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A Crise projetou sua sombra sobre o congresso e lhe deu um caráter bem diferente do realizado no ano anterior. O Congresso de Bournemouth de 1946 havia sido um congresso de vitória, banhado pelo sol do triunfo eleitoral do ano anterior. Os ministros ali trocaram congratulações e brandiram o programa legislativo na base do qual eles tinham sido eleitos. O pedido de filiação do Partido Comunista foi rejeitado: o Partido Trabalhista dizia-se capaz de resolver sozinho todos os problemas e de marchar para o socialismo. Nenhuma sombra de nuvens toldava aquela atmosfera de lua de mel.
Durante o ano decorrido entre Bournemouth e Margate, as coisas mudaram radicalmente. A crise do carvão do último inverno abalou o país. Em lugar da reconstrução de após-guerra, viram-se numerosos sinais de agravamento da situação: baixo nível de produção, falta de mão de obra nas indústrias básicas, aumento dos preços e dificuldades de abastecimento, grande deficit na balança dos pagamentos.
À medida que cresciam as dificuldades, ouviam-se críticas cada vez mais sérias no seio do movimento trabalhista, contra a tibieza do governo ante o capital financeiro e, especialmente, contra a política externa de Bevin. Essas críticas se expressavam por meio de numerosos votos de oposição no congresso das trade-unions,nas conferências sindicais e cooperativas; no grupo parlamentar trabalhista o número dos oposicionistas e dos que se abstinham de votar alcançava, as vezes, em alguns debates, uma centena de deputados, cerca de um terço do total do grupo.
Também a situação, por ocasião do Congresso de Margate, era muito diferente daquela de Bournemouth. A posição do governo eia defensiva. Os discursos ministeriais estavam cheios de sombrios prognósticos sobre a situação econômica, falavam da necessidade de deixar para mais tarde as reivindicações e faziam apelos à unidade e pela manutenção da confiança.
''Não façam balançar o navio" — dizia Morrison.
Entretanto, o Congresso de Margate não chegou a nenhum resultado importante, não impulsionou as transformações políticas que a situação tornou imperativas. Os dirigentes não propuseram nem os lineamentos gerais de um plano construtivo para superar a crise. A massa, de delegados, mais ou menos desajustada e inquieta, não concebeu claramente nenhuma política nova. A oposição, que nas conferências sindicais e cooperativas anteriores havia se manifestado, não encontrou senão um tímido reflexo no seio de delegações muito menos representativas. Enfim, o líderes da ala direita continuam a dominar o partido.
A "estimativa econômica para 1947" e o Livro Branco sobre a renda nacional, publicados no fim deste ano pelo governo, revelaram a gravidade da situação econômica da Grã Bretanha.
A Inglaterra saiu da guerra multo debilitada. Isto não se deve somente às destruições e às perdas causadas pelas hostilidades. Já antes, Londres havia perdido a direção econômica do mundo e os efeitos do parasitismo imperialista tinham-se agravado no período entre as duas guerras. As indústrias de base e a agricultura declinavam.
A Grã Bretanha dependia cada vez mais dos rendimentos provenientes dos grandes investimentos feitos no além-mar, durante os anos de supremacia industrial. Antes de 1939, a metade das importações britânicas não era compensada pelas exportações de mercadorias. Mas a guerra trouxe a perda da metade dos mercados estrangeiros assim como um enfraquecimento geral das posições imperiais. A Grã-Bretanha não podia tornar-se solvável senão à custa de uma reorganização fundamental da indústria e da agricultura, a fim de recuperar os anos em que houve avanços técnicos. Os eleitores que em 1945 afastaram os conservadores do governo pronunciaram-se por uma reorganização deste gênero.
O governo trabalhista levado ao poder, ainda que tomando certas medidas de nacionalização das minas de carvão, da eletricidade e das transportes, aspira ao mesmo tempo continuar a política externa imperialista dos reacionários, a qual fazia pesar encargos esmagadores sobre a economia enfraquecida e a mão de obra disponível e impedia a reorganização. Daí o caráter extremamente agudo do problema econômico, que não foi aliviado senão em parte pelo empréstimo americano.
Em 1946 o deficit da balança de pagamentos subia a 400 milhões de libras. Trezentos desses milhões eram provenientes de despesas governamentais de além-mar, dos quais 225 milhões de despesos militares. No fim de 1945 permaneciam ainda nas forças armadas 1.427.000 homens, três vezes mais que em 1939. Se acrescentarmos a esse número 500.000 trabalhadores das fábricas de armamentos, obteremos 2.000.000 de operários, um décimo das disponibilidades nacionais, retirados da produção justamente no momento em que o governo reitera que a questão mais urgente é a da mão de obra.
De outro lado, apesar de seu palavrório sobre a planificação, o governo nunca teve, na verdade, um plano de conjunto para a reconstrução com os objetivos fixados (salvo para o carvão, depois que a crise a isso o obrigou). Há uma grave desproporção entre os recursos e a mão de obra consagrados às indústrias de luxo ou secundárias e àquelas dos ramos essenciais da produção. Nesta base, os grandes capitalistas obtiveram lucros mais elevados que mesmo durante u guerra. Um exemplo: as Indústrias Químicas Imperiais, o maior truste britânico, viram seus lucros passarem de 4 milhões e meio de libras, em 1944 — e 5 milhões em 1945 — a 7 milhões e meio em 1946. Contrastando com os gastos extravagantes das aventuras bevinistas no exterior, as despesas de equipamento, cuja necessidade é urgente, são mais que mesquinhas.
O empréstimo americano dissimulou parcialmente esta grave situação. Porém, ele foi utilizado quase inteiramente na aquisição de materiais de consumo; apenas 5% dos dólares na compra de máquinas. A metade do empréstimo seria consumida em um ano, no fim do mês de junho e, nesse ritmo, não restará mais nada em 1948, quando se pensava estender seus benefícios por um período de cinco anos. Que aconteceria então? Fala-se de um segundo empréstimo, apesar dos desmentidos oficiais, mas em que condições? As do primeiro, sob o disfarce de não-discriminação, já haviam colocado a Grã-Bretanha numa posição comercial inferior.
Tal era a situação crítica que dava lugar aos mais animados debates em Margate. A oposição exigia, englobadamente:
Arthur Horner, secretário da Federação dos Mineiros, na véspera do congresso, expôs um programa geral de restauração. Entretanto, no próprio congresso, nenhuma corrente organizada estava em condições de apresentar um sistema coordenado de propostas. Todavia, certas moções expressavam algumas reivindicações populares.
Uma resolução em favor da redução das forças armadas obteve 1.109.000 votos contra 2.357.000. Uma outra, sustentada pelos mineiros, por uma política de salários diferenciados suscetível de encorajar a produção, foi aceita pelo Comité Executivo e adotada por unanimidade. Uma terceira, defendendo a aplicação imediata do princípio: para trabalho igual, salário igual para os homens e mulheres empregados nos serviços públicos do Estado e dos municípios, foi aprovada, apesar da oposição do Comité Executivo, por uma grande maioria.
De um modo geral, excetuando sua concordância com a resolução dos mineiros, os representantes do governo combateram toda revisão de sua política econômica. Eles se opuseram à proposta de um plano econômico de conjunto, dizendo que isto seria fazer "planificação totalitária", enquanto que eles eram pela "planificação democrática". Frases deste gênero dissimulavam sua submissão aos interesses dos grandes monopólios.
Os porta-vozes do ministério, Morrison e Dalton principalmente, insistiram sobre a necessidade de sacrifícios por parte dos operários. Apesar do enorme aumento dos lucros capitalistas, declararam que nada poderia ser obtido "pressionando os ricos". Eles se mantiveram de sobreaviso contra toda proposta que pedia aumento de salário antes que tivesse sido aumentada a produção.
Nessas condições, não é de surpreender que a grande imprensa burguesa se tenha mostrado encantada com seus discursos. Assim, o Times sublinhou o contraste entre as apreciações conservadoras dos ministros e as promessas eleitorais do Partido Trabalhista; pedia, apenas, que essas incisivas declarações fossem acompanhadas das medidas correspondentes. A crise deveria, pois, ser resolvida à custa dos trabalhadores. A capitulação ante a política interna dos conservadores é o complemento inevitável da concordância com a política externa aos tories.
A política externa da Inglaterra é o centro de todos os problemas britânicos da hora presente. É o que determinava a base dos debates no congresso sobre todos os pontos; contudo, não foi encarada senão de uma maneira falsa e pouco satisfatória.
Durante dois anos a política externa do governo trabalhista dirigida por Bevin foi, na prática, a política externa de Churchill e de seu discurso de Fulton. A cooperação entre os Três Grandes foi substituída pelo bloco anglo-americano contra a União Soviética; o tratado anglo-soviético tem sido ignorado; as decisões de Potsdam repudiadas e prossegue na Alemanha uma política separatista; em toda parte, sustentam-se os elementos reacionários, como na Espanha e na Grécia; dinheiro, armas e homens são consumidos inutilmente em tentativas de manter e aumentar o poderio imperial britânico, particularmente no Oriente Médio; logo após à Conferência de Moscou, foi concluída a fusão das zonas de ocupação inglesa e americana.
Esta política é contrária não só aos interesses da democracia como, também, aos interesses nacionais da Inglaterra. Devido à posição extremamente vulnerável da Grã-Bretanha, a sabotagem à colaboração entre os Três Grandes é mais prejudicial a esta última.
A falência de uma tal política é, cada dia, mais evidente. A má administração da zona britânica na Alemanha já custou aos contribuintes ingleses 80 milhões de libras e tende a submeter-se ao controle' incontestável que os trustes americanos exercem em toda a Alemanha Ocidental. Na Grécia, 86 milhões de libras de despesas, ao fim de 1946, e mais um acréscimo de 25 milhões este ano, não chegaram o consolidar o regime monarquista-quisling e, no' fim de contas, a Inglaterra deixa a Grécia entregue à América do Norte. Na Palestina,. 82 milhões de libras de despesas e 40.000 soldados de ocupação conduziram a um fiasco total. As negociações anglo-egípcias, anunciadas ao som de trombetas, malograram. No Oriente Médio, o acordo petrolífero e a aceitação da doutrina de Truman — incluindo a "proteção" da Grécia e da Turquia, significam o estabelecimento do domínio americano. Os Estados Unidos eliminaram ainda os interesses britânicos na China e no Japão.
Esta situação de bancarrota obriga, eventualmente, a uma nova orientação política, cujos primeiros sinais apareceram muito recente* mente sob a forma de tratados de comércio anglo-polonês e anglo-húngaro, assim como de uma* tendência mais positiva a entreter negociações comerciais com a União Soviética. Até agora, entretanto, isto não passa de ligeiros indícios de mudança, como demonstrou muito bem a famosa brochura Cartas sobre a mesa lançada pela direção do Partido Trabalhista nas vésperas do congresso, como sendo a "interpretação da política externa trabalhista".
Esta brochura foi publicada com o objetivo de contradizer os que se opunham à desastrosa política de Bevin, que já havia sido condenada por dois milhões e meio de votos -no congresso sindical do último outono. Oitenta e seis deputados, trabalhistas, no fim de 1946, assinaram uma emenda à Mensagem Real que desaprovava igualmente esta política. Na conferência das cooperativas, por ocasião da Páscoa, 3 milhões e 750 mil membros aprovaram uma resolução anti-bevinista. Esta situação alarmou os chefes do Partido Trabalhista, que julgaram necessário passar à ofensiva contra os oposicionistas, editando uma brochura de tipo anticomunista e antissoviético violento, muito familiar a eles.
A polêmica de Cartas sobre a mesa contra a URSS é de tal modo agressiva que o Daily Telegraph, — o principal órgão conservador, — saudou-o prazeirosamente e publicou sob uma enorme manchete "Ataque socialista contra a URSS": Como os autores socialistas teriam estigmatizado o partido conservador se este tivesse dito a metade dessas coisas tão acerbas contra a União Soviética! O livro, aprovava plenamente a doutrina de Truman: — se a política americana, dizia, quer que a América forneça o dinheiro enquanto que nós forneçamos os homens, então é isso que nos serve. Em Margate surgiu uma viva controvérsia a respeito de Cartas sobre a mesa. Zilliacus, líder dos oposicionistas da ala esquerda, julgou o panfleto nos seguintes termos: Sua política é cripto-churchiliana; levantando as cartas vê-se que elas trazem as estrelas e as faixas da bandeira americana.
Todas as discussões no congresso se processaram no mesmo tom reacionário e antissoviético por parte da direção trabalhista. Desde o primeiro dia, o Comitê Executivo impediu aos membros do Partido Trabalhista de aderir à associação “Grã-Bretanha-URSS", presidida por um bispo. O debate sobre a política externa foi organizado com premeditação visando confundir os problemas. Nove moções inteiramente secundárias foram apresentadas numa longa série de discursos, o que impossibilitava uma visão clara dos delineamentos de uma política externa diferente; depois, uma hora e meia foram reservadas ao discurso de Bevin, pródigo de fórmulas demagógicos e chauvinistas para mascarar o significado do debate e conseguir aplausos. Finalmente, ali não houve aprovação por mandatos, apenas algumas mãos se levantaram contra a aprovação da política oficial.
O resultado do Congresso de Margate confundiu as forças progressistas de todo o mundo. Por algum tempo a política de Bevin foi confirmada e reforçada, internamente, sua posição; o que serviu apenas para encorajar a reação nos outros países. A campanha de Wallace tornou-se mais difícil. A aprovação das Cartas sobre a mesa não concorrerá absolutamente para melhorar as perspectivas de reforçamento da aliança anglo-soviética. Eis porque a imprensa dos tories e dos monopolistas americanos proclamou o seu contentamento.
Deve-se concluir que a crescente oposição à política de Bevin foi aniquilada e desapareceu? Não é este o caso. A oposição continuará a crescer.
As razões da vitória da ala direita em Margate parece-nos que são as seguintes: Primeiramente, devido à gravidade da situação, os delegados tinham a preocupação de evitar qualquer divisão e de constituir um bloco para defender o governo contra a ofensiva dos reacionários. Os sentimentos reais dos congressistas se exprimiam de maneira mais clara nas questões «secundárias do que nas votações principais (por exemplo: os formidáveis aplausos verificados quando um orador falou da vergonha que constitui o apoio ao governo de Franco).
Em segundo lugar, as premissas de uma evolução na política externa, tais como os acordos comerciais concluídos com a Polônia e a Hungria, o tom moderado de Bevin em relação aos assuntos poloneses, as notícias otimistas de um vasto acordo comercial anglo-soviético, tudo isso divulgado nas vésperas do congresso pôde fazer crer que uma nova orientação política já era coisa estabelecida.
Finalmente, as fraquezas, a falta de coesão e de clareza entre os elementos da esquerda trabalhista contribuíram igualmente para os resultados acima expostos. Por sua composição o Congresso do Partido Trabalhista é menos representativo que os congressos sindicais ou cooperativos, não só porque os aderentes são menos numerosos (Partido Trabalhista — 3.400.000; congresso dos sindicatos — 6.500.000; cooperativas 9 milhões), mas também porque uma discriminação política favorece a direita. Nos sindicatos, os comunistas se colocam em pé de igualdade com os demais membros, podem desempenhar um importante papel nas discussões, defender uma política construtiva bem definida e influir nos resultados dos congressos. Contrariamente, os sindicatos que fornecem — pelo sistema de filiação coletiva — dois têrços dos aderentes e os principais recursos financeiros do Partido Trabalhista, não têm autorização de enviar delegados comunistas ao congresso trabalhista. O congresso modifica, então, a fisionomia da classe operária.
A esquerda ali é representada principalmente por- certas individualidades, membros do Parlamento pertencentes a diversas escolas de pensamento, frequentemente divididos em profundas discordâncias, sem ligação orgânica com o movimento sindical que é a base do Partido Trabalhista. Em consequência, eles ficam numa situação difícil em face das ameaças de aplicação das normas disciplinares do partido Especialmente logo que surge uma tendência oposicionista os lidei es direitistas acusam-na de "criptocomunista", o que muitas vezes acaba intimidando certos elementos.
Numa entrevista coletiva à imprensa, que teve lugar em Margate, um dia antes da abertura do congresso, Harry Pollitt e Arthur Horner desenvolveram um programa de salvação nacional em nome do Partido Comunista Britânico. Eis aqui os pontos principais deste programa:
Em suma, o Congresso de Margate não resolveu nenhum dos graves problemas pendentes ante o movimento e o governo trabalhista. Contudo, o aprofundamento, da crise revelará amanhã a ineficácia da política aprovada em Margate; obrigará a busca de novas soluções, que não podem ser encontradas senão no quadro das propostas apresentadas pelo Partido Comunista Britânico.
A Metafísica e o Método Dialético
Inclusão | 05/09/2015 |