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Primeira Edição: Revista de Ciências Humanas, Vol. 9, Nº 13, 1993.
Fonte: TraduAgindo
Tradução: Andrey Santiago
HTML: Fernando Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
Este artigo trata de uma temática oportuna e pouco conhecida, qual seja a relação do Estado com os povos indígenas. No caso o foco é o Equador, pais com expressiva população indígena e com o qual mantemos muito poucas relações de intercâmbio acadêmico. O trabalho resgata a importância dos movimentos sociais indígenas no processo de conquista de novos direitos por parte das minorias índias. Esclarece também sobre a legislação indígena equatoriana e sobre as propostas de reconhecimento das nacionalidades índias, o que implica na redefinição do Estado como ente pluriétnico e pluricultural.
As características do atual movimento indígena do Equador mal poderiam ser entendidas sem tomar em consideração alguns antecedentes históricos que se assinalam em continuação:
As mudanças feitas no conceito de cultura nacional nos anos 60, que terminaram por deixar marcado nessa conceituação uma orientação crítica (entenda—se: crítica do sistema econômico, social e político vigente) e que deixou uma vez para a vocação popular que incluía a reivindicação, ainda que difusa, das culturas indígenas. Essas mudanças foram produzidas tanto por razões internas, de luta contra um sistema aniquilado e em crise(1), quanto por razões externas, que de alguma maneira projetavam no país um clima contestador ao que acontecia mundialmente.(2)
As lutas de caráter político, especialmente as protagonizadas pelo movimento estudantil da mesma década, que terminaram por deixar registrado um novo selo democrático ao sistema educacional equatoriano em todo os níveis médio e superior.
A reforma agrária iniciada em 1964, que, apesar de suas grandes limitações, dissolveu as chamadas “formas precárias de posse de terra”, quer dizer, os últimos vestígios importantes da servidão outrora predominante no beco interandino. Além disso, e por causa do efeito “psicológico” dessa reforma, o latifúndio tradicional foi dissolvido ou enfraquecido em muitas áreas, por meio de parcelamentos, transferências de domínio etc. Dessa forma, muitas áreas da Serra foram “recampesinadas”, no sentido estrito da palavra, e, portanto, foram reindigenizadas. O espaço “indígena” estava se rearticulando, foi gradualmente recomposto. Como Galo Ramón escreve:
“O lento e pausado acesso à terra que conseguiram os indígenas serranos a partir da década de sessenta, foi feito mais por transações mercantis, cercos diários, do que pela reforma agrária, e a aquisição de títulos de terras globais alcançados pelos povos amazônicos, permitiram uma revitalização sem precedentes da organização comunitária e da própria identidade indígena.”(3)
O “boom” petroleiro da década de 70 permitiu, por sua parte, que se estabelecesse uma infinidade de programas de redistribuição rural com o fim de modernizar a agropecuária e a apaziguar alguma de suas mais evidentes contradições. Esses objetivos certamente não foram alcançados, mas o novo discurso modernizador removeu muitas concepções tradicionais, além de abrir espaços para a organização camponesa.(4)
O “boom” petroleiro permitiu, desse modo, ampliar um sistema educacional que, como já se viu, estava imbuído de conteúdos democráticos que estavam em curso na última década. Assim, um significativo numero de indígenas teve acesso a ele, graças a qual se produziu um feito de enorme importância para o movimento que aqui analisamos: a formação de quadros médios e de uma camada de intelectuais de origem realmente indígenas. Era a primeira vez que isso acontecia no país, salvo, claro, alguns casos anteriores de verdadeira exceção individual. Como reconhece a Confederação de Organizações Indígenas do Equador:
“A educação se incidiu de duas maneiras em nosso processo de organização: por um lado nos proveu de conhecimentos e de um espaço para questionar a situação socioeconômica e política do nosso país, e por outro, criou expectativas de trabalho e ascensão social que não foram satisfeitas pela sociedade, dada a pouca oferta de empregos, assim como o feito de ser discriminados: isso induziu a reflexão a questionar cada vez mais o sistema. Nas organizações, e ao analisar nossas diversas histórias, encontramos que na maioria dos casos, os indígenas que impulsionam a formação e que se constituem como nossos dirigentes são aqueles que tiveram acesso a educação. A castilianização e a alfabetização também devem afetar as características da liderança indígena”.(5)
Foi também importante o apoio teórico que o movimento indígena recebeu das ciências sociais progressistas do país (e da América Latina no geral), especialmente da chamada “nova antropologia”; assim como a bagagem política que “herdou” da tradição de esquerda, fortemente arraigada em muitos movimentos populares e partidos do Equador. Em ambos os casos — da nova antropologia e da tradição de esquerda — a relação não foi simples nem mecânica e até hoje ainda existem certos conflitos, não obstante, seria impossível entender as orientações atuais do movimento indígena se não se evidencia tais referências.
Igualmente importante foi o papel desempenhado por parte de certos setores eclesiásticos de pensamento renovado. Como recordam as próprias organizações indígenas:
“As mudanças suscitadas na Igreja Católica a partir do Conselho do Vaticano e dos Congressos de Melgar, Medellin, Iquitos, etc. Junto a Declaração de Barbados, permitiram que alguns setores da Igreja optaram pelos mais pobres e que, na América Latina, priorizarem a necessidade de apoiar a formação de organizações indígenas. Desta maneira a Igreja haveria de converter-se em meados da década de 60, em mediadora, substituindo o trabalho que os partidos de esquerda estavam fazendo através da FEI. Da mesma forma, outras instituições relacionadas à Igreja, como o CEDOC e sua subsidiária FENOC, desempenharam esse papel dentro da estrutura sindical”.(6)
Enfim, convém realçar que a acumulação do fator ético como propulsor da organização indígena se facilitou no Equador devido a relativa homogeneidade cultural da população indígena. De fato, existem no país dez nacionalidades indígenas, os grupos de expressão quíchua são amplamente majoritários: representam aproximadamente 90% da população, que por sua vez representa cerca de 40% da população equatoriana (ou seja, são cerca de 3 milhões de quíchuas dentre os 10 milhões de equatorianos).
A experiência da década de 60, em particular a luta pelo cumprimento da lei de reforma agraria expedida em 1964, permitiu que em 1972 se desse um salto muito importante, ao constituir a organização chamada ECUARUNARI (Homens do Equador), que agrupa indígenas da Serra, região onde habita a maior parte da população de língua e cultura quíchua; isto é, mais de 3 milhões de pessoas desta nacionalidade.
Em 1980, se organizou, de seu modo, a CONFENIAE (Confederação de Nacionalidades Indígenas da Amazônia Equatoriana), que representa as seis nacionalidades que vem da região oriental do país. Esse feito foi acelerado por certos processos específicos desencadeados pelo “boom” petroleiro”:
“Na região oriental, as populações indígenas Quichua e Shuar dinamizaram suas organizações de base e regionais em resposta a agressiva ocupação e exploração de seus territórios, obrigados também pelo risco de extinção e encurralamento experimentado por outras minorias éticas da Amazônia equatoriana, tais como os Cofán, Siona-Secoya e Huaorani, afetadas violentamente por atividades de exploração humana e exploração de petróleo. Obrigados a se assentar em “centros” e “comunas” como mecanismo alternativo a crescente usurpação de suas terras, esses grupos étnicos regionais começaram a passar abruptamente das formas de ocupação transumana para as modalidades sedentárias do tipo camponês, com a correspondente afetação de suas instituições tradicionais. No entanto, eles não tinham outra possibilidade senão aproveitar as formas legais promovidas pelo Estado, mas sem perder a possibilidade de reivindicar seus territórios comunais em paralelo. Para esse fim, as organizações de segundo grau começaram a aparecer”.(7)
Em 1980 se avançou a conformação de uma organização indígena de caráter nacional ao fundar-se a CONACNIE (Conselho Nacional de Corodenação das Nacionalidades Indígenas do Equador); entidade que em 1986 foi rebatizada de CONAIE (Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador), que engloba a todas as organizações regionais e locais do país, incluídas as da Costa, onde a população indígena é pouco numerosa (3500 Awas; 7000 Chacis; 1500 Tsachis; mais uma cifra não bem determinada de imigrantes que vieram da Serra e do Oriente).
Em todo esse processo existem outros dois eventos nacionais que merecem destaque pela relevância que tiveram no processo de politização das massas e organizações camponesas. O primeiro é o retorno do país à ordem civil em 1979 (após sete anos de ditadura militar) e a emissão de uma nova Constituição no mesmo ano, que pela primeira vez reconheceu o direito de votar aos analfabetos. Grandes massas de indígenas analfabetos começaram a participar, então, desse nível de política nacional, enquanto os diferentes partidos e candidatos lutavam para capturar esse importante contingente de novos eleitores.
O segundo evento que deve ser mencionado consiste na experiência autoritária vivida sob o governo do engenheiro León Febres Cordero (1984-88). Como escreveu o pesquisador Manuel Chiriboga em maio de 1987:
“É apenas recente e parcialmente pressionado por um contexto autoritário que se coloca em risco os territórios e as organizações indígenas, onde certos setores do movimento indígena veem a necessidade de mais participação ativa na política”.(8)
Em outras palavras, na medida em que o governo neodireitista de Febres Cordero ataca igualmente contra todas as organizações e contra todos os interesses populares de mestiços, negros e índios, eles percebem que, em última análise, e apesar de sua inegável especificidade, fazem parte da categoria povo. A dialética entre o local, o regional e o nacional é transformada a partir desse momento, revelando mais claramente a dimensão política do problema. Segundo o mesmo autor:
“Em poucas palavras, o autoritarismo estatal está gerando uma relação mais complexa entre organizações locais e nacionais. Se é pressionado pela autonomia local, ao mesmo tempo é advertido a necessidade de se ter uma presença nacional forte que reivindique as demandas nacionais dos setores populares”.(9)
O que propõe exatamente o movimento indígena do Equador? Para ter uma elucidação sobre essa questão podemos examinar o resumo de seu projeto escrito pelos próprios autores, que diz isto:
“O movimento indígena criou instrumentos conceituais e discutimos a coerência de nossos postulados teóricos com a prática cotidiana. Assim, adotamos o conceito de nacionalidade indígena entendida como uma comunidade de história, língua, cultura e território; lutamos para que se reconheça o caráter plurinacional, pluriétnico e plurilíngue da sociedade equatoriana; pelo reconhecimento dos territórios nativos que são tanto a base de nossa subsistência e de nossa reprodução social e cultural de diferentes nacionalidades; pelo respeito a diversidade e a identidade cultural, pelo direito a uma educação na nossa língua nativa com conteúdos de acordo com cada cultura, pelo direito ao desenvolvimento autogestionário e pelo direito a ter uma representação política que permita defender nossos direitos e aumentar a nossa voz.”(10)
A questão das nacionalidades. Como é bem sabido, o conceito de nacionalidade não é novo, nem originário da América e os próprios indígenas tem consciência disto: dizem claramente “adotamos” e não “cunhamos”. Mas, a nosso conhecimento, tal adoção não constitui uma deficiência, mas uma característica positiva do movimento equatoriano, que não é considerado isolado e único no mundo, mas inserido de forma problemática e crítica na história universal. Dentro dela, cada nacionalidade indígena participa como uma comunidade específica, dotada de uma história, idioma, cultura e território específicos. Atualmente, por exemplo, uma das características históricas comuns são os 500 anos de resistência à conquista e à colonização; isto é, a manutenção de uma certa identidade, apesar desses processos esmagadores. É essa resistência que define fundamentalmente os indígenas, dando-lhe unidade no sentido de uma diversidade cultural bastante grande que, como já visto, acaba configurando 10 nacionalidades indígenas diferentes no território do Equador. Assim, é natural que se afirme que o Estado equatoriano deixa de se apresentar como uma única comunidade nacional e é reconhecido como o que realmente é: um Estado plurinacional, pluricultural, pluriétnico, plurilíngue. O que sem dúvida representará o fim de uma comunidade ilusória, mas também o nascimento de um novo princípio de identidade: de uma identidade diversificada e muito mais rica, valiosa precisamente por causa de sua pluralidade em igualdade.
Pluralidade e unidade. Alguns se perguntaram, de modo legitimo, se essa pluralidade — sobretudo entendida como reconhecimento de plurinacionalidade — não corre o risco de atomizar o Estado equatoriano, com tanto maior perigo quanto se trata de um Estado subdesenvolvido e dependente, que não tem seu processo de consolidação “nacional” terminado. À essa inquietude, o movimento indígena responde da seguinte maneira:
“Essa proposta política de Estado Plurinacional não busca constituir “estados a parte”, como está sendo insinuado pelo temor difundido por alguns setores da sociedade. Pelo contrário, se trata de refletir a realidade desse país e desse continente, com base no respeito as diferenças nacionais e culturais e a instauração da igualdade social, política e econômica.”(11)
De fato, o que impede até agora a consolidação do Estado-Nação equatoriano é a opressão, a discriminação, o estado de subjugação que estão submetidos as nacionalidades indígenas do país; sua não participação na elaboração de um projeto nacional plural. Portanto, quanto mais se reconhece essa diversidade, entendida como a diferença entre os iguais (social, econômica e politicamente), e não como desigualdade imposta estruturalmente, quanto mais isso ocorrer, mais se facilitará a integração do país.
Na realidade, os “temores” a que alude o documento indígena são bem mais temores a pluralidade em pé a igualdade, antes que uma desintegração do Estado equatoriano.
Portanto, e para o desconforto da ala romântica do neoindígenismo(12), a linha fundamental do movimento indígena equatoriano nunca teve a intenção de “separar” de forma alguma, mas simplesmente preservar e solicitar que sua especificidade fosse reconhecida. Para começar, ele tem clara consciência de fazer parte de um conjunto maior de contradições e também pertencer ao grupo de pessoas exploradas do país:
“Ao definir o Equador como um Estado multinacional e multiétnico, não se deve esquecer que essa realidade também está imersa em outras ordens de contradições, tais como as regionais, mas fundamentalmente o que existe entre setores social e economicamente dominantes e a maioria oprimida, ou seja, o reconhecimento do direito das nacionalidades indígenas não visa unilateralizar essa dimensão, mas patentear dentro de uma realidade em que as complexidades da sociedade passam pela luta entre exploradores e explorados, no caso em que para os nativos essa exploração não ocorreu apenas na relação proprietário-trabalhador, em termos individuais, mas também em termos coletivos, como povos oprimidos.”(13)
Como corolário do exposto, o movimento indígena dá à sua luta um favor não apenas nacional, mas continental e, finalmente, universal:
“O CONAIE é uma organização indígena de povos oprimidos e explorados; e nossa luta é anticolonial, anticapitalista e anti-imperialista.”(14)
Alguns, sem dúvida, preferem um movimento indígena menos politizado e mais “folclórico”, “mágico” se possível. A orientação das maiores organizações indígenas do Equador não vai por esse caminho.
Etnia e classe. Ao referir-se ao discurso do movimento indígena equatoriano, um conhecido representante do movimento neoindiegenista romântico (etnopopulismo, como também se chama(15) lamenta que o tal discurso “se encontra atravessado por uma falta de definições coerentes” e, a volta a dizer, revelando onde reside realmente o fundo de sua preocupação:
“Em primeiro lugar, esse discurso não conseguiu se tornar refratário à ideologia marxista da esquerda nacional, impondo como imperativo que as reivindicações culturais devam passar só depois das reivindicações classistas e por uma transformação das condições socioeconômicas onde somente essas seriam possíveis de serem a entidades. Nesse sentido, uma “tendência étnica” foi discriminada dentro do movimento indígena, cuja centralidade no discurso e nas práticas seria a afirmação cultural.”(16)
É claro que é seu direito desejar que o pensamento político indígena se torne refratário à ideologia marxista e ao progresso,(17) e até pensar que o único indígena autêntico é o indígena enlatado, que é passível para exportação, para alimentar os sonhos no exterior de uma “vida natural, anterior ao pecado da civilização”. Tudo isso não autoriza, no entanto, distorcer a tese do movimento indígena equatoriano, que não diz que as reivindicações culturais devem passar pelas reivindicações classistas, mas sim buscar um equilíbrio justo entre a questão de classe e a questão étnica. Nas palavras da CONAIE:
“No processo de consolidação de nossas organizações, houve flutuações em torno de várias linhas políticas referentes à nossa situação como indígena. De maneira muito sucinta, essas linhas podem ser resumidas da seguinte forma:
A de reivindicação étnica exclusivamente. assumiu caracteres racistas na medida em que é defendida uma luta dos povos indígenas contra os mestiços e onde, a posição mais extrema coloca a expulsão do invasor e o retorno a Tahuantinsuyo.
A que suscita uma reivindicação em termos classistas, ou seja, subordina a etnia e as lutas como lutas dentro de um contexto sindical.
A que entende que a luta indígena tem uma dupla dimensão, de classe e de etnia. Esta linha é a que mantemos na CONAIE atualmente, e dentro desta perspectiva buscamos a colaboração com outros setores organizados tanto sindicais como populares para lutar pela transformação da sociedade. Mantemos a independência da organização indígena, incluindo dentro delas as reivindicações tanto de base econômica, quanto também cultural.”(18)
Educação bilingue. Outro aspecto da política seguida pelas organizações indígenas onde se adverte a busca de um nítido equilíbrio entre certas demandas específicas do movimento e certos requerimentos mais universais do mesmo, isso se dá de grande modo no plano da educação. Nesse sentido também é descartado as teses românticas que ostentavam que a única maneira de preservar a “pureza” da cultura indígena era evitando a alfabetização e a educação formal, e se descarta também as teses isolacionistas que colocavam que a alfabetização e a educação deveriam dar-se exclusivamente nos idiomas indígenas. Agora, parece unanimemente aceitado que esses processos devem acontecer de maneira bilingue, mas que devem ter condições que evitem que esses se convertam em simples instrumentos de “castellanização” e “ocidentalização”.
Como conseguir isso? Primeiro, as organizações indígenas aspiram dirigir tais processos, com seus próprios quadros de educadores em alfabetização (o que não exclui a colaboração de pessoas não indígenas). Em segundo lugar, estão dispostos a impedir que a educação se torne alienante e, para isso, propõem definir novos conteúdos e perspectivas que reflitam uma visão indígena do mundo e da história. Como afirmou Luis Montaluiza, por exemplo:
“Houve 500 anos de uma educação alienante, castelhana e aculturalizante, destinada a semear outros valores que respondem à política dos povos invasores e, atualmente, das potências imperialistas. Consideramos essencial recuperar, retomar a condução da educação dos povos indígenas do País. Por isso, um plano abrangente de educação bilíngue foi desenvolvido.”(19)
O mesmo dirigente em outro momento urge mudar a visão histórica colonizante — em que os heróis e os feitos celebrados são sempre “ocidentais” — por outra que recupere os autênticos valores, saberes e sacrifícios de nossos povos.
Outra prova da inserção da população indígena no cenário nacional, embora também de maneira específica, é sua participação nas eleições presidenciais e legislativas de 1988. Como observam os pesquisadores Manuel Chiriboga e Fredy Rivera, essa participação foi, para começar, maciça, o que permite
“desmistificar concepções que atribuam fraca participação eleitoral aos setores indígenas. Sua incidência é alta, pois está acima da média nacional de absenteísmo que oscila entre 25 e 30%.”(20)
Com relação às preferências do eleitorado indígena, os mesmos pesquisadores observam o seguinte:
“70% do eleitorado indígena optou pela centro-esquerda, 11,5% pelo populismo e 9% pela direita. Se desagregarmos o voto maior, vemos que 40% votaram em uma posição de centro e 26% na esquerda, dessa maneira de se expressar politicamente através do processo eleitoral, que concede à centro-esquerda um lugar privilegiado, seguido pela esquerda e, finalmente, populismo e centro, difere do comportamento eleitoral geral de janeiro, onde o populismo teve mais peso. No entanto, o comportamento político dos povos indígenas não está fora do contexto nacional”(21)
Na verdade, não está fora, mas o espectro da votação indígena se inclina muito mais para a esquerda do que no resto do país; não é apenas o populismo que tem menos peso, mas também a direita.
O fato de o “centro” ter obtido a maioria dos votos entre os eleitores indígenas não significa, contudo, que o governo socialdemocrata de Rodrigo Borja (principal representante desse “centro”) tenha o apoio irrestrito desse setor da população. Pelo contrário, as organizações indígenas têm sido muito claras ao se distanciar das primeiras, enfatizando que Borja não representa seus interesses ou os do povo em geral, e dizendo não ao acordo sugerido pelo governo. Nas palavras do CONAIE:
“O governo pediu concertação. Ele quer que lidemos com os pobres diante da crise, sacrificando-nos mais em benefício dos ricos. Com isso, Borja deseja que os indigenas, camponeses, trabalhadores, não protestem, não lutem e que deixem seu governo em paz e com tranquilidade. Isso não é possível para nós, porque o governo tem como autoridade os inimigos do nosso povo…”(22)
Sectarismo da CONAIE? Pensamos que não. Independentemente de o governo Borja ter ou não autoridades os inimigos que apontam para o documento com nomes e sobrenomes, acontece que na América do Sul temos até agora a experiência mais triste com os governos socialdemocratas: da Argentina ao Peru e da Venezuela ao Brasil, nada fizeram senão empobrecer as massas populares, submeter-se aos piores mecanismos de dependência e reduzir a democracia a uma questão puramente política, justificada como um “mal menor” e não como a personificação da as aspirações históricas de nossos povos.
Para concluir. Desde 25 ou 30 anos atrás, a questão indígena foi colocada como um problema de integração dos “índios” na sociedade nacional; isto é, como o de sua incorporação subordinada a um determinado mundo, que era o mundo do mestiço branco. Hoje, os indígenas têm sua própria proposta para a construção de um novo tipo de sociedade que responda a um projeto histórico igualmente novo, no qual podemos participar, em pé de igualdade, de todas as nacionalidades que compõem o Equador. Parte essencial dessa aspiração constitui o Projeto de Lei de nacionalidades indígenas, preparado pelos próprios membros dessas nacionalidades, e que o leitor encontrará reproduzido como anexo no final deste artigo.
É, obviamente, um documento legal e amplamente declarativo, que acima de tudo estabelecerá certas regras de relacionamento entre o Estado equatoriano em geral e as nacionalidades indígenas em particular. Isso é muito importante, mas constitui ainda um primeiro passo. A tarefa mais árdua e decisiva está pela frente: lutar contra cinco séculos de colonialismo externo e “interno” e contra pelo menos um século de imperialismo, que moldou não apenas as estruturas objetivas mais profundas e suas expressões jurídico-estatais, mas também a mentalidade de uma “sociedade civil” de grande modo racista e discriminatória, que graças à contribuição indígena começa a pensar seriamente na possibilidade de transformar-se em uma entidade verdadeiramente soberana, democrática e plural.
Notas de rodapé:
(1) Cf. José Steinleger: “Tiempos de incertidumbre. Política, literatura y sociedad en el Ecuador (1960-87)”, en revista Casa de Ias Américas, n.169, Julio-Agosto de 1988 La Habana, Cuba; Fernando Tinejero: De la evasión al desencanto, Ed. El Conejo, Quito, Ecuador, 1987, esp. pp.81 y ss.; Agustin Cueva: Entre la ira y la esperanza, PlanetaLetraviva, 5a ed., Quito, 1987 (la primera edición data de 1967). (retornar ao texto)
(2) Mucho se ha escrito en todo el mundo sobre la particular dinámica de los arms 60. Setslo a titulo de ejemplo indicamos: Todd Gitlin: The sixties: years of hope, days of rage, Bantam Books, New York, 1987; Hervé Hamon y Patrick Rotman: Génération. 1: Les années de rêve, Editions du Seuil, Paris, 1987; Luiz Carlos Maciel: Anos 60, L&PM Editores S/A, Porto Alegre, Brasil, 1987. (retornar ao texto)
(3) Indios, crisis y proyecto popular alternativo, Centro Andino de Acción Popular, Quito, 1988. (retornar ao texto)
(4) Este proceso de organización siguió, sin embargo, una linea sinuosa, con marcados altibajos: ascenso en 1972 y parte de 1973 declive pronunciado en 1974, nuevo ascenso en 1975. Al respecto, cf. Alicia lbarra: Los indígenas y el Estado en el Ecuador, Ediciones AbyaYala, Quito, 1987, pp.93 y ss. Sobre la política agraria del Estado ecuatoriano en general pueden consultarse además los libros Estado y agro en el Ecuador: 1960-1980, de Gustavo Cosse, Corporación Editora Nacional, Quito, 1984, y La reforma agraria ecuatoriana, de Osvaldo Barsky, Corporación Editora Nacional, Quito, 1984. (retornar ao texto)
(5) Confederación de Organizaciones indígenas del Ecuador (CONAIE): Las nacionalidades indígenas en el Ecuador. Nuestro proceso organizativo, Ediciones Tinkui-Conaie, Quito, 1989, p.312. (retornar ao texto)
(6) CONAIE, op.cit., p.312. La FEI o sea la Federación Ecuatoriana de lndios, a la que se alude, fue fundada en 1926, vinculada al Partido Comunista Ecuatoriano y a la Confederación de Trabajadores Ecuatorianos. Como sefiala Alicia lbarra (op.cit., p.88): “… esta organización fue adquiriendo cierto control sobre el proceso de movilizaci& de los campesinos de Ias haciendas de la Asistencia Social en la sierra, constituyendo su centro de acci& la zona de Cayambe. En este sentido la FEI fue visualizada como la organizaci& que acogia Ias reivindicaciones campesinas, raz& por la que Ilegc5 a tener significativa incidencia en algunas provincias del pais, fundamentalmente en el campesinado indígena que posteriormente accede a la tierra a través de ias reformas agrarias del 64 y 73…”. lbarra, op.cit., p.96. (retornar ao texto)
(7) Alicia Ibarra, op. cit p. 96. (retornar ao texto)
(8) Manuel Chiribiga: “Movimiento campesino e indígena y participaci& política en Ecuador: la construed& de identidades en una sociedad heterogénea”, en rev. Ecuador Debate, n. 13, Mayo de 1987, p.113. (retornar ao texto)
(9) M. Chiriboga, ibid., p.100. (retornar ao texto)
(10) CONAIE, op.cit., p.313. (retornar ao texto)
(11) CONAIE: 500 anos de resistencia india, Quito, abril de 1988, pp.10- 11 (retornar ao texto)
(12) Una buena muestra de esta corriente en el Ecuador constituye el libro de José Sánchez-Parga: Actores y discursos culturales. Ecuador: 1972-88, Centro Andino de Acci& Popular, Quito, 1988. (retornar ao texto)
(13) Memórias del Segundo Congreso de la CONAIE, Ediciones TINCUI-CONAIE, Quito, febrero de 1989, p.109. (retornar ao texto)
(14) Ibid., p.61. (retornar ao texto)
(15) Sobre las diferentes corrientes indigenistas que intervienen en el debate actual pueden consultarse los capítulos I y IV del citado libro de Alicia lbarra. (retornar ao texto)
(16) Sánchez-Parga, op.cit., p.116. (retornar ao texto)
(17) El señor Sánchez-Parga me acusa, por ejemplo, de tener “una yersión muy occidental y burguesa de la cultura” por haber sostenido yo, en alguno de mis trabajos, que “ias condiciones materiales de vida en la miseria absoluta no son propicias para el reflorecimiento cultural” (Op.cit., p.179). Está bien que el yea ias cosas desde la “postmodernidad” (como reza el titulo del capitulo en que me critica), pero eso no deberia impedirle ser un poquito más sensible ante ciertos problemas de la “premodernidad”. (retornar ao texto)
(18) CONAIE: Las nacionalidades indígenas en el Ecuador…, p.315 (retornar ao texto)
(19) Entrevista a Luis Montaluiza, en Chamiza, Boletin de Educación y Comunicación Popular, n. 17, Quito, octubre de 1988. (retornar ao texto)
(20) Elecciones de enero 1988 participación indígena”, en rev. Ecuador Debate, n. 17, Quito, marzo de 1989, p.194. (retornar ao texto)
(21) Ibid., p.195. (retornar ao texto)
(22) CONAIE: Memorias del Segundo Congreso…, p.32. (retornar ao texto)
Inclusão | 31/10/2019 |