Globalização

José Chasin


Primeira Edição: Fragmento retirado do texto “Ad Hominem: Rota e Prospectiva de um Projeto Marxista”, de J. Chasin. In Ensaios Ad Hominem — Revista de Filosofia, Política e Ciência da História — Tomo I Marxismo. São Paulo, Estudos e Edições Ad Hominem, 1999. O texto constitui indicativos que seriam desenvolvidos pelo autor, mas veio a falecer em 28 de dezembro de 1998, deixando assim, o seu trabalho incompleto.

Fonte: http://files.gocufg.webnode.com/200000007-f139bf2322/formas%20sociais%20do%20capital%20-%20globalização%20e%20crise.pdf

Transcrição e HTML: Fernando Araújo.


Para a Globalização:

a) Enumerar e reconhecer de forma precisa e dramática os males de transição no processo de globalização. Fazer seu registro e mostrar que as oposições não souberam até aqui assumir essa luta.

b) Fim da via colonial(1): a lógica e as possibilidades do desenvolvimento autônomo capitalista desapareceram, mesmo como simples modernização subordinada, se restrito à dinâmica no interior das fronteiras nacionais pois no perímetro destas só resta o latejamento de problemas, não mais a dinâmica das soluções. Na globalização as diferenças não desaparecem, é o que dramatiza a transição, mas não a susta. Todavia, a globalização na forma da alienação barra estruturalmente o saber humanista.

Aqui é preciso falar principiando pelas formas particulares de objetivação do capital

c) Imperialismo, real ao menos como forma ou instrumento da formação do mercado mundial. Período da acumulação e expansão capitalista em que a formação do mercado mundial tem caráter forçado e impositivo, pois realizado sob desenvolvimento ainda limitado das forças produtivas, conferindo por isso mesmo papel relevante às forças extra-econômicas. Seus diferentes momentos, as diversas e sucessivas faces da expansão do capitalismo: em sua primeira etapa foi francamente predador, uma espécie de acumulação primitiva do imperialismo. O fato de que não seja mais predador ( ao menos como foi à época de seu advento) não significa que promova a igualdade entre as nações e povos.

Em etapas posteriores, a predação muda de configuração nos degraus sucessivos da emergência, constituição do mercado mundial. A automação de seu funcionamento, tornando-se atraente para seus irmãos subalternos. Para nós é essa subalternidade que interessa determinar e compreender. O que se torna impossível quando o complexo fenomênico é negado ou dão como extinto. Entre vários aspectos do neoliberalismo está precisamente aquele que se compraz em ficar nos limites da subsunção.

O neoliberalismo e a globalização como ideologias estão mortos há mais de uma década (Reagan/Tatcher), mas a globalização é imperecível como lógica como lógica do capital.

A globalização como efeito da acumulação de capital principiou com a formação dos estados nacionais a partir das cidades-estado. Do Renascimento aos dias atuais tivemos, então, estados nacionais, colonização, imperialismos, e agora a expansão alcança a circunscrição de todo espaço planetário. Quem estiver ou ficar fora, deixa de existir, pois tenderá a regredir e degenerar.

A globalização não é uma política, nem a prática política tem força e capacidade par engendrar a globalização e as forças produtivas que, mais do que tudo, subjazem ao processo, a política não é capaz de engendrar ou de se contrapor à globalização. Por isso a política, na transição para a globalização, ou se torna seu agente inteligente ou brutal, ou se manifesta como agente perturbador de curto fôlego.

Estado é o coadjuvante da globalização, tal como o é sempre em relação aos protagonistas dominantes da sociedade civil, enquanto tal precisa “representar” também as classes subalternas, incluí-las nos processos democráticos, o que não significa nunca fazer uma política de sua perspectiva isto não compreende mecanicidade na representação efetiva dos dominantes.

Globalização é apenas o nome corrente de uma fase específica de um processo histórico fundamental, ou seja, é a designação da forma atual do desenvolvimento do capital. Donde, exorcizar o termo é uma perfeita inutilidade, pois o estágio presente resulta e dá prosseguimento às determinações da lógica inerente a esse modo de produção. Fase que se caracteriza pela extensão planetária da acumulação ou reprodução ampliada, tendo por impulsão os progressos científico-tecnológicos, que elevaram as forças produtivas a níveis sem paralelo — a chamada terceira revolução tecnológica, liderada pela informática e a bio-engenharia. Portanto, o momento de chegada do movimento globalizador do capital , que vem promovendo a articulação e a integração das economias nacionais desde as últimas décadas do século passado, sob a prevalência de modos e formas diversas em cada um de seus períodos anteriores.

O processo de instauração da economia globalizada, tal como ocorreu nas etapas precedentes, mas de maneira especialmente aguda e profunda, é um tempo gerador de enormes problemas e graves tensões. Esse é um dos aspectos mais evidentes e dolorosos do período de transição entre o momento da economia pré-globalizada e a face de sua globalização. Dores e comprometimentos que ferem de modo brutal a grande maioria dos segmentos sociais do trabalho assalariado (desemprego e aumento da pobreza, inclusive no chamado primeiro mundo) ao longo da transição que compreende a irradiação mundial, em escala diversa e combinada, das novas tecnologias se a plena configuração mundial dos mercados, ou seja, o estabelecimento do mercado mundial, para o qual, diz Marx, o capital tende desde o princípio.

O capital, sob suas frações menos desenvolvidas e dinâmicas, privado ou estatal, também é afetado e padece, mas isso com toda razão não chega propriamente, a sensibilizar ninguém a não ser seus proprietários — e estes que se danem! , mas o que importa é que seu desaparecimento não diminui a força, nem perturba o rumo e a velocidade da globalização. Caducam mesmo por força desta, que é impiedosa também com as expressões mais frágeis e menos autênticas de sua própria substância. Assim, foi nas anteriores configurações decisivas do sistema do capital, assim vem ocorrendo agora, e nada pode evitar esses efeitos, perenes alguns, outros talvez temporários, sob o império da lógica que os produz.

Todavia, tensões e comprometimentos dilacerantes, ainda que impotentes, geram reações, e estas poderiam ser elevadas a força política, na medida em que compreendessem a lógica fundamental dos acontecimentos e não a pretendessem simplesmente contrariar, mas tirar proveito das contradições políticas da marcha de sua complexa transição. Força política que seria posta a navegar no mar encrespado de correlações de força favoráveis, nas quais não poderia ser jamais hegemônica, mas bastante expressiva para deslocar um pouco o epicentro das decisões, de modo que as maiorias desfavorecidas fossem menos sacrificadas. É tudo que podem almejar, e não é pouco, uma vez reconhecida a desfavorabilidade geral do momento.

A mais característica conseqüência da globalização é a formação de blocos regionais, como forma de equacionar uma melhor integração ao processo global.

A mais característica conseqüência da globalização é a formação de blocos regionais, como forma de equacionar uma melhor integração ao processo global.

Disso resulta a “hegemonia diluída ou compartilhada” em lugar do mundo bipolar do quadro anterior ; “a redução dos espaços e da soberania dos estados nacionais, pois não é mais possível viver e pensar segundo categorias exclusiva ou predominantemente nacionais”; perigos e soluções estão igualmente globalizados — não dá para trata-los em escala puramente nacionais; imperativos sociais (?) são eliminados em proveito de critérios puramente econômicos, lastimam as oposições e até mesmo a boa-fé do capital assustado, que até ele, considera um risco assistir à globalização do desemprego e miséria, temendo a resposta de milhões como desespero. Esse é o limite da boa-fé do capital, ultrapassado o otimismo linear de anos atrás. O pior é que essa resposta, no mínimo improvável, um temor distante até mesmo para o capital de boa-fé, é tudo que tem de mais aparentemente radical a esquerda sem rumo, que também se assusta com ela.

A “crise estrutural” (não será isso uma redundância? ) do capital desembocou na globalização e por elevação ao novo patamar de produção pelas tecnologias de ponta. Ou melhor, dada a escala atingida no período pré-globalização, os limites ficaram estreitos e tudo parecia ter entrado em crise, quadro do qual saiu com a globalização e as novas tecnologias.

Crise ou Catástrofe?

Kurz e Mészáros confundem crise com catástrofe, contradição com a autodestruição, natureza contraditória do capital com lógica auto-destrutiva.

O cerne do problema está na questão da acumulação ampliada. Esta tem limites, ou contradições amplificadas?

É a antiga discussão Hilferding/Rosa de Luxemburgo.

A tematização marxiana do capital tem por núcleo sua contraditoriedade, não sua autodestrutividade. O capital é uma contradição insuperável, não uma ordem autodestrutiva como quer Kurz. Sua contradição abre a possibilidade de sua superação, mas esta tem de ser efetivada por agentes sociais interessados, não é automaticamente induzida por sua lógica interna, que abre a possibilidade da superação, mas não a realiza por conta própria.

A metáfora sobre a superação da divisão social do trabalho.

A metáfora de Marx sobre o homem que é pescador de manhã, caçador à tarde etc., é simplesmente uma alusão a uma questão fundamental e incontornável: a reintegração da unidade humana a seu desenvolvimento multilateral. Não se trata da manifestação de uma aspiração utópica de reencontro com um paraíso originário — simples e igualitário. Não é suposta a personalidade politécnica (isto sim no mundo complexo uma inviabilidade), mas a referida metáfora alude sim ou assim deve ser entendida como referência à necessidade insuprimível de reintegração do outro como força pessoal, portanto, da força social reconhecida como incorporação individual (portanto é uma questão relativa às formas sociais de cooperação); não se trata, pois, de uma solução técnica para compor o indivíduo como uma unidade ou singularidade politécnica, mas da formulação e efetivação de uma ordenação societária que concretize os outros (as forças sociais) para um como seu patrimônio pessoal.

Em uma palavra, a metáfora diz respeito às formas de cooperação, a uma dada forma de cooperação dos indivíduos — não mais um contra todos, mas as forças de todos como propriedade ou atualização de cada um. Isto compreende hoje supressão do que separa todos de todos, ou seja, a propriedade privada dos meios de produção e as formas de dominação política, isto é, o estado.

Sobre isso não só é possível, mas é estritamente necessário discutir. Não só criticar o fetichismo da mercadoria, mas superar o complexo econômico-político que o produz e reproduz.

A superação da divisão do trabalho deve ser pensada, necessariamente, como forma comunal de produção e consumo.


Notas de rodapé:

(1) Expressão criada por J. Chasin ao investigar a particularidade do processo de constituição do capitalismo no Brasil, visando conhecer a realidade brasileira “Chasin propões, na segunda metade da década de 70, em sua tese doutoral O Integralismo de Plínio Salgado, a determinação da via colonial. Ou seja, ao lado dos casos clássicos (França e Inglaterra) ou da chamada via prussiana (Alemanha e Itália), Chasin procurou reconhecer uma nova via de objetivação do capitalismo, isto é, de países que transitam para o capitalismo só muito tardiamente em virtude de sua condição colonial. Em termos breves: a Via Colonial reconhece a emergência de países que transitam para o capitalismo de forma ‘hiper-tardia’, ou seja, no momento histórico onde as formações clássicas (França e Inglaterra) já estavam plenamente desenvolvidas e as formações prussianas (Alemanha e Itália) lutavam por se estabelecer. De modo que países como o Brasil só se puseram na cadeia capitalista de modo retardatário, o que gerou, necessariamente, mazelas e limites de toda ordem” (CHASIN, Ibaney. A Miséria Brasileira — 1964 — 1994: do Golpe Militar à crise social. (retornar ao texto)

Inclusão: 24/03/2020