Carta a Alina Perera,
articulista de Juventude Rebelde

Fidel Castro

10 de Junho de 2008


Fonte: Cuba Debate

Transcrição e HTML: Fernando Araújo.


capa

Cara Alina:

Desculpe-me que incomode a tua atenção uns minutos. A razão se explica por si própria: dedico grande parte do tempo a ler notícias e artigos, entre eles, alguns extraídos da nossa própria imprensa.

Em “Tráfego de regalias”, artigo de opinião publicado por Juventud Rebelde a 8 de junho, expressas admiração relativamente à conduta honesta de duas pessoas: um médico que manobra o ultra-som diagnóstico e um jovem especializado na reparação de computadores, quem fez possível, com um árduo esforço, fazer funcionar o teu de uso pessoal.

São dois bons exemplos de jovens profissionais revolucionários. Sei bem que dezenas de milhares dos nossos médicos constituem hoje a mais extraordinária legião de galenos para emprestar serviços humanitários em qualquer parte do mundo. Não foram educados no exercício da medicina privada. A Revolução se encarregou da criação dessa força desde os primeiros anos, ao longo de meio século. Os que traíram o nobre ofício repugnam mais do que qualquer outra forma de traição, na mesma medida em que a vida e o sofrimento humanos são dignos de respeito. A mesma coisa acontece com aqueles cuja missão é educar crianças, desenvolver a cultura, promover a ciência ou estimular o desporto para o bem de todos. Se renunciassem a esse dever, o mundo que lhes coube viver, a espécie humana, à qual pertencem, seria tão efêmera como as ilusões capitalistas dos que traficam com os seus serviços.

A pergunta que todos devemos nos colocar é se a nossa conduta e os nossos objectivos são conciliáveis com as leis da natureza e dos frutos da inteligência humana.

É um dever moral bater nos conceitos e atitudes daqueles que servem ao império que deseja destruir os valores que mais amamos.

Afirmaste com toda honestidade que não te interessa um socialismo cinza, aborrecido e chato. O aborrecido, chato e cinza que resulte ser o nosso, dependerá, entre outras muitas coisas, do uso que os nossos jornalistas lhes dêem aos meios de divulgação massiva que a Revolução tem colocado nas suas mãos e não constituem, também não, propriedades privadas com as quais modelar as mentes das pessoas.

Nada existe mais alienante que muitos dos conteúdos da chamada “indústria do recreio” desenvolvida pelo imperialismo, nos quais investem infinitas horas jovens e crianças sem que ainda o socialismo tenha criado antídotos suficientemente eficazes para encarar a sua nociva influência.

A corrupção e o desvio de recursos convertem aos que os praticam em defensores do livre mercado, através do qual transformam o fruto dos seus roubos em mercadoria. Nem sequer são conscientes do que aconteceria com o nosso povo se o país caísse de novo nas mãos do voraz e monstruoso império.

A ciência fica orgulhosa dos seus sucessos. Muitos ficam contentes, como é lógico, da capacidade dela para manipular genes hereditários em prol da saúde, mas poucos se inquietam pelos conceitos racistas associados ao poder político imperial e sua ideia fascista da raça superior como dona do mundo actual e futuro. Medite-se bem. Informemo-nos das novas descobertas científicas e tiremos as ilações pertinentes.

Dezenas de notícias chegam diariamente sobre a crise alimentar, os preços da energia e das matérias-primas, a mudança climática e outros problemas interrelacionados.

A soja, pré-aquecida a 125º Celsius, é uma das fontes proteicas e calóricas mais completas e económicas conhecidas de produtos alimentícios industriais para consumo directo, com grande diversidade de usos. A transgênica, que é cultivada para produzir proteínas e gorduras de origem animal, não é apta para o consumo humano. As leguminosas e gramíneas, em geral, melhoradas e testadas ao longo de anos, são as fontes fundamentais de alimentos sadios e benéficos. Cada um deles tem rigorosos limites climáticos e necessidades de força de trabalho humana, onde a temperatura, a humidade e as tradições influem decisivamente nos rendimentos da área disponível em cada país. A produção destas proteínas e calorias essenciais por hectare, o seu custo em energia e o CO2 que injecta à atmosfera cada cultura, deve estar no manual de todos os políticos do mundo; resulta na atualidade tão importante como saber ler e escrever; não se concebe o analfabetismo nessa matéria.

Hoje não se utiliza o ábaco para fazer cálculos, como acontecia quando estourou a primeira revolução socialista há 90 anos. Junto das armas nucleares, químicas, biológicas e electromagnéticas, a ciência desenvolveu os computadores. Há dois dias a imprensa dos Estados Unidos informava sobre um grande computador militar capaz de fazer milhões de milhões de cálculos por segundo. Foi baptizado com o nome de um pássaro do Estado do Novo México, “Corre-corre”; em inglês, Roadrunner. O seu custo foi de 133 milhões de dólares. O telex acrescenta que “se os seis mil milhões de habitantes do planeta usassem os seus computadores pessoais o tempo todo, levariam 46 anos para fazer os cálculos que Roadrunner pode fazer num dia de trabalho”.

São cifras, cara Alina, que desbordam a imaginação e me obrigam a utilizar nesta carta os dados nada literários que contém.

O império não só forma o seu pessoal científico, despoja abusivamente os demais países do mundo de muitas das suas melhores inteligências. Nenhum deles pode concorrer com ele em recursos para investigar.

Agradaram-me as palavras finais do teu artigo sobre o livro de Cintio Vitier Esse sol do mundo moral. Ele demonstra que na ética de Martí e na história do nosso povo, inserem-se as raízes da justiça e da dignidade que a Revolução trouxe a Cuba.

Acho que no mundo actual já é hora de aplicar os princípios do socialismo; depois seria tarde demais.

Gostaria que esta mensagem, embora mais extensa que a tua, fosse publicada na mesma página de Juventud Rebelde onde foi colocado o teu artigo. Não é preciso gastar papel nem espaço neutros meios.

Desejo adicionalmente que alguém o leia no Congresso de jornalistas que está próximo a ser celebrado. Lembro-me que há poucos anos muitos dos nossos jornalistas não dispunham sequer de um computador pessoal. Hoje, o governo dos Estados Unidos da América tenta bloquear o acesso à informação. Espero, não obstante, que possam acompanhar a catarata de notícias e problemas que envolvem o mundo.

Com sinceros sentimentos de afecto e reconhecimento,


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Inclusão 09/07/2019