independentes em 1958 não o seriam ainda, certamente, se o colonialismo francês, entre outros, não tivesse de enfrentar os inumeráveis golpes que o povo argelino lhe desferia.
Guy Mollet, Bourgés-Maunoury, Gaillard, Pflimlin, o De Gaulle salvador da França pré-fascista antes de o ser totalmente, são os diversos acidentes históricos que foram suscitados em França pelo encontro armado entre a vontade nacional do povo argelino e a vontade de opressão colonialista dos governos franceses.
Esta curva da vida política francesa que evolui, a partir de 1954, da social-democracia traidora aos seus mais elementares princípios até à ditadura fascista e militar, eis o negativo do heroísmo revolucionário do povo argelino.
É por isso que, doravante, não poderá haver em África hesitação da parte das massas nacionais. De repente e numa violenta arrancada, ei-las ao nível da reivindicação imediata e total.
O colonialismo francês procura uma resposta colonialista para as aspirações nacionais africanas expressas em Cotonou. Certos observadores pensam que De Gaulle encontrará um meio-termo entre a “lei-padrão” e a independência.
A FLN, depois de uma análise dos fatos e considerando as dificuldades intransponíveis que cria à França na Argélia, pensa que os povos da África Negra sob dominação francesa não devem recuar mas, pelo contrário, devem mostrar com firmeza e brutalidade que o momento das soluções confusas está irremediavelmente ultrapassado.
A França está encurralada, é preciso encurralá-la ainda mais, cortar-lhe todas as saídas, asfixiá-la sem piedade, matar nela todas as veleidades de dominação. Em 1958, a França é incapaz material e humanamente, económica e politicamente, de levar a cabo uma guerra na África Negra.
É por isso que os povos africanos devem avançar, acentuar a sua pressão e exigir imediatamente a sua independência. As massas africanas e as elites africanas devem desde já tomar as suas disposições para passarem à ação direta, pegar em armas, semear o pânico nas fileiras colonialistas.
A FLN e o ELN estão prontos, pela sua parte, a ajudar os povos africanos na sua luta de libertação. Não se dirá que o imperialismo francês, depois de partir da Argélia, ainda poderá conservar-se em África. Atualmente a palavra de ordem deve ser esta:
“Africanos, Africanas, às armas! Morte ao colonialismo francês!”
Notas de rodapé:
(1) El Moudjahid, n.° 28, de 22 de Agosto de 1958. (retornar ao texto)
Inclusão | 15/07/2018 |