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Palme Dutt escritor inglês membro do PC da Inglaterra |
O fogo de artifício foi seguido pela rendição. Até princípios de agosto, o governo inglês ainda falava como se o escoamento dos dólares fosse temporário, afirmando que as cifras de agosto assinalariam uma melhora na situação e que a convertibilidade seria mantida. No dia 21 de agosto a convertibilidade teve de ser suspensa. Esgotou-se o empréstimo em dólares. A outro erro de cálculo se havia seguido um colossal fracasso. O governo entrou em estreitas confabulações com a Federação das Indústrias Britânicas e com a União Nacional dos Manufatureiros. A doze de setembro, anunciou-se uma solução com o Plano Cripps. Este representava a aliança entre a ala direita do trabalhismo e os grandes industriais para procurar resolver a crise dentro dos quadros capitalistas ortodoxos, à custa dos trabalhadores. Cortes drásticos nos padrões de vida, na reconstrução social e no reequipamento da indústria; um impulso febril, com maquinaria industrial obsoleta, para forçar as exportações num mercado mundial em retração; manutenção obstinada de forças armadas e compromissos excessivos no além-mar; nenhuma mudança na desastrosa política externa imperialista, principal responsável pela crise; nenhuma proposta para limitação de lucros, que já atingem alturas fantásticas. A reação do mundo dos grandes negócios, expressa pelos parlamentares conservadores, mal disfarçados como industriais, foi de aprovação. Mostraram-se agradecidos a Sir Stafford Cripps. "A indústria recebe com desvanecimento sua sincera e corajosa proposta", declarou o presidente da Federação das Indústrias Britânicas. "Eles estão, afinal, encarando, de frente, as realidades", disse o presidente da União Nacional dos Manufatureiros. Este o resultado do domínio de dois anos da social-democracía. O balanço do governo trabalhista de 1921-31 foi realmente insignificante em comparação ao "record' do fabianismo no poder, com absoluta maioria parlamentar. E o peso real da crise, apenas, está começando a se fazer sentir.
No dia 3 de setembro Mr. Bevin, no decurso das suas bravatas pronunciadas perante o Congresso das Trade Unions, salientou a sua "independência" em relação à política dos Estados Unidos:
"Mr. Bevin protestou contra a acusação de estar amarrando a Grã-Bretanha aos Estados Unidos. Entre grandes aclamações, declarou: "Meu Deus, estou aqui esta manhã para vos conclamar a que luteis pela vossa independência nas fábricas. Quem pode me acusar de ser subserviente ao leste ou ao oeste?"
A 10 de setembro, exatamente uma semana depois, Mr. Bevin, dirigindo-se a uma assistência mais seleta, num jantar da Legião Americana no Savoy Hotel, declarou:
"Meus caros americanos, podem nos faltar dólares, mas não nos falta vontade. . . Não vos abandonaremos.
"A Grã-Bretanha é um grande bastião na Europa. Nossa civilização ocidental não pode dispensar a Grã-Bretanha, e a Grã-Bretanha não lhe falhará.
"O nível de vida pode baixar. Podemos ser forçados a dizer aos nossos mineiros e trabalhadores do aço: "Não é possível dar a vocês o que esperávamos, as casas em que desejaríamos que vocês morassem, o conforto que lhes quereríamos dar. Mas não falharemos".
No contraste entre essas duas declarações está a essência da crise britânica.
Para a assistência da classe operária, grandiloquente e dramática afirmação de que todos os cortes e privações são o preço para conquistar a "independência" da dominação norte-americano, da "garra do dólar". Mas para os caros amos americanos (muito caros mesmo, com os preços subindo diariamente), na atmosfera mais cálida do Savoy Hotel, o servil juramento de devoção, de que "a Grã-Bretanha não abandonará os Estados Unidos", os cortes e as privações sem limite impostos ao povo a fim de que a Grã-Bretanha possa continuar servindo como "bastião da civilização ocidental", isto é, do capitalismo monopolista e do imperialismo sob a liderança norte-americana. Pois qual é a máscara e qual é a face? Os super-senhores americanos não têm muitas dúvidas. Como observa agudamente o correspondente do "Times", de Washington, a opinião americana já se familiarizou com a coisa: quando Mr. Bevin se dirige a assistências operárias, devem esperar-se grandes "duelos de indiretas" com os Estados Unidos e o arremesso de dardos aliás inofensivos. A disposição da classe trabalhadora para suportar sacrifícios a fim de conquistar sua independência do domínio do dólar é desviada para o objetivo oposto — a fim de pagar as custas da ruinosa política do bloco reacionário anglo-americano. Essa a etapa a que chegou a crise, expressa no atual programa do governo e na "reconstrução" da ala direita governamental.
No princípio deste ano um dos mais destacados comentarista, políticos norte-americanos, Walter Lippmann, com aquela feroz clareza que os porta-vozes capitalistas sempre usam para expor as mazelas dos seus vizinhos capitalistas, descreveu o caráter da crise britânica em desenvolvimento. Disse ele, em fevereiro deste ano:
"Já é bem tempo de começarmos a encarar o fato de que no Reino Unido e no Império as dificuldades de após-guerra estão aparecendo mais depressa do que se podem encontrar e aplicar as soluções correspondentes. Uma crise de grandes proporções está se desenvolvendo manifestamente, crise essa que se seguir o seu curso, poderá sacudir o mundo e tornar a nossa posição altamente vulnerável e precariamente isolada".
Onde via ele a essência da crise?
"A tarefa que se impuseram os povos das Ilhas Britânicas está além de tudo o que um povo livre já tentou em tempo de paz. Eles estão procurando conseguir o bastante para manter um nível de vida austero internamente e manter seus vastos compromissos no exterior.
"Para se tornar solventes neste sentido, têm de produzir e exportar para o estrangeiro 175% do que exportavam em 1938.
"Estão procurando fazê-lo com um parque industrial que em sua maior parte não é moderno e sob as condições da guerra não pôde ser adequadamente conservado.
"Além disso, estão sendo convidados a fazê-lo com grande pressa — antes que se esgotem os créditos dos Estados Unidos e do Canadá, O tempo é pouco. A margem em que estão operando é escassa". E qual a conclusão?
"O colapso da tentativa britânica para a reconstrução do após-guerra não é impossível. É mesmo provável, se medidas heróicas não forem tomadas a tempo. Se houver o colapso, os Estados Unidos ficarão política e economicamente isolados da Europa, e de uma grande parte do continente eurasiano".
Isto não foi profecia de um crítico esquerdista sobre a política do governo de Attlee. Foi a expressão do crescente alarma da oligarquia financeira americana, que apoiou o empréstimo à Grã-Bretanha abertamente pelo motivo (claramente expresso no relatório da Câmara de Comércio Americana) de que o trabalhismo britânico sob a direção de Bevin, Attlee e Morrison, representava o melhor baluarte dos interesses americanos contra o avanço do socialismo e do comunismo na Europa, e que agora começam a recear ter apostado no perdedor.
Esta predição de fevereiro pode ser comparada à atual opinião oficial americana após a crise, tal como vem expressa no relatório do Departamento de Estado sobre a Grã-Bretanha e a Europa, preparado confidencialmente para os congressistas e publicado pelo New York Herald Tribune, de 7 de setembro:
"A Grã-Bretanha já não é mais um membro dos Três Grandes em igualdade de condições com os outros; e seu principal problema na redução de seus compromissos no estrangeiro é de fazer tais reduções ordenadamente e de modo a não aumentar o poderio relativo da União Soviética. A não ser que a grave crise com que se defronta o Reino Unido seja remediada logo, desta ou daquela forma, ela ameaçará a possibilidade da Grã-Bretanha cooperar nos objetivos econômicos externos deste governo".
O macaco se queimou no fogo, e o gato, que não tem vontade de se queimar também, dá o alarma. Daí as desesperadas marchas e contra-marchas das propostas de Marshall e as manobras rápidas que se sucederam, servindo apenas, não para trazer uma solução ordenada, mas para revelar a intensificar todas as contradições, não só na Grã-Bretanha e na Europa ocidental, mas também as da política americana, perplexa entre o desejo de utilizar a crise para expandir a dominação ianque na Europa a expensas da Inglaterra, o medo de ajudar a reconstrução das potências rivais, o temor de um colapso na Europa, conduzindo a uma política econômica e social de caráter radical, e o alarma ante a crise que ameaça o capitalismo americano.
Em conseqüência, as primitivas esperanças dos ministros de que a crise na Grã-Bretanha seria rapidamente debelada com um fluxo de dólares a chegarem em auxílio de um instrumento tão fiel, tão dócil e indispensável, encontraram pela frente sucessivos desmentidos, protelações e incertezas angustiantes, bem como um implacável aumento das exigências de uma capitulação britânica tanto na política interna como na externa. Revela-se a instabilidade dos fundamentos do bloco anglo-americano; e o antagonismo dos interesses comerciais e econômicos anglo-americanos é agudamente desvendado pelo avanço da crise. Cada acontecimento demonstra que o povo inglês tem de resolver a crise com suas próprias forças, em ligação com aliados cujos interesses coincidam com os interesses britânicos. Mas isto requer uma vasta modificação na política tanto externa como interna, e um governo diferente. A solução da crise não pode vir dentro das condições e limitações do bloco anglo-americano. A bancarrota da política Churchill—Bevin tornou-se inevitável.
As pânicas medidas de expediente do programa Cripps—Federação das Indústrias não podem solucionar a crise porque não atingem as causas. Depois de incutir uma doença mortal no paciente, esses médicos, ao mesmo tempo que continuam propiciando doses de veneno, exigem do doente um esforço sobre-humano de reerguimento. Mas a crise não é nenhum fato súbito e imprevisível, nenhuma emergência imprevista para ser enfrentada com um súbito espasmo de esforços e privações. Ao contrário, o início da crise, em conseqüência da política do governo, era visível ao longo destes últimos dois anos e foi continuamente anunciado, não somente pela esquerda inglesa, mas por todos os observadores estrangeiros mais clarividentes, como mostra o trecho citado de Lippmann. Nem havia aqui discussões sobre a causa da depressão que se aproximava visivelmente. Em face da mudança da posição da Grã-Bretanha no mundo, do declínio a longo termo do imperialismo, a causa imediata e decisiva, como novamente mostra o exemplo de Lippmann, estava no conflito inconciliável entre as necessidades urgentes da reconstrução interina e os pesados encargos da política externa do governo com os seus vastos compromissos de ultra-mar. Sem esses compromissos, o déficit atual da balança de pagamentos teria sido menor em valor real do que antes da guerra (100 milhões de libras em 1946 contra 70 milhões em 1938).
A crise latente neste conflito foi oculta durante dois anos de alegre irresponsabilidade graças ao empréstimo americano, que não foi gasto na reconstrução, mas desperdiçado nos objetivos de política externa do bloco anglo-americano. Logo que termine o empréstimo, a crise está declarada. Não se pode mais se evitar. Uma coisa ou outra deve ser sacrificada. Ou se muda a política externa, dedicando todos os recursos à reconstrução interna planificada, em ligação com uma política planificada de cooperação econômica internacional este é o programa proposto pela esquerda — ou se sacrifica a reconstrução interna às exigências da atual política externa, com encargos muito mais pesados sobre o povo e crescente dependência do imperialismo americano. Esta última é a orientação do programa Cripps—Federação das Indústrias, que só pode aprofundar a crise a acabar reduzindo a Grã-Bretanha a uma colônia sob a dominação do dólar. É significativo que nesse programa, enquanto 200 milhões ainda são orçados para os gastos do governo no ultramar, este ano, (mais de metade do aumento das exportações solicitado), essa mesma quantia tenha sido cortada das verbas destinadas à reconstrução interna. Se a Inglaterra, com este tratamento, chegar ao extremo da catástrofe, o único veredicto poderá ser "suicídio com alienação das faculdades mentais".
Por que, diante dessa situação econômica crítica e cada vez pior, como era evidente para todos, chegando mesmo a condições desesperadas em julho, por que decidiram o gabinete e seus conselheiros de assuntos financeiros, a 15 de julho, levar avante a conversibilidade da libra com O dólar? O resultado é conhecido, e correspondeu às advertências que não faltaram de todos os lados. Em poucas semanas foi-se um quarto do empréstimo, terminando com o esgotamento deste e o colapso de 21 de agosto. À hemorragia causada pela política dos dois anos anteriores sucedeu-se a implacável sangria da conversabilidade para acabar com o paciente. Por que se manteve o otimismo oficial sobre a operação, a ponto de no dia 7 de agosto o Sr. Dalton, em seu discurso, ainda declarar que o escoamento era provisório e que a situação melhoraria em agosto? Depois do fato consumado, os peritos do Tesouro admitiram que tinham cometido um erro. Mas, por que foi tomada a decisão original, que uma destacada autoridade financeira qualificou como "o maior erro da história financeira da Grã-Bretanha"?
Foi pressão americana? Foram os rígidos termos do acordo sobre o empréstimo? Mas já havia sido declarado na imprensa americana, sem que fosse negado aqui, que o governo de Washington, no momento crítico final, fizera através de William Clayton urgentes e repetidas representações contra a projetada conversibilidade, e que Hugh Dalton e o Tesouro haviam decidido a sua ação precipitada em obediência ao conselho americano. Aqui chegamos ao ponto central da questão, que revela o dilema das relações anglo-americanas. Enquanto a piora geral da situação britânica nos últimos dois meses reflete a pressão da política americana sobre a economia inglesa, o erro final da conversibilidade reflete o outro lado do quadro, o aprofundamento do antagonismo econômico anglo-americano, que é o lado inverso da colaboração diplomática. Representa uma tentativa desesperada, sem qualquer base ou justificativa na situação econômica, para colocar o esterlino em pé de igualdade com o dólar. Neste sentido, correspondeu à malfadada decisão de 1925, sob a liderança de Churchill, para restabelecer o padrão-ouro, antes que isto pudesse justificar-se pela situação econômica, do comércio e da produção na Grã-Bretanha, a fim de que "a libra pudesse olhar o dólar de frente". Naquela ocasião o colapso levou seis anos a vir. Desta vez, veio em cinco semanas.
"Não estamos mais em 1931", declarou enfaticamente um deputado laborista num recente debate parlamentar. Essa afirmação é justa, tanto cronologicamente como num sentido mais básico. Não há paralelo possível entre o caráter da presente "crise" na Grã-Bretanha e no mundo capitalista ocidental e a de 1929-32. Naqueles tempo era uma crise cíclica regular, embora extrema, do capitalismo, sobrevindo à crise geral do capitalismo — uma crise de superprodução, que começou nos Estados Unidos e espalhou-se pelo mundo. Hoje em dia, em condições de extrema inquietação e devastação do após-guerra, a Grã-Bretanha e a Europa ocidental estão padecendo de uma crise de superprodução, que é agravada pela política econômica americana, bem como pela política reacionário do governo inglês, enquanto os Estados Unidos se aproximam de uma crise econômica "normal". Mas há certos paralelos superficiais, especialmente no aspecto político da situação, que não deixam de ser significativos. Foi também um governo reformista do Labour Party que entrou com risonha inconsciência no vórtice (em 31 de abril de 1931 o "Daily Herald" ainda proclamava em altos brados: "A Grã-Bretanha caminha para a prosperidade"). Também o eixo da situação se deslocou por motivo da disparidade de desenvolvimento entre os Estados Unidos e a Europa, disparidade que agora atinge um grau elevado. Também os ministros trabalhistas esperaram ansiosamente as ordens dos banqueiros americanos, que começaram a ditar leis para o desenvolvimento interno da Grã-Bretanha e pediram dez por cento de corte das pensões dos desempregados. Mas aqui ocorre uma mudança no paralelo, que não tem similar na atual situação. Pois naquela época todo o movimento trabalhista se ergueu em revolta contra as ordens dos banqueiros americanos e forçou a mão com os vacilantes ministros; de sorte que só um punhado de membros renegados do gabinete aceitam as exigências americanas e entram em coalizão com os tories para pô-las em prática, enquanto que o Partido Trabalhista passava para a oposição. Hoje em dia é o gabinete trabalhista que obedece às ordens americanas, adiando os planos de nacionalização e impondo privações ao povo; não se trata nas atuais circunstâncias de coalizão formal, pois ela já existe na prática, com a Federação das Indústrias Britânicas e a União Nacional dos Manufatureiros.
A preponderância dos Estados Unidos no mundo capitalista é muito maior agora que nos anos da década de 1930, assim como as contradições e a instabilidade do seu sistema econômico são cada vez mais extremas. Por outro lado, a força do setor democrático, socialista e progressista do mundo é enormemente maior, e já apresenta um poderoso campo de cooperação econômica e política que é independente do imperialismo e impermeável às ameaças americanas. Daí serem muito maiores os perigos a que estão hoje expostos a Inglaterra e os países ocidentais ainda à sombra da dominação americana. Mas também a alternativa é muito mais claramente visível e mais fácil de atingir. Os Estados Unidos são hoje o centro decisivo do mundo capitalista; o que quer que ali aconteça afeta imediatamente o destino de cada país capitalista. O colapso da libra a 21 de agosto refletiu-se através do mundo. Mas o fato mais sério da presente situação é que, enquanto em 1929-31 a crise econômica nos Estados Unidos desencadeou uma série de repercussões mundiais, hoje em dia, enquanto a Grã-Bretanha e a Europa ocidental já estão nas mais estremas dificuldades, a crise econômica nos Estados Unidos está apenas começando a desenvolver-se. Todos os sinais familiares são evidentes: não somente a culminação da louca subida dos lucros e preços, acima do máximo atingido durante a guerra (os lucros das maiores corporações, no primeiro trimestre de 1946 foram a 82% acima de 1945, enquanto os preços aumentaram de 50%), mas também o abismo cada vez maior entre os lucros e os salários (estes aumentaram somente 21% do primeiro trimestre em relação a 1945), os princípios de contradição no mercado interno, a expansão temporária das exportações a quatro vezes mais que antes da guerra e em seguida o declínio das exportações a partir do princípio de maio, e a partir do primeiro trimestre o declínio do volume da produção. A plena significação dessa perspectiva para o desenvolvimento da crise mundial ainda não foi devidamente apreciada na Grã-Bretanha. De outra maneira haveria menos falatório fácil sobre a idéia de expandir as exportações britânicas em 60% até o fim do próximo ano, ou de considerar o colosso de Wall Street como o "salvador" da estabilidade na Europa.
Se toda a infeliz experiência das negociações do Plano Marshall e da Conferência de Paris mostrou claramente uma coisa, foi a desesperada contradição da atual política americana na Europa. Por um lado, os Estados Unidos desejam evitar as importações, e o fizeram com tal sucesso que o excedente das exportações chegou a 13 milhões de dólares num ano. Por um lado, os Estados Unidos desejam quebrar todas as tarifas de outros países, em nome da liberdade de comércio; por outro lado, insiste em manter suas próprias tarifas num nível altíssimo. Mas o conseqüente excesso das exportações resulta inevitavelmente em escassez mundial de dólares, completa barreira sobre as importações de dólares e a conseqüente perspectiva de restringir as exportações, que o presidente Truman designou como o principal fator da depressão. Daí os Estados Unidos, após fechar precipitadamente a UNRRA e insistir numa política de empréstimos somente em termos comerciais, serem obrigados a recuar para uma caricatura da política rooseveltiana de créditos em larga escala, mas sob auspícios anti-rooseveltianos. Assim, por uma parte os Estados Unidos são obrigados por seus próprios interesses a propor créditos em larga escala à Europa, e, por outra, não querem que esses créditos auxiliem a reconstrução progressiva, nos moldes da economia planificada, ou revigorem as forças democráticas da esquerda na Europa. Os créditos, segundo a Doutrina Truman, devem ajudar apenas os países reacionários.
Mas daí surge outra contradição. Pois por um lado os Estados Unidos, especialmente o Tesouro, querem que qualquer crédito represente um bom investimento do ponto de vista financeiro; por outro lado, os únicos países com uma economia em desenvolvimento estável são os países democráticos, socialistas e progressistas, que estão construindo com êxito a sua economia numa base planificada, e portanto excluídas de receber créditos, enquanto que os países reacionários aos quais são facilitados dadivosamente os créditos americanos, como a Turquia, a Grécia e a China de Chiang Kai Shek, representam poços sem fundo de corrupção, nos quais desaparecem bilhões de dólares sem deixar vestígios. De todo esse emaranhado de contradições, da confusão de apetites e temores contraditórios que constitui a fisionomia atual dos governantes da América do Norte, emergem os contornos confusos e mutáveis do mítico Plano Marshall como tentativa de impor uma "economia integrada" à Europa ocidental, com o fim de impedir qualquer planificação nacional e assegurar o controle americano sobre a reconstrução. Mas em face desse tecido de contradições, não é de surpreender que até mesmo os dóceis dezesseis governos reunidos em Paris para se candidatarem ao presente do tio rico, tenham sido levados à exasperação pelas intermináveis incertezas, protelações, ambigüidades, mudanças de plano e correções que lhe foram impostas pelo seu patrão em perspectiva.
Entretanto, há atrás do inexistente Plano Marshall um plano que se delineia claramente. Depois de semanas de trabalho dos infelizes dezesseis, a sua obra foi devidamente expurgada e criticada pela mão do amo, emergindo por trás da cena, e anuncia-se agora que o Plano Clayton está pronto a ser enviado às corredeiras das instituições legislativas americanas. O fingimento da invisibilidade e da não-intervenção americana caiu por terra. O que há é um plano americano para a Europa ocidental, a ser controlado por um organismo diretor supra-nacional, em mãos americanas. O plano revela os traços familiares da "Nova Europa" de Hitler, desta vez sob controle americano. A "economia integrada" deve ser construída em torno do Ruhr e da Europa Ocidental como o "cavalo de, força da Europa" — isto é, em torno da área semi-colonial sob controle monopolista americano, ao qual devem ficar subordinadas as economias de outros países de regimes democráticos e capazes de um perigoso desenvolvimento independente. Os representantes franceses que tiveram permissão de assistir à Conferência Anglo-Americana do Ruhr e de ser informados de suas decisões, à maneira da Checoslováquia em Munique, ficaram estarrecidos ao saber que não a indústria do aço francês, mas a indústria do aço alemã é que devia ser desenvolvida. Dá-se prioridade à reconstrução da indústria pesada no Ruhr e na Alemanha ocidental. Quanto aos outros países, "em obediência à solicitação dos Estados Unidos, todos os pedidos de maquina' ria e outros artigos essenciais foram excluídos do "Plano Marshall" (New Statestman and Nation, 6 de setembro). Em suma, o plano não se destina a ajudar o desenvolvimento industrial e a reconstrução dos países europeus. É um plano para restringir o desenvolvimento industrial e subordinar a estrutura econômica dos países europeus, como numa economia colonial, às exigências da dominação americana.
E a Inglaterra? Onde fica a Inglaterra na grande "nova ordem" americana de uma economia colonial para a Europa ocidental? Infelizmente, não fica muito alto. A Alemanha tem prioridade na Europa, tal como o Japão na Ásia; e, em ambos os continentes, os interesses britânicos são sistematicamente postos de lado. A indústria e as exportações industriais alemãs devem desenvolver-se rapidamente com a ajuda americana — uma interessante perspectiva para as esperanças de Cripps no sentido de expandir rapidamente a indústria e as exportações industriais britânicas. A indústria leve alemã deve ser erguida a um nível que representa 130% de 1936. A indústria têxtil japonesa deverá ser rapidamente desenvolvida sob controle americano para dominar os mercados asiáticos — outra perspectiva interessante para as esperanças de Cripps no sentido de expandir rapidamente as exportações têxteis da Inglaterra. E a Conferência de Canberra acaba de assinalar a capitulação australiana e inglesa diante do regime de MacArthur no Japão. A indústria pesada britânica não deve ser incentivada; o investimento de capital deve ser drasticamente cortado; acima de tudo, a indústria do aço não deve ser nacionalizada, deve ser mantida nas garras apertadas do monopólio restritivo. Aqui o provável candidato republicano à Casa Branca, Stassen, disse a mesma coisa e exprimiu alto e em bom som as ordens americanas. O governo inglês inclinou-se, seguido pelo Conselho Geral das Trade Unions (mas dois milhões e um terço de trabalhadores não cederam).
Qual deve ser, então, a linha de desenvolvimento da economia britânica? Harriman, secretário do Comércio norte-americano, deu as ordens. A Grã-bretanha deve exportar carvão. E, evidentemente, a Federação das Indústrias Britânicas e toda a imprensa capitalista estão agora exaltando o programa segundo o qual a Inglaterra tem de exportar carvão, mesmo a expensas das necessidades da indústria doméstica, mesmo a expensas de "algum desemprego" no país. Isto, atinai de contas, seria matar dois coelhos com uma cajadada: concordar com as exigências do Plano Marshall, e, com a ajuda de um corte nos empregos, baixar o nível de vida dos trabalhadores. Carvão para exportação; agricultura (sem renovação técnica); alguma indústria têxtil e leve, e artigos de luxo; whisky (a 5 shillings a garrafa para os produtores nativos, o resto ao preço final de 50 shillings indo para o bolso dos monopolistas americanos); turismo, fornecimento de tropas para qualquer trabalho de faxina na Grécia, na Palestina ou no Oriente Médio. Sim: a América do Norte tem uma espécie de "plano" para a Inglaterra. E quanto mais se examina esse "plano", mais se verifica que ele se enquadra nos contornos familiares de uma economia familiar. Falou-se em a Inglaterra se transformar no "49.° Estado" da União Americana. Mas a opinião pública inglesa ainda não considerou a possibilidade, no caso de continuar a atual política, da Inglaterra se transformar finalmente numa dependência colonial da América — não num sentido retórico, mas como uma dura realidade econômica, embora velada em polidos sentimentos de parentesco. Ao grande capital americano não interessa reconstruir a Inglaterra como poderoso competidor industrial.
Está travada agora a nova Batalha da Inglaterra. Os festejadores nostálgicos de acontecimentos de há sete anos não levam em conta as realidades presentes. O Congresso das Trade Unions de Southport mostrou que os setores de vanguarda da classe trabalhadora estão dispostos a lutar. O voto consistente de dois a três milhões, bem como a derrota do Conselho Geral em numerosas questões importantes, inclusive o pedido de um verdadeiro plano econômico livre de compromissos imperialistas, a reivindicação de comércio com a URSS e as novas democracias, e de medidas decisivas contra o fascismo, revelaram o alto nível de luta alcançado e a crescente força da esquerda, embora ainda sem a vitória. A linha da ala direita dominante, ainda em situação de controlar as principais decisões, foi a linha de capitulação ao grande capital, no plano interno, e à dominação imperialista americana. Mas mesmo a oração teatral de Bevin teve de ser mascarada com um simulacro de luta contra a dominação do dólar, mostrando assim quais são os verdadeiros sentimentos de toda a classe operária. A encenação teatral se desmanchará ao fogo da crise, como se desmanchou a de Mac Donald e Thomas na crise de 1931. O atual programa do gabinete, de recuo na nacionalização e na reconstrução social, corte no nível de vida, proteção aos lucros elevados e capitulação aos Estados Unidos, um programa forjado de acordo com a Federação das Indústrias Britânicas e a União Nacional dos Manufatureiros, constitui um desafio a tudo aquilo que o movimento operário defende e por que o povo votou nas eleições. Só uma completa mudança de rumo, sob um governo que represente os setores progressistas unidos do movimento operário e do povo, poderá resolver a crescente crise atual, assegurando o aumento da produção, promovendo a elevação do nível de vida do povo, e conquistando a verdadeira independência da Grã-Bretanha como país democrático e progressista, em cooperação com os países democráticos e progressistas do mundo. Esta luta está em marcha, e para ela devem concorrer com seus esforços unidos todos aqueles que desejam melhores tempos para a Grã-Bretanha e estão realmente dispostos a enfrentar o futuro.
Inclusão | 05/09/2007 |