Introdução a Diálogo de Civilizações

Fidel Castro

25 de Agosto de 2007


Fonte: Cuba Debate

Transcrição e HTML: Fernando Araújo.


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Em 3 de agosto passado publiquei um comentário intitulado Reflexão sobre duras e evidentes realidades que tratava a respeito das prerrogativas do poder e sua influência nos seres humanos, e citei os razoamentos expostos pelo coronel-general Leonid Ivashov, Vice-presidente da Academia de Problemas Geopolíticos da Rússia, quem foi Secretário do Conselho de Ministros de Defesa da Comunidade de Estados Independentes e Chefe do Departamento de Cooperação Militar do Ministério de Defesa da Federação Russa. Como salientei naquela oportunidade, Ivashov é um homem realmente bem informado, cujos pontos de vistas valia a pena que nosso povo conhecesse.

A análise do general Ivashov, recolhida numa informação da agência russa Ria Novosti do passado 24 de julho, partia do reconhecimento de que a principal ferramenta da política estadunidense é a ditadura econômica, financeira, tecnológica e militar exercida pelos Estados Unidos no palco mundial contemporâneo.

Não vou repetir os argumentos do general Ivashov, que o levam à conclusão de que para neutralizar os planos de hegemonia mundial, é preciso construir pólos alternativos de poder, e neste sentido apenas quero chamar a atenção sobre uma de suas principais afirmações:

“Somente uma aliança de civilizações: a russa, cuja órbita inclui a Comunidade de Estados Independentes (CEI); a chinesa, a indiana, a islâmica e a latino-americana, poderia enfrentar o império. É um espaço imenso no qual poderíamos criar mercados mais eqüitativos, nosso próprio sistema financeiro de caráter estável, nossa engrenagem de segurança coletiva e nossa filosofia, baseada na prioridade do desenvolvimento intelectual do homem perante a moderna civilização ocidental que aposta pelos bens materiais e mede o sucesso com mansões, iates e restaurantes. Nossa missão é reorientar ao mundo visando a justiça e o desenvolvimento intelectual e espiritual.”

Este conceito da “aliança de civilizações”, baseada no predomínio das idéias, fez com que lembrasse um evento internacional realizado em nosso país em março de 2005, intitulado “Conferencia Mundial Diálogo de Civilizações. América Latina no Século XXI: Universalidade e Originalidade”.

Nessa Conferencia, convocada pelo Conselho Fundador do Centro da Glória Nacional Russa, e organizada pelo Ministério de Cultura e pela União de Escritores e Artistas de Cuba (UNEAC), participaram quase 300 cientistas e intelectuais, representantes de organizações sociais e meios de comunicação, políticos e personalidades religiosas de 29 países, reunidos com o propósito essencial de responder as atuais teorias sobre o choque das civilizações, que se fundamentam no caráter excludente da globalização neoliberal, propugnadora de um modelo único, ao qual se contrapõe a promoção do diálogo entre povos, culturas, confissões e Estados com o fim de encontrar respostas comuns aos desafios chaves do mundo contemporâneo.

Fui convidado a dizer algumas palavras de encerramento desse evento, e na sessão final da Conferência, realizada no Palácio de Convenções de Havana, em 30 de março de 2005, proferi um discurso, ou ainda melhor um diálogo improvisado com os convidados partindo de pronunciamentos e perguntas que eles fizeram nesse dia.  Em minhas palavras fiz referência a temas que foram objeto de consideração nas sessões de trabalho do evento, e a outros relacionados com os propósitos da Conferência.

Por sua extensão, aqueles pronunciamentos não foram revistos por mim naquela ocasião e também não o texto foi entregue à imprensa. Em virtude dos pronunciamentos do general Ivashov e de sua referência à aliança de civilizações, reli aquele discurso, suprimi alguns parágrafos que não ofereciam conteúdos essenciais e revi alguns detalhes de estrutura e redação. Quando o reli, eu mesmo fiquei admirado pelo avanço atingido já em muitas de minhas idéias e inquietações atuais.

Foi por isso que pedi fosse impresso o texto daquele discurso. O mais importante é lembrar que este pronunciamento foi feito em 30 de março de 2005, há quase dois anos e meio.

Se naquele momento falei no Rio de Janeiro do homem como uma espécie em perigo de extinção devido à destruição das condições naturais de vida, há mais de 15 anos, hoje esse perigo está mais próximo. Novos e não previstos problemas criados pela ciência, pela tecnologia e pelo esbanjamento congênito do neoliberalismo, multiplicam os riscos políticos, econômicos e militares. As idéias essenciais expostas no “Diálogo de Civilizações” já estavam incubadas. Por isso solicitei que o discurso pronunciado em Rio de Janeiro seja publicado como primeira parte deste material

Fidel Castro Ruz
25 de agosto de 2007

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Discurso Proferido pelo Comandante-em-Chefe na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em 12 de Junho de 1992

(Versões Estenográficas – Conselho de Estado)

Sr. Presidente do Brasil, Fernando Collor de Mello; Sr. Secretário Geral das Nações Unidas, Butros Ghali;

Excelências:

Uma importante espécie biológica está em perigo de desaparecer devido à rápida e progressiva liquidação de suas condições naturais de vida: o homem.

Agora estamos cientes deste problema, quando quase é tarde para impedi-lo.

É preciso salientar que as sociedades de consumo são as principais responsáveis pela atroz destruição do meio ambiente. Elas nasceram das antigas metrópoles coloniais e de políticas imperiais que, pela sua vez, engendraram o atraso e a pobreza que hoje açoitam a imensa maioria da humanidade. Com apenas 20 % da população mundial, elas consomem as duas terceiras partes dos metais e as três quartas partes da energia que é produzida no mundo. Envenenaram mares e rios, contaminaram o ar, enfraqueceram e perfuraram a camada de ozônio, saturaram a atmosfera de gases que alteram as condições climáticas com efeitos catastróficos que já começamos a padecer.

As florestas desaparecem, os desertos estendem-se, bilhões de toneladas de terra fértil vão parar ao mar cada ano. Numerosas espécies se extinguem. A pressão populacional e a pobreza conduzem a esforços desesperados para ainda sobreviver à custa da natureza. É impossível culpar disto os países do Terceiro Mundo, colônias ontem, nações exploradas e saqueadas hoje, por uma ordem econômica mundial injusta.

A solução não pode ser impedir o desenvolvimento aos que mais o necessitam. O real é que todo o que contribua atualmente para o subdesenvolvimento e a pobreza constitui uma violação flagrante da ecologia. Dezenas de milhões de homens, mulheres e crianças morrem todos os anos no Terceiro Mundo a conseqüência disto, mais do que em cada uma das duas guerras mundiais. O intercâmbio desigual, o protecionismo e a dívida externa agridem a ecologia e propiciam a destruição do meio ambiente.

Se quisermos salvar a humanidade dessa autodestruição, teremos que fazer uma melhor distribuição das riquezas e das tecnologias disponíveis no planeta. Menos luxo e menos esbanjamento nuns poucos países para que haja menos pobreza e menos fome em grande parte da Terra. Não mais transferências ao Terceiro Mundo de estilos de vida e de hábitos de consumo que arruínam o meio ambiente.  Faça-se mais racional a vida humana. Aplique-se uma ordem econômica internacional justa. Utilize-se toda a ciência necessária para um desenvolvimento sustentável sem contaminação. Pague-se a dívida ecológica e não a dívida externa. Desapareça a fome e não o homem.

Quando as supostas ameaças do comunismo têm desaparecido e já não há pretextos para guerras frias, corridas armamentistas e gastos militares, o que é o que impede dedicar de imediato esses recursos na promoção do desenvolvimento do Terceiro Mundo e combater a ameaça de destruição ecológica do planeta?

Cessem os egoísmos, cessem as hegemonias, cessem a insensibilidade, a irresponsabilidade e o engano. Amanhã será tarde de mais para fazer aquilo que devimos ter feito há muito tempo.

Obrigado.
(Ovação)

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 Discurso Proferido pelo Comandante-em-Chefe, durante o Encerramento da Conferência Mundial Diálogo de Civilizações América Latina no Século XXI: Universalismo e Originalidade, no Palácio das Convenções, no dia 30 de Março de 2005

 (Versões Taquigráficas do Conselho de Estado)

Queridos amigos:

Refiro-me a todos os convidados procedentes de outros países ou procedentes de Cuba.

Devo confessar-lhes que eu não gosto da palavra “estrangeiro”, é como se eu dissesse: “Queridos estranhos” ao dirigir-me a vocês.

Talvez poucas vezes alguém teve a possibilidade — e pela sua vez o desafio- de se reunir com um grupo como este. Há que ser, em primeiro lugar, adivinho, para saber sobre que devo falar. Tenho fama de falar muito, por vezes me estendo demasiado, que não é a minha intenção na tarde de hoje, embora não sempre coincidam as intenções com os resultados (Risos); mas, compreendo, e não por ter estado — o qual me houvesse gostado muito- durante o transcurso das intervenções. Eu tive a sorte de receber um resumo das atividades e das diversas intervenções.

O primeiro que vem a minha mente é a idéia de parabenizar os que tiveram a iniciativa de criar um evento como este, e de pôr-lhe um nome que o sintetiza: Diálogo das Civilizações.

Qualquer um que não tivesse conhecido alguma das reuniões ou o conteúdo de sua tarefa, poderia pensar que se tratava de um grupo de amadores que trocavam impressões filosóficas ou que empregava o tempo em intercâmbios e reflexões interessantes.

Acho, pelo que eu li, que o conteúdo deste diálogo é muito mais elevado e mais profundo do que se imaginaria a partir do título. Considero que, na verdade, vocês participaram num diálogo, não sei se dizer entre as civilizações ou de um diálogo pelas civilizações.

Seria preciso remontar-se a conceitos de civilização e perguntar-se, o que são as civilizações? Desde que era um rapaz e estava na escola, do que não há tanto tempo (Risos), parece-me que foi ontem quando escutava os primeiros conceitos no que diz respeito ao mundo, à história, e se dizia que este mundo era civilizado, incluso dizia-se que os europeus vieram a este hemisfério para nos trazer a civilização.

Também se disse que havia que marchar para a África visando civilizar os africanos e marcharam lá ao Pacífico, ao chamado então Oceano Índico para civilizar os índios e os indonésios; um pouco mais longe e chegaram até a China para civilizar a China.

Desde há muito tempo todos ouvimos falar, quando eu era um rapaz também ouvia falar de Marco Polo, de suas viagens à China e sabe-se que havia uma civilização chinesa há muito tempo, igual que existiu uma civilização índia, uma civilização lá também no Eufrates, várias civilizações, lá na Mesopotâmia, e o curioso é que tudo isso acontecia antes da civilização grega e da civilização romana, e antes da civilização européia.

Um dia estava de visita na África, lá na África do Sul e me convidaram a uma aldeia onde havia uma estatua que lhe construíram  a uma criança que morreu em um dos protestos contra o apartheid, e eu refletia naquele lugar, que quando já existia uma civilização na África, nalguns lugares da África, na Europa as tribos bárbaras se movimentavam de uma região para outra.

Nos tempos de Júlio César sabemos que suas glórias as ganhou combatendo com suas legiões às tribos bárbaras alemãs, e depois de dominar às tribos bárbaras dos francos veio a conquista das Gálias, e chegou, incluso, a o que hoje é Grã Bretanha, às ilhas; fez lá um muro, porque parece que àlguma gente não puderam dominá-la totalmente, mas construíram uma muralha. Essa mesma Europa – e não sou contra os europeus, pelo contrário, sou a favor da paz entre todos (Risos), e o respeito à dignidade de todos, como é que não vou respeitar a dignidade dos europeus, conto a história, porque meditava-, por aqueles momentos, quando XV séculos depois da conquista das Gálias por Júlio César, os espanhóis-os meus parentes em parte-, chegaram ao México, e se encontraram lá –eu considero- uma civilização, uma cidade que era muito maior do que qualquer cidade européia da época, a cidade do México, a capital dos aztecas, Tenochtitlán, uma cidade construída sobre o lago, uma obra- mestra de engenharia, uma agricultura próspera, desenvolvida. Tinha mais habitantes e era mais grande do que Paris; possivelmente mais grande do que Madri, Lisboa e todos aqueles sítios , e foram para levar a civilização, para conquistar o México.

Bom, um dos pretextos que eu li de um dos escritores daquela época, Bernal Díaz del Castillo, é que havia que civilizá-los porque faziam sacrifícios humanos. E se fosse preciso civilizar aqueles que fazem sacrifícios humanos, acho que ainda há muita gente  que civilizar neste mundo.

Acho que, por exemplo, seria preciso civilizar a aqueles que bombardeiam cidades, aterrorizam milhões de homens, mulheres e crianças e depois falam que houve baixas civis. Para além das baixas civis que há sempre em todos os bombardeios, e os russos o sabem melhor do que ninguém, porque os russos conheceram os bombardeios sobre Leningrado, os russos conheceram os ataques surpresa; os russos lembrarão aquele dia 21 de junho quando as tropas de Adolfo Hitler, as divisões blindadas, com o emprego de milhares e milhares de aviões, centenas de divisões perfeitamente armadas, dezenas de milhares de tanques e canhões atacaram por surpresa e sem prévio aviso aquele escuro canto do mundo que se chamava União Soviética; penetraram as divisões a toda velocidade, umas para Leningrado, outras direitamente para Moscou; outras pelo sul direitamente para Kiev.

Os que tivemos a possibilidade de conhecer e de admirar as grandes façanhas do povo russo sabemos que terrível adversidade teve que encarar-se de repente, em apenas algumas horas, enquanto os soldados estavam de permissão naquela fortaleza famosa de Brest-Litovsk, que tão galharda e heroicamente se defendeu, apesar da surpresa, e no estudo desses fatos pudemos observar algo que diz muito dos valores históricos do povo russo, quando em todas partes a notícia de tanques inimigos na retaguarda era sinal de levantar as mãos e levantar bandeira branca, os russos não se rendiam, os russos não levantavam bandeira branca.

Por vezes a gente reflete, o que poderia ter acontecido se aquele povo tivesse estado mobilizado, se o exército russo e os seus aliados tivessem estado em alarme de combate. Nós, um país extremamente pequeno, uma pequena ilhazinha aqui ao lado do poderoso vizinho, quantas vezes tivemos que detectar com cautela perigos e declarar-nos em alarme de combate? por que nos propussemos que ninguém pudesse surpreender-nos jamais e atacar-nos enquanto estávamos desprevenidos. Não vou procurar na história nem falar de responsabilidades; mas o fato real é que se o povo e suas forças armadas tinham estado mobilizados, sei muito bem onde tivesse terminado a Segunda Guerra Mundial, não em Berlim senão em Lisboa. Atrevo-me a dizê-lo aqui com toda responsabilidade, o pensei muitas vezes porque li essa história, muitos dos livros daquela guerra, escritos por pessoas de um lado e do outro. Todos sabemos que morreram milhões e milhões de homens e mulheres, fala-se em 15, depois em 20, depois em 27 milhões de cidadãos daquele Estado multinacional soviético; então e agora também a Rússia é, sem dúvidas, em grande parte um Estado multinacional, mas morreram dezenas de milhões, acho que em grande parte como conseqüência da surpresa.

Em nosso país não se sabe quantos livros foram publicados, inclusive, quando grandes perigos nos amenaçavam, nós acudíamos à literatura heróica dos russos. E assim por centenas de milhares se editavam livros para inspirar o nosso povo na idéia de que quando um povo luta e quando um povo resiste pode enfrentar qualquer dificuldade.

Gostaria dizer que para nós essa coragem dos russos não é algo a respeito do qual tínhamos lido como a coragem, digamos, dos que em Sagunto e Numância, lutaram lá contra as tropas romanas e lutaram até o último homem, até o extermínio da população, senão que nós vivemos juntos uma parte da história, parte difícil, vocês viveram-na antes e nós a vivemos mais tarde, ameaçados constantemente pela invasão; e não nos ameaçava a ilha de Grande Caimán, que está ao sul de Cuba e tem alguns quilômetros quadrados, e talvez 8 000 ou 10 000 habitantes, nos ameaçava um país que tem 8, 9 ou 10 milhões de quilômetros quadrados, quase 300 milhões de habitantes, e é a potência que desde o ponto de vista técnico, econômico e militar prevaleceu nos últimos 60 anos, a superpotência estadunidense. É um perigo grande.

E nós inspirávamo-nos nas façanhas do povo soviético, devo dizê-lo, não devo temer a proferir essa palavra; mas sabemos que a alma dessa resistência, o eixo dessa resistência, o centro dessa resistência era o povo russo, sem diminuir no mais mínimo a coragem de outros povos que lutaram junto com os russos.

Retamar falava da invasão da Rússia pelas tropas napoleônicas; Napoleão que foi revolucionário, representante daquela grande revolução, gênio militar indiscutível, mas gênio militar em meio à revolução; sem a Revolução Francesa não existiria gênio, o gênio militar napoleônico, lá na sua ilhazinha de Córcega teria vivido a cota que lhe correspondia viver naquela época e ninguém teria ouvido falar de Napoleão, mas houve uma grande revolução, e no meio destas lutas, intervenções, invasões, todo o mundo o conhece, e do povo saíram chefes, muitos chefes. Do povo saem os chefes e, sobretudo, nos processos de grandes crises sociais.

Não são os homens os que fazem a história, é a história a que faz os homens ou as figuras ou as personalidades; os homens interpretam, de uma maneira ou outra, os acontecimentos, mas são filhos da história. Sem os processos históricos — aqui estamos vendo ao embaixador da Venezuela, o nosso amigo Adán, leva o nome do primeiro ser vivo que habitou este planeta, mas é representante do país de Bolívar —, sem aqueles acontecimentos históricos hoje não se conheceria o nome de Bolívar.

Foi a grande crise, a ocupação da Espanha por Napoleão, a imposição de um rei francês lá, um irmão – e acho que era meio tolo- do grande imperador, provocou uma rebelião como ato, em primeiro lugar, de lealdade, não por parte de Bolívar, mas sim daquela sociedade que era, incluso, uma sociedade representada nesse momento pelos setores mais ricos, os setores dominantes.

 Mas, sem aqueles acontecimentos históricos, sem aquela revolução hoje não se saberia o nome de Bolívar, se Bolívar nasce 30 anos antes ou 30 anos depois. Não se conheceria o nome de Martí, incluso nem se conheceriam os nomes de muitas grandes figuras históricas, cuja fama, mais do que de méritos, surgiu a partir dos acontecimentos históricos. Digo assim de todas as grandes figuras: Martí, o momento em que nasce; Martí era filho de um militar espanhol, mãe e pai-espanhóis, nasce com uma enorme sensibilidade, nasce nesta terra num momento de crise. Então os grandes acontecimentos históricos são produto das crises.

Digo isto, porque bom, a história – há muitas interpretações sobre a história- está feita de uma série de acontecimentos e avança por etapas. A história da qual falávamos, a história daquelas civilizações que surgiram antes que a grega e a romana, nos vai ensinando muitas coisas.

Acho que a história do homem é a história das guerras, é a história das conquistas, é a história da dominação de uns povos sobre outros, de uns grupos sobre outros. Num momento dado já surgiram os impérios, mas o romano não foi o primeiro, houve impérios antes que o romano. Na China houve impérios. Lá estava o famoso exército de terracota, que os chineses desenterraram, é impressionante o que isso reflete como avanços na arte, na cultura, na técnica e na civilização.

Houve impérios na Ásia. O império persa existiu muitos anos antes que o romano, anterior, incluso, ao famoso império de Alexandre. Num momento dado Alexandre organiza exércitos –bom, os organizou o seu pai- e muito jovem iniciou a invasão da Ásia Menor e de todos aqueles países. Estavam lutando contra um imperador persa, acho que destruiu Persépolis, dizem que levou a civilização grega. É tão estranho escutar que a civilização grega pode ser inspiradora da destruição de uma cidade como Persépolis. Ficam alguns restos dela e, sem dúvidas, foi uma maravilha. Também a civilização da Mesopetâmia foi destruída, os famosos jardins suspensos não se sabe o que aconteceu com eles, do que eram apenas restam algumas idéias. Era uma invasão após a outra. A Europa foi invadida por ondas das denominadas tribos bárbaras. As tribos bárbaras terminaram aniquilando o império romano, sobretudo quando as legiões romanas deixaram de ser romanas para estar compostas por soldados daquelas tribos bárbaras que terminaram destruindo o império romano. Embora, naturalmente, em cada uma dessas etapas foram-se criando grandes valores, em todas as épocas, desde a época que precedeu a nossa era, os filósofos que precederam a nossa era, os filósofos gregos, exatamente, surgiram antes de nossa era, e se diz que Aristóteles foi preceptor de Alexandre Magno. Isso narram algumas histórias escritas por verdadeiros eruditos que conheceram os hábitos daquela época, e explicam como foi que Aristóteles tornou-se preceptor do filho de Filipe da Macedônia.

Quer dizer, cada uma destas etapas foi criando valores, cada uma destas etapas foi criando culturas que se somavam; mas, no fim das contas, quando nos referimos à civilização não podemos ignorar a civilização maia, que possuía conhecimentos sobre o espaço, ou a civilização azteca, ou a civilização inca, ou a civilizações pré-incaicas.

Conversei com eminentes homens como Heyerdalh, o famoso autor da Kon-Tiki, que era explorador. Dedicava-se ao estudo das antigas civilizações. No Peru trabalhou muito e me contava como havia coisas e desenhos que apenas eram perceptíveis desde uma altura de 2 000 ou 3 000 metros, nas planícies, construções que eram obras de engenharia, resultado de conhecimentos engenheiros que não existiam na Europa durante a conquista deste hemisfério. De maneira que nos trouxeram aquelas civilizações, conquistaram-nos até quando? Quase até hoje, e digo quase, porque ainda muitos estamos conquistados e dominados por outras civilizações que imperam sobre os restos daquelas civilizações que existiam neste hemisfério, e isto, sem ignorar os grandes valores que, inclusive, trouxeram os conquistadores, porque todas as civilizações criaram valores, mas valores que chocaram os uns com os outros.

Quando eu escuto essa frase: Diálogo de civilizações, vem na minha mente a idéia de um conjunto de valores, somar os valores de todas as civilizações, como quando se fala de alfabetizar significa inculcar aos ignorantes aqueles valores que não puderam conhecer, porque não tiveram um professor, porque não tiveram uma escola. Quando se fala em alfabetizar se pensa nisso, em transmitir valores; mas devemos perguntar-nos uma coisa: Que valores transmitimos? Que valores?

Escutei com emoção as palavras proferidas sobre dizer adeus ao chauvinismo, dizer adeus ao nacionalismo estreito, dizer adeus aos ódios, dizer adeus às intolerâncias, dizer adeus aos prejuízos e é trazendo todo o que têm de bom todas as culturas e todas as civilizações e todas as religiões, educá-los em uma ética universal, verdadeiramente necessária neste mundo neoliberal globalizado, que começou por globalizar o egoísmo, globalizar os vícios, globalizar os anseios de consumo, globalizar a tentativa de apoderar-se dos recursos dos outros, de escravizar os outros.

Se diz que a escravidão tem a sua origem nos tempos primitivos e desde que o homem teve alguma produtividades e descobriu que um homem podia produzir para si próprio e para outros, começou a conservar os prisioneiros e não a assassina-los. Se diz e pode haver muita verdade nisso; mas milhares de anos depois a escravidão ainda estava presente.

Diz-se que a escravidão foi um grande passo de avanço, aquele da escravidão romana ao feudalismo que prevaleceu na Europa, na chama da Idade Média, até o minuto em que nos descobriram aqui. Digo descobriram-nos porque, embora que eu tenha parte do sangue dos descobridores, sinto-me um filho desta terra, desta ilha; mas, por cima de tudo, sinto-me filho da humanidade. Tivemos um grande patriota, um grande filósofo que uma vez disse — e não era a época do internacionalismo, era um homem lutando pela independência de sua Pátria contra o colonialismo espanhol, mas disse uma frase digna de gravar-se para todos os tempos vindouros —: "Pátria é humanidade!" Esse homem chamou-se, chama-se e se chamará sempre José Martí. Vejam: “Pátria é humanidade!” Aqui onde se reuniram  representantes de mais de 25 países, cientistas, intelectuais, líderes religiosos para manter este diálogo da civilização, acaso não experimentaram o sentimento ou a impressão de que, Pátria é humanidade!?

Esclareço isto porque o odeio o chauvinismo, repúdio o chauvinismo como repúdio outras muitas coisas que o homem em sua longa viagem por sua breve história... ninguém sabe se o homo sapiens já tinha nascido há 50 000 ou 100 000 ou várias centenas de milhares de anos; os arqueólogos continuamente procuram crânios para ver em que momento da evolução da espécie surgiu o homem. E eu digo sem temor, embora que saiba que muitos deles são religiosos, porque o próprio líder da Igreja Católica declarou há alguns anos, na minha opinião, com muito coragem, que a teoria da evolução não é inconciliável com a doutrina da criação. Não conheço, naturalmente, o que pensam sobre esta matéria concretamente outras religiões, eu as respeito a todas e respeito todos os critérios; mas cito um exemplo de como interpreta esses conhecimentos a Igreja Católica. São coisas novas, porque as próprias igrejas foram aprendendo e tentaram aperfeiçoar as suas opiniões e suas concepções, a partir da procura do bem.

Eu estudei em escolas religiosas, fui crítico e ainda posso sê-lo, inclusive da forma em que me ensinavam a religião, com um sentido muito dogmático. Todas as pessoas não nascem iguais e cada uma delas tem o seu caráter, sua forma de ser. Eu rejeito aquelas coisas que tentam me impor ou que me obriguem a acreditar nelas sem persuadir-me daquilo em que querem que eu acredite. Desta maneira cada pessoa tem sua maneira de reagir.

Mas, digo que as próprias igrejas envidaram esforços. A Igreja Católica criticou os crimes cometidos, a conquista a sangue e fogo deste hemisfério, criticou a Inquisição, criticou a condena de Galileu, condenou aqueles fatos horríveis, como o eram as fogueiras donde castigavam os hereges. O primeiro indígena que se rebelou neste país, pacífico, e nem sequer era cubano, veio de São Domingo onde havia uma população mais combativa, chamava-se Hatuey, foi condenado a morrer na fogueira; e lá um sacerdote foi persuadi-lo de que se batizasse para poder ir ao céu, e conta a história que perguntou — seja certo ou não, digo eu é uma bela história; isso nos ensinaram a todos nós desde que estudávamos no ensino primário — se os espanhóis iam ao céu, aquele rebelde indígena disse:

“Então, eu prefiro morrer, não quero ir para esse céu onde também vão os espanhóis.”

Vejam que ensino, como cada homem que passa deixa algo. Aquele rebelde que morreu com aquelas palavras, que podem ser certas ou não, mas pelo menos as inspirou. Vejam que belo exemplo de dignidade, de heroísmo.

E eu falava de que todos os erros que cometemos todos devemos ultrapassá-los e os valores que todos criamos devemos uni-los. Assim eu interpreto o que poderia denominar-se um diálogo de civilizações, cujo espírito compartilho cento por cento e me faz feliz. Oxalá, possa participar um dia em um diálogo completo e não em um encerramento do diálogo, e não ter que conhecer por um resumo do que foi discutido.

Nosso ilustre visitante, a quem recebemos com muita satisfação, e sabemos que não tem nenhuma culpa por ter chegado tarde, poderíamos dizer que isso é uma contradição de pontos de vista, uma contradição de civilizações, falava da satisfação e da impaciência com que esperavam lá na Grécia o próximo diálogo, onde poderiam assistir os que o desejassem e eu lembrei-me de algo muito recente, que eu, amante do esporte, que sempre o fui, desejosos de ver umas olimpíadas,  as quais nunca fui, inclusive pudendo ir, mas achava que tinha direito a participar numas Olimpíadas, se o desejar, e lá na Grécia muitas pessoas convidaram-me, até os da Igreja Ortodoxa grega, e me prometeram levar-me lá a um famoso convento. E, na verdade, tenho a cabeça cheia de idéias, de lembranças, das coisas que me contaram, as coisas maravilhosas que me contaram sobre a história dessa igreja e do que eles fizeram, do que eles criaram. Eu tinha muito interesse porque me visitou o Patriarca Ecumênico da Igreja Ortodoxa grega precisamente o dia em que se inaugurou a igreja dessa religião, e já também se falava da primeira pedra da Igreja Ortodoxa russa, que também vai ter uma catedral aqui, para a satisfação de todos nós, da mesma maneira que há uma mesquita em nossa cidade, e de igual forma que estão representadas todas as igrejas; temos essa honra e nos satisfaz e nos honra que estejam aqui representadas. E acredito que o nosso país tem sido nisso um exemplo de como pode haver ecumenismo não apenas na esfera religiosa, mas também no respeito aos sentimentos dos outros.

Eu não poderia ser ecumênico com aqueles que lhes negam aos outros o seu direito a acreditar, porque para nós que tanto nós acusam de ser violadores dos direitos humanos, apenas vou dizer que o primeiro direito humano é o direito de pensar, o direito de crer, o direito de viver, o direito de saber, o direito de conhecer a dignidade, o direito de ser tratado como o resto dos seres humanos, o direito de ser independente, o direito à soberania como povo, o direito à dignidade como homem.

Se vamos falar sobre direitos humanos, na verdade, consideramos que seria preciso organizar umas olimpíadas, onde nos reunamos nós, os acusados, com todos os farsantes e hipócritas que há no mundo e reunir-nos numa sala como esta para discutir que são os direitos humanos e quais são os que nós violamos e os que defendemos durante dezenas de anos, sem abandonar nunca os nossos princípios; muitos de vocês são religiosos e afinal de contas poderiam lembrar e livre-nos Deus –e não sou um crente no sentido tradicional da palavra- da idéia de comparar-nos com nenhuma outra personagem da história. Eu não sou eu; eu falo em nome do povo de cuba, eu represento milhares, centenas de milhares, milhões de seres humanos que habitam nesta ilha. Não tento comparar-me com ninguém; mas esta ilha foi mais caluniada do que os primeiros cristãos, foi mais caluniada do que aqueles que eram devorados pelos leões no circo romano, mais caluniada que aqueles que moravam nas catacumbas, porque tinham uma crença.

Há crenças religiosas, e há crenças políticas. Há convicções religiosas e há convicções políticas no melhor sentido no qual poderia ser utilizada essa palavra tão manuseada chamada política, tão desprestigiada chamada política. Há idéias políticas. Eu considero idéias políticas aquelas que realmente sejam dignas da vida de um homem, do sacrifício de um homem, do sangue de um homem, da morte de um homem, ou de muitos homens, de um povo inteiro se fosse necessário sacrificar-se por defender esses valores, quem defender valores, e sabe que sem valores no há vida.  Digo ainda mais, sem valores não há civilização; digo ainda mais, sem valores esta humanidade não sobrevive, porque quando falamos de civilizações — e sabemos que houve muitas, e não poucas que desapareceram —, também poderíamos nos perguntar quanto vão durar estas civilizações se não damos os passos pertinentes como vocês tentam dá-los aqui para que sobreviva já não a civilização, mas sim a espécie, porque pela primeira vez na longa marcha da breve história, a sobrevivência da humanidade está em perigo. Gostaria que alguém respondesse se alguma vez a sobrevivência da espécie esteve em perigo como o está hoje.

Antes era o império romano, antes era a civilização grega, ou a greco-romana, noutro tempo foi a egípcia, noutro foi a persa, noutro foi aquela de Mesopotâmia já mencionada. Quer dizer, todas as civilizações têm vivido naquele hemisfério e neste, porque o homem levou civilização a toda parte. Está provado que o mesmo homem que estava deste lado do Atlântico tinha o mesmo desenvolvimento mental e a mesma inteligência que aqueles que ficaram lá no Velho Mundo. E os geofísicos, aqueles que estudaram a Terra sabem que antes não havia dois hemisférios, que há 350 milhões de anos havia uma massa de terra. Estes hemisférios também são produtos da história das leis da física, da geologia, a massa compacta foi se desligando, este hemisfério desligou-se daquela massa, desligou-se a Antártida, desligou-se a Austrália, todas foram se desligando. Sabe-se, inclusive como surge o Himalaya, os movimentos das camadas tectônicas que deram origem a uma coisa e à outra, e há 350 milhões de anos há havia homens, há 300 anos também não. Nessa altura começava a formar-se o petróleo. Esse petróleo, segundo parece, tão maravilhoso e possivelmente maravilhoso, que este homem civilizado está destruindo em menos de 200 anos.

Gostaria saber quanto petróleo haverá no mundo dentro — estamos em 2005 — de 91 anos, porque em 1896 o mundo consumia seis milhões de toneladas de petróleo por ano e atualmente 82 milhões de barris, isto é, quase 12 milhões de toneladas de petróleo diariamente.

Há 109 anos, repito, este homo-sapiens, cuja sapiência, queridos amigos e queridas amigas, ainda não ficou demonstrada, há 109 anos consumia seis milhões de toneladas por ano e atualmente consume quase 12 milhões todos os dias, e o consumo cresce a ritmo de dois milhões de barris diários por ano, e não dá, e está cada vez mais caro.

E apenas menciono um problema, o da energia, e a gente poderia se perguntar quanto vai durar essa cômoda energia da qual nossos civilizados vizinhos — não me refiro ao povo —, esse governo tão civilizado — e perdoem que tenha mencionado um governo, não quero mencionar nenhum porque no quero ferir ninguém, bom, como vocês queiram-no chamar —, essa política tão civilizada e tão humanitária que se opõe aos Acordos de Kyoto, uma simples e limitada tentativa de frear a contaminação da atmosfera. É algo digno de ser rejeitado.

Esse país consome 25% da energia mundial. Agora, agora há crises de petróleo, há e haverá. A última mais conotada foi a de 1975, e se diz que o petróleo está caro atualmente. Não, caro estava em 1975.

Não é que nós sejamos petroleiros; pode ser que o sejamos, mas não estamos defendendo com isto idéia alguma, digo que é melhor; porque se vão contaminar o mundo, quanto mais caro for, serão maiores as esperanças de que dure mais alguns anos antes que nos envenenem, de que nos intoxiquem, que acabem de mudar o clima e tenhamos ao menos uma esperança de que vai chover.

Estamos no meio da maior seca que se tenha conhecido na história deste país. No outro dia senti trovejar, parecia-me que estava num país estranho, como quando visitei Rússia pela primeira vez e vi a neve, de repente vi a neve, nunca a tinha visto, pois quase experimentei o mesmo assombro quando há umas quantas semanas senti trovejar; os trovões costumam acompanhar as chuvas, e vi uns chuviscos, vi umas nuvens, parecia-me que estava no estrangeiro, porque há meses que neste país não chove; bom, recentemente, caíram umas chuvas, mas não na zona oriental do país; lá há uma seca terrível, centenas de milhares de lares estão recebendo a água neste momento em caminhões, e milhões de animais estão recebendo a água em caminhões-cisterna, em cisternas. Neste momento estamos construindo numerosos aquedutos de emergência, com tubos plásticos, de PVC, para construí-los rápido e instalá-los rápido a fim de levar água, neste momento em que o combustível tem um preço elevado, não digo que caro, mas sim elevado, e cada vez são mais os que competem por esse combustível.

Calculem quantos caminhões estão trasladando água. E é o que digo, por quê? Não há que esperar as calendas gregas — sempre há que mencionar os gregos, é verdade —, é para agora. Uma seca como esta nos obriga dizer adeus não são às armas, como queria Hemingway, que ainda não podemos dizer-lhe adeus às armas, adeus à idéia de viver da indústria açucareira ou da cana-de-açúcar; a cana-de-açúcar precisa da água. Nós tínhamos enchido este país de barragens para produzir água, estão vazias; só por exceção há uma barragem, que está numa área mais isolada que tenha um pouco de água, e não perdemos as esperanças, temos a esperança de que vai chover.

Por exemplo, vejo que na Venezuela chove muitíssimo, a Venezuela é o exemplo. Em algum lugar chove demais e noutro pouco. O clima esta transtornado, é o mínimo que se pode dizer, é uma das conseqüências da contaminação do ambiente. E é por isso que dizia, se o alto preço vai ajudar a que os doidos virem um pouco mais judiciosos, a que os doidos deixem de esbanjar os recursos naturais e de destruir as condições naturais de vida do planeta, para que as civilizações possam existir e dialogar; porque para dialogar primeiro que tudo há que viver. Não esqueçamos aquele filósofo que disse: Para pensar há que existir, para dialogar há que sobreviver e para sobreviver realmente há que lutar.

Não exagero, e tenho a mais firme convicção de que não exagero quando digo que devemos lutar e lutar muito duro, repito, se queremos que as civilizações sobrevivam, e algo mais que as civilizações, a espécie portadora, com todos seus defeitos e seus erros, de estas civilizações sobreviva.  É desde o ângulo que meditei sobre o diálogo que vocês fizeram e a reunião que vocês fizeram, e que terão o ano próximo na Grécia, da qual, infelizmente, não poderei participar se sou convidado, porque apesar de todos os convites proibiram-me ir às olimpíadas. Não é que me disseram que eu estava proibido, embora tenha muitas proibições neste mundo: proibiram-me viver, constantemente tenho que eludir, mais ou menos sobrevivendo; tenho que estar sobrevivendo porque constantemente há aqueles que desejam que não sobreviva e fazem todos os possíveis; agora me tem um pouquinho mais tranqüilo porque tenho alguns anos, acham que a natureza vai solucionar isso, mas eu conheço o impacientes que são (Risos). Vocês não se podem descuidar, compreendem?

Li num jornal: “Castro não foi convidado”. É falso, porque alguém nalgum jornal, caluniador, disse qualquer coisa por ai de que Castro ia assistir aos jogos olímpicos, e lá foram logo os porta-vozes do governo, sei lá de que governo, porque nem sei qual o partido que está a governar ali, tampouco me interessa, perdoem minha falta de respeito, não sei se é da esquerda ou se é da direita; mas, bom, vocês o saberão melhor do que eu, não sei se existe um novo governo, se houve eleições, se houve mudanças. Eu não me importo com isso, porque, bom, lamentaria que me convidassem a uma conferência dessas e não poder participar, apesar de que a gente tem que vencer muitos impedimentos, porque o estão caçando por toda parte. Restam-me alguns obstáculos, obrigam-me a viajar em dois aviões, e como vocês sabem embora eu seja um dos homens mais “ricos” do mundo. Atenção, essa em uma revistinha norte-americana que tem contas pendentes comigo, as quais têm que saldar, porque eu nestes dias estou muito ocupado noutras coisas, contudo vai ter sua respostinha, levam alguns anos fazendo essa história, e vão me obrigar a falar. O que vou fazer? Falarei, porém, bom não estou apressado, tenho algumas coisas ainda mais importantes. Amanhã tenho coisas que abordar isso é o que estou a fazer e não quero perder um minuto.

Mas, por outro lado, dizia-lhes que vocês devem conhecer que sou um dos homens mais ricos do mundo, este Palácio é meu, este onde estão reunidos, por isso não esqueçam de pagar. Eu não sei se as organizações de turismo cobraram-lhe, não obstante saibam que este Palácio é meu. Bom, meus são todos os centros de pesquisa, minhas são todas as escolas e todos os hospitais que estamos construindo, meus são as dezenas de milhares de médicos e as centenas de milhares de profissionais universitários formados pela Revolução. Segundo esse ponto de vista eu sou dono deste país, até os poucos peixes que restam por ai, que vão deixando, são meus, compreendem?; as aves que vão e vêm, que voam sobre este país, são minhas; dizem que até este Palácio é meu, um negócio. Bom, temos que rir, não é?, dizem que aquele que rir último mais se diverte (Aplausos). Eu vou dar um golpezinho a essa revistinha, uma estocada da qual vai se arrepender. Não, não quero falar disso agora, não quero perder o fio. Porém fica advertida visto que estava a falar de caudal. Pois eu sou um dos homens mais ricos do mundo. Acho que ocupo a sexta posição; sei lá qual é a tua posição, mas por aqui tem dito que tu és um homem que honradamente, como homem de empresa, tiveste grande sucesso. Bom, Bill Gate o qué? Dizem que é um dos mais ricos, acho que agora estão a surgir alguns rivais dele, de uma maneira ou de outra, mas o que não é lícito é que eu seja dono disto, não é lícito que eu seja rico, digo mesmo assim, com toda dignidade, não e lícito, eu não tenho direito a ser rico.

Quando adolescente, meu pai tinha algum dinheiro e diziam que era rico; rico a nível de um latifúndio, não é um rico a nível de Bill Gates nada disso. Mas eu nem sou nem tenho direito a ser rico. Contudo, estou aqui, é com vocês que comento estes temas. Mas tenho que levar, como já disse, dois aviões, ah! porque se com uma seta estão a espera de qual é o meu para derrubá-lo, eu tenho que fazer qualquer coisa para os confundir, às vezes aterra o meu primeiro, depois aterra o outro. Algumas vezes ao sair dalguns lugares eu digo: “Desliguem todas as luzes”, porque imagino o que é um homem com uma seta. Por isso se vocês estão a mi convidar para eu ir lá, saibam que é a custa de minha vida e certamente agora a aprecio mais do que nunca, sabem por quê? Porque o pouco tempo que me resta quero dedicá-lo com toda minha força e experiência acumulada de muitos anos a fazer o que estamos fazendo agora; porém não quero muito, eu me conformo com apenas dois ou três, vamos tirar todo o proveito dos quase 50 anos nesta profissão (Aplausos).

Sim, digo que não quero, não quer dizer que trema se vou morrer amanhã; não, não, não, sinto-me bem, tenho uma imensa capacidade de resignação e de paciência, também estou muito entusiasmado com o que fazemos neste momento, e disso se vocês quiserem, se vocês têm paciência, e sempre que seja antes, por exemplo, das 20h00, posso contar-lhes a respeito de outros temas que podem ser de seu interesse. Não vim cá para dizer as coisas que me interessem, tentei adivinhar aquilo que poderia interessar a vocês, tentei tomar algumas idéias de vocês, contudo acho que vocês fizeram perguntas e discutiram aqui algumas destas questões. Eu filosofei um bocado sobre as civilizações e cai nisto que estou a dizer-lhes.

Parece-me que o mais importante que poderia dizer é a convicção que tenho de que a sobrevivência da espécie corre riscos, e corre riscos reais. Se vocês fizeram uma viagem tão longa tiveram paciência demais na espera que eu lhes diga algumas palavras, eu quase, se vou dizer algo importante, o mais importante que posso dizer é isto, que partilho esse sentimento e que tenho a convicção, e não está baseada nas fantasias, mas sim em fatos, em cálculos, nas matemáticas, que a humanidade corre risco, que não só temos que salvar a paz, temos que salvar a espécie, e acho que pode ser salva. Não falaria a respeito disto se for pessimista, se pensasse que o problema não tinha solução, acho que tem solução, e estou costumado a enfrentar problemas difíceis, não é alguém que imaginou coisas; acho que tem solução e é o mais importante, mas posso falar-lhes de alguns outros temas.

Aquilo que finalmente ia dizer é que a ele não o deixavam viajar porque vinha para Cuba, pararam-lhe ali, e foi então que ele expressou a boa vontade. Eu aproveito, tiro contas, passo contas. Não, eu não ia às Olimpíadas, porque realmente tenho tarefas muito fortes; não fui nem às de Moscou, cheguei às de Barcelona porque havia um evento internacional e nos levaram ali e assisti sua inauguração. O que sim sei é o número de medalhas que os atletas cubanos ganham, e Cuba tem o maior número de medalhas de ouro per capita nos esportes, de medalhas olímpicas de todo tipo. Lógico, digo-o não por chauvinismo, embora às vezes sejamos chauvinistas esportivos; eu nem nos esportes, é verdade que me emociono quando é a equipa de nosso país, é lógico, porém não, sempre sou capaz de reconhecer os méritos e a capacidade do adversário que nos ganha em boa lide num evento esportivo, não no boxe, no boxe a nós nos tem roubado medalhas de ouro em grandes quantidades, porque o que tem prevalecido no boxe é a máfia. Há esportes nos quais o que prevalece não é o olimpismo, mas sim a máfia.

Quero dizer-lhes que, bom, aprecio os olimpíadas, embora as olimpíadas são apenas para países ricos, tem que os Estados Unidos, Japão, Austrália ou outros com alto nível de desenvolvimento. Foi um milagre que lhe concedessem a Grécia o direito de organizá-las, fizeram-no porque foram os inventores das olimpíadas há mais de 2.000 anos. Aquele homem que chegou correndo para informar o resultado da batalha... Qual das tantas guerras era aquela? Uma das tantas batalhas, das milhares de batalhas que têm acontecido, se o homem tem-se dedicado quase a isso. (Alguém lhe diz: “A batalha de Maratona”)  Assim se chamou.

Por outro lado, nas Termópilas, um camponês informa ao homem sobre os dois milhões de soldados. Não é real isso de dois milhões. Quando lia a história na escola primária achava que era verdade, que por esse lugar tinham passado tantos homens. Um dia de visita na Turquia para um evento internacional, atravessei o Bósforo, onde dizem que colocaram os navios porque passou o exército de Artajerjes com dois milhões, e os espartanos estavam a sua espera nas Termópilas com apenas 300. Perguntem ao Estado Maior dos Estados Unidos como podem ser fornecidos dois milhões de homens. Precisa-se de toda a frota mercante, de toda a aviação para fornecer dois milhões de homens e ainda mais se vão com Coca Cola, sorvetes, refrigerantes, comida de primeira classe. Sei lá qual a alimentação que recebiam aqueles soldados persas.

Mas houve outra batalha, das muitas que tiveram os gregos, e foi então que surgiu a competição de maratona. E como vocês foram os fundadores das olimpíadas, e com o apoio de todos, nós entre eles, porque defendíamos o direito dos gregos a organizarem sua olimpíada; mas o único país que não é multimilionário com uma olimpíada é Grécia, porque teve a sorte, há dois mil anos, de receber a boa notícia de que tinha ganho uma batalha contra um dos impérios daquela época. Que pena!, porque na Baia dos Porcos nós também tivéssemos a possibilidade de enviar um corredor a toda velocidade para que informasse em Oriente que as forças mercenárias tinham sido derrotadas em menos de 72 horas, também uma pequena batalha ganha pela Revolução contra as tropas mercenárias escoltadas pela esquadra dos Estados Unidos. Não deixa de ser um pequeno mérito, porém, ninguém pensou nisso. Acontece que havia telefones, rádio e tudo isso, e ninguém teve que correr, porque aqui também encontrou um império tão poderoso como aquele. Houve uma pequena batalha, a batalha da Baia dos Porcos, Maratona/Baia dos Porcos, poder-se-ia até fazer um verso, mais ou menos, uma rima, num país tão cheio de poetas como este.

Bom, foi por isso que lhe outorgaram a sede da olimpíada. Agora já se disputam os grandes investimentos. Há que ser multimilionário. Os chineses conseguiram uma olimpíada lutando muito duro, e depois que se converteram no motor mais importante da economia mundial. Conseguiram os Jogos Olímpicos de 2008. Eu nem sei quem poderá ganhar aos chineses organizando um espetáculo como as olimpíadas.

Desculpem meu mau hábito de sempre dizer as coisas que penso, aquelas que acho que são verdades.

Vejamos, fui muito extenso no tema para explicar-lhes minha valoração, a importância que eu dou a este reunião, isto é, realmente instá-los a continuarem lutando, para que continuem fazendo aquilo que fizeram.

Há temas muito importantes que aqui foram abordados: temas regionais, temas internacionais, temas ligados à paz. Suponho que as intervenções serão publicadas numas memórias, e se estendam, que não fiquem apenas no âmbito de um reduzido número de pessoas. Acho que as discussões foram muito valiosas e livres. Cada qual expôs sua opinião sem temor, num sentido ou noutro; cada qual disse suas verdades, e acho que vale a pena, e posso oferecer-lhes todo nosso apoio, toda nossa cooperação sempre que esteja ao nosso alcance.

É como uma valoração. Não falou o sentimento. O sentimento falou aqui quando falou Retamar e expressou, entre outras coisas, a alegria dos cubanos, devido à presença aqui, neste evento, de tantos representantes da Rússia.

Lembrei a história que vivemos em comum durante 30 anos. Para nós foi muito valiosa a colaboração russa, que naquele momento era a colaboração russa, porque havia um Estado soviético, hoje está o Estado russo. Realmente o Estado russo herdou praticamente todas as atribuições e responsabilidades fundamentais do Estado soviético, seu lugar nas Nações Unidas, sua prerrogativa como país poderoso, e hoje tem a tarefa de defendê-lo, porque hoje se corre o risco, sem dúvida, de que prevaleça uma política imperialista egoísta, uma política irresponsável, uma política guerreirista. Todos corremos riscos, não só os cubanos, mas também os coreanos, os russos, os chineses, o resto do mundo. Ninguém imagine que os europeus estão isentos de riscos, e ainda menos quando a concorrência econômica e comercial, a concorrência na luta para garantir as matérias-primas, a energia e os recursos naturais, é cada vez mais aguda, entre aqueles que querem se apoderar de tudo. E não falo do povo norte-americano, que admiramos tanto, e não são palavras simplesmente diplomáticas.

Jamais cultivamos o ódio, jamais promovemos nenhum tipo de chauvinismo nem fanatismo, nem fundamentalismo. Eles são os fundamentalistas da guerra e da violência.

Quando falei aqui e falei daquele primeiro de junho quando atacaram inesperada e preventivamente a União Soviética, achava que essas palavras tinha-as escutado fazia muito pouco numa academia militar dos Estados Unidos, quando o líder principal desse outro poderoso país disse aos oficiais que deveriam estar prontos para atacarem inesperada e preventivamente qualquer canto escuro do mundo, e em uma ocasião falou até de 60 ou mais países, e nós, que o escutávamos, sabemos que somos um dos mais escuros cantos do mundo, segundo a idiossincrasia, o fundamentalismo, a tecnologia, a concepção e a ignorância, digamos, porque há que mencionar a palavra ignorância. Ignorância significa não saber nada de nada a respeito do mundo, dos problemas que tem o mundo, das realidades do mundo. Ignorância, repito. A ignorância à qual me refiro é não saber nada de nada, e mal anda o mundo quando a superpotência mais poderosa que jamais tenha existido, com capacidade de destruir dez vezes ou vinte vezes o planeta, esteja dirigida por pessoas que não sabem nada de nada. É como para que a gente morra antecipadamente do coração, se não tivermos forte o coração, se não tivermos forte as consciências.

Dizia-lhes que a humanidade dever ser salva. Acho que só a consciência é a única arma com a qual pode ser salva essa humanidade.

Expresso um pensamento com o qual sou conseqüente. Falava do homem, da longa e ao mesmo tempo breve história da espécie que há 200 anos era constituída por um bilhão de habitantes; que demorou dezenas de milhares de anos em alcançar esse bilhão, e que após 130 anos atingiu dois bilhões, e que em apenas 30 atingiu os três bilhões, e depois em dez anos passou de cinco bilhões para seis bilhões. Não esqueçamos isso. Neste momento tem mais de 6,5 bilhões de habitantes. Aquele que conheça a pobreza que existe, o atraso, a fome, as doenças, a escassez de moradia, de higiene, de saúde, neste mundo onde existem países da África nos quais as expectativas de vida já são de 36 anos e daqui a mais 10 anos podem ser de 30, fica espantado. Falo desta humanidade que se enfrenta a problemas jamais vistos.

Falei das guerras. Poderia dizer-lhes mesmo como disse a muitos companheiros, que esta espécie evolucionou, criou o homem, e o homem é realmente uma maravilha que merece sobreviver.

Confio muito no homem, na capacidade do homem.

Até agora, por que é que a educação é tão fundamental para nós? Porque o homem nasce cheio de instintos. A educação é o processo de criar valores nesse ser que nasce cheio de instintos. Não o eduque, deixe-o apenas numa incubadora, numa máquina que o cuidar e o alimente e verá qual a educação que tem, se pode sair dali o que a imaginação dos cineastas norte-americanos criou: Tarzã, o homem macaco, essa personagem dos filmes da nossa infância que não sabe como nasceu num lugar da África e dessa maneira fomos educados com Tarzã, o homem inteligente, rodeado de tribos que tinham caldeiras prontas para se comerem uns aos outros.

Sim, porque essa ideologia nos a inculcaram quando crianças, que os africanos eram canibais, que se comiam uns aos outros; sim, vimos muitos filmes que tratava esse tema, todos nós deveríamos ser racistas e alguns ultra-reacionários, porque eram os filmes que víamos, vocês compreendem?

Sim, temos recebido doses letais de barbárie; temos recebido doses letais de incultura, doses letais de mentiras, e isso, não obstante, ainda não pode destruir as idéias em nosso país.

É por isso que eu digo: educação é inculcar valores positivos criados pelo ser humano; esses valores dos quais falava que era necessário unir. Bom, para nós isso é uma questão fundamental, a criação e a soma de valores.

Que prevalecerá, a mentira ou a criação de valores? O homem será capaz de fazer com que prevaleçam os valores, os verdadeiros valores ou a mentira? Haverá que ser dono das grandes cadeias de televisão? É imprescindível? Não, sejamos donos dos conhecimentos, embora se trate de uma minoria; sejamos donos da informação, comuniquemo-nos através desses mesmos meios técnicos, porque frente às cadeias da mentira, estão as cadeias que podem estar constituídas por computadores, com os quais um homem pode se comunicar com alguém que mora na Austrália, nos Estados Unidos, em qualquer canto do mundo, e trocar idéias.

Acho que o homem também criou a tecnologia com a qual pode fazer com que prevaleçam as verdades.

Nós, por exemplo, temos usado a televisão. Em nosso país existiam duas cadeias, atualmente são quatro e 62% das horas de televisão que são transmitidas em Cuba são educativas, que dizer, divulgadoras de educação, de cultura e de informação e de uma cultura sadia, podem ser de lazer, mas também tentamos que a cultura seja um instrumento de educação, tentamos que a cultura seja a criação de valores, tentamos que um bom filme feito em qualquer lugar do mundo seja conhecido, mesmo como seus valores e aqueles que o criaram.

Já não alfabetizamos pela televisão, não é necessário. Através da televisão oferecemos conhecimentos superiores, conhecimentos universitários, conhecimentos de idioma, usamos esses meios para isso. Esses meios bem usados, a rádio, a televisão, poderiam pôr fim no mundo à praga do analfabetismo.

Por que ainda há 800 milhões de analfabetos e bilhões de semi-analfabetos? Se existe a radio, se existe a televisão, por que bilhões de analfabetos e semi-analfabetos?, é uma pergunta que nos podemos fazer. Existem meios para erradicar o analfabetismo em poucos anos.

Não faz falta que a UNESCO leve meio século falando de erradicar o analfabetismo, para que?, se está provado que o analfabetismo pode ser erradicado até utilizando a rádio.

Cuba tinha um programa de alfabetização pela radio no Haiti, que foi interrompido após a última invasão. Em seu lugar, perto de 500 médicos cubanos prestam seus serviços nesse país que todo o mundo sabe como invadi-lo, mas ninguém sabe como enviar-lhe nem que seja um médico. Cuba jamais mandou um soldado ao Haiti, entretanto há anos que ali tem centenas de médicos. Também há centenas de jovens haitianos graduados de médicos em Cuba, trabalhando com nossos médicos.

Antes da última invasão a que fiz referência levada a cabo pela ONU impulsionada pelos Estados Unidos, o número de haitianos que aprendia seu idioma através da rádio atingia já as centenas de milhares. Agora o programa está interrompido, os médicos continuam ali enfrentando os riscos. Através da rádio, aprendem seu idioma, o creole.

Aqui mais de um milhão de cubanos aprenderam o inglês através da televisão, e também foram oferecidos cursos de francês, português, e mais outros. Nós temos esses e outros programas educativos através da televisão, usando ao máximo esses meios.

Agora, há que praticar nem só a alfabetização escolar, mas também há que cultivar e aplicar a alfabetização política.

Vocês falam de um dialogo de civilizações, como querem ser compreendidos? Eu me pergunto se os analfabetos poderão compreender a mensagem de vocês, e em que lugar do mundo os milhões de analfabetos que existem no Terceiro Mundo, mais os milhões de analfabetos e semi-analfabetos que há no mundo desenvolvido; nos Estados Unidos, por exemplo, existe um grande número de analfabetos e um grande número de analfabetos funcionais, essa é a realidade, países desenvolvidos com analfabetismo funcional, inclusive analfabetismo total, mais que na Europa, nos próprios Estados Unidos.

Como vocês querem que os analfabetos escolares e os analfabetos políticos compreendam a mensagem? Vocês acham que essa gente que escuta todos os dias as histórias que lhes são contadas através desses meios maciços de comunicação vão compreender a mensagem? Contudo, há que fazer com que a mensagem chegue.

Agora, a mensagem não vai chegar simplesmente porque vocês a elaborem e a transmitam. Aqui volto à idéia das crises, as crises farão com que a mensagem seja transmitida e compreendida.

Ninguém pense que esta efervescência latino-americana, a respeito da qual falaram aqui alguns latino-americanos, a respeito da qual falou aqui o embaixador da Venezuela, a respeito da qual falou aqui Villegas — ainda não vi, ele está por ai?

Vladimir Villegas. — Aqui estou.

Cmdte. — Acontece que pela televisão te vês de uma maneira e aqui de outra.

Vladimir Villegas. — Mais jovem

Cmdte. — Isso é o que você acha, o jovem sou eu (Risos). Também acho que sou mais jovem, mas você sim é verdadeiramente jovem, objetivamente, e o felicitamos, ainda tem muito tempo daqui em diante, utilize-o bem, isso é o que posso pedir-lhe.

Mas nem pensem que essa efervescência é casual, é filha da crise no país de maiores recursos na América Latina, no país que tem possivelmente as maiores reservas de combustível no mundo, o país donde fugiram 300 bilhões de dólares, que valiam entre dez e quinze vezes mais do que valem agora; se você faz o cálculo a partir de 1959, quando chegou ao governo essa oligarquia hipócrita, disfarçada de democrata, disfarçada de progressista, até este momento já transcorreram 40 anos, o dinheiro que escapou equivale em poder aquisitivo real a mais de dois milhões de milhões de dólares. Esse é o valor extraído de um só país. Somem, se quiserem, com a imaginação, porque é a única forma de somá-lo, nem os computadores poderiam oferecer os números precisos, porque são tantos zeros que os indivíduos lhes tiram já todos os zeros, que é o que a gente costuma fazer quando multiplica mentalmente.

Quantos se levaram do Brasil? Quantos se levaram do México? Quantos se terão levado da Argentina? Quantos se levaram da Colômbia, do Peru, do resto dos países latino-americanos? Temos que fazer as contas. Nós temos gente em nosso Branco Central fazendo contas, tentando descobrir o mistério, escrutando entre as cifras abismais de milhões de milhões, para saber quanto se desvalorizou o sucre no Equador ou o peso mexicano naquela época, ou o bolívar em outras épocas, embora ainda se sabe que os venezuelanos receberam a herança de um bolívar desvalorizado, ou da moeda brasileira, que chegou o momento em que um dólar equivalia a um 1 e mais de cinco zeros à direita.

É incrível, o Terceiro Mundo conhece esse fenômeno, e é o mecanismo simples através do qual se levam o dinheiro; porque nenhum dinheiro de nenhum país do Terceiro Mundo é seguro.

Isso mesmo fizeram à Rússia. Levaram-se o dinheiro bem-havido ou mal-havido, porque já não é esse ouro que você enterra numa botija, é um papel e esse papel se desvaloriza todos os dias, e você quer segurá-lo, vai trocá-lo por divisa, deve ser o que eu fiz para manter a famosa fortuna pessoal que ridiculamente me foi atribuída. Sim, trocá-lo por divisas convertíveis e depositá-lo em algum banco. Não, eu realmente sei onde o tenho guardado. Enviei-o a Marte, está em Marte, podem encontrá-lo ali, a CIA se quiser pode encontrá-lo ali; vou revelar-lhe o segredo, é que não me lembro bem onde foi que o guardei, realmente, ou o reparti entre Marte e a Lua, para que estivesse seguro, para que na quarta, quinta ou décima reencarnação eu possa alugar um aviãozinho para ir buscá-lo.

Sim, já que falamos de moeda e falamos de dinheiro, então dinheiro bem-havido ou mal-havido levam-no, e são obrigados a levá-lo porque existe uma ordem econômica mundial, cujo gendarme é uma instituição chamada Fundo Monetário Internacional, que obriga os Estados a depositarem suas reservas em bancos estrangeiros; quando alguém chega com os papéis e diz: “Levo-as”, para onde é que as leva. Se não o faz, é punido, não lhe dão nem um tostão. Foram os métodos que existiam quando eram poderosos demais; afortunadamente são cada vez menos poderosos. Constata-se a crescente debilidade dos mecanismos financeiros que o apóiam. Essa ordem apenas pode sustentar-se com armas nucleares, com mísseis tele-dirigidos, com bombardeiros invisíveis, com armas que possam atacar desde cinco mil quilômetros e cair num campo de beisebol, ou talvez na terceira base do campo de beisebol. Tudo isso é o que sustenta essa ordem, é o que sustenta esse saqueio, essa tentativa de apoderar-se de toda a riqueza do planeta em qualquer lugar onde se encontrar, não só arrebatando-a ao meio ambiente, como em Alaska, onde pode chegar o dia em que não exista gelo na Antártida e os milhões de quilômetros quadrados de gelo se derretam e muitas ilhas fiquem submersas, talvez haja que fazer um pequeno cais próximo de onde estamos aqui, como previdência para quando se derreter o gelo; mas os que lá estiveram sabem que se está derretendo rapidamente, eles sabem disso, essa é a verdade; mesmo como o capacete que está sobre a Groenlândia, não é fantasia, não é mentira.

E então arrebatam o equilíbrio à natureza e às nações arrebatam seus recursos naturais, em primeiro lugar o recurso energético. E essa ordem apenas pode ser sustentada através das armas; mas as armas servem cada vez menos perante o crescimento das consciências e graças a essa qualidade extraordinária do homem de pensar, de refletir, de se adaptar às condições concretas em qualquer época determinada da história.

E então, vocês os russos, o que fizeram quando os nazis invadiram e quando suas colunas couraçadas penetravam com profundidade? Pois os russos não se rendiam, lutavam, combatiam para tentar reunir-se com seu exército, ou lutaram nas selvas. Não foi aquilo de: “Me rendo”, voltou a salientá-lo; e se adaptaram, e foram para a Sibéria e se levaram os tornos. E sei de fábricas que começaram a funcionar na Sibéria sem tetos, sob a neve, para produzir armas, quando a parte industrial do país tinha sido ocupada e destruída.

Vocês tiverem que se retirar, retiraram-se porque foi necessário retirar-se até que encontraram o ponto de equilíbrio. E todo mundo sabe o que aconteceu depois. Meditei muito sobre todos aqueles acontecimentos históricos, estivemos em perigo; mas ainda não nos tem surpreendido com tanques imprevistos, sempre estamos à espreita na terra ou sob ela.

E garanto-lhes que este país não será ocupado por ninguém. Oxalá jamais chegue a circunstância em que tenhamos que demonstrá-lo, porque sabemos o que isso custa; mas lhes digo que esta cidade não pode ser ocupada. Esta cidade é uma cidade de centenas de milhares de combatentes que sabem defendê-la, onde não existem analfabetos, advirto isso; aqui a pessoa de menor escolaridade tem aprovada a nona classe, qualquer pessoa sabe manejar um morteiro, um canhão ou qualquer outra arma similar.

Pergunto-me, qual o nível de escolaridade dos soldados iraquianos que resistiam em Fallujah, e durante muitos dias resistiram os tanques e o armamento mais sofisticados dos invasores; qual o nível de escolaridade deles? Sei que combateram ali durante semanas, e depois o exército norte-americano ocupou, segundo parece, lugares onde não podiam ficar nem ir embora; não podiam ficar porque faziam falta em outras partes, e não podiam ir embora porque os adversários voltavam.

Realmente digo-lhes que o homem se adapta, o homem pode resistir. Os imperialistas jamais tiveram que enfrentar uma nação nas condições que teriam que fazê-lo hoje contra Cuba, e temos armas suficientes, e continuaremos armando-nos. Temos acumulado tantas que acho que a ilha afundou-se meia polegada nos últimos anos, devido à quantidade de tanques, de canhões, de armas que chegaram a nossa pátria.

O agressor sabe que aqui há um povo disposto a combater e a defender a pátria. Isso é muito mais poderoso do que uma arma nuclear, do que mil armas químicas. Para que armas nucleares? Jamais como país pequeno se nos ocorreu essa tolice, significaria arruinar-se, para dispor de uma arma que serviria unicamente para suicidar-se, porque, como a transporta? Não vamos participar da brincadeira que convém ao imperialismo.

Visto que vocês estão interessados em conhecerem coisas sobre Cuba, eu vou contar.

Nós para nos defender não precisamos dessas armas de destruição maciça, o que sim fizemos foi modernizar as tácticas, o papel do homem, do combatente individual, dos combatentes coordenados, de que maneira, com que táctica, com que armas se pode neutralizar o mais poderoso que possa ter um adversário.

Quero dizer-lhes que nosso país atingiu o que poderia chamar-se a invulnerabilidade militar, e neste momento está debruçado, junto a sua tarefa de se fortalecer, na busca da invulnerabilidade econômica, dos conceitos. Era mais fácil alcançar a invulnerabilidade militar que a invulnerabilidade econômica.

A humanidade pode salvar-se, porque o império está sofrendo uma profunda crise, sem crise não há mudanças, sem crise não se formam as consciências; um dia de crise forma mais consciência do que 10 anos do transcurso do tempo, do que 10 anos sem crise.

Vejam a Venezuela, esse país do qual disse se levaram bilhões de dólares, desse país tão rico, é o país onde é maior a diferença entre ricos e pobres, nesse país há 17 milhões de cidadãos que vivem em bairros pobres, em bairros marginais, sem isso não é possível explicar o processo revolucionário bolivariano; nem o Embaixador, nem o jornalista poderão explicá-lo bem, e de certo eles o explicam bem, é a injustiça acumulada. Sem a injustiça acumulada não se pode explicar o triunfo da esquerda no Brasil, o triunfo de Lula, bem sei que também discutiram sobre esse tema, houve teses e opiniões. Aqui se realizaram eventos nos quais também se discutiu, nós expressamos nosso critério, o presidente Chávez tem expressado seu critério, e não somos pessimistas a respeito do processo brasileiro.

Hoje falou um chefe de governo europeu, do governo da Espanha, perante a Assembléia Nacional Venezuelana. Acontece que ontem se reuniram em Guaiana, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez; o presidente do Brasil, Lula Da Silva; os presidentes da Colômbia e da Espanha.

É muito bom que participe o Presidente da Colômbia, porque há alguns que querem promover a guerra entre a Colômbia e a Venezuela e somos muitos cientes de que isso é o que menos convém a este hemisfério, é o que menos convém aos dois povos e aos dois países, e sabemos que existem aqueles que querem provocar esses conflitos, mas ambos os governos fizeram o esforço, venceram o incidente. E ontem se reuniram ali, à luz pública, num debate público, do qual também participou o de Espanha, e o Presidente do vizinho do Norte, acho que fez uma declaração... Ah!, desde antes estava zangado, tinha feito declarações, “Que ia fazer Zapatero na Venezuela? Por pouco dizem: Zapatero a seu sapato, sim, esse é um provérbio castelhano: “Sapateiro a seus sapatos”. Mas por pouco no Norte dizem: “Zapatero a seu sapato”. Porque disseram-lhe: O que é que faz na Venezuela, se ali não há democracia nenhuma, se ali são contra a liberdade de expressão e contra tudo?

Hoje estava a caminhar e ia caminhar mais forte; mas di voltas e através de um alto-falante escutei o discurso de Zapatero no Parlamento venezuelano, e chamou a minha atenção, achei que foi um bom discurso. É minha opinião.

Vou lê-lo novamente, porque eu perdi uma parte; mas proferiu um discurso de paz, um discurso valente.

Agora o acusam quase de guerreirista, porque vendeu algumas patrulheiras à Venezuela para vigiar as costas do contrabando e do tráfico de drogas; não, não, já não querem que a Venezuela tenha embarcações, nem patrulheiros, nem equipamento.

Além disso, também tem direito a se defender, por acaso os do Norte pedem licença a alguém para fabricar uma sofisticada arma nuclear ou uma bomba que penetre 30 metros de profundidade na terra, para destruir os postos de comando? Eles não pedem licença a ninguém; nem para fazer escudos antimísseis e colocá-los num lugar qualquer, nem inclusive para colocar armas no espaço, não, não pedem licença a ninguém.

Ah! Porém a Venezuela, ameaçada por eles — isto é, pelo governo —, não pode comprar um fuzil. Não, não está a comprar armas nucleares, nem couraçados, nem porta-aviões; está comprando algo tão simples como são os fuzis.

 Então dizem que são muitos fuzis, cem mil; realmente é bastante pouco para defender um país como esse que tem 26 milhões de habitantes, um país grande, um país patriótico, um país com tradições como a Venezuela. Segundo minha opinião, precisa de milhões de fuzis.

Na Rússia compraram helicópteros. Do que mais se necessita quando há inundações, furacões são helicópteros; servem, além disso, para vigiar 2.400 quilômetros de fronteiras e dessa maneira evitar o contrabando de drogas e o contrabando de mercadorias. Não, 30 ou 40 helicópteros são bem pouco para essas tarefas.

Na Venezuela — e não digo isso para que viagem de turistas, se quiserem podem ir —, a água é muito mais cara do que a gasolina. Um litro de água pode custar um dólar e um litro de gasolina custa nove centavos. Ouçam e por um dólar, segundo a última troca, acho que são 2.150 bolívares, e por uns pouquinhos bolívares enchem-lhe o tanque de gasolina; mas se quiserem ir como turistas podem ir, que nos não temos nenhuma rivalidade com os venezuelanos em matéria de turismo.

Então, muita gente compra barato a gasolina e a leva para o lado colombiano, a vende caro e há muitos desses fenômenos que eles têm.

O inimigo diz: “a Venezuela é um perigo para a América Latina, na OEA devem unir-se para travar esse processo bolivariano, desses doidos que constituem um perigo para o hemisfério.” Assim são as coisas contra esse país, donde se levaram 300 bilhões de dólares.

Nenhum deles preocupou-se por averiguar quantos morriam na Venezuela por doenças e quais as perspectivas de vida, qual a mortalidade infantil, quantos ficavam cegos.

Sabem quantos venezuelanos vão ser operados da vista neste ano, segundo o que conversamos entre ambos os governos e segundo o acordado? Cem mil.

Temos 24 centros oftalmológicos com equipamentos mais modernos, 600 cirurgiões que atendem todas as doenças da visão: glaucoma, retinopatia diabética, e outras que por não serem diagnosticadas em tempo provocam a cegueira. Falo de um país rico como a Venezuela. Aqueles que tinham dinheiro não tinham problema, viajavam para os Estados Unidos, para a Europa, estamos falando do homem humilde de Bairro Adentro, que não podia viajar a um país desenvolvido para fazer-se uma operação dessa natureza.

Agora, se vocês quiserem digo-lhes, que um cálculo conservador indica que há quatro milhões de latino-americanos que cada ano precisariam deste atendimento médico, e de não recebê-lo ficariam cegos, dos 550 milhões de latino-americanos e caribenhos, cegos! Não falo de bombas sobre Bagdad que matam mulheres e crianças e destroem museus milenares, destroem valores que são irreparáveis, insubstituíveis, falo de bombas que traumatizam, porque dizem: “Não, não morreram civis”, e os milhões de crianças, de idosos e de pessoas que escutaram o estrondo dos bombardeios, os estalidos, durante a madrugada e a toda hora, por acaso muitos deles não ficarão traumatizados toda a vida, será que o cérebro não importa, será que o equilíbrio mental não importa, será que a saúde mental não importa, será que os nervos não importam, será que não estão na Carta dos Direitos Humanos a equanimidade das pessoas, o juízo das pessoas, a saúde mental das pessoas, quem os sustenta, quem os alimenta? Esses não são contados dentre as baixas físicas, mas são baixas, quase fazem mais dano, porque ficam inúteis, doentes sem atendimento médico durante toda a vida.

Há um instante falava de pessoas cegas na América Latina, às quais a ordem mundial estabelecida condenou à cegueira para sempre, e falo de quatro milhões. De onde partimos?, de Cuba. Em Cuba têm que ser operados anualmente de catarata por volta de 30 mil por ano. Lógico, não se acumula, o homem não cai na cegueira total, porque primeiro operam um olho, e depois se for necessário o outro; mas há que operar 30 mil, e de retinopatia diabética, uma terrível doença. E a diabete, e uma das doenças que açoita, em nosso país não morrem os diabéticos, simplesmente, porque são diagnosticados e são atendidos, calcula-se em 50 mil as pessoas que devem ser examinadas e atendidas contra os riscos da retinopatia diabética.

Ontem casualmente estávamos conversando com um companheiro e me contou o seguinte: “Minha esposa estava contentíssima, estava feliz, foi ao hospital” — examinaram-na —, “foi consultar-se porque lhe disseram que possivelmente podia ter risco de glaucoma” “E o que lhe disseram, foi examinada?” Diz: “Não há perigo, mas se houvesse um risco, seria resolvido com a aplicação de um raio laser que lhe garantiria, para toda a vida não sofrer de glaucoma.” Assim, com estas palavras, essa é a importância do diagnóstico, não o diagnosticam e depois é muito tarde; pode ser uma mácula, associada aos anos, à idade, uma sombra que cresce, e é tratada com um raio laser.

No fim deste ano o nosso país terá capacidade para operar não menos de cinco mil ou seis mil pacientes diários, em 24 centros que já tem seu equipamento completo e dos mais modernos. Ainda estamos na fase de treino. Se um país bloqueado como Cuba pode prestar esse serviço, por que outros países não fazem o mesmo?, essa é a pergunta que há que fazer. Por que milhões de pessoas ficam cegos e quem as atende. Aquele que fica cego em Cuba recebe pelo menos atendimento da previdência social. E esse é um tema que eu vou discutir hoje às 21h00 com o Conselho de Estado, o Conselho de Ministros, a direção de nosso Partido, a direção de nosso país, as organizações de massa, as comissões da Assembléia Nacional, o de amanhã, onde analisaremos a questão das baixas pensões e vamos aumentar as mais baixas a 1.800.000 pessoas.

Há alguns dias no nosso país revalorizamos nossa moeda, e desvalorizamos o dólar. Sim, pelos super-privilégios que tem, posso resumi-lo se vocês quiserem em um só exemplo.

Vocês sabem que a eletricidade é indispensável, essa que se apagou aqui, e que um quilowatt são 1.000 watts — acho que vocês sabem disso, quase todos sabem disso, porque têm que pagar —, atualmente a produção de um quilowatt custa não menos de dez centavos; o combustível necessário para produzir um quilowatt custa nove centavos. Bom, em virtude do fenômeno da desvalorização das moedas, em virtude desse fenômeno, você com um dólar comprava, até há relativamente pouco tempo, 27 pesos, quando há três semanas valorizamos nosso peso em 7%, foi reduzido a 1 por 25, tudo isso aconteceu há duas semanas, isso foi o que fizemos com o peso.

Há uma semana, amanhã fará uma semana, revalorizamos o peso conversível, e como o peso conversível tem uma taxa de câmbio..., o peso cubano foi revalorizado novamente em 8%; 15% foi revalorizado. Bom, com esse peso revalorizado amanhã vamos aumentar as pensões a todos os aposentados que recebem menos de 300 pesos, e por categoria: os que menos ganham, mais; são gerações de trabalhadores que têm sofrido os rigores do bloqueio, que passaram os sacrifícios. Ah!, os salários foram aumentados, mas as pensões continuavam sendo as mesmas, não havia recursos. Os salários mais baixos também serão revistos.

Digo que, pelo menos o cego não fica sem ajuda; aquele que se acidentou, aquele que ficou inválido ou que nasceu com alguma discapacidade, ou que a adquiriu depois, porque às vezes nasce com determinadas tendências e depois sofrem de uma discapacidade total, todos eles recebem ajuda. Bom, não só vão continuar recebendo-a, mas também cada vez receberão mais.

Amanhã haverá um aumento geral de mais de 80% das pensões, a partir de amanhã com um dinheiro revalorizado e um dinheiro que continuaremos revalorizando, é algo, não é?

Em outros lugares ficam cegos, e que Estado os ajuda? Que organização?, só as organizações caridosas das igrejas. Quantos cegos deambulam pelas ruas, quantas crianças cegas ou inválidas, limpando pára-brisas, pedindo esmolas?

Desafiamos qualquer pessoa que deseje ver se em nosso país há crianças que não vão à escola, que estão na rua em vez de estarem na escola, pedindo esmola. Fomos pobres, houve tempos ainda mais difíceis, é verdade, há alguns pais irresponsáveis que lhe exigem pedir esmola aos turistas; essas possibilidades serão cada vez menores, porque calculamos tudo matematicamente, mercadoria, preço, custo, custo internacional, receita, pensões, necessidades do homem.

É por isso que lhes dizia que nossa Revolução já acumulou um nível de experiência e criou as condições necessárias para fazer o que estamos fazendo.

Nossos alimentos foram racionados, mas isso não será eterno, contudo foi indispensável. Nós temos vivido uma guerra que já tem 46 anos defendendo-nos dos ataques do império. Temos enfrentado crises, períodos muitos difíceis, e ainda estamos sobre as armas.

Não há dúvidas de que depois desta situação extrema e das crises às quais nos levou o bloqueio, não fez com que ignorássemos o povo norte-americano. O próprio povo norte-americano reagirá, porque nesse povo também existem milhões de pessoas cultas, de pessoas inteligentes, que recebem notícias através da Internet, que podem ser enganadas sob o impacto de um fato dramático como a destruição das Torres Gêmeas de Nova York, num estado emotivo dessa natureza; mas não pode — como dizia Lincoln — ser engano todo o povo o tempo todo.

No caso dos Estados Unidos, poderíamos dizer: todo o povo todos os dias, a todos puderam enganar durante uma parte do tempo; mas irão ganhando consciência. Os próprios erros conduzem-nos às crises, das quais surgirá a tomada de consciência do povo norte-americano.

Este povo preocupa-se pelo meio ambiente, não gosta da idéia destruir Alaska, de renunciar ao Acordo de Kyoto, de que os parques nacionais sejam destruídos e sejam submetidos à exploração mineira ou à exploração petroleira.

Há valores que o povo norte-americano, mesmo como todos os povos, aprecia, entre eles a saúde e a paz.

Agora, até que ponto o povo norte-americano tem o direito de receber uma informação objetiva? Não é isso uma brutal violação dos direitos humanos, negar informação objetiva a uma nação toda?

Hoje mesmo, o governo dos Estados Unidos quer destruir a pouca abertura que se produziu para Cuba quando foram autorizadas as vendas de alimentos em virtude de uma lei do Congresso, onde a maioria dos senadores e dos representantes opôs-se, pediram o fim do bloqueio, e aquela lei que tinha aspirações maiores foi sabotada, encheram-na de emendas, um procedimento que tem cada vez que querem, vinculam uma emenda a uma lei fundamental que não admite dilação e todos os representantes vêem-se obrigados a votarem; mas já a maioria está contra essa lei e os agricultores se opõem. Eles estão inventando, inventaram que o pago fosse por adiantado. Eu achava que pagar à vista, sem demorar um segundo, era um mérito, nada disso, não é nenhum mérito, há que pagar por adiantado, é o que nos pediam. Para o quê?, para nos embargar os fundos e destruir a venda de alimentos.

Lógico, todos aprendemos um pouquinho e sabemos que dano provoca isso, medimo-lo, o calculamo-lo, de onde vem a mercadoria, quanto custa a transportação, quanto custa, etc.,etc., etc. Realmente viramos imunes àquilo que possam inventar, e o que acontece é que todo o que inventam lhes sai mal.  É mesmo assim, não exagero.

Agora andam averiguando quais são os recursos que Cuba possui. Nem imaginam como temos aprendido a poupar, nem imaginam quanto temos aprendido a utilizar bem os fundos, a maior parte desses recursos, poupanças de coisas. Havia pessoas de mais que decidiam em que investir as divisas, e, claro, recursos novos, há novos recursos; mas, principalmente, são poupanças, e já isso não há quem o pare. Isso só pode ser interrompido por uma guerra que vise nos destruir.

Temos vantagens na nova situação do hemisfério, nas relações com os países do hemisfério. Sabemos muito bem quanto vale uma livra de feijão preto, de feijão vermelho; como a bolsa cotizou o milho; quanto custa o transporte, se decidimos fazer um gasto em quaisquer um deles; sabemos o que temos que fazer e temos feito gastos, mas disso não quero falar.

Tomamos medidas. Posso dizer-lhes que, por exemplo, estamos adquirindo 50 % da produção de leite em pó do Uruguai — a metade da produção de leite em pó já deve chegar —; governo com o qual recentemente estabelecemos relações, um governo progressista, um governo justo, um governo verdadeiramente democrático, com o difícil que é ser democrata do sistema, porque falam da democracia referindo-se ao sistema. É quase impossível ser democrata dentro desse sistema, só em virtude de milagres, e quando bombardeiam os candidatos com todos os meios maciços de comunicação — que ele sabe mesmo, Vladimir o sabe, você se chama Vladimir, não é verdade?, isso sugere-me um nome histórico, acho que bem conhecido pelos russos, daí você tirou, certamente; há bastante russos que se chamam Vladimir; porém, ele o sabe — bombardeando e bombardeando, criando reflexos. Uma coisa é transmitir opiniões e outra é criar reflexos. O mecanismo através do qual se pode manter enganados milhões de pessoas é a criação de reflexos.

Houve um russo eminente que estudou os reflexos, Pávlov, ele sabia como fazer com que um urso dançasse e como quase fazer falar aos macacos, através dos reflexos, e é através de reflexos que tratam as massas, as técnicas modernas de publicidade comercial, transmitindo as idéias políticas utilizando técnicas da publicidade comercial, criando reflexos.

Se vocês quiserem criar consciência, têm que lutar contra os reflexos, e nosso país aprendeu a lutar contra os reflexos, porque quando triunfou a Revolução, muitos cidadãos cubanos tinham reflexos que lhes foram criados através da publicidade, por isso as batalhas não são batalhas fáceis, e mesmo como ao presidente Chavéz, lhe dizem que não é democrata, que digam que nós não somos democratas, satisfeitos, não perdemos o sono por isso. Nós sabemos o que somos, sabemos demais o que somos, o que sentimos, o que temos feito durante toda a vida, e os princípios que regem nossa conduta. O que é a politicagem?, são os pasquins, é a compra de votos. Todo o mundo sabe que para ser presidente dos Estados Unidos deve ter não menos de 300 milhões, para ocupar um cargo, mede-se em dinheiro, e os que não conseguem reunir 200 milhões renunciam no meio da campanha; chamam a essa sujeira democracia. Pelo menos em nosso país votam mais de 95% das pessoas, e não há publicidade comercial, nem pasquins que sujem as ruas, que vá contra a higiene mental e a paisagem: “Vote por o cara, é um santo, vai para aquele lugar no céu. Jamais roubou um centavo também jamais o roubará” — mais ou menos assim —, “tem todas as virtudes do mundo”. De milagre não está no santoral da igreja. Assim todas as mentiras inventadas no mundo são os métodos de publicidade com os quais se desenvolve essa suposta democracia. Eu não quero discutir a respeito disso, mas sim quero dizer que sei bem quanta mentira esconde-se por trás de tudo isso; mas no meio de tudo isso o presidente Chávez arrasou no plebiscito, arrasou, e segundo os meios, não é democrático.

Assisti a televisão durante horas, como amigo, como irmão dos venezuelanos, como estudioso, inclusive, dos métodos e dos procedimentos das forças inimigas da paz e do progresso dos povos, e tenho visto como trabalham, é incrível, e o tempo que se perde.

Em nosso país não existe a publicidade comercial, não, é por isso que todo o que produz a televisão dá zero PIB, os serviços de educação, de saúde de Cuba e de lazer têm quase zero PIB, porque são gratuitos, não são contados; dessa maneira uma tonelada de cimento pode valer mais do que uma vida. Alguém pode salvar uma vida, porque por acaso um médico fez com que seu coração batesse de novo e deu tempo a que chegasse a um hospital, isso vale menos que uma tonelada de cimento, porque isso não deu nada ao PIB.

Há que analisar os valores com os quais se medem, inclusive, a literatura, a arte, a riqueza, a qualidade de vida. A qualidade de vida não aparece em nenhum PIB, o homem pode ser internado num manicômio, o homem pode viver dez anos menos porque lhe inculcaram o hábito de fumar, de fumar três maços diários, e depois morrer de câncer ou de infarto. Não, não lhe ensinaram qual a higiene que deve manter se você quer que alguém viva mais anos. Todo o mundo sabe disso, que é o que se precisa para viver um bocado mais de anos, o que deve comer, quais os exercícios que deve fazer.

Então, visto que tive que me referir ao tema, e como nós somos os grandes transgressores, os maiores que tenham existido sobre a terra, é por isso que explico isto, mesmo como falei dos cegos, e lhes contei. Sei que vocês querem saber coisas do hemisfério, sei que vocês perguntaram qual é seu futuro, sei que vocês puderam ver com clareza que este hemisfério é o futuro.

Não é o futuro, mas será o encarregado de desempenhar um papel muito importante num mundo de paz, num mundo de diálogo, num mundo civilizado, aqui têm o potencial e muitos sabem disso, os europeus o sabem, se não, o que fazia Zapatero naquela reunião, o que fazia Zapatero falando na Assembléia e proferindo um discurso construtivo? Também, o que fazia um Comissário da Europa visitando Cuba, este país tão diabólico?, e vieram, e os recebemos e falamos com eles e disse-lhes: Não tememos a nenhuma discussão, a o que menos temos medo no mundo é a discutir, falar, porque realmente sabemos que contamos com um arsenal bem grande de argumentos, de fatos, de historia, não de contos, não de promessas, mas sim de realizações, de coisas feitas, que não divulgamos muito, nem nos importamos com isso, o que é que nos importa divulgar o que fazemos?.

Participei em 20 reuniões e nelas não falei, mas aqui concretamente, expliquei para vocês como são as coisas neste hemisfério do qual querem saber e discutiram a respeito do tema. Digo que fazem muito bem, porque se a Europa quer estar e sabe que este hemisfério é decisivo, este hemisfério de onde querem tirá-la, e os chineses o sabem, com sua sabedoria milenar, sabem-no, com sua experiência.

Há pouco tempo o Presidente da China esteve aqui, e também esteve noutras partes da América Latina, visitou o Brasil, a Argentina, e o Vice-presidente visitou a Venezuela e o Caribe. Então eu digo, será que os russos vão se ausentar deste hemisfério? Vocês expressaram de uma forma muito correta que a Rússia não deve se ausentar deste hemisfério. Este hemisfério decisivo para o futuro, que o imperialismo quer controlar indefinidamente e será cada vez menos, garanto-lhes que será cada vez menos, porque com espírito de conquista e de saqueio não se pode ganhar os corações dos povos deste hemisfério. A este hemisfério se vem a dar e a receber, ou se quer a receber e dar. Neste hemisfério, acho eu, e de maneira nenhuma represento o hemisfério, porém tenho direito a pensar que hoje só é possível vir a intercambiar, a unir, a ajudar e a ser ajudado; a assistir e ser assistido, partilhar e unir-se não só em busca de benefícios materiais ou econômicos, mas também em busca de paz, em busca de forças que façam com que prevaleçam no mundo o juízo e a paz, em busca de forças que ajudem a salvar a civilização à qual vocês fazem referência. Eu sei muito bem isso, e quando lia os resumos, sei que alguns trataram este problema. Sim, e não vejo mais outro caminho.

Sei que há pouco, na Europa, o Presidente da Rússia se reuniu com o Presidente da França, com o Primeiro-Ministro da Alemanha e com outro Presidente do qual no me lembro agora; os que dirigem o vizinho país do Norte não estavam muito contentes.

Porém vejam, observem: em Paris se reúnem quatro presidentes — sei lá porque ali não estava o chinês, o Presidente chinês participa em qualquer  reunião —; reúnem-se na Venezuela, na pátria de Bolívar, o presidente da Argentina, o Presidente da Colômbia, o Presidente da Venezuela e o Presidente da Espanha, vejam como se comunicam os espíritos, as correntes; o pensamento viaja e voa e é o único que viaja mais rápido que a luz, mais rápido que a eletricidade. O pensamento voa e são pensamentos, cada qual observa o que acontece em todas as partes. Lá, criar conflitos, criar divisões, promover guerras, porque é um momento em que um país como a China ergue-se com força, o ideal para o imperialismo é promover guerras ali, secessões, conflitos que interrompam o extraordinário desenvolvimento desse país.

Todo o mundo sabe que as concorrências econômicas deram lugar às guerras, a esses colossais déficits comerciais e a esses colossais déficits orçamentários, devido, fundamentalmente as corridas armamentistas sem impostos, guerras sem impostos, esbanjamento também podem provocar as tentações de promover conflitos que deixem fora da lide países que têm grande potencial de desenvolvimento.  

Pergunto-me se nesse colossal império norte-americano existem líderes — refiro-me ai entre os fundamentalistas — políticos que sejam a favor do desenvolvimento da Rússia, se desejam que a Rússia prospere, que a economia russa prospere, que o rubro russo tenha valor, que as produções da Rússia tenham mercado, que o combustível russo, o gás e o petróleo tenham valor, ou a madeira da Sibéria ou o níquel de Norilsk, ou outras coisas que nós sabemos que os russos produzem.

Sabemos onde é que havia qualidade e onde não havia, como também no Ocidente, sabemos o que serve e o que não serve, isso sabemo-lo muito bem, o valor e as possibilidades que tem cada um dos países, não podemos ignorá-lo, não podemos dar-nos ao luxo de ignorar isso.

Faço-me a pergunta: que espaço resta, se tudo é conquistado, se tudo é ocupado, se o Iraque é invadido, se o Irão é ameaçado porque pode ter armas nucleares?, e realmente há países que são aliados dos Estados Unidos que têm centenas de armas nucleares e, contudo, foi aceite, ninguém discute, é a verdade, todos sabemos, vocês sabem a que me refiro; não quero mencionar países, não tenho nada contra nenhum país, mas si tenho compromisso com a verdade e sabemos como é que são as coisas, a lei do funil, o largo para alguns, o estreito para outros. Assim anda o mundo, e esse mundo vocês sabem que conduze a um beco sem saída, é assim, isso ninguém o pode negar.

 Mas essa realidade também está despertando as consciências.

Esta mesma crise petroleira vai despertar a consciência. Lá, quem dirige o Norte, declarou recentemente: Procurar todas as energias. A nuclear, desde o acidente de Chernobyl, criou em todo o mundo um justificado temor. E já agora nos Estados Unidos não é fácil começar a construir em série complexos nucleares. Bom, voltar ao carvão; não é fácil voltar ao carvão com os seus efeitos contaminantes.

Fala-se de hidrogênio, o Presidente dos Estados Unidos falou de hidrogênio, o que ainda não disse é se vai obtê-lo dos gases, da energia fóssil ou se vai obtê-lo da água, porque se o vai obter da água, com certeza, todos vamos parabenizá-lo, inclusive eu vou parabenizá-lo se consegue obter energia a partir da água e eu estaria disposto a propô-lo como Prêmio Nobel e pedir-lhe às pessoas que assinem e iniciar uma lista de assinaturas para que inclusive o canonizem, se ele tiver a feliz idéia de resolver os problemas obtendo hidrogênio a partir da água e fazer com que os carros funcionem.

Sim, eu o sei muito bem, porque aqui tínhamos três ou quatro companheiros fanáticos que queriam obter hidrogênio a partir da água, eles trabalharam cerca de 30 anos, eu me lembro que os visitei. Lembro que uma vez explodiu, porque, na verdade, eles conseguiram um pouco de hidrogênio e todo acabou com uma explosão, mas eu não sei deles desde há muito tempo.

Sei muito bem que todo o mundo está fabricando um carrinho que funciona com hidrogênio no Japão, na Europa, nos Estados Unidos, o que ainda não se sabe é qual será a fonte do hidrogênio, porque se vai obter-se do petróleo, bom, igual que todos estes materiais, esta garrafa, este tampão, este telefone, acho que também se obtém do petróleo, não é a partir do aço nem do ferro, todo se obtém do petróleo, não há nada que não se obtenha do petróleo, acho que até nós saímos do petróleo (Risos), essa é a realidade.

 Há uma pergunta: O que vai acontecer quando se esgote?, e todos sabem se esgota, isso ninguém o ignora, é preciso ser um analfabeto total, absoluto ou um irresponsável total para crer que o petróleo vai durar mais outros 100 anos a este mesmo ritmo de gasto.

Sim, há técnicas mais modernas, o encontram mais rápido e enquanto mais rápido o encontram no fundo do mar, mais rápido o gastam, mais rápido o esbanjam. A luta deve ser para que os carros poupem.

Uma das coisas que fez esse governo foi suprimir algumas medidas que exigiam dos carros cada vez um menor consumo, então que, a conquistar o mundo mediante disparos de canhão, ameaçá-lo com todas as armas , todas as esquadras, todos os porta-aviões, todos os foguetes cruzeiros e todas as armas nucleares, para que sejam obedientes, sejam disciplinados, produzam matérias-primas, produzam petróleo, para continuar gastando 25% da energia mundial?

Nós estamos fazendo alguns esforçinhos que poderiam ser interessantes, no que se refere à energia e à poupança de energia, viando chegar detalhadamente à essência dos problemas. Vamos fazer uma modesta contribuição ao mundo, simplesmente poupando talvez 50% da energia elétrica que consumimos, poupando algumas centenas de milhões de dólares em energia, e por um lado isso vai se transformar em todos esses programas sobre os que eu lhes falava, e pelo outro em investimentos altamente benéficos, e eu diria que altamente rentáveis, e a partir do conhecimento, a partir de uma matéria-prima que se chama educação e conhecimento; a partir duma matéria-prima de grande valor chamada capital humano; capital humano é o que temos , fundamentalmente, e já veremos.

Como lhes dizemos a nossos compatriotas, perfeitos? Não, seriamos os últimos em dizer que estamos satisfeitos; o que aprendemos com o decorrer do tempo, com os erros, adquirimos uma experiência. Isso é um privilégio, não é nem sequer um mérito.

No meu caso pessoal, tenho vivido um número de anos, não posso dizer que seja um mérito, é uma sorte, sobretudo quando tentavam pôr-me fora de combate prematuramente. Se a natureza me deu uma determinada capacidade de viver, para que privar-me dela. Bom, tenho vivido e aprendi algo; mas, também aprendeu um monte de gente, há um povo que aprendeu ao longo de 46 anos, um povo consciente de suas qualidades e consciente de suas fraquezas, de seus defeitos. Nós estamos muito conscientes de nossos defeitos e somos críticos, extremamente críticos, e não teria reparos em dizer-lhes todos os erros que cometemos.

Nós não vivemos ocultando os erros, nós vivemos dizendo verdades, nós vivemos sendo honestos e retificando constantemente, nós vivemos fazendo um exame de consciência de nossa conduta e de não ser confiados; e por isso agora poderá ter-se a impressão da ave fênix que ressurge de suas cinzas. Sim, essa é a impressão que terão em muitas partes do mundo, de uma avezinha fênix, uma andorinha que ressurge de suas cinzas. Essa é Cuba voando e voando alto, se o definisse com algumas palavras.

Acho que, na verdade, falei muito e vocês estão conformes; sei que estão conformes, pelo menos é verdade, não dirão que não fui sincero, não dirão que temi falar com clareza e franqueza, com respeito, e que temi dizer verdades. Falei como irmão, falei como pessoa que aprecia a vida.

Eu também tenho dentro sentimentos fortes, não deixei que falassem os sentimentos, tentei que falasse a razão, porque o nosso poeta o dizia ao falar da literatura. Quando ele falava de literatura e falava do que lia lá, eu me lembrava do cárcere da Ilha de Pinos, a atual Ilha de Juventude, no cárcere solitário. Eu também lia os livros de Tolstoi, e lia os livros de Dostoievski, os li todos, eu parecia um masoquista lendo na prisão o livro de Dostoievski, que se o homem com uma mesma pedra daqui para lá e vice-versa, e O príncipe idiota, Crime e castigo, Sepulcro dos vivos, todos. E os livros de Tolstoi. Qe excelente literatura russa.

Bom, devo dizer a verdade, já eu era marxista-leninista quando comecei a luta armada, o fui, o sou e o serei, e ninguém duvide disso, porque não sou um dogmático, analiso os méritos que podem ter as pessoas na história, nunca renego de minhas idéias, e sou capaz de ser crítico; mas não tenho nada que criticar-lhes a Marx nem a Lenine, o digo honestamente –eu poderia fazer outras críticas-, nem critico Engels, que foi o primeiro que me ensinou que até as estrelas vão se apagar quando a energia se esgote, e há estrelas apagadas desde há bastante tempo, enquanto outras se afastam do pressuposto lugar da grande explosão.

Lenine ainda não tinha nascido quando Marx publicou o Manifesto Comunista.

O mundo de hoje é muito diferente do mundo que Marx e Lenine conheceram; ninguém pôde conhecê-lo, ninguém pôde imaginar as comunicações em apenas segundos. Viram a globalização, viram para onde conduzia um sistema no qual se desenvolviam as forças produtivas, viram que o desenvolvimento das forças produtivas alcançaria tais níveis que produziria novas situações e grandes mudanças no mundo. Chegamos à globalização, essa globalização criada em condições que ninguém imaginou. As contradições e as concorrências eram resolvidas mediante as guerras. Hoje nenhuma guerra pode resolver nenhum problema. As guerras ficam proibidas por si próprias, porque em uma guerra moderna não haveria nem vencedores nem vencidos. Vocês o sabem, os russos, como superpotência que foram, grande e poderosa, são também hoje potência.

Nós fomos testemunhas de quando existia um determinado equilíbrio, primeiramente eles tinham a arma nuclear, depois se conseguiu um equilíbrio e cada vez ambas as partes fabricavam mais armas; então já a diferença consistia em que uma parte podia destruir a outra quinze vezes e a outra podia destruir a primeira dez vezes, o problema era o número de vezes que uma podia destruir a outra. Vocês, os russos, deixaram de ser uma superpotência, no entanto, todos sabem que cada uma pode destruir cinco vezes a outra.

Como poder real, desde o ponto de vista técnico-militar, o Estado russo tem quase quatro vezes mais poder; porque bastaria com apenas um para destruir o outro e àqueles lhes podem sobrar mais, a toa. E um dia o povo norte-americano compreenderá isso, o compreenderá, há esperança.

Posso dizer-lhes que me sinto feliz de ver esta reunião, de vê-los falando como falaram aqui; sou feliz, me alegra, porque esse país, com tantos méritos, com tanta história, com tanto heroísmo, vejo um potencial de contribuir à paz no mundo, de contribuir à civilização, de preservar a espécie. Não sobramos, e muito menos sobram os que possam fazer muito, como a Rússia, por preservar a espécie, como a China, como a Europa, como América Latina; entre todos, de conjunto, podemos fazer algo, e entre todos juntos, alguns mais do que outros, penso na Venezuela, no Brasil, vejo que podem fazer muito.

Vejo o que acaba de fazer a Argentina, como abordou o problema da dívida. Hoje eu fiquei surpreendido, que vou ligar, acho que foi ao Ministro-Presidente do Banco Central quem falou hoje comigo quando me disse que Bush fez declarações muito elogiosas sobre a Argentina.

Vou perguntar-lhe novamente, porque na verdade, ainda não acredito nisso; mas elogiava Kirchner para atacar Chávez , para atacar a reunião de ontem, porque não gostou nada dela. Naturalmente, Kirchner não será neutralizado com elogios nem nada semelhante, se Kirchner o que lhe deu, digamos, é um jab; mais do que um jab, um golpe duro; ainda não nocauteou o Fundo Monetário Internacional, mas o deixou cambaleando um pouco com a forma em que abordou o tema da dívida.  É a primeira vez que um país adota essa posição decidida, a que adotou a Argentina.

O Fundo Monetário Internacional viverá ainda um pouco mais, não acredito que muito, e, quando eu digo que não acredito que viva muito tempo quer dizer que não acredito que viva outras duas décadas inclusive lhes digo, tenho dúvidas de que esse Fundo viva outro decênio, porque os cálculos não dão certo. Eu faço os cálculos, sumo, resto, multiplico, divido e não dá, não suporta a crise; já não é uma crise, senão uma soma de crises: a suma das crises, a soma dos problemas não dá para que esta ordem dure menos de dois decênios. Sempre inventam algo: a fórmula tal ou aquela, ou o método keynesiano, distribuo dinheiro, evito a crise imprimindo notas, aumentando a liquidez, etc.

Só me resta uma dívida com vocês, falei rapidamente, estou disposto a responder-lhes qualquer pergunta que me façam, qualquer, a que se lhes ocorra fazer,e não apenas uma, duas, três, o tempo que ele me conceda.

Eu cheguei com sete minutos de retraso, há muito tempo que eu não chegava retrasado um minuto; mas é que estava conversando com o Ministro da Agricultura do Canadá, estávamos falando de agricultura, preços dos produtos, qual é o preço do trigo, do milho, dos feijões, das lentilhas, das ervilhas, das vacas, muitos dados, como é que se comportava a produção, todo.

Estava falando com ele das coisas que vamos comprar ao Canadá este ano de 2005. Eu não gosto de fazer promessas, mas lhe prometi que este ano compraríamos três vezes mais do que compramos o ano passado; sim, porque temos alguns planzinhos. Estão elaborados, mas não divulgados.

Então, vocês me desculpam por ter chegado sete minutos tarde, porque estava falando com o Ministro da Agricultura e com um grupo de agricultores canadenses.

Eles deviam ir-se embora, deviam participar em uma reunião e eu quis vir para cá. Eu soube que eles partiriam às 16h00, na mesma hora em que eu pensei reunir-me com vocês. Cheguei uns minutos mais tarde, e sei que os meus companheiros concordarão comigo se eu lhes explico respondendo algumas de suas perguntas, me retrasei alguns minutos.

Não se preocupem, que depois disto vocês todos irão jantar (Risos).

Bom, submeto-me a qualquer pergunta que vocês desejem fazer sobre qualquer tema (Risos).

Venha a dominicana, que me dizem que é uma grande escritora.

Luisa Zheresada Vicioso. — Nesse diálogo de civilizações, eu gostaria que você nos dissesse onde é que você situa o Caribe.

Você sabe que nós, como região, produzimos os mais extraordinários teóricos, não só para nós, senão para todo o mundo, Frantz Fanon, começando e o seu papel na África e para os oprimidos do mundo.

Cmdte. —  O que você acha, que eu não sou caribenho e que não sinto como caribenho?

Luisa Zheresada Vicioso. —  Eu o sei.

Cmdte. —  Você não sabe que quando vocês tinham a Trujillo lá e eu era um estudante de Direito de segundo ano, Presidente do Comitê Pro Democracia Dominicana, quando naquele ano de 1947 organizou-se uma expedição para libertar o povo dominicano de Trujillo, eu me enrolei nessa expedição? Fui o único do Comitê que me enrolei e, apesar de que eram meus inimigos os que estavam lá, fui.

Não sei se você o sabe, permaneci até o fim, muitos desertaram. Houve um problema numa altura determinada e o navio em que eu ia foi detido lá nas proximidades da costa do Haiti. Eu não era o chefe, eu era tenente de um pelotão, porque tinha um pouco de conhecimentos e gostava das aventuras, não vou negá-lo. Se me querem chamar de aventureiro, aceito com honra o título de aventureiro na geografia, nas excursões e em qualquer outra coisa; não na política. Na política aceitaria o qualificativo de audaz, e aquele que não o seja que não se inicie neste ofício, mais vale que o deixe para outro, compreendem? (Risos).

Mas, fui para lá antes de finalizar o segundo ano da carreira. Fez 21 anos em uma ilhota, onde se organizava a expedição dirigida por um monte de pessoas imbecis e auto-suficientes cubanos que ajudavam os dominicanos e pretendia fazê-lo todo.

Lá conheci Juan Bosch e desde então soube da sua valia intelectual, de seu sentimento. Lá conheci Pichirilo, ele foi quem veio no Granma, era capitão do navio em que eu viajava, que se chamava Aurora. Alguém traiu, ia em outro navio mais rápido, eram quatro navios, levavam dois de desembarque, e lá, desde a baía de Nipe se recebeu uma ordem do outro navio que dizia que o esperassem perto de Moa, próximo ao Passo dos Ventos. Lá havia uma fragata grandíssima. Nunca encontrei tão longos os canhões de uma fragata, porque os tirou, os mostrou e disse: “Para trás!”, os responsáveis da expedição não tinham outra opção.

Como eu já disse, Pichirilo, um dominicano, ia comigo nesse navio. Que decidido e corajoso! Anos mais tarde foi o nosso timoneiro no Granma. Fizemos-nos irmãos, porque aquele dia eu me rebelei da expedição, da companhia onde eu era chefe de pelotão, e disse: “Me oponho a que voltemos a esse porto, há uma situação em Cuba, todos serão presos e não aceito isso”.

Eu era partidário de que salvássemos as armas na região montanhosa, e reuni as armas e até tinha um grupo de cooperantes, entre eles, o capitão do navio. Nessa ocasião tornei-me amigo dele e foi o meu cúmplice naquela complexa situação quando me rebelei contra os chefes cubanos e dominicanos.

Rebelião, eu fiz o que fez Hugo Chávez. Rebelei-me, porque me negava a voltar a um porto onde se perderiam as armas e todos seriam presos. Ao início até pensei que a fragata que nos impedia o passo era dominicana. Imediatamente percebi que era cubana.

Persisti na cumplicidade com Pichirilo. Não pude organizar aquele movimento porque a fragata nos acompanhava de perto. Esperávamos a noite chegar. Com a cumplicidade do capitão diminuiu a velocidade da mesma a menos da metade. Todo foi em vão, era verão e escurecia mais tarde. Continue rebelado até que abandonei o navio de balsa e fui-me embora com outras três pessoas, os únicos quatro, de mil e tantos que não fomos presos. O capitão falou com a fragata e disse que não conhecia a entrada e que temia encalhar. Era aventureiro, o admito. Todo o mundo achava que os tubarões tinham me comido e, um dia surpreendi a todos, ressuscitei. Ressuscitei muitas vezes, mais de uma vez.

Assim que eu conheço a causa, a quero e sou caribenho. Já você sabe das nossas relações com os revolucionários dominicanos e com Caamaño aqui, a onde viajou depois de sua heróica resistência. Após o nosso triunfo revolucionário, dezenas de revolucionários cubanos aterrissaram nas proximidades do maciço montanhoso e lutaram contra Trujillo.

Quer dizer, eu tenho sido militante da causa caribenha. Eu sou um caribenho, vivo orgulhoso de nossas relações com o Caribe.

Tenho grandes simpatias com o Caribe de expressão inglesa.

Não pense que sou um fanático dos latino-americanos; sou um crítico, como sou de mim mesmo, e posso sê-lo dos cubanos.

E foram eles, os caribenhos, os que ajudaram a quebrar o bloqueio da América Latina quando todos romperam conosco, exceto o México. Os caribenhos que ainda nem sonhavam com ser independentes no momento em que triunfa a Revolução foram os que promoveram o movimento junto com Torrijos, e também um venezuelano naquela altura, que mais tarde desempenhou papeis nas diferentes etapas de sua vida, nessa época não foi das piores; mas havia uma corrente e a apoiaram.

Foram os caribenhos os melhores amigos que tivemos neste hemisfério, não foram os latinos; foram os caribenhos e com eles temos vínculos muito fortes e todos eles Têm direito a estudar em nossas universidades sem restrição, todas as bolsas que queiram  gratuitamente.

Há uma escola latino-americana de estudantes de medicina aqui, que tem 10 000 estudantes latino-americanos e caribenhos.

Talvez devia ter dito  que a existência do processo revolucionário venezuelano e os acordos econômicos com a China foram fatores de muita importância; os acordos com a Venezuela baseados na ALBA, que subscrevemos no dia 14 de dezembro, 10 anos depois da primeira viagem de Chávez, foi subscrito com um acordo muito vantajoso  para ambos países. Estamos semi-integrados. O sentimento, a idéia, a vontade de integração é a mesma.

Eu, antes de ser marxista, era comunista, comunista utópico! Onde o aprendi? Da vida, da reflexão. Estudando economia cheguei a essa convicção.

Nasci e vivi em um latifúndio que tinha 10 000 hectares, o meu pai era o dono do latifúndio e do resto das coisas, salvo a escola e o telégrafo. Era dono até de um local para rinha de galos, do açougue, do gado, dos tratores, dos caminhões, da loja, do armazém, quando Carlos Marx disse que a propriedade privada existia apenas sob a condição de que não existisse para as nove décimas partes da população eu o podia compreender, porque nasci em um lugar onde meu pai era dono de todo.

Estudei em escolas religiosas. Assim, eu não nasci em berço proletário. E tem mais, se eu não tivesse sido filho do terratenente, não tivesse podido estudar e se não tivesse podido estudar, então não poderia nem sequer ter uma idéia, não teria podido ter uma causa que defender.

Tenho que agradecer a essa circunstância ter podido aprender algo, não ser analfabeto político. Eu próprio consegui deixar de ser um analfabeto político, porque eu estava alfabetizado nas idéias. Bom, não tanto assim, porque era filho e não neto de terratenente; não cheguei a viver a vida burguesa em um bairro aristocrático onde me transformariam no maior reacionário que tivesse existido neste país, porque em um sentido ou em outro, eu não iria ficar na metade do caminho.

Bom, por temperamento há pessoas que não ficam na metade do caminho, são muito entusiastas, em um sentido ou em outro, e assim tive que fazer um pouco de autobiografia aqui para demonstrar que tenho sido caribenho; mas também sou latino-americano, sou africano, sou russo, sou chinês, sou japonês, sou vietnamita. E Vietnam, quando estava em meio à guerra, sabia que podia contar com nossa força, e os sul-africanos sabem que podiam contar com o nosso sangue, e contaram com o nosso sangue quando lá tinham sete armas nucleares. Por isso eu não deveria esgrimir muitos argumentos para demonstrar que o nosso coração não é um coração chauvinista nem pensa excluir os caribenhos, nem nada parecido, vocês terão um lugar muito grande.

Se querem procurar governos sérios, procurem os governos caribenhos, daqueles que foram colônia inglesa até há alguns anos; são dos mais sérios como governos, como pessoas fieis , dos que tinham menos analfabetismo. Têm menos analfabetos que os que nos libertamos da Espanha –ou vocês, que se libertaram da Espanha, nós tardamos um século, éramos um Estado escravista-, há menos analfabetos no Caribe do que na América Latina; há melhores serviços médicos, melhores níveis de saúde do que na América Latina, salvo Haiti, porque Haiti é o primeiro país que se subleva, o país onde todos intervieram. Nenhuma dessas potências é capaz de enviar lá um médico.

Há alguns que dizem que são Médicos sem fronteiras, muito bem, eu os parabenizo, condecorem-lhes, outorguem-lhes o Prêmio Nobel, mas apenas são pouquíssimas pessoas. O problema é que toda Europa em conjunto não pode enviar os médicos que Cuba tem no Haiti. Desculpem-me porque tenha que dizer isso, mas é uma verdade, eles não têm 500 médicos; Europa toda e os Estados Unidos não têm os médicos que nós temos em África; a Europa toda e os Estados Unidos não têm os médicos que Cuba tem na América central, oferecendo serviços de graça. Não é como a situação da Venezuela onde já temos um acordo de intercâmbio de bens e serviços.

Eu sei aqui qual é o destino final de todos os benefícios. Somos criticados por ter centralizado. Sem a centralização não poderíamos fazer o que estamos fazendo; como na guerra, na guerra as decisões adotadas pelo estado maior são decisões que devem tomar-se rapidamente e onde é impossível deliberar muito.

Aqui discutimos, aqui ninguém pode empenhar este país.

 Quem contraiu a dívida da América Latina? Os ministros da Economia, nem sequer o Parlamento, com o povo não discutiram nunca essas dívidas imensas que contraíram os governos, o Ministro da Economia decidia se o país endividava-se em 40 bilhões ou não. Para o aumento das pensões eu tenho reunido a todo o Estado; tenho faculdades, porque a Constituição me confere mais faculdades do que a um Ministro da Economia na América Latina, sou Presidente do Conselho de Estado e Presidente do Conselho de Ministros, eleito pela Assembléia Nacional, posso convocar o Conselho de Estado. Estão reunidos também os presidentes dos poderes Populares de cada província, há dirigentes das organizações de massa, o Presidente do banco e todos os presidentes dos principais bancos, que são do Estado, não são privados, ali estavam todos e lhes pedi: “Elaborem um ditame, pode ou não fazer-se um ditame? Porque são coisas pensadas, calculadas e lá decidimos o que fazemos. Como Primeiro Secretário do Partido convoquei os principais quadros do Partido.

Na América Latina, tão democrática, os ministros da Economia decidiram as dívidas e esse governo imperial não disse que eram países antidemocráticos, não disse nada semelhante, eram superdemocráticos os que contraíram a dívida. Em 1985, travamos uma batalha contra a mesma, por 350 000 milhões; hoje devem 750 000 milhões. Vejam quanta democracia reinava neste hemisfério.

E na América Central e em outras partes, o que acontece na Costa Rica, esse berço, essa cúspide do pensamento democrático? Em Cuba temos hoje 70 000 médicos e mais de 50 000 especialistas, lutamos com afinco contra o roubo de cérebros, e na Costa Rica têm mais de oitocentos médicos de origem cubana que roubaram ao país há alguns anos.

Um dia em uma reunião internacional, isto me foi dito um presidente da Costa Rica, dos muitos que passam sem glória por aquele país: "Lá temos 800 médicos cubanos." Digo-lhe: "Ah, sim, têm 800 médicos", mas não pagaram um só centavo pelos 800 médicos que nós formamos.

Os Estados Unidos quiseram fabricar uma pequena vitrina perante Cuba para demonstrar que com “democracia” podia-se fazer o que tão “antidemocraticamente” fazia Cuba, que era salvar vidas de crianças, salvar vidas de mães e todas essas coisas; uma pequena vitrina, e a Costa Rica tem 800 médicos cubanos que praticam a medicina tarifada.

Isso tem muito valor quando se vai discutir por que temos que pagar os 300 quilowatts que se podiam comprar com um dólar, e se compram por um dólar 300 quilowatts que custam ao país 25 dólares em divisas convertíveis para produzi-los.

Vejam que forma de abusar do dólar que enviavam a Cuba. Se há uma geladeira velha que perdeu o termostato, o Estado cubano deve pagar sete dólares mensais por isso. Uma das nossas poupanças será porque desaparecerão as geladeiras sem termostatos, não porque serão destinadas como sucata, senão porque vamos colocar o termostato e também as borrachas para a porta das geladeiras visando que não percam o frio, porque descobrimos que gastam entre 7 e 8 milhões de quilowatts por dia, nem se sabe quantos milhões poupamos fazendo isto e investindo 10 milhões nos termostatos, algo que desconhecíamos e que descobrimos na medida em que o combustível custa mais caro, em que custa mais caro produzir um quilowatt.

Então, o que acontece com a eletricidade?

Talvez alguns tenham mais termostatos do que nós, porque não viveram o bloqueio que vivemos os cubanos. O bloqueio que eles vivem é outro mais terrível, um bloqueio que produz analfabetos, desnutridos, famintos, mortalidade infantil, mortalidade materna, diminuição da expectativa de vida, a democracia os levou a isso. É um bloqueio pior do que o econômico, porque esse bloqueio não existe aqui há muito tempo e é por essa razão que inclusive até podemos desvalorizar o dólar. Vejam que maravilha!, e não podem protestar, porque, quem nos pode  exigir, quem nos pode exigir que tenhamos que pagar 25 dólares pelos quilowatts de eletricidade que se compram com um dólar que enviam desde lá? E quem os enviam? Braceiros analfabetos? Não. Eles não receberam analfabetos de Cuba. A emigração que receberam de Cuba era de muitos formados universitários, técnicos médios e muitos antigos terratenentes e burgueses que sabiam fazer negócio.

A emigração que tem maiores rendas nos Estados Unidos é a cubana, muito mais do que a dominicana e a haitiana, e do que qualquer outro país latino-americano.

Ah, bom, temos uma moeda própria. Expulsamos o dólar da circulação, o substituímos  pelo peso convertível. Agora vamos revalorizar o nosso peso e vamos revalorizar o nosso peso convertível, ambas as moedas. Um passo numa direção e outro noutra. De maneira que agora o dólar já ficou desvalorizado perante o nosso peso convertível, e nada, eles não têm argumentos.

O que quer dizer essa desvalorização? Que antes compravam 27 pesos por 1 dólar e agora compram apenas 25. É uma medida que podemos aplicar quantas vezes seja preciso.

Que golpe lhe podemos dar ao dólar. Lá nos Estados Unidos da América pagam 12 e até 15 cêntimos pelo quilowatt de electricidade. Cá pagam menos dum cêntimo de dólar. Como se compra? Bom, com um cêntimo, se realmente consumirem menos de 300, hoje com um cêntimo compram 3 quilowatts.

Que crime temos cometido contra o dólar! Que queixa terrível! Que acto vandálico temos cometido, porque lhes pedimos que com um dólar paguem mais! Quase nem o temos tocado, apenas o temos roçado com a pétala duma rosa. Agora podemos roçá-lo com a pétala de uma rosa, porém também com uma lima; se quisermos podemos roçar, acarinhar com eles os dólares ou limá-los.

Quão maravilhoso é não pertencer ao Fundo Monetário! Quão maravilhoso o fato de não termos que pedir ajuda a essa instituição neste mundo cambiante!

Dentro de quatro anos se completa o 50 aniversário da vitória da Revolução. Já se completaram 50 anos desde o início de nossa luta armada a 26 de Julho de 1953. São mais de 50 anos de luta, mais de 50 anos de experiência.

Falo em nome disso, e apenas em nome disso me atrevo a falar-lhes. E nem sempre falo assim; falo assim hoje porque estamos definindo coisas muito importantes.

Eu concebo toda forma de socialismo com um mesmo objectivo e uma via diferente de realizá-lo; um estilo diferente, nascido das raízes, das circunstâncias históricas e das circunstâncias concretas de cada país.

Nós estamos construindo este, já lhes expliquei como o fizemos. Agora é que podemos obter todas as vantagens do que temos feito. Agora começamos a recolher os frutos; agora, quando não dependemos mais do que de nossa própria consciência, de nosso capital humano, de nossa experiência e de nossa vontade de retificar todos os erros que temos cometido em grandes quantidades; erros táticos e alguns grandes, mas não estratégicos. Realmente tentamos evitar a qualquer preço os erros estratégicos, que por definição são irreversíveis.

Quero que vocês saibam que algumas das coisas que passaram foi como consequência de teorias e de livros que foram escritos em outros tempos e noutras regiões.

O mais que posso dizer no meu descargo como advogado –assim tive que me defender uma vez– é que sempre fui antidogmático, sempre estive em contra dos dogmas, esquemas, livrinhos que falam duma coisa. Penso algo mais –e Osvaldo bem sabe disso–, penso que a economia como a política não é uma ciência, mas uma arte. Os artistas não podem dizer que dominam uma ciência, precisam da ciência, precisam de todos os cálculos. Se você não subtrai, adiciona, multiplica, tira a raiz quadrada, você não pode adicionar nada; porém o poeta mistura palavras, idéias, imagens, estilos. O escritor faz o mesmo. O político mistura coisas, mistura fatores; o economista mistura também elementos, economias. O monopólio sempre existiu, o livre comércio não tem existido quase nunca, isso não são mais do que teorias às quais se opunham todas as nações industrializadas.

Agora, quando dominam o mundo, dizem-lhe aos outros que estão por se desenvolver: livre comércio, zero tarifas alfandegárias, zero isto e zero aquilo.

É uma coisa bem clara: para mim a economia é uma arte e é uma ciência, e a política é uma arte e não é uma ciência. Apoiem-se na política, apoiem-se na ciência e apoiem-se em todos os elementos.

Ora bom, tenho o melhor conceito da economia, vejo-a como uma arte, e a política, vejo-a como uma arte.

Alguém deseja falar? Olha, preside aqui.

Dêem-lhe a palavra a todos os que quiserem.

Respondo-lhes a todos os jornalistas, os que quiserem

Bispo Feofán. —  Companheiro Castro...

Cmdte. —  Ninguém me traduz?, a única coisa que oiço é o russo (Risos).

Bispo Feofán. —  Companheiro Fidel Castro, permita-me, antes do mais, expressar-lhe o meu agradecimento pela possibilidade de contar com uma igreja ortodoxa russa. Infelizmente, as fábricas envelhecem, inclusive perdem o seu significado, embora se tenham construído na base da irmandade; contudo, uma igreja enquanto mais antiga, mais valor tem, e a igreja que vocês nos estão ajudando a construir para a ortodoxia russa, dentro dum século será fiel testemunha das nossas boas relações.

Mas, interessa-me outra questão: Sou bispo duma região do Cáucaso do norte e, pessoalmente, sou portador duma tragédia dos terroristas quando assaltaram uma escola. Aos 20 minutos me apresentei nessa escola e estive ali até ao fim. Isso foi uma coisa terrível.

Gostaria saber a sua opinião, visto que os terroristas especulam com frequência de que fazem missões de salvação; porém o que eu vi foi uma coisa terrível. Gostaria conhecer a sua opinião nesse sentido. Obrigado.

Cmdte. —  No mais profundo dos meus sentimentos e das minhas convicções, repudio a morte de pessoas inocentes.

Lembro-me dos combates durante a guerra na Sierra Maestra, haviam combates e por vezes vinha alguém que nos dava toda a informação –companheiros nossos, que tinham familiares muito próximos do alvo — ; atacávamos povoados ocupados pelo exército, e não foram poucos os que tomamos, alguns foram combates duros, e não me lembro dum único civil morto. Vejam como ainda na guerra, e quando é preciso combater, porque um quartel está num lugar e deve ser atacado, embora é melhor obrigá-los a saírem, porque são mais fracos em movimento que quando estão nas suas posições, é possível evitar a morte de inocentes. Não me lembro dum civil morto em nenhum dos combates durante os 25 meses de guerra que levamos a cabo.

Eu tinha uma coluna donde saíram todas as outras, e o pessoal aprendia a combater combatendo. Não iam às academias, não existiam nessa altura as academias.

Isto que lhe digo não são palavras que proferi aqui; há toda uma história que avalia essas palavras.

Não, eu não posso matar uma criança por destruir o bloqueio, conscientemente ir e matar uma criança, não posso fazê-lo. A gente tem uma ética, tem princípios. Você pode sacrificar sua vida quando quiser, porém não pode sacrificar a vida dum inocente.

Assim penso e assim o disse sempre; e nosso país esteve em missões internacionalistas –não uma, várias–: quando os racistas sul-africanos invadiram Angola, ou quando a invadiram pelo norte as forças de Mobuto –aquele sim tinha dinheiro, dinheiro graúdo, sem que ninguém saiba onde está guardado, nem para qual banco o movimentaram, percebe? –, e não só ali, em mais de um lugar estivemos a cumprir missões; perguntem no mundo afora se algum prisioneiro de guerra foi fuzilado, seja lá onde for que estiveram nossas tropas e onde morreram companheiros ali; porque era uma doutrina, e foi respeitada não só aqui; porque nosso exército jamais fuzilou um prisioneiro de guerra. É para nós um orgulho. Damos-lhe tudo o que temos e o que nos emprestam, digamos, se alguém pode demonstrar que em nossa guerra contra o Apartheid e outros aliados do imperialismo na África, fuzilamos um prisioneiro, inclusive muitas das vezes os soldados do Apartheid preferiam cair prisioneiros em nossas mãos, porque tinham a vida assegurada. Não digo mais. (Aplausos)

Bispo Feofán. —  Muito obrigado, Comandante Castro. Isso era o que eu queria ouvir de você.

Natália Chopin. —  Me chamo Natália Chopin, sou jornalista de ECO de Moscovo. Farei uma pergunta muito curta e muito simples. Me diga, faz favor, se você pensa num futuro imediato visitar a Federação Russa. Obrigado.

Cmdte. —  ...Como eu posso planejar uma visita à Federação Russa? Se me perguntares dos meus sentimentos, de minha vontade, sim, no Verão ou no Inverno, com neve ou sem neve, governe quem governar, e hoje com mais razão ainda, em que as relações entre Cuba e Rússia melhoram; hoje com mais razão em que acaba quase de se produzir uma excelente reunião do Comité de Colaboração entre Rússia e Cuba, com muito bons resultados, num momento de auge das relações entre os dois povos, e quando têm como base um carinho imenso, o carinho que expressou o poeta, o carinho que eu ia expressar quando me lembrava numa ocasião, lá no Lago Baikal, quando no meio da neve uns rudes pescadores, fortes, dali da Sibéria, estavam assando um peixito, e nós estávamos ainda com certas dificuldades nas relações, certo desgosto pela forma, do nosso ponto de vista, incorrecta, uma coisa do passado, em que foi resolvida a Crise de Outubro, ao ver àqueles homens falando, eu pude conhecer o povo russo, e dele posso dizer que é o povo mais amante da paz, e o mais amante da paz porque foi o que mais conheceu a guerra.

Nenhum povo sofreu tanto nem foi tão destruído como o foi o povo russo na Segunda Guerra Mundial. Esse povo sim conheceu a guerra e a tragédia da guerra, por isso amava mais do que ninguém a paz; porém posso dizer também desse povo russo que era o povo mais desinteressado. Esse homem que conheceu a guerra era capaz de dar tudo e de voltar a combater. Aquele siberiano sabia que eu era um cidadão duma pequena ilha que ficava cá nos últimos confins; como falava comigo e me expressava os sentimentos; porque aquele era um povo que, conhecendo a guerra mais do que ninguém e odiando a guerra mais do que ninguém, tinha a generosidade de ser capaz de morrer por outro.

Disso também os cubanos aprenderam, não só morreram pela nossa própria pátria e pelo nosso solo; não são poucos os cubanos que morreram combatendo ou cumprindo uma missão internacionalista.

Você corre o risco na guerra, na paz, em qualquer circunstância.

A mim me admirou muito, realmente, o que lhes contava que fiz aos 21 anos. Poderia dizer-lhes que não tinha decorrido muito tempo, e depois estava em Bogotá, quando lá estava reunida a OEA e assassinaram um dirigente destacado, e vi estourar uma cidade completa, e fiquei engajado ali com o povo, com os estudantes; também consegui um fuzil, o tomei duma esquadra de polícia; fiquei armado. Acho que cheguei a ter sete balas, um boné sem pala que parecia uma boina; uns sapatos desses que não são nada aptos para os combates. E naquela cidade estive até o último dia, até que me deitaram fora, quando houve uma negociação e uma paz e lá deixaram atolada a toda a gente. Isso está escrito, não estou inventando isso.

E numa noite tive um momento de dúvida; era de madrugada, seriam 2h:00 ou 3h:00; estávamos numa delegacia, estava a chefia da polícia ali sublevada; como tinha estourado a violência, a pilhagem e tudo; o próprio exército que hesitava; nesse momento Gaitán, que era um líder muito querido, estava defendendo um tenente duma calúnia ou de alguma coisa; toda a gente o escutava, mas aquela pilhagem conduziu à ordem à força, e eu estava com os sublevados, não é?, com os estudantes, com o povo.

O povo destruiu aquilo porque fez pilhagens; o nível de cultura e de preparação não dava para mais, pareciam formigas carregando pianos, geleiras que tinham uns dois metros cúbicos; vi-os; tudo aquilo. Aqueles homens aquartelados na chefia da polícia sublevada, estavam perdidos ali; eu reparava nisso, pela nossa história, por tudo, porque tinha pensado, porque tinha meditado em muitas dessas coisas, apesar da idade, e estava com aquela guarnição perdida, passava um tanque e lhe disparavam alguns tiros.

Vi ali como abusavam dum policial, fiquei indignado; era um polícia godo, como eles diziam, reacionário; mas eu fiquei indignado porque o maltrataram ali. Eu estava num daqueles dormitórios, numa janela, porque era a posição que me coube; senti rejeição; maltrataram-no, insultaram-no e lhe disseram algumas coisas. Falei duas ou três vezes com o chefe; disse-lhe: “Olhe, esta tropa está perdida.”

Qualquer um que tivesse lido os livros da Revolução Francesa e soubesse como eram as assuadas, sabia que tropa que não se movimenta fica perdida; qualquer tropa nessa circunstância tem que tomar a iniciativa.

Assim aconteceu aquando da Revolução Francesa; todos nós lemos livros de quase todos os autores... Todo aquele que se meteu num lugar estava perdido. Disse-lhe: “Leve essa tropa para a rua, ataque.” Estava tentando persuadi-lo, mas não entendia. Bom, mas eu lá estava e numa dada altura me lembrei de minha família, até da namorada me lembrei, o quê vocês acham? Lembrei-me de tudo. Então tive um momento de dúvida, ninguém sabia disso; eu ia morrer ali, anônimo, e eu próprio devia explicar-me porquê continuava ali, e me expliquei logo porquê continuei ali, e me dei uma resposta, disse: este povo é igual que todos os outros, como o meu; sua causa é justa, as injustiças são iguais àquelas de lá. E eu sabia que tinha razão; minha inconformidade era que a tropa estava mal empregada. Dizia: Devo sacrificar-me ou não? E o quê decidi? Ficar, sacrificar-me ali com aquela gente. Tive a sorte de que não atacaram; e os outros possuíam tanques.

No dia seguinte lhe digo: “Dê-me uma patrulha”; todas as alturas estavam vazias, era apenas vir uma força para tomar aquele ponto, tomar as alturas. Digo-lhe: “Dê-me uma patrulha.” E me deram a patrulha e fui ali defender as alturas.

Vivi uma experiência incrível; nesse dia vi a cidade arder, e ao entardecer voltei e não aproveitei aquilo como pretexto para salvar a vida; voltei àquele quartel porque me disseram que estavam atacando a delegacia; ainda bem que eram os sublevados que estavam atacando um prédio lá. Portanto, sobrevivi por acaso, fiquei ali e no dia seguinte não me deixaram levar nem um espadim que eu queria levar de lembrança; já tinham feito as pazes, toda a gente aplaudia: “o cubano!”, toda a gente falava com o cubano, porque a toda a gente lhe chamava a atenção que um estudante cubano tivesse permanecido ali.

Eu lá estava na tarefa dum congresso que estávamos organizando, e fiquei engajado, e tive minhas dúvidas nesse dia. Essa que lhes conto, nunca a contei porque era uma questão de consciência; fiquei e decidi me sacrificar por um povo que não era o meu, numa operação que estava perdida, numa tropa que estava vencida, e fiquei ali, porque era uma questão de consciência.

Digo que estava muito recente, porque foi quando eu devia passar de segundo para terceiro ano da carreira universitária; já tinha muitas idéias; era um antiimperialista ou anticolonialista; era pela democracia dominicana, pela independência de Porto Rico, a devolução do Canal de Panamá para os panamenhos, as Malvinas para a Argentina; o cessar das colónias europeias, em América Latina; essas eram as bandeiras. Bom, ainda não era uma bandeira socialista.

Naquele momento que lhes falo não tinha ainda lido a Marx. Já lhes contei dois episódios; mas vejam como penso nessa altura; já realmente expresso como penso, e não é uma resposta. Posso responder qualquer pergunta que vocês me façam, por isso tenho a certeza de que posso respondê-la, porque tenho tentado ser conseqüente com minhas idéias, me manter firme e firme, é o que lhe daria como conselho a qualquer jovem. E como todos os jovens, devo ter tido minha dose de vaidade; não é que devo, com certeza que a tinha. Tive de tudo, e vaidades pequeno-burguesas também; orgulho, tolices dessas, mas nunca abandonei minha escala de valores, e a vida me ensinou, inclusive, a ser mais modesto, mais humilde. Acho que sou mais humilde que quando comecei como jovem. O jovem é muito crítico com todos os outros, acha que sabe de tudo e tem muito de razão, mas não toda a razão; e, é claro, sempre lembro como eu era.

A vida é uma luta contínua até o último momento. Eu penso estar lutando contra mim mesmo até o momento em que morra, até o segundo exato em que morra, porque ainda analiso o que faço; me analiso e quando cometo um erro, embora seja pequenito, um detalhe, o retifico. Quem sabe se depois fico pensando naquilo que disse aqui; porém, espero que não, porque tenho sido fiel ao falar-lhes a vocês, porque aprecio a reunião de vocês. Não vou proferir aqui um discurso; não tive tempo porque estou envolvido em todas essas coisas. Tive pouca informação, a tive, mínima; quase nem almocei para ler, ver outras questões; correndo para ver o Ministro, voltando para ver àqueles que me esperam lá. Amanhã tenho uma comparência importante às 18h:00, e ainda se supõe que me estou a reabilitar dum acidente que tive no dia 20 de Outubro do ano passado.

Por isso lhes digo que talvez me examino, digo: O quê falei com os russos? Mas tenho a certeza de que não me vou arrepender daquilo que falei com vocês, porque lhes falei como irmão; falei-lhes com carinho, com sentimento. Portanto, aquilo que sentimos por vocês, porque é o que te dizia, conheci homens como aqueles, conheci guardas florestais; conheci russos que são patriotas e revolucionários verdadeiros, que eram aqueles que sempre vi como os combatentes, os que combateram em Stalingrado, em Leninegrado, em Kerch, em todas partes; em Smolensk; os que não se rendiam, os que continuavam a resistência, os que lutavam. Sim, aqueles que foram lá, a lutarem contra os japoneses, quando sem dizer nada a ninguém os Estados Unidos lançaram a famosa bomba, em um ato de terror.

Se fizer um cálculo daquilo que perderam os aliados, os russos e demais povos soviéticos que lutaram junto de Rússia sacrificaram mais vidas que todos os outros que participaram dessa guerra; é a verdade. Eu visitei alguns cemitérios, e estive no cemitério de Leninegrado e conheço a história, e os mil dias de assédio, e li um livro comprido que rememora todos os sacrifícios que passaram os de Leninegrado, semelhantes aos que passou o povo russo em todos os lados. Portanto, meus sentimentos têm uma base sólida; sei como são os russos e os admiro.

Como eu disse, nossas relações marcham bem com o Estado russo e com o governo russo, e alegro-me porque todos devemos unir-nos; diálogo de defensores da civilização. É o que queria dizer.

Alfonso Bauer. —  Minha pergunta é que em Guatemala dizem que você viveu na cidade de Jalapa, e sou dos que sustentamos que não é verdade, embora que para minha pátria seria uma glória que você tivesse estado em Guatemala nesse tempo.

Cmdte. —  Tomara tivesse podido estar; teria gostado realmente. Quantos foram os desaparecidos? Bom, sei que houve mais de 100 000 mortos e mais de 100 000 desaparecidos depois da intervenção dos Estados Unidos contra a revolução guatemalteca. Isso é o que nos teria acontecido se eles vencem em Girón.

Quantas vidas custaram a expedição mercenária em Guatemala, que derrubou o governo de Arbenz?

Alfonso Bauer. —  Como 200 000.

Cmdte. —  Ah! Correto. 100 000 mortos e 100 000 desaparecidos, qual é a razão então para que haja protestos por uns mercenários presos? Ah!, mas aqui há presos, aqui não há desaparecidos; aqui não há assassinados. Ah! Os que merecem uma medalha grande, olímpica, a bênção do império são os que matam naqueles países onde analfabetos e semi-analfabetos podem ser 30%, 40% ou muito mais, onde a mortalidade infantil é elevadíssima; todas essas desgraças a que eu fazia referência. Isso é “democracia”, senhores, e o que fazemos é uma porcaria, uma “sistemática e permanente violação dos direitos humanos”.

Acho que se não tivéssemos sido capazes de aplicar medidas duras, teríamos estado cooperando com os que queriam destruir nossa Revolução e os que queriam destruir nosso povo.

Gostamos de aplicar a pena capital? Nada disso, nos repugna; é mais do que não gostar-nos, nos repugna. Ora bom, quando se trata de defender-nos do império mais poderoso da história, a temos aplicado. Em nenhum lugar do mundo têm executado pessoas como em Texas, onde executaram inocentes, executaram crianças, pessoas que cometeram um crime sendo crianças; cá nunca aconteceu isso. Têm executado pessoas dementes; cá nunca aconteceu isso.

Então, eu me pergunto: porquê não levam ao sinhozinho que preside os Estados Unidos à Comissão de Direitos Humanos de Genebra? Ah!, não, tem que ir Cuba, e todos os anos. Na verdade, não quero falar com desprezo, mas o que sentimos por toda essa hipocrisia é desprezo. Não tenho nada mais a dizer: desprezo! Porque nós não precisamos que ninguém nos julgue, porque os primeiros que temos que nos julgar somos nós próprios.

Delegado russo. —  Antes de mais, muito obrigado por seu brilhante discurso. Faça o favor de nos dizer, desde o início de sua luta revolucionária, qual foi para você a etapa mais difícil?

Cmdte. —  Agora tenho a mais difícil, esta em que você me coloca para que responda essa pergunta (Risos e aplausos).

Ainda há tempo; se vocês resistirem, eu ainda resisto.

Mijail Chernov. —  Caro companheiro Fidel Castro, muito obrigado por sua intervenção. Me chamo Mijail Chernov, sou jornalista russo, soviético, da revista Expert. Não é a primeira vez que estou em Cuba; gosto muito de seu país, gosto da experiência cubana que tive a oportunidade de constatar aqui, e minha pergunta é a seguinte: Considero que temos muito que aprender de Cuba, diga-nos, faz favor, como você pode nos ajudar?

Cmdte. —  Segundo momento muito difícil (Risos). Eu não posso ajudá-los em nada, antes pelo contrário, são vocês os que nos podem ajudar a nós. Eu cá lhes falo com toda a franqueza, trocando opiniões. Eu posso ajudar-te a ti e ao teu povo, tanto como vocês nos podem ajudar a nós; fazendo estas coisas vocês se ajudam a si próprios e nos ajudam.

A nós, o único que nos resta é o dever com vocês, que tiveram confiança em nós, que nos acreditaram dignos de celebrar esta reunião aqui, de ter este intercâmbio e de nos convidar.

Não posso pensar que estou ajudando-os nem que haja forma de que os ajude; o que penso é que vocês nos estão ajudando e estão ajudando o mundo.

Esse é nosso ofício. Cá tem muitos religiosos, eles sabem qual é seu dever, qual é seu ofício; há médicos, há profissionais e cada um deles sabe qual é sua tarefa; nós sabemos que esta é nossa tarefa.

Eu posso é intercambiar apenas, realmente, o mais que posso dizer: ajudar-nos mutuamente, é o que podemos fazer (Aplausos).

Todo aquele que quiser perguntar, a imprensa, membros da delegação, pode fazer qualquer pergunta.

Delegado russo. —  Estimado senhor Fidel Castro, gostaríamos conhecer sua opinião, se for possível, até quando irá durar a ocupação do Iraque? Há cinco minutos você disse que às vezes comete erros. Poderíamos conhecer quais erros você tem cometido à cabeça do governo de Cuba?

Cmdte. —  Esta reunião, e submeter-me ao interrogatório de vocês (Risos). Esse é um, dentro dos muitos.

Você me pergunta que tempo durará a ocupação de Iraque. A ocupação de Iraque? Acho que é uma pergunta incorreta. O Iraque tem sido invadido, mas não ocupado. Você pode perguntar quando é que irão embora. É o que eu acho. (Aplausos).

Você deseja esclarecer mais a pergunta? Você acha que está ocupado? Já não têm um governo ali, não têm uma assembleia? Porquê não vão embora? Quando é que irão embora é o que desejas saber?

Quando sairão, na verdade? Quando possam ir-se; vão se retirar quando possam retirar-se. É que agora estão como aquele que chegou: nem podem ir-se nem podem ficar; estão no jogo se os xiitas, se os sunitas, se há um governo; ir-se-ão quando possam, porque os invasores não vão quando querem, mas quando podem. Eles sabem em que momento podem invadir, mas não sabem quando podem se retirar.

No Vietname sabiam quando entraram, mas depois custou-lhes muito trabalho, muito tempo e 50 000 vidas; a quota de vidas que a sociedade norte-americana lhes permitiu então foi de 50 000. Pergunto-me se a sociedade norte-americana hoje lhes concede uma quota de 5 000 vidas aos invasores. Talvez umas 5 000 vidas seja já o máximo que lhes tolerem. E cada vez a quota para aventuras baseadas em mentiras e em enganos, será menor.

A questão é que já precisam de se retirar, mas não podem. Agora estão vendo o quê vão inventar, o quê fazem para se poder retirar.

Portanto, a pergunta é: Quando poderão se retirar? Então, isso vai depender do povo norte-americano e da crise económica e o défice orçamentário de quase 500 biliões de dólares e o défice comercial de outros 500 biliões de dólares; um milhão de milhões. Quantos anos consecutivos podem suportar esse défice de um milhão de milhões e como vão sair dali. Julgam que vão eliminar a cultura? Eles estão explorando contradições religiosas, contradições nacionais, situação complicada: curdos no norte, sunitas no centro, xiitas no sul, cristãos ortodoxos em outro lado; um Irão ao qual desejam destruir ou ao qual querem invadir e de cujos recursos desejam se apoderar. Não é um Irão desprezado por xiitas do sul de Iraque, que em um tempo foram reprimidos.

É uma história conhecida, nós conhecemos bastante dessa história, porque quando começou aquela guerra entre Iraque e Irão éramos Presidente do Movimento dos Países Não Alinhados e nos deram a tarefa de procurar a paz entre ambos países. Sabemos tudo o que lá aconteceu.

Iraque era um país que tinha relações com muitos países; estava investindo bem o dinheiro do petróleo, até que surgiu aquela infortunada guerra com Irão.

É o mais que quero dizer sobre isso. Tenho uma opinião clara sobre todo isso. Era um país influente que cometeu depois erros graves.

Também nós éramos contrários à ocupação do Kuwait e condenamos isso nas Nações Unidas, mas fizemos grandes esforços até para persuadir o governo que abandonasse aquilo, que o valor consistia em abandonar e retificar aquele erro; que lhe iria dar a oportunidade ao governo de Estados Unidos de fazer uma grande coligação árabe-muçulmana-européia-NATO-Estados Unidos. Chegamos a dizer-lhe assim: “Retifique”.

Na Rússia, nos arquivos, há cópia desses documentos e também, é claro, nos Estados Unidos, porque numa dada altura da Rússia o informaram para os Estados Unidos. No Departamento de Estado, nos dois lugares, há o que eu escrevi e estou dizendo aqui, mas eu não o publiquei por minha conta; os argumentos, os razoamentos que fiz tentando influir, porque tínhamos obrigações com o movimento internacional.

Tínhamos relações com Iraque, inclusive, serviços médicos; tinha um contingente de médicos cubanos trabalhando ali.

Portanto, algumas das coisas que precederam essa página trágica aconteceram antes, e foram vistas, inclusive previstas suas conseqüências, demonstrável em papéis. Isso ajudou, igual que a destruição das Torres Gémeas, à política belicista, inoportuna, anacrônica do imperialismo.

Lembro lá em Malásia, aquando da reunião dos Não Alinhados, tinha falado com o Vice-presidente do Iraque. Nesse momento as relações não eram muito boas com o governo iraquiano porque nunca concordamos com a ocupação do Kuwait, e então eles não estavam muito contentes pelo fato de que houve uma reunião inter-parlamentar e eu estive reunido com a delegação do Kuwait e também com a iraquiana. Eles falavam muito da quantidade de crianças que morriam, e eu lhes disse: “Porquê não fazemos alguma coisa para evitar que essas crianças morram? Diga-nos quantos médicos são necessários. Pode ser feito um plano para que não morram”. É verdade que morriam crianças.

Cá temos tido período especial, bloqueio, muita coisa, mas as crianças não morreram; primeiro morrem os adultos, primeiro morrem os pais antes que morram as crianças.

Então o argumento que lhe disse: “Não se justifica. Porquê não fazem as pazes duma vez com Kuwait?”, lhes perguntava. Eu lhes dizia aos representantes do Iraque que vieram a essa reunião: “Procurem a paz”. Inclusive, tinha muita gente, países árabes dos que estiveram em guerra, que queriam retificar, que queriam procurar a paz, e eles mantinham aquela posição intransigente. Em Malásia lhe disse ao Vice-presidente: “O governo dos Estados Unidos deseja fazer a guerra contra vocês; é evidente que eles vão fazer a guerra, não podem ocultá-lo; não lhes dêem o menor pretexto, não os ajudem a que façam a guerra”. Disse-lhes: “Olhem, não se ponham a pensar agora se dizem que esses mísseis têm 50 quilômetros mais, e que não podem passar de 500, limitem-no a 499. É indiscutível o direito de vocês, mas não lhes dêem pretexto. Informem-no, digam-no publicamente, convidem uma comissão dos Não Alinhados para que visite Iraque, para demonstrar que não têm armas químicas”. Disse-lhes: “Penso que as não tenham, e se alguma vez as fabricaram, destruam-nas”. Disse-lhe isso, que por favor lhe transmitisse isso à direção do Iraque. Via-se já bastante iminente que iriam desatar o ataque; mas me atrevi e o disse ao Vice-presidente, e ele até me agradeceu muitíssimo. Da outra vez, aquando a questão do Kuwait, o governo do Iraque tinha dito: “Vai acontecer a mãe das guerras”. Eu lhes tinha expressado: “Vai acontecer isto, isto e aquilo. Já não é o Vietname. O Vietname tinha o apoio, a floresta, não os desertos; um tipo de guerra irregular, o apoio da China que estava ao lado, da União Soviética que lhe enviava por barco, por muitos meios, as armas. Vocês não vão receber nem uma bala, não têm por onde chegar no meio de uma situação como essa”, lhe dizia. Isso lhes disse quando lhes solicitava retificação para não ajudarem o império. Passou o tempo e agora têm o país ocupado. Pareceu-lhes uma coisa simples, porém conseguiram foi uma dor de cabeça muito séria. Foram se estatelando, foram se moendo os dentes. Muitos norte-americanos reparam nisso e, é claro, não é o mesmo recém-chegados do que agora.

Lá tem muitos que pensam. Isto não é questão de que puxo dum gatilho, aperto um botão. Para apertar um botão são precisos 200 ou 300, nem se sabe quanta gente decidida a apertar o botão. Os próprios militares conhecem, são profissionais, e sabem o custo disso em vidas, em prestígio. Tem sido um descrédito tremendo. Até eu próprio fiquei surpreendido pelos acontecimentos.

Vejam se somos ingênuos que eu, que os conheço, que sei que não têm escrúpulos para nada, não tinha imaginado o governo dos Estados Unidos torturando prisioneiros. Parecia-me que pelo menos isso não o fariam, que não seriam tão tolos como para fazer isso, por prazer, esses sádicos procedimentos de torturas físicas, torturas morais. É uma vergonha, mete nojo, e não foi apenas num lugar.

Eu nunca teria imaginado que a Base Naval de Guantánamo, um território cubano que eles ocupam pela força, seria um centro de torturas. Mas que tipo de torturas sádicas! Não o imaginava. Eu, na verdade, não acreditava... Eu julgava que essa civilização incivilizada, esse governo que podia lançar armas nucleares, bombardear tudo, não cometeria a tolice de torturar uns seres humanos, fossem quem fossem. Ou será que nós não temos tratado com criminosos que têm assassinado companheiros nossos? Sejam lá quem forem, nunca lhes colocamos um dedo em cima. Poderíamos dar-lhe todo o dinheiro que o país tenha –não é muito, mas alguma coisa tem, sabem? –, àquele que demonstrar que aqui lhe colocamos um dedo em cima a um prisioneiro da pior ralé, aos autores dos piores crimes, dos maiores atos de terror contra nosso país.

Nós temos tido prisioneiros, e os de Girón, e mercenários que nos invadiram, os que chegaram e desembarcaram precedidos de bombardeios, que mataram mulheres e crianças. Ali, depois de aquele combate, que foi encarniçado, em que se lutou durante 68 horas consecutivas, não se deu trégua nem de dia nem de noite, porque estava a esquadra americana com infantaria de marinha ali, à espera, para desembarcar. E não está contando isto alguém que o ouviu. O está contando alguém que lá esteve, entre outras coisas, porque tem sido meu hábito toda a vida. Nunca estive metido num refúgio, num lugar desses, não é meu costume, não é minha mentalidade, não é meu hábito. Lá estava eu naquela madrugada quando a Marinha americana simulou um desembarque pelo norte da província de Pinar del Río, nas proximidades da capital. Dizíamos: “Mas, como um desembarque? “Sim, um desembarque”. “Comprovado o desembarque por Cabañas”, exatamente como me tinham dito apenas 24 horas quando me acordaram: desembarque por Playa Larga, que uma esquadra ali chocara com o inimigo.

Depois, quando lançam os pára-quedistas tive a convicção total de que aquela era a direção principal. Estávamos ali, tinham rejeitado um ataque nosso com tanques; estávamos preparando outro por outro lado, iríamos sair pela retaguarda deles, em Playa Larga e em Girón, pelos dois lugares. Lá estava eu esperando um batalhão de tanques. Lá estava nossa artilharia disparando duro. Talvez chegamos a Girón antes do amanhecer. Os ianques fizeram uma manobra, nem sequer existia a auo-estrada atual; em questão de comunicações andávamos muito mal, organizados a nível de batalhões, não de exército, nem de corpo de exército, nem de divisões, nem sequer de brigadas. Quando éramos guerrilheiros não tínhamos batalhões, nem batalhões de tanques, nem batalhões de artilharia, nem baterias anti-aéreas, nem baterias de canhões de 130 mm, ou bateria de obuses 122 mm. Era a nível de bateria; porém, nas montanhas, não tínhamos nada disso.

Portanto, frente à esquadra norte-americana, lá não houve nem um fuzilado, lá não houve nem uma pancada com a culatra do fuzil. O quê demonstrava isso? Que as idéias se tornaram consciência; que a ética era consciência e aqueles soldados que estavam indignados não atropelaram ninguém. A esquadra norte-americana a três milhas, não a 12. Quando entramos em Girón ali estavam com suas luzes desligadas, porta-aviões, infantaria de marinha em barcos, esperando constituir um governo.

Isso é o que te quero dizer: conheço bem essa gente. Não me imaginava que fossem capazes de torturar uns prisioneiros nem em Guantánamo, nem em Abu Ghraib. Achava-os um tanto judiciosos, o suficientemente judiciosos como para que não fizessem isso, e te disse porquê. Não o podem justificar no ódio ou na indignação, e por isso te disse que muitas vezes temos tido terroristas presos, mercenários, traidores, e nunca lhes colocamos um dedo em cima, mas eles o fizeram.

Então, por isso te digo, se retirarão quando puderem, quando o custo moral e político seja o menos possível; mas ninguém sabe. Talvez um dia o povo norte-americano decida que devem retirar-se desse país, esteja quem estiver presidindo nos Estados Unidos.

Bom, já essas são coisas que podem acontecer, são imponderáveis.

Dá a palavra a outro. Não finde esta sessão que vais ficar impopular (Aplausos). Rápido, dois ou três mais. Vou tentar ser breve, temos que tentar de explicar-lhes.

Vladimir I. Yakunin. —   ...Penso que qualquer lei ou regra sobre o trabalho a temos violado. Peço-lhes aos assistentes a esta conferência que desçam o braço. Há um provérbio muito bom que diz: “É preciso conhecer a hora da retirada”.

Penso que temos que agradecer-lhe ao Presidente do Conselho de Estado e do Conselho de Ministros o tempo que nos tem dedicado. Temos que agradecê-lo (Aplausos).

Cmdte. —  Talvez nos vemos lá, mas nem fui convidado à reunião, nem sei se me darão o visto (Risos). Quando é a reunião? Em quê mês?

Vladimir I. Yakunin. —  De 3 a 7 de Outubro.

Cmdte. —  Deste ano?

Vladimir I. Yakunin. —  Sim, senhor.

Cmdte. —  Onde é?

Vladimir I. Yakunin. —  Em Rodas, Grécia.

Cmdte. —  Há convidados?

Vladimir I. Yakunin. —  Pois não, sim senhor.

Cmdte. —  Quais são os requisitos para que...?

Vladimir I. Yakunin. —  Apenas sua presença.

Cmdte. —  Não, não quero comprometer-me, porque não sei em que problema estaria submerso, e não quero que minha palavra...

Vladimir I. Yakunin. —  O vai pensar, talvez.

Cmdte. —  Vou pensar nisso, sim, vou pensar nisso, com certeza (Aplausos).

Muito obrigado pela paciência de vocês.

Viva a paz!

Viva o diálogo entre as civilizações! (Aplausos).


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Inclusão 25/07/2019