A luta pela unidade da classe operaria contra o fascismo

Georgi Dimitrov


Apresentação


capa

O texto que apresentamos ao leitor brasileiro é o célebre Informe de Dimitrov feito em 2.8.35 no VII Congresso Mundial da Internacional Comunista (Comintern).

Este Informe, que viria desempenhar um papel dos mais importantes na história do movimento comunista mundial, reflete muito mais que seu valor intrínseco, pois na verdade é produto de uma situação das mais delicadas da história da humanidade e por isto é muito mais que uma simples intervenção de um dirigente comunista, mesmo em se tratando do Secretário da IC.

O leitor brasileiro, principalmente os mais jovens, tem sido obsequiado com um longo jejum forçado quanto à leitura de textos importantíssimos que dizem respeito à história do movimento comunista e/ou socialista, sendo impedido deste modo de conhecer as vicissitudes e glórias que marcaram o desenvolvimento da luta pelo socialismo em escala mundial, o que provoca, sem dúvida, um sério prejuízo para uma criteriosa e honesta aferição das decisões e posicionamentos que ao correr da história foram tomados em nome desta luta.

De fato, excetuando-se uma época heróica da luta socialista em nosso país, por incrível que pareça, no decorrer do período Vargas, muito pouco se editou em termos de textos e documentos históricos do movimento socialista. É verdade que após 64, com a derrubada do castelo populista, onde o pensamento socialista seja de que matiz fosse, estava sempre a reboque, o movimento editorial brasileiro marchou no sentido de publicar obras importantes do pensamento socialista, mas mesmo assim o descuido com documentos de tal ordem foi ainda acentuado e imperdoável. A censura tupiniquim se deve em parte esta lacuna, mas não foi a principal causa. Existe uma resistência inexplicável no seio do pensamento de esquerda brasileiro em «perder tempo» com ensaios, estudos e publicações de tal tipo. Antes de se conhecer textos como este é mais cômodo e atual» «ler» textos «modernos».

O resultado disto é que discute-se muito em torno de textos «modernos» e desconhece-se a concreticidade histórica que os textos mais «antigos» transmitem e refletem.

Não se trata de tomar dos clássicos as lições e ensinamentos que possam transmitir e aplicá-los mecanicamente às nossas ações cotidianas de luta. Ao contrário, a experiência que os clássicos podem nos transmitir são exatamente aquelas que permitem redefinir estas ações, teórica e praticamente, a cada momento histórico concreto. Neste sentido é que a publicação do texto de Dimitrov é altamente importante.

Até 1934 Stalin ainda mantinha uma atitude reticente quanto ao avanço do fascismo.

Fiel à sua política de construção do socialismo em um só país, ele procurava minimizar este avanço, pois o importante era preservar a segurança interna da União Soviética.

A seu favor pode ser argumentado que sofrendo hostilidades de todo o mundo capitalista, principalmente da França e da Inglaterra, desejava manter a URSS «neutra», indiferente às divergências entre as potências capitalistas. Mas, mesmo assim, é de se estranhar que no seio do partido bolchevique não se manifestasse uma correta avaliação da situação. Do seu exílio somente Trotski esbravejava contra esta posição.

Em 1934 Stalin rompeu seu silêncio. Durante o XVII Congresso do PCUS ele fez referência ao avanço fascista, mas mesmo aqui ainda considerava o fascismo como algo passageiro, «uma fraqueza do capitalismo». Contudo, deu alguns passos à frente: passou à defesa do sistema de Versalhes, aderiu à Liga das Nações. Em 1935 tentou criar com os adversários ocidentais de Hitler um pacto de defesa: recebeu Eden, Laval e até Benes.

Dando uma guinada ainda mais forte, destitui o secretário da IC, Manuilski e indica para o cargo a G. Dimitrov, o herói da luta antifascista, arrancado das prisões nazistas com o julgamento de Leipzig. A primeira intervenção do novo secretário é o informe que apresentamos.

Até então, refletindo a política de Stalin, a Internacional Comunista defendia posições que consideravam o fascismo e a social-democracia como «almas gêmeas». De repente, surge a virada: pregam-se as frentes populares e a social-democracia é considerada aliada natural na luta contra o perigo fascista. Até mesmo setores liberais da burguesia são considerados então como aliados.

Esta mudança brusca da política da IC causa uma série de dificuldades: em primeiro lugar, a aliança com os comunistas era sempre vista com desconfiança pelos «aliados». De um lado a social-democracia estigmatizada com os ataques comunistas resistia muito a aceitar a repentina mudança; do outro, a burguesia liberal tinha pavor em se aliar aos comunistas, pois temia que na luta antifascista, fortificados, eles passassem à luta anticapitalista.

Todavia, mesmo assim, a política de frentes populares avançou. Na Espanha e na França obtém um grande sucesso eleitoral e em outros países se fortalecia como movimento de massas. Stalin tenta frear este ímpeto. Na Espanha a situação chega ao paradoxo: o fascismo intervém diretamente, os republicanos buscam ajuda e Stalin se vê impedido de dá-la em nome da sua política de não intervenção. A saída é a criação de brigadas internacionais, onde a participação individual de comunistas lutando ao lado dos republicanos é uma demonstração do Internacionalismo proletário.

Neste ponto a ambígua política de Stalin começa a rachar. De um lado, diante da contínua resistência da França e Inglaterra em firmar uma aliança, ele pouco a pouco se aproxima de Hitler, chegando até ao pacto de 39. Do outro, a prática de ação política de massa desenvolvida pelos comunistas em toda a Europa em aliança com os demais setores antifascistas, empurra o movimento cada vez mais para a oposição antifascista e, como tal, anti-Stalin.

Seria desta prática, que sairiam os movimentos de resistência que, consumada a invasão nazista, iriam desempenhar formidável papel na luta contra o fascismo e nos quais os comunistas jogaram importante papel, emergindo depois, após a vitória aliada, como movimento de massa forte e com largo apoio popular em seus países.

Outro ponto que devemos destacar quanto à política de frentes populares antifascistas é aquele que diretamente se relaciona com nossa história.

Não bastasse o fato de que o Brasil é nominalmente citado ao lado da Índia e da China, no item Frente Única Anti-imperialista, onde se fez uma leve menção à Aliança Nacional Libertadora, devemos lembrar que nesta época Prestes vivia na União Soviética e havia aderido ao Partido.

Seria a partir daí que o Secretariado Sul-Americano da IC, localizado em Montevidéu, tomaria as medidas para influir em todos os PCs sul-americanos para aderirem à política de frente populares e adotarem a luta anti-imperialista, que de resto não era assim tão inovadora neste caso, pois, desde 1926, este mesmo órgão já havia preconizado este tipo de luta para a América Latina, sobretudo tomando como modelo a experiência da China (ver Caio Prado in «Revolução Brasileira»).

Daí, Prestes, o herói da Coluna, o formidável tático e estrategista militar, retornar ao Brasil e lançar-se na luta «legal» da ANL.

Contudo, mesmo considerando estas diretrizes, mesmo considerando o relativo êxito que a Aliança estava conseguindo, o que teria levado então à tentativa desesperada do golpe militar e da luta armada consubstanciada no movimento de 35, a famosa «Intentona Comunista»?

Em recente artigo jornalístico Paulo Sérgio Pinheiro sugere que dentro da IC os «duros», representado pela corrente Manuilski, que continuava no seu Secretariado, não descartavam a hipótese da luta armada e que esta era uma segunda opção, a ser usada onde as condições se mostrassem favoráveis. Mais recentemente, Prestes, na sua primeira entrevista publicada na imprensa brasileira após-64 dá outra explicação: a «intentona» teria sido uma precipitação, mas foi um movimento antifascista, pois o avanço Integralista, com cobertura de Vargas, era uma ameaça. Contando com mais facilidade de penetração nas forças armadas que na classe operária, julgaram então que este seria o melhor meio de impedir o avanço do fascismo. Aqui caberiam algumas indagações: teria sido a formação militar de Prestes fator importante para que, naquela época, acreditasse mais no golpe armado que na ação de massas preconizada pela Aliança, via política de frentes populares, à qual ele, mesmo participando, desprezava? Em que medida dentro do próprio PCB, outros elementos dirigentes estariam comprometidos com a «linha Manuilski» sugerida por Paulo Sérgio Pinheiro? Tudo isto é ainda multo confuso e só será explicado claramente quando pudermos ter a história do movimento comunista brasileiro e particularmente a história da «Intentona».

Os editores


Inclusão: 21/10/2020