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Fonte: Cuba Debate - Contra o Terrorismo Midiático
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo
Estimados Ministros e dirigentes da cultura nos países da América Latina, ou ibero-americanos;
Distintos convidados;
Caros delegados ao I Congresso Internacional de Cultura e Desenvolvimento:
Vocês trabalharam, aqueles que participaram no congresso, durante quatro dias e, felizmente, o vosso esforço coincidiu com a reunião de dois dias, 10 e 11, dos ministros e responsáveis de cultura, que antecede a Cimeira Ibero-Americana que se realizará no mês de Novembro. Procuramos ter uma idéia do que têm discutido e da forma em que decorreram os debates.
Percebi satisfação nos organizadores a respeito da forma em que se desenvolveram ambos os eventos.
Entre os temas discutidos, sem dúvida, houve muitos de grande valia, alguns deles chamaram-me especialmente a atenção, e poderíamos dizer que pessoalmente tenho que os incluir dentro dos temas relacionados com a cultura e com a política, os quais aprecio muito. Por exemplo: os Estados devem propiciar uma política de educação ambiental correcta; a importância da história para a transmissão de valores e defesa da identidade dos povos; a necessidade de rejeitar os modelos colonialistas ou hegemónicos; o turismo não deve afetar a identidade nacional; a necessidade de repensar o mundo actual, criar estados de opinião e transmitir idéias —a questão da transmissão de idéias, considero-a fundamental—; a necessidade urgente de propiciar, mediante a educação e a implementação de políticas culturais correctas, uma verdadeira revolução ética no homem. Realmente, é a primeira vez que vejo que este tema é colocado com essa precisão.
Por último, há um ponto 12, que não sei se todos, absolutamente, estaremos de acordo. Eu pelo menos concordo, e diz: A economia capitalista não garantirá o desenvolvimento perspectivo da humanidade, visto que não toma em conta as perdas, em termos culturais e humanos, da sua própria expansão. Estou pensando visando o futuro: que não só não garante o desenvolvimento perspectivo da humanidade, mas que, como sistema, põe em perigo a própria existência da humanidade.
Vocês me pressionaram para que proferisse umas palavras no dia em que se iniciou o congresso e toquei num ponto essencial, o relacionado com a transmissão de ideias.
Sei lá quanto terão discutido sobre as formas de levar a cabo esse princípio. Sei que colocaram como elemento fundamental, como política fundamental da integração de que se fala, a necessidade de que a cultura ocupe um lugar prioritário entre os objetivos dessa integração.
Juntos, seríamos igual a somatória de muitas e muito ricas culturas. Neste sentido, quando pensamos na Nossa América, como chamava-lhe Martí, essa América que começa no rio Bravo, ainda que deveria ter começado na fronteira do Canadá, porque essa parte pertencia a nossa América, até que uns vizinhos expansionistas insaciáveis se apoderaram de todo o território do oeste do que hoje são os Estados Unidos da América. É a essa integração é que me refiro, incluído o Caribe. Ainda não assistem a estas cimeiras ibero-americanas os caribenhos. Por fortuna, e pela primeira vez, reunir-se-ão no Rio de Janeiro com a União Europeia, nos dias 28 e 29 deste mês, todos os países latino-americanos e caribenhos. Já começamos a alargar a família. Em geral, os caribenhos eram esquecidos entre os esquecidos, porque os latino-americanos também éramos e somos esquecidos.
A soma de todas as nossas culturas seria uma enorme cultura e uma multiplicação das nossas culturas. A integração não deve afectar, senão enriquecer a cultura de cada um dos nossos países.
Quando falamos de união, neste sentido, fazemo-lo ainda dentro dum marco estreito. Acredito um pouco mais: acredito na união de todos os países do mundo, na união de todos os povos do mundo e na união livre, verdadeiramente livre. Não a fusão, senão a união livre de todas as culturas, num mundo verdadeiramente justo, num mundo verdadeiramente democrático, num mundo onde possa ser aplicado aquele tipo de globalização de que falou no seu tempo Carlos Marx, e da qual fala hoje João Paulo II quando expressa a idéia da globalização da solidariedade.
Resta-nos a tarefa de definir bem o quê significa a globalização da solidariedade. E se levarmos este pensamento até as suas últimas conseqüências, descobriremos que o ponto 12 é uma realidade, porque me pergunto se o sistema capitalista pode garantir a globalização da solidariedade. Não se diz a globalização da caridade, que estaria muito bem por enquanto, mas tomara que chegue o dia em que a caridade não seja necessária, e esse dia será o momento em que o sentido da solidariedade seja universal e o espírito da solidariedade se tenha globalizado.
Eu disse isto para esclarecer que não tenho nada absolutamente de nacionalista ferrenho, nem de chauvinista, e que tenho um conceito mais alto do homem, e guardo sonhos mais ambiciosos para o futuro da espécie humana, que tanto trabalho tem passado para chegar a ser o que é hoje, para alcançar os conhecimentos que hoje possui; para não ser ainda sequer merecedora do qualificativo duma espécie verdadeiramente humana. O que agora vemos está ainda muito distante. Mas, talvez, enquanto mais distante pareça, mais próximo está, visto que esta humanidade passa por uma crise colossal, e das crises colossais só podem advir as grandes soluções.
Até agora, isso foi o que nos ensinou a história. Até esta altura em que a globalização real, que há poucos anos nem sequer era mencionada, os avanços da ciência, da técnica, das comunicações, tornam-na possível e inevitável. As pessoas se comunicam umas com as outras em apenas segundos, estejam seja lá onde for.
Bastaria dizer que a mim me custa mais trabalho me comunicar com o nosso Ministro dos Negócios Estrangeiros do que com o nosso Embaixador nas Nações Unidas. Aquele está lá com um telemóvel, e se estiver dentro da sala ao lado do seu colega, o Embaixador norte-americano, com uma cadeira vazia entre eles dois, pode falar; ou como hoje quando me comuniquei com ele, que ao perguntar-lhe onde estava, se era na Missão, ou na casa, ou nas Nações Unidas, respondeu-me: "Estou no automóvel." Digo: "Como no automóvel e se ouve tão bem!" Ele disse:"Sim, agora estamos parados num semáforo", e continuamos a falar mais alguns minutos. Realmente é incrível.
Os avanços tecnológicos explicam a precisão com que os famosos satélites dirigem os mísseis e as armas inteligentes, que não são tão inteligentes, visto que erram com uma freqüência preocupante, se realmente, em vez de erros, não existem intenções.
O que se passou com a Embaixada chinesa parecia tão esquisito, tão esquisito, que quando tentaram explicá-lo, disseram que o problema era que estavam realizando bombardeamentos utilizando velhos mapas não actualizados. E até podia ter caído uma bomba aqui também, nesta sala de reuniões, por causa de mapas não actualizados.
Com a mesma velocidade circula o dinheiro e com a mesma velocidade se realizam operações especulativas com as moedas por um milhão de milhões de dólares por dia, e não são as únicas operações especulativas que se realizam, nem apenas acontece com as moedas.
Na época de Magalhães, tardavam sei lá quantos meses em dar a volta ao mundo. Hoje pode ser feito em apenas 24 horas.
Há pouco tempo lhe dei a volta ao mundo fazendo escala em Dinamarca, China, Vietname, Japão, Canadá, voltando à Havana. Deu-me por brincar com os números e fazer cálculos. Voando para o leste, num avião mais veloz, pode se sair da China na madrugada da segunda-feira e chegar em Havana no domingo à tarde.
Já vimos quanto mudou o mundo algumas décadas.
Se estiverem de acordo, introduziria um tema, igual que vocês introduziram muitos temas; e esse tema poderia denominar-se: Cultura e soberania.
Vou fundamentar com fatos concretos; não são elucubrações teóricas, mas questões que podemos ver e as pode ver até um míope: Sem soberania não pode haver cultura. Abel referia como um punhado de brilhantes personalidades conseguiram salvar, frente ao neocolonialismo e ao hegemonismo dos Estados Unidos em Cuba, a cultura nacional.
Existe um outro país que ainda tem mais mérito do que nós: Porto Rico. Há 100 anos que existe como colónia ianque e não conseguiram nem destruir a sua língua, nem a cultura porto-riquenha. É admirável! (Aplausos.)
Hoje, é claro, o imperialismo possui meios muito mais poderosos para destruir culturas e para implantar culturas e homogeneizar culturas; muito mais. Talvez hoje, em dez anos possa exercer mais influência que nos últimos 100 anos. Este exemplo que coloquei dá uma idéia da capacidade dos povos de resistir e do valor da cultura. A eles lhes privaram de toda soberania; porém, têm resistido.
Mesmo quando é possível citar exemplos de que pode haver cultura ou preservar-se um certo nível de cultura sem soberania, não poderia conceber-se, nem imaginar-se neste mundo de hoje e rumo ao futuro, a soberania sem cultura.
Enquanto vocês, os delegados ao congresso, os ministros e dirigentes governamentais da cultura na Ibero-américa, discutiam ontem aqui, lá nas Nações Unidas travava-se uma batalha colossal pela soberania, e diríamos que, ao mesmo tempo, uma batalha colossal pela cultura. Sim, porque digo que hoje, os meios que têm os que dominam economicamente e quase politicamente o mundo, são muito mais poderosos do que nunca antes.
Esta batalha colossal se realizava ao redor da reunião do Conselho de Segurança para discutir um projeto de resolução relativo à guerra desatada contra a Iugoslávia, nomeadamente contra a Sérvia. Do meu ponto de vista, uma batalha histórica, porque na verdade, o imperialismo e os seus aliados —aliás poderia-se dizer ainda melhor o imperialismo e aqueles que o apoiam, mesmo em contra dos seus interesses— estão desenvolvendo uma luta colossal contra o princípio da soberania, uma ofensiva impressionante contra ela.
Era de esperar. Quando acontece o derrubamento do campo socialista, desintegra-se a URSS e fica no mundo uma única super-potência, e já notava-se que essa super-potência, cujas origens são bem conhecidas e cujos princípios e métodos diabólicos são muito bem conhecidos, não podia deixar de tratar empregar todo o seu gigantesco poder para impor as suas normas e os seus interesses ao mundo; primeiro por meios cuidadosos e depois com meios cada vez mais descarnados.
Estamos já a enxergar um imperialismo que exerce todo o seu poder e a sua força para varrer todo obstáculo que encontrar no caminho. A cultura resulta um grande obstáculo no caminho. Contudo, eles são donos da imensa maioria dos meios de comunicação, tanto que possuem 60% da rede mundial de comunicações, as redes mais poderosas de televisão que não têm rival; praticamente o monopólio dos filmes que são exibidos no mundo.
Podemos dizer que a França, que leva a cabo uma batalha quase heróica por preservar a sua cultura, no mais possível, perante à invasão cultural norte-americana, é o único país da Europa, que eu conheça, onde não atinge o 50% do total dos filmes norte-americanos que são exibidos. Nos outros países do Velho Continente ultrapassa 50%, chega a 60%, 65%, 70% e até 80% nalguns deles. Dos seriados de televisão, 60%, 70%, 80%, 90%, de modo que ao redor de 70% dos seriados de televisão que são exibidos, e 75% dás fitas que circulam são norte-americanas; cifras que vocês devem ter lido. Ramonet fala delas. Resulta um monopólio quase absoluto.
Há países latino-americanos importantes onde 90% dos filmes e seriados que se exibem são norte-americanos, e vocês sabem de tudo o que por aí entra. Da Europa é muito pouco o material que chega. Uma colonização cultural norte-americana total nesse domínio.
Baste dizer-lhes que no nosso caso custa-nos imenso trabalho o facto de encontrar filmes que tenham algum valor, que tenham qualidade moral e cultural. Como escapar dos filmes quase exclusivamente de violência, de mafia, de sexo? Como fugir de tantos filmes alienadores e do veneno que distribuem pelo mundo? E custa-nos trabalho. Para a nossa televisão, que não tem publicidade, como lhes dizia, salvo excepções, encontrar um filme para as sextas-feiras e para os sábados, é bem difícil. E as críticas que a população faz do que é exibido são freqüentes.
Ainda que forem copiados, porque devemos dizer com toda sinceridade que, na mesma medida em que nos bloquearam, obstruíram-nos todo tipo de importação; fomos obrigados a copiar.
Há coisas que resultam fáceis de copiar, entre elas os filmes. E acho que os companheiros do nosso prestigioso ICAIC, nos primeiros anos —e com razão, é um mérito histórico— especializaram-se em copiar filmes norte-americanos, quando apareciam alguns bons. Antes havia mais filmes norte-americanos de qualidade, como também havia europeus. Podiam se ver.
O espírito comercial foi introduzido de tal maneira que resulta esmagador para a cultura. Qual país na Europa pode gastar 300 milhões ou mais num filme? Qual país na Europa pode obter lucros de 500 milhões, comercializar 1 200 milhões ao redor dum filme? Essas são empresas que espremem tudo: pela venda de mercadorias ao redor dum filme custoso e muito publicitado, ganham mais do que pela exibição do filme.
Sem contar que esses filmes, apenas com o mercado dos Estados Unidos, cobrem já todos os custos e produzem lucros elevados. Façam cálculos; depois os podem vender muito mais baratos em qualquer parte da Europa ou do mundo. Quem pode concorrer com eles?
E ainda, esses países europeus, alguns deles sob um verdadeiro trauma cultural, outros relativamente indiferentes perante o fenómeno, que aspiram desenvolver as suas possibilidades económicas, tecnológicas, científicas e culturais com a sua unidade e a sua integração, como uma questão praticamente de sobrevivência —e não se trata de países pequenitos, pequenas ilhas, ou nações muito pobres, subdesenvolvidas, que têm 200 ou 300 dólares anuais de Produto Interno Bruto per capita, mas de países que têm 20 000, 25 000, 30 000 e algum até 40 000 dólares per capita de Produto Interno Bruto—, apoiam a política imperialista, apoiam hoje a política de varrer com os princípios da soberania.
É claro que eles vão cedendo soberanias nacionais na medida em que se unem, abrem fronteiras, aplicam a livre circulação do capital, dos trabalhadores, dos técnicos e instituições comuns que representam vantagens exclusivamente para os países europeus; os do Sul têm que chegar em barquinhos e entrar ilegalmente.
Aqueles países vão renunciando à moeda nacional, e com boa lógica para adoptarem uma moeda comum, que não é o mesmo que adoptar uma moeda estrangeira regida pelo Sistema da Reserva Federal dos Estados Unidos, que praticamente significa anexar o país aos Estados Unidos.
O que é que seria de nós que, pelo menos, temos demonstrado que se pode resistir um duplo bloqueio e um período tão difícil como temos estado a atravessar nestes anos? Como teria sido possível se não tivéssemos a nossa própria moeda? A isto posso acrescentar, entre parêntese, que a revalorizamos sete vezes. De 1994, em que com 1 dólar eram adquiridos 150 pesos, até 1999, ou finais de 1998 —digamos quase cinco anos; devemos contar 1994 completo—, temos revalorizado a moeda sete vezes. Portanto, hoje por 1 dólar apenas se podem adquirir ao redor de 20 pesos. Nenhum país fez isso, posso garantir; nenhum!
As fórmulas do Fundo Monetário, todas as receitas que impõe, vocês bem sabem disso, para onde conduzem? A ter somas, ás vezes enormes, guardadas de reserva para proteger a moeda e que, apesar de tudo, nuns poucos dias, ou numas poucas semanas, podem ver desaparecer essas reservas, fruto de poupanças ou fruto de privatizações. Vimo-lo em apenas uns dias. Nem temos nem precisamos essas enormes reservas. Os outros as têm e as perdem.
Só tem um país, só um no mundo! que não precisa nem reservas, porque é quem imprime as notas que circulam pelo mundo; o país que —como ja dissemos outras vezes— converteu primeiro o ouro em papel no dia que unilateralmente suspendeu a livre conversão dos suas notas, o câmbio de ouro das suas reservas pelo papel moeda que imprimiam, aceite por todos os países em virtude do seu valor equivalente em ouro, e depois quando converteu o papel em ouro, aquele milagre que desde a Idade Média aspiravam realizar os alquimistas. Isto é, imprimem um papel que circula como se fosse ouro. Estou a explicar o fenómeno de forma simples, embora é mais complexo o procedimento.
Eles usam os bônus da tesouraria e aplicam diferentes mecanismos. Mas o problema, na essência, é que podem dar-se esse luxo; são os que imprimem a moeda que circula pelo mundo; os que imprimem as notas das reservas dos bancos de todos os países do mundo. Imprimem o papel, compram, e os bancos guardam o papel —uma boa parte, não todo, é óbvio, entenda-se bem. Portanto, são os que imprimem a moeda de reserva do mundo. Essa é uma das causas pelas quais surge o Euro, numa tentativa de sobreviver frente a esse privilégio e a esse poderio monetário, digamos; e que não venha um especulador qualquer e faça com qualquer país europeu o que fizeram com o Reino Unido, a França, a Espanha e outros aos quais lhes desvalorizaram a moeda e os tornaram vítimas de enormes operações especulativas, visto que quando se reúnem alguns lobos norte-americanos multi-milionários, não há país que resista os seus ataques especulativos.
A libra esterlina, outrora não distante rainha das moedas, foi colocada de joelhos em questão de dias. Isso pode dar uma idéia do que eu quero expressar. E esse país, bom, não é preciso dizer, são os Estados Unidos. É o único que está protegido. Isso é o que, desesperados, leva alguns a pensar —perante às continuadas e incessantes desvalorizações, crises, catástrofes e fugas de capitais— na idéia de suprimir a moeda nacional e adoptar o dólar como moeda nacional, administrada pela Reserva Federal dos Estados Unidos.
Se tivéssemos um sistema como esse, por exemplo, e a nossa moeda for o dólar, bloqueados, sem poder adquirir dólares, comprando-lhes aos camponeses os seus produtos, uma galinha, um ovo, uma manga ou 100 mangas em dólares, poderia existir este país? Nas nossas condições, pelo que tivemos que passar e pelo que temos aprendido, percebemos de que se não tivéssemos o nosso modestíssimo peso, que temos revalorizado, como eu disse, sete vezes, não teríamos conseguido revalorizá-lo. Aqui teriam sido fechadas praticamente todas as escolas, e não se fechou nenhuma, todos os hospitais, e não se fechou nenhum; todo o contrário, neste período especial incrementamos o corpo médico do país, nomeadamente os médicos que trabalham na comunidade, ainda que também nos centros hospitalares, numa cifra que ascende a 30 000 novos médicos aproximadamente, para além das nossas grandes dificuldades económicas, falta de recursos e até de medicamentos muitas vezes, embora tenhamos os essenciais.
Hoje, o jornal publicou que na província central do país, não na capital, mas em Villa Clara, a mortalidade infantil em crianças menores dum ano, estava numa faixa de 3,9 por cada 1 000 nascidas vivas. Se pensarmos, por exemplo, em Washington, a capital dos Estados Unidos, deve ter uma mortalidade infantil quatro ou cinco vezes maior do que na província de Villa Clara. Há um bairro, o Bronx, que tem 20 por cada 1 000, e tem lugares nos Estados Unidos com 30 por cada 1 000.
A nossa mortalidade infantil, como média nacional, está por baixo da média nacional dos Estados Unidos, pelo menos em dois ou três pontos. Talvez estejam em 10 ou em 11, e nós temos a esperança neste ano de baixar de 7. Já tivemos no ano passado 7,1.
É por causa do esforço realizado que não fechou nenhum jardim da infância. Para quê falar? Não se fechou nenhum consultório do médico de família. Neste período especial, aumentou em muitos milhares o número de consultórios. E conseguimos fazer isso, é claro, porque existe uma Revolução, existe um povo unido, há um espírito de sacrifício, há uma cultura política bastante generalizada, porque quando se fala de cultura, não se pode esquecer a cultura política, que é um dos ramos de cujo desenvolvimento precisamos muito, e da qual se carece muito no mundo, visto que não há que pensar nem imaginar que um norte-americano comum tenha cultura política, ou tenha mais cultura política que um cubano, ou que um europeu. Admito que os europeus têm mais cultura política que os norte-americanos, mas em geral os europeus não têm mais cultura política que os cubanos, isso é certo. Até poderiam ser feito um concurso com média europeia de conhecimentos políticos e média cubana; entre pessoas que não vivem alienadas por milhões de coisas e gente que, infelizmente, sim.
Por vezes, nos nossos países latino-americanos a necessidade e a pobreza ajudam a desenvolver mais a cultura política do que naqueles países ricos que não sofrem as calamidades que nós sofremos. É por isso que, nos congressos latino-americanos de professores, de milhares de professores, que se realizam em Cuba, não fazem outra coisa que falar dos horrores do neoliberalismo que lhes tira os orçamentos, e nos congressos de médicos dizem horrores, nos de estudantes ou nos de qualquer tipo, porque constatam isso todos os dias e adquirem consciência. É claro que há horrores na América Latina que há muito tempo que não se vêem na Europa, onde podem ter até subsídios, que segundo referem alguns, permite, inclusive, ir de férias 15 dias para o estrangeiro, e em mais duma ocasião durante o ano.
Onde não existe nada disso se sofre muito mais. Temos um terreno mais fértil para adquirir cultura política. No nosso caso, além disso, temos a experiência acumulada pelo país, batalhas muito difíceis perante as agressões imperiais; dificuldades muito grandes, e as dificuldades também criam os lutadores.
Mas, para além de tudo isso, nada do que lhes estou a dizer o poderíamos ter feito se não tivéssemos uma moeda nacional que nos ajudar a redistribuir, e muitos serviços também. Claro, se se compara com o dólar e aparece a fórmula enganosa do câmbio nas Casas de Câmbio entre o dólar e o peso, e se diz que está 20 por 1. Então, alguém que ganhar 300 pesos dizem que ganha 15 dólares. Se for em Nova Iorque, aos 15 dólares seria necessário acrescentar-lhe de 1 000 a 1 500 dólares de salário por pagamento de alugueres, outros 500 por pagamento de serviços da saúde pública —já andaríamos por 2 000—, outros entre 500 e 1 000 ou mais, segundo o nível de ensino, visto que há matrículas universitárias que ali custam 30 000 dólares por ano. Somam-se-lhe por volta de mais 750 dólares pela educação que recebem gratuitamente as crianças, adolescentes e jovens, então a soma poderia dar mais 2 750 dólares 15, seriam 2 7 65 dólares. Tudo se torna muito enganador, não é?
Se tomarmos em conta que todas as crianças até os sete anos de idade recebem em Cuba um litro de leite por 25 centavos de peso cubano, é uma criança ou uma família que está a pagar dos supostos 15 dólares apenas 1,3 centavos de dólar por um litro de leite, e assim por outros alimentos essenciais. Infelizmente, não são suficientes, é claro, mas há uma quantidade determinada de alimentos que medidos em dólares são adquiridos a um preço ínfimo.
Se fossem a um estádio poderiam ver um jogo de beisebol importante, por apenas 50 centavos, no máximo 1 peso. Se for em Baltimore, ali onde se realizou o encontro da nossa equipa com a equipa norte-americana, dos 45 000 fãs que ali se reuniram, quem menos pagou, pagou 10 dólares; e quem mais pagou, pagou 35 dólares. Para assistir um espetáculo semelhante cem vezes, o cubano paga 100 pesos; um norte-americano tem que pagar 3 500 dólares. Assim acontece com muitas outras actividades e serviços. Mas, o nosso sistema, com todas essas características, não poderia conseguir isso sem uma moeda nacional.
Ora bom, até aqui esta longa análise relativa ao problema do que significa uma moeda nacional e as coisas delirantes que pensam os que desejam abolir a moeda nacional.
Aqueles lá na Europa, quando falam em soberania, não podem ter o mesmo conceito que nós temos. Eles estão a se unir e a ceder a um Estado supranacional, a uma comunidade supranacional muitas das atribuições do Estado nacional. Os outros países noutras partes do mundo têm que o fazer, e os latino-americanos temos que o fazer. Caso contrário, não avançamos nem três metros, aliás, recuaríamos mais metros cada ano, se não nos integramos. Não é preciso predicá-lo, é preciso criar consciência, transmitir uma idéia que resulta elementar, vendo o que acontece no mundo.
Na verdade, estão aqueles que nos querem integrar; um vizinho muito poderoso, muito próximo que nos quer integrar a eles. Logicamente, para contar com os recursos naturais e com a mão-de-obra barata de centenas de milhões de latino-americanos a produzirem jeans, sapatos, pulôvers, coisas manuais que exigem muita força de trabalho, e para lá, para as indústrias de ponta —como eles próprios as chamam—, o roubo continuado de cérebros, porque agora mesmo falam de contratar 200 000 trabalhadores estrangeiros de alta qualificação para as suas indústrias eletrônicas, e preferentemente latino-americanos. E assim, a esse pessoal altamente qualificado, que vocês formam nas universidades, levam-no; aos que têm mais talento científico, levam-nos; a esses dão-lhes o visto logo; esses não têm que ser "costas molhadas", esses não têm que ser imigrantes ilegais.
Se houver um bom artista, um excelente artista dos que possam ser explorados comercialmente, levam-no; um grande escritor como García Márquez, não conseguem levar, porque pode ser que García Márquez consiga levar eles (Aplausos), ou pelo menos uma parte importante das notas que imprimem pelo alto valor das suas obras. Um bom escritor pode trabalhar no seu próprio país. Não precisa emigrar. Mas, em muitas áreas da arte não é igual, e levam os melhores talentos, a muitos, não a todos, é óbvio. Um Guayasamín não poderia ser comprado nem com todo o dinheiro que imprima a Reserva Federal. Há homens que não podem ser seduzidos com nenhum dinheiro; homens e mulheres —para que não me acusem de discriminador, prefiro acrescentar essas duas palavras— e cá os temos, cá os temos! Não necessito mencionar nomes, mas tem homens e mulheres que valem mais do que todo o ouro do mundo. Essas são realidades.
São questões que lhes explico, realidades que ajudam a compreender estes fenómenos de soberania, que ajudam a compreender essa batalha, porque há tanta mentira, tanta demagogia, tanta confusão e tantos métodos ideados para divulgá-las, que é necessário um enorme esforço de esclarecimento constante. Se algumas coisas não podem ser compreendidas, não se pode compreender o resto.
Fala-se em fuga de capitais, de capitais voláteis, por exemplo, os empréstimos a curto prazo, como se esses fossem os únicos capitais voláteis. Em qualquer país latino-americano, de repente, os capitais voláteis saem; mas junto dos voláteis sai também todo o dinheiro poupado pelos poupadores do país, visto que, se aqueles o transferem porque tem medo a uma desvalorização ou alguma coisa semelhante, os outros saem a correr para o banco, trocam-no pela moeda norte-americana e o transferem para os Estados Unidos, onde cobram um juro maior ou menor, conforme a situação. Mas todo o dinheiro latino-americano e caribenho é capital volátil, entendamo-lo bem. Não o são aqueles empréstimos a curto prazo, com um juro elevado, que depois os seus donos o transferem rapidamente perante qualquer situação de risco. O nosso dinheiro se torna volátil, menos o cubano, não há maneira de que se volatilize o nosso dinheiro. Ah! se eles quiserem levar, muito bem, encantados, diminuirá o circulante, aumentará o valor do peso.
Agora os europeus se unem, não é? Para concorrer com o seu competidor. Eles falam em ser parceiros e aquele outro não quer ser parceiro de ninguém. Afinal, o nosso vizinho quer ser um parceiro privilegiado. Constantemente tomam medidas contra a Europa: proíbem-lhe a exportação do queijo por tal e tal assunto, ou de tais outras carnes e derivados, porque empregam determinadas rações animais. Sempre inventam. Mesmo agora, com relação à banana e uma resolução da nada imparcial Organização Mundial do Comércio, puniram Europa nas suas exportações, por um montante de ao redor de 500 milhões de dólares, se não me engano. Eles tomam medidas todos os dias, ou ameaçam com tomá-las. Sempre têm esgrimida essa arma. Não!, para qualquer um que pense um pouco é muito claro que a Europa tem que concorrer muito duro com eles.
Até vemos com satisfação esta reunião caribenha e latino-americana com a União Europeia, de que falei anteriormente. É bom, é conveniente; eu penso que resulta conveniente para a Europa, é conveniente para o Caribe e conveniente para a América Latina. E tomara o euro fique forte, agora desceu um bocadinho, está a sofrer um pouco as conseqüências da guerra aventureira e genocida —para classificá-la pelo seu nome real, para além de aventureira.
Convém-nos que haja outra moeda de reserva, para que existam duas e não uma só no mundo, e oxalá houvessem três: convém-nos que haja mais duma moeda forte e estável.
Espero que, entre tantas loucuras históricas que temos cometido, não terminemos adoptando o dólar como moeda de circulação neste hemisfério, administrado tudo desde a Reserva Federal dos Estados Unidos, porque eles lá não vão aceitar nenhum representante latino-americano, visto que se no seu sistema de Reserva Federal aceitarem um representante por cada um dos países latino-americanos, até nós lhes enviávamos um, se o permitissem.
Claro, essa é uma utopia, é óbvio, eles não vão receber nenhum, nem sequer dos países mais ricos, de maior desenvolvimento, de maior Produto Interno Bruto, nem sequer do Brasil ou Argentina, ou o México, para mencionar os maiores países irmãos da América Latina. Nunca irão aceitar um representante ali, no seu sistema da reserva. O destino latino-americano e caribenho é um destino perigoso, mas não é um destino perdido nem nada disso. Pode-se lutar.
O conceito de soberania, entendam, camaradas europeus, não pode ser o conceito que ontem defendeu um representante europeu de forma aberta e descarada, pela primeira vez desde que se estão a debater e a desenvolver doutrinas contra a soberania. Em geral, Europa está bastante comprometida com essa doutrina anti-soberania impulsionada pelo imperialismo da super-potência.
Assim se explica que um país europeu, cujo Embaixador falou ali duma maneira como nunca se falou nas Nações Unidas, conceituasse como uma coisa anacrónica a Carta das Nações Unidas e o princípio da soberania e a não intervenção como uma questão fundamental do direito internacional. Os que assim se manifestam já renunciaram praticamente à soberania, e desfrutarão só num futuro cada vez mais próximo, simplesmente duma autonomia nacional dentro dum estado supra-nacional, com um parlamento supra-nacional, com um executivo supra-nacional.
Inclusive agora, como prémio às suas façanhas bélicas, e esquecidos dos que morreram e dos milhões que sofreram e guardam as marcas para toda a vida, criaram uma espécie de ministro europeu dos Negócios Estrangeiros para premiar uma personagem que se julga a sério o que não é e actua como o que é. Refiro-me ao grande marechal e Secretário Geral da NATO. Ah!, Vocês não sabem quem é, nunca ouviram falar nele? Foi Ministro de Cultura num país europeu, sim, Javier Solana. Não sabiam que foi Ministro de Cultura? Quando o conheci —numa cimeira ibero-americana que se realizou na Espanha, esperou-me no aeroporto; lá enviavam diferentes ministros— e falei com ele breves minutos protocolares. Naquela época era um pacífico ministro portador de cartazes e participava activamente nas manifestações anti-NATO, e hoje é o Secretário Geral da NATO, marechal de campo —porque pelo menos tem que ser marechal de campo para dar-lhes ordens aos generais norte-americanos—, agora o vão converter numa espécie de Ministro dos Negócios Estrangeiros Europeu.
A imprensa lhes faz pergunta a alguns companheiros nossos: Vocês não estão preocupados de que tenha sido nomeado Ministro dos Negócios Estrangeiros da Europa? Nós, realmente, não estamos habituados a nos preocupar por nada, nem trocamos princípios por interesses ou por conveniências, mas poderíamos responder que o preferimos de Ministro dos Negócios Estrangeiros antes que de marechal de campo da NATO. Sei lá que poder terá como Ministro dos Negócios Estrangeiros: sabemos perfeitamente a respeito do que supostamente tem como Secretário Geral da NATO.
Ah!, por aí temos todas as declarações que ele fez, as que precederam a guerra e todas as que fez durante a guerra, e conheço poucas personagens tão aferradas à doutrina da violência, de estilo tão ameaçador, com uma linguagem tão impiedosa e dura. Claro que tem uma responsabilidade muito grande, e a assumiu quando deu formalmente a ordem ao general Clark, chefe das forças militares da NATO na Europa, de iniciar os bombardeamentos a tal hora e em tal ponto, depois que os países da NATO deram ao seu Secretário Geral a faculdade de iniciar a guerra quando, ao seu entender, os procedimentos diplomáticos estivessem esgotados; como Secretário Geral emitiu as ordens, fez declarações quase constantemente durante mais de 70 dias de bombardeamentos brutais, todas ameaçadoras, todas prepotentes, todas abusivas, quase todas cínicas. E depois da reunião de ontem no Conselho de Segurança, deu a última das suas supostas ordens: o cessar dos bombardeamentos. Tudo no âmbito dum grande teatro.
Como são obedientes, realmente, os generais norte-americanos!, um modelo de disciplina como jamais se viu na história. Imediatamente atacam, ou imediatamente cessam os ataques, porque um ilustre ex-ministro de cultura lhes deu a ordem.
Podem ter os países da União Europeia o mesmo conceito de soberania que o México, que Cuba, que a República Dominicana, que qualquer ilhazinha do Caribe; que um país centro-americano, que a Venezuela, a Colômbia, Equador, Peru, o Brasil, Argentina, ou um país do sudeste asiático, Indonésia, Malásia, Filipinas? Podem ter o mesmo conceito que a maioria esmagadora dos países do mundo que estão desintegrados?
Quando estivermos integrados, todos, numa América Latina e caribenha unida, o nosso conceito de soberania será diferente. Teremos que ceder muitos desses princípios para acatar as leis e as administrações ou decisões dum estado supra-nacional.
Algo mais: um marxista não pode ser jamais um chauvinista ferrenho. Pode ser um patriota, que não é a mesma coisa; sentir amor pela sua pátria, que não é a mesma coisa.
Há muito tempo, houve homens que sonharam, como Bolívar, há quase 200 anos, com uma América Latina unida; houve homens, como Martí, que há mais de 100 anos sonharam com uma América Latina unida. E quando falo em América Latina, naquela época, quando Bolívar proclamou os seus sonhos, ainda não estava formada por países independentes.
O primeiro país independente, depois dos Estados Unidos, foi precisamente Haiti. E ajudou Bolívar materialmente na sua luta pela independência latino-americana e inclusive, com as suas idéias e os seus intercâmbios, ajudou a afiançar em Bolívar a consciência do dever inadiável de abolir a escravidão, o que não aconteceu a raiz do primeiro movimento independentista vitorioso na Venezuela.
Nos Estados Unidos houve —como vocês conhecem— uma luta pela independência, uma declaração de princípios em 1776, e só depois de quase 90 anos, após uma sangrenta guerra, é formalmente declarada a abolição da escravidão, só que os escravos muitas das vezes começaram a estar pior, porque como já não eram propriedade dum dono, não eram capital do dono, se eles morriam os donos não perdiam nem um tostão. Com anterioridade, se algum escravo morria, o seu dono perdia o que lhe tinha costado adquiri-lo no famoso leilão. Depois —como aconteceu aqui também, exactamente, e em todas partes—, estavam praticamente pior.
A escravidão desapareceu como sistema na América Latina, muito mais cedo que nos Estados Unidos. Houve homens que sonharam com estas coisas. Houve homens que em prol da criação duma grande república unida e forte sonharam com que cada um dos nossos actuais países, sem renunciarem aos seus sentimentos nacionais, abdicasse das suas prerrogativas ou aspirações à independência nacional por separado.
Nem sequer existiam Estados independentes quando Bolívar sonhava com uma América Latina unida num Estado grande e poderoso, a partir das semelhanças que temos, como nenhum outro grupo de países no mundo, de língua, em primeiro lugar, etnias de origem parecida, crenças religiosas e cultura geral.
A religião faz parte também da cultura. Quando meditamos a respeito do fenómeno da invasão de seitas fundamentalistas na América Latina —são coisas que se conhecem, sabemos que são idéias que surgiram no decurso da guerra fria—, pergunto-me: Por que essa invasão que nos quer dividir em mil fragmentos? Por que essa invasão fundamentalista?, centenas, inclusive milhares de denominações religiosas nada ecuménicas, diferentes das denominações religiosas cristãs tradicionais cada vez com maior espírito ecuménico.
Na minha época de estudante não tinham nada de ecuménicas. Realmente, quando nos visitou o Papa, no recebimento, nas minhas palavras de boas-vindas, louvava o actual espírito ecuménico da sua igreja. Lembrava-me que não era assim nos meus anos de estudante, desde a primeira classe até me formar como bacharel em escolas católicas. Aliás, internado, como regra, salvo períodos muito breves em que por excepção estive em regime externo. Desde então até a data muito mudaram as relações entre as igrejas tradicionais.
Pergunto-me agora: Por que nos querem fragmentar com a invasão de milhares de seitas anti-unitárias? Compreendemos melhor que na América Latina as crenças religiosas comuns constituem um elemento importante de cultura, identificação e integração. Não se trata de que tenha de ser uma igreja única, nem menos, senão igrejas unitárias, igrejas ecuménicas. Esses factores devemos preservá-los.
Os latino-americanos temos mais coisas em comum, muitas mais, do que os europeus. Até há bem pouco tempo estiveram a fazer-se a guerra uns aos outros, durante séculos. Houve uma que a chamaram a Guerra dos Cem Anos, e guerras de todo tipo: religiosas, nacionais, étnicas. Os que conhecem um bocado de história sabem disso perfeitamente.
Os europeus ultrapassaram tudo isso porque tomaram consciência de unidade. Na verdade devemos dizer que os europeus tomaram consciência —os seus políticos, em geral— da necessidade de se unirem e de integrar-se, e há quase 50 anos que estão a trabalhar nessa direcção. Nós nem sequer temos começado.
A Carta das Nações Unidas e os princípios da soberania são absolutamente imprescindíveis e vitais para a imensa maioria dos povos do planeta, especialmente para os mais pequenos e fracos, que ainda não se integraram a nenhuma agrupação supra-nacional forte na actual etapa do desenvolvimento político, económico e social extraordinariamente desigual da comunidade humana. Os Estados Unidos que são capitão e chefe das doutrinas que se esgrimem no seio da NATO, quer varrer até os alicerces das soberanias nacionais, simplesmente para se apoderar dos mercados e dos recursos naturais dos países do Terceiro Mundo, incluídos os da antiga União Soviética, como Azerbaijão, Uzbequistão. Turkmenistão e outros, sendo já quase dono das grandes reservas de petróleo do Mar Cáspio, para exercer o papel dum novo super-império romano de carácter mundial que, é claro, durará muito menos que o Império Romano, em proporção inversa à magnitude das suas ambições, o seu descrédito e a resistência universal que vão encontrar.
Mas se prepara para o desenvolvimento, a consolidação e o exercício do império sem limites. Alguns analistas e escritores norte-americanos, do mesmo grupo de Ramonet, e também ele, denunciam a invasão cultural, o domínio quase total dos meios de divulgação massiva e o monopólio cultural que intentam impor ao mundo, demonstrando como os teóricos mais ferventes do império consideram a cultura como sendo a arma nuclear do século XXI. Porém, não há que documentar-se demais para acreditar nisso, vê-se às claras em tudo o que fazem e na forma em que o fazem.
Pretextos do império? Ah!, razões humanitárias; direitos humanos, uma das coisas que mencionam, em virtude dos quais é preciso liquidar as soberanias; conflitos internos que devem ser resolvidos com bombas e mísseis "inteligentes".
Quem está a colocar isto? Olhando, lembrando o acontecido nas últimas décadas no nosso hemisfério, quem foi o pai de todos os golpes de Estado? Quem treinou todos os torturadores nas técnicas mais sofisticadas? Quem foi o responsável de que existissem países relativamente pequenos, onde houve mais de 100 000 pessoas desaparecidas e ao redor de 150 000 morreram?, ou de que em outras nações dezenas de milhares de homens e mulheres tivessem igual sorte? Nestas últimas falo apenas de pessoas que foram desaparecidas após horríveis torturas. Quem preparou os seus sinistros autores? Quem os armou? Quem os apoiou? Como vão aparecer agora com a história de que é preciso erradicar a soberania nacional em nome dos direitos humanos?
Há alguns anos atrás, mataram 4 milhões de vietnamitas lançando milhões de toneladas de explosivos sobre um país que estava a 15 000 ou 20 000 quilómetros de distância, bombardeado com sanha sabe-se lá durante quanto tempo. Quatro milhões, sem contar os aleijados para toda a vida. E agora pedem que a soberania seja erradicada em nome dos direitos humanos.
Quem armou, por exemplo, a UNITA em Angola, que durante 20 anos massacrou aldeias inteiras e matou centenas de milhares de angolanos? Sabemos muito bem, porque lá estivemos durante muito tempo a apoiar o povo angolano, perante a agressão dos racistas sul-africanos. Ainda lá estão a matar, e o seu líder predilecto tem centenas de milhões de dólares nos bancos —sei lá quem lavou o dinheiro dele— com os que compra, em parte, armas, algo que lhe agrada muito aos produtores. Controla extensas zonas muito ricas em diamante. Possui centenas de milhões de dólares como fortuna pessoal.
Assim por diante, não houve governo repressivo neste mundo ao qual não apoiaram. O apartheid, por que chegou a ter sete armas nucleares? Sete tinham quando lá nós estávamos, na fronteira com a Namíbia. Ah!, não o sabia o Serviço de Inteligência dos Estados Unidos que sabe tudo. Não o sabia? E como chegaram ali aquelas armas? Pode se dizer que é um dos temas, uma das perguntas que podem ser feitas, e uma das questões que um dia se saberão com todos os pormenores, quando forem desclassificados alguns documentos, visto que chegará o dia em que se saberá tudo absolutamente.
A gente poderia perguntar, inclusive, onde estão essas sete armas nucleares, porque os que as fabricaram dizem que as destruíram. É a única coisa que afirmam os do apartheid. Os líderes do ANC não sabem disso. Ninguém respondeu essa pergunta. Ainda há muitas perguntas que nunca foram respondidas.
Quem apoiaram Mobuto? Os Estados Unidos e a Europa. Onde estão os milhares de milhões que Mobuto levou do Congo? Em qual banco estão guardados? Quem o protegeram e cuidaram ou herdaram a sua imensa fortuna?
Assim poderia continuar a colocar muitos exemplos. Quem apoiou as agressões contra os países árabes? Foram os Estados Unidos da América.
Não tenho absolutamente nada de anti-semita nem menos; porém temos sido muito críticos das guerras contra os países árabes, das expulsões massivas, a diáspora dos palestinianos e outros árabes. Quem as apoiou? E tem outras muitas guerras abertas ou sujas, e outros factos similares que não vou mencionar aqui, que têm estado a fazer e continuar a fazer os que querem varrer a soberania ou os princípios da soberania em nome de razões humanitárias. É claro, esse é um dos pretextos, mencionando muito o acontecido na África.
Os próprios africanos estão preocupados por resolver os problemas da paz no seu continente, com razão: tentam unir-se, têm um forte sentido de unidade, também têm os seus agrupamentos regionais. Tentam procurar uma solução para os conflitos. Mas, quem ocuparam e exploraram África durante séculos? Quem a mantiveram na pobreza e o subdesenvolvimento? Quem estabeleceram essas fronteiras que atravessam etnias completas, de tal maneira que a mesma etnia está dum lado e doutro daquelas fronteiras?
Com muita sabedoria, muita, mesmo muita sabedoria, os africanos, desde que começaram a ser Estados independentes, colocaram o princípio da intangibilidade da fronteira, que as fronteiras herdadas eram sagradas, pois, caso contrário, tivesse sido enorme a quantidade de conflitos que se teriam desatado na África.
As potências coloniais criaram tudo isso. Elas são as responsáveis da exploração através dos séculos, do atraso e da pobreza. Ou vamos por acaso procurar uma interpretação racista das razões da pobreza desses povos africanos, quando se sabe que nesse continente existiam civilizações de notável desenvolvimento, quando por Berlim, por Paris e por outros muitos lugares da ilustre Europa deambulavam as tribos que a percorriam? Mais de mil anos antes, já existia uma civilização no Egipto, uma na Etiópia e noutros pontos da África. Os Estados Unidos da América surgem 20 séculos depois. Qual é a causa dessa pobreza que não seja o sistema colonialista, esclavagista, neo-colonialista, capitalista e imperialista que imperaram no mundo nos últimos séculos? Por que esses povos não puderam se beneficiar dos frutos da ciência e do progresso humano? Os únicos culpáveis são os que exploraram esses povos durante séculos.
Também, numa dada altura, tiveram a China semi-colonizada e humilhada. Sabe-se que ao Japão, no século passado, abriram-lhe os seus portos ao comércio mundial com tiros de canhão. Sabe-se que o império britânico enviou os seus soldados a conquistarem um pedaço do território chinês e em coligação com outras potências europeias, incluindo também os Estados Unidos, enviou tropas até Pequim e foi desatada a guerra do ópio; invasões e guerras para vender ópio.
Agora querem fazer invasões quando num país se planta papoula; e não só o país, mas um número de pessoas esfomeadas e desesperadas, às vezes. Nações empobrecidas, perante o enorme mercado de drogas existente nos Estados Unidos, que não foi criado por nenhum país latino-americano, nem qualquer outro país do mundo, plantam papoula ou coca para o consumo colossal dos países industrializados e ricos.
Poderia perguntar-se quanta droga consomem per capita nos Estados Unidos e na Europa; possivelmente seja muito mais que no Brasil, ou que na Argentina, ou Uruguai, ou Paraguai, ou na América Central, o México, ou inclusive, na própria Colômbia. O mercado está lá no Norte. A desgraça dos nossos países, aqueles onde surgiu a cultura, foi a existência duma grande demanda nos Estados Unidos. Isto é importante, pois a doutrina que têm estado a elaborar contra a soberania, que têm estado a discutir entre eles e os outros membros da NATO, e insinuando pouco a pouco, gota a gota, foi ontem praticamente a primeira vez que intentaram promovê-la publicamente.
Existem as chamadas ameaças globais, como motivos que poderiam justificar plenamente uma intervenção. Coloquemos quatro: a droga é um; terrorismo é outro; posse de armas de destruição massiva, outro. Eles não, eles podem ter todas as armas de destruição massiva que quiserem, milhares de armas nucleares, como Estados Unidos; e mísseis que com grande precisão podem colocar em qualquer parte do mundo; todo um arsenal de laboratórios que foram dedicados às armas biológicas —contra nós empregaram as armas biológicas— e armas de qualquer tipo. Estabeleceram acordos, uns e outros, para eliminarem as armas químicas e biológicas; mas desenvolvem ao mesmo tempo as outras que são, inclusive, mais mortíferas. Segundo a mencionada doutrina, um país do Terceiro Mundo pode ter uma arma nuclear e ser isto a causa dum ataque aéreo fulminante e uma invasão, e então, toda essa gente que possui a arma nuclear? Trata-se de guerras, preventivas ou punitivas, para preservar o monopólio das armas nucleares e outros tipos de armas de destruição massiva, muito longe de poderem ser qualificadas de humanitárias.
E o quarto motivo, as violações massivas dos direitos humanos. Até agora o grande promotor, o grande padrinho, o grande pai educador e sustentador daqueles que cometeram violações massivas dos direitos humanos, foram os Estados Unidos. Destruições massivas da infra-estrutura e da economia dum país, como acaba de acontecer na Sérvia; genocídios a base de bombas para privar a milhões de pessoas dos seus meios e serviços vitais de existência, guerras genocidas como a que antes aconteceu no Vietname. Eles foram os autores.
Não estou a falar da época da conquista de mais da metade do México. Não estou a falar de Hiroshima e Nagasaki, experiência terrorista dos efeitos da arma nuclear sobre cidades onde viviam centenas de milhares de pessoas. Estou a falar de coisas acontecidas depois da Segunda Guerra Mundial. Quem foram os seus aliados? Por que o governo franquista se prolongou na Espanha praticamente 30 anos depois de concluída uma guerra mundial contra o fascismo, que durou seis anos cruentos e custou não menos de 50 milhões de vidas? Pelo apoio dos Estados Unidos para dispor ali de bases militares. Quem apoiaram os governos arquirepressivos num país como a Coréia, por exemplo? Foram eles. Quem apoiaram realmente os massacres massivos de etnias, como por exemplo, de chineses, ou de comunistas, ou de esquerdistas na Indonésia? Foram eles. Quem apoiaram o horrível regime do apartheid? Foram eles.
Não houve governo sanguinário, repressivo e violador massivo dos direitos humanos que não tenha sido aliado deles e apoiado por eles. A Duvalier, para citar um exemplo próximo, quem o apoiou? Até que um dia, bom, intervieram em Haiti para tirá-lo por razões humanitárias.
Percebem? É o desenvolvimento de toda uma filosofia para varrer a Carta das Nações Unidas e os princípios da soberania nacional. A doutrina pode ser dividida em três categorias de intervenções: intervenções humanitárias por conflitos internos; intervenções por ameaças globais, das quais já falamos, e intervenções por conflitos externos, às quais se adiciona o conceito ianque muito confuso de "diplomacia ao abrigo da força". Isto quer dizer, por exemplo, que a Colômbia, se não consegue ganhar a batalha na solução do conflito interno, batalha difícil, claro, mas, se não conseguir alcançar a paz pela qual muitos trabalham —entre eles Cuba—, poderia ser motivo para uma intervenção. Se não conseguir erradicar as culturas de droga, igualmente poderá ser alvo duma intervenção armada.
Tentei reunir uma informação precisa sobre o que acontece a respeito da droga na Colômbia; a extensão da droga, quantas hectares plantadas de droga existem. Alguns me referiram que há por volta de 80 000 hectares de coca; apenas de coca. Tem ido avançando. E me contaram de até um milhão de pessoas que trabalham na colheita de folhas e na cultura da coca.
Perguntei pelo café e me disseram: Tem problemas, porque o salário dum colector de café pode chegar a 10 ou 12 dólares, e aquele que recolhe as folhas de coca ou limpa a plantação, arranca as ervas e realiza outras actividades similares, ganha salários cinco ou seis vezes mais elevados. O único que não sei, até agora, é se a fertilizam, parece que se dá de forma natural; talvez ela própria se auto-fertiliza com determinado regime de chuvas e de clima. Quiçá tem as qualidades do marabú. O marabú é uma planta muito daninha aqui na agricultura, é terrível, espinhosa, reproduz-se e estende-se facilmente. Não alimenta os animais, mas é uma leguminosa; não precisa ser fertilizada por ninguém; nutre-se de nitrogénio através das bactérias nodulares das suas raízes; parece que com a coca deve passar algo parecido.
Imaginam que situação pode ser a dum país onde um milhão de pessoas, na área rural podem ganhar com a coca 50, 60, 70 dólares, na mesma jornada de trabalho que empregue noutras culturas lhe renderia 10 dólares no máximo? E em época de safra —a coca tem três colheitas ao ano—, consiste em arrancar folhinhas.
Investigando e investigando, quase me converti num perito, a força de perguntas: Digam-me, contem-me: todas são plantações pequenas? Dizem-me: "Não, há latifúndios de centenas de hectares e plantações de até milhares de hectares." Perguntei: Quanta renda recebe, por exemplo, alguém que tenha uma hectare de coca plantada? Esse é quem menos recebe. Recebe o outro, aquele que a transforma em pasta básica, aquele que a refina, e fundamentalmente, os que a comercializam. Antes dessa fase, muitas empresas aéreas, de transportação e outros serviços obtêm lucros elevados. Um câncer deste tipo é introduzido numa sociedade e se converte numa verdadeira tragédia em todo sentido, porque tudo isso multiplica o perigo de que se estenda além disso o consumo interno.
Nós próprios estamos a lutar. Vocês apontavam que o turismo não deve afectar a cultura, afectar a identidade nacional. Às vezes pode afectar a saúde se for promovida a prostituição, por exemplo.
Quando lhes falei do dólar, disse-lhes que aqui circula o dólar, as medidas que tivemos que adoptar, entre outras, tornaram necessária a sua circulação. Mas, esse é um dólar que nem escapa, nem se volatiliza, é outra coisa. E isso obedece a uma etapa histórica. É um dólar que circula aqui, que cada dia vale menos e, de tal modo, que nesta altura não estamos tão interessados em baixar o seu valor, porém, estamos interessados, segundo os recursos com que disponhamos, no incremento dos salários em pesos, sem que perca a sua actual equivalência em dólar.
Que bom resulta não pertencer ao Fundo Monetário Internacional!
Mas o real é que a circulação do dólar, unida à entrada e saída livre de muitos visitantes, pode incentivar o comércio e a cultura da droga, o que nos obriga a estarmos muito alertas.
Continuando com o problema da Colômbia, alguém me disse: "Uma hectare de coca pode dar receitas ascendentes a 4 000 dólares." Digo-lhe: E plantada de milho, nessa planície tropical, chuvosa? Vocês sabem que as planícies da Colômbia não são zona de milharais. A zona produtora de milho está um bocado mais para o Norte, à altura dos Estados Unidos, na área central dos Estados Unidos e também à altura da Europa, ainda que o milho é originário deste hemisfério, do México, América Central e América do Sul. Plantando uma hectare de milho, lá, sem fertilizantes e sem nada, para o camponês conseguir uma produção duma tonelada de milho por hectare, seria demais, posso-lhes assegurar isso. A tonelada de milho no mercado internacional vale mais ou menos entre 100 e 150 dólares. Na Argentina e noutros lugares, o preço de exportação chegou a 90 dólares. Nós fazemos importações e sabemos o que vale cada um destes grãos.
Não falo já do trigo, que não se pode plantar; milho, sim, por exemplo, para auto-abastecer-se ou para comercializá-lo. A quanto lhe pagam a sua tonelada para que o comerciante intermediário venda depois no mercado? Porque para além disso, se forem varridas as barreiras alfandegárias, então entram livremente os grãos produzidos no exterior. Isso é o que os Estados Unidos andam a procurar nos seus acordos comerciais com a América Latina.
O colombiano, nesse caso, consumirá milho norte-americano, porque é produzido mais barato que o milho colombiano. Obtêm seis toneladas, sete ou mais, a cultura está muito mecanizada. Produzem-no mais barato que os franceses; os franceses devem cuidar-se do milho norte-americano, porque o colocam na França mais barato do que o que custa produzir uma tonelada de milho na França. É por isso que as questões agrícolas se tornam os grandes obstáculos dos acordos de livre comércio.
Os ianques estão a calcular: "Vou te dar algumas vantagens industriais logo. Em troca te dou xis anos para que vás reduzindo as tabelas aos grãos que exporto até ao dia em que a entrada for livre." Sabemos muito bem o que vai acontecer: vão ficar sem cultura de milho, e um dia o milho tornar-se-á muito caro, e na medida em que o preço subir, não terão outro milho do que esse.
Mas, quanto ganharia o nosso agricultor que trocar uma hectare de coca por uma hectare de milho? Em vez de 4 000 dólares, lá receberia pelo seu milho o que lhe pague um intermediário, ou um da cadeia de intermediários. Podem ser 60 ou 100 dólares. Então, onde estão as possibilidades das culturas substitutivas?
Criaram já uma cultura da droga, alienaram milhões de pessoas com o seu mercado voraz e com a sua lavagem de dinheiro, porque foram os bancos norte-americanos os que lavaram a imensa maioria dos fundos saídos da droga. Não foram apenas mercado, mas praticamente financistas: lavadores de dinheiro da droga. E além disso, não querem gastar dinheiro para erradicar realmente a cultura de coca ou papoula, ainda que investam milhares de milhões em procedimentos repressivos.
Eu acho que teoricamente pode existir uma solução. Ah!, mas custa milhares de milhões de dólares, investindo esses recursos de forma racional. O que vão fazer com os homens que massivamente vivem dessa cultura; vão-nos exterminar? Se eles mesmos chegam e invadem aquele país porque existe "uma ameaça global" e porque o problema da droga não pode ser controlado com simples medidas repressivas. Na verdade, invadi-lo seria uma loucura, porque o calor da floresta da planície da Colômbia acaba com os soldados habituados a beber Coca-Cola em missões de combate, água fresca a todas horas, gelados da melhor qualidade. Não, não , não, sabe-se como era no Vietname, e cada vez mais se habituam a todo tipo de luxos e comodidades.
Os mosquitos e o calor quase dão cabo deles, e ninguém sabe as conseqüências que acarretaria se intervêm um dia para acabar com a droga. Ali não seria essa guerra de bombardeamentos com B-2 e coisas assim, porque com as bombas de raios laser não ser podem combater as culturas de coca, nem com os mísseis inteligentes, nem com aviões. Lá é preciso ir por terra, ora para liquidar uma força irregular no mato, ora para erradicar as culturas. E como a luta guerrilheira é classificada por eles como terrorismo, insurgência e grandes riscos, praticamente ameaças globais, temos um país com duas causas que poderiam ser pretextos de intervenção —estou mencionando duas categorias—, conflitos internos e droga. Duas causas de intervenção, segundo as teorias que eles tentam implantar.
Seria uma invasão ou um bombardeamento da Colômbia o que resolveria o conflito interno? Pergunto-me, a NATO poderia solucionar esse problema, agora que estabelece o direito a actuar fora das suas fronteiras? Isso, em princípio, foi acordado durante a celebração do 50 aniversário. E por aí podem vocês imaginar quantos casos. Tem alguém que imagine que essa pode ser a solução?
E sei, por inquéritos, que no seu desespero perante a violência e os problemas do país —não são poucas as pessoas que na própria Colômbia, quando lhes perguntam, se mostram partidárias de que se não houver outra solução para a violência, seja resolvido mediante a intervenção duma força externa; uma quantidade digna de ser tomada em consideração.
Obviamente, não devemos esquecer a tradição combativa e patriótica do povo colombiano. Tenho a certeza de que uma loucura desse tipo, ao estilo do que fizeram na Sérvia, cometida num país como Colômbia, seria um desastre, uma loucura; mas como são loucos, ninguém tem nenhuma segurança, se a segurança não está no direito internacional, nos princípios do respeito pela soberania, na Carta das Nações Unidas. E essa pode ser uma decisão, pela sua conta, duma máfia armada até os dentes, que é aquilo em que se transformou a NATO.
Os demais países não temos nenhuma segurança, nada! E existe o risco de loucuras que podem custar milhões de vidas. Tenho a certeza de que uma invasão a Colômbia, por exemplo; a aplicação desta doutrina na Colômbia, originaria milhões de mortes, e é um país onde há muita violência, onde morrem cada ano quase 30 000 pessoas de forma violenta. São cifras que estão muito por cima da média de mortes por violência na América Latina.
Ora bom, será a invasão das tropas da NATO a que irá resolver o problema?, e depois dizer —como Solana—: "Esgotaram-se as vias diplomáticas ou as vias pacíficas."
Como latino-americanos o que devemos fazer é tentar colaborar com a Colômbia, com o país (Aplausos); ajudar o país a atingir uma paz justa, uma paz que beneficie a todos, é claro.
Há fórmulas, do meu ponto de vista, tão complexas e difíceis que a mim deu-me por chamá-las de utópicas, porque ali não há uma guerra, há três ou quatro guerras. Existem forças guerrilheiras importantes, movidas por propósitos de carácter político, mas divididas em duas organizações que lutam cada uma pela sua conta; há forças de paramilitares ao serviço dos latifundiários, extremamente repressivas; forças dos cultivadores de droga, pessoal armado para disparar, por exemplo, aos helicópteros que fumigam.
Realmente é uma situação complexa a da Colômbia; cito-a pensando nas teorias às quais estive a fazer referência e nas conseqüências que possam ter.
Ajudemos! Não digamos nunca que as vias diplomáticas e pacíficas ficaram esgotadas, há que discutir e voltar a discutir. Abriu-se um processo naquela situação complexa. A Venezuela deseja cooperar, nós cooperamos na medida das nossas possibilidades e outros países; mas os problemas internos da Colômbia não tem outra solução que não seja política e pacífica. Para mim fica claríssimo. Ajudemos os latino-americanos a encontrá-las!
Se um dia tivermos uma federação de Estados latino-americanos, uma unidade, e cedemos muitos dos atributos da nossa soberania e a ordem interior for uma prerrogativa dum Estado supra-nacional nosso e não duma potência estrangeira que não tem nada a ver conosco (Aplausos), ou duma Europa poderosa, com a qual desejamos desenvolver relações de amizade, comércio, ciência e desenvolvimento tecnológico, mas que não tem absolutamente nada a ver com os problemas de ordem interna dos nossos países, seríamos com certeza capazes de resolvê-los também politicamente, sem bombardeamentos, destruição e derramamento de sangue. Não necessitamos que alguém o faça por nós.
Por que vão ser demolidos os princípios das Nações Unidas? Então, poderia começar a citar exemplos. Passar-me-ia pela mente perguntar como é aplicada a doutrina da NATO, por exemplo, na Rússia, se surgir um conflito como o de Chechénia, ou outros vários que podem surgir devido a que esse Estado é formado por numerosos grupos étnicos diferentes e também com crenças religiosas diferentes, ou porque haja um conflito interno entre os próprios russos eslavos devido a que uns são comunistas e outros são liberais ou neoliberais, ou pensam de qualquer jeito intermédio entre essas posições. Então? Vão invadir a Rússia? Vão desatar uma guerra nuclear?
A Rússia era uma super-potência. Antes existiam duas super-potências; hoje há uma super-potência e uma potência. Qual é a diferença? Que a potência pode destruir a super-potência três ou quatro vezes e a super-potência pode destruir a potência 12 ou 14 vezes. Isto é, sobram umas quantas vezes; mas com uma só chega. Podem-se aplicar tais teorias?
No Conselho de Segurança têm estado a discutir fortemente, foi aprovado por esse órgão, um projecto de resolução, e se vocês tiverem paciência, verdadeiramente, talvez algumas coisas ainda mais interessantes poderia lhes dizer; mas quero concluir isto, a questão das doutrinas que estão a ser desenvolvidas. É por isso que faço a pergunta anterior.
Faço outra: Se houver um conflito na Índia, pode ser por causa das fronteiras; mesmo agora há disparos, inclusive de artilharia na fronteira de Paquistão e da Índia, acaso se pode aplicar ali a doutrina onde há mais de 100 milhões de paquistanenses, e além disso, por outro lado quase 1 000 milhões de indianos com muitas etnias diferentes? Pode ser aplicada tão disparatada teoria em países que possuem, além disso, armas nucleares? Não sei se serão 50, 100 ou 20, mas só 20 seria uma quantidade colossal; a guerra se torna nuclear. Quantos morreriam aplicando esta receita norte-americana e inexplicavelmente europeísta? Loucura total!
Vou um pouquinho mais longe: E se o conflito for na China, onde há etnias diferentes, num país de 1 250 milhões de habitantes, experiência bélica extraordinária, valentia, combatividade?, como todos os povos, é claro. Porém, eles foram obrigados a enfrentar muitas agressões e dificuldades.
Recordamos, inclusive, quando a guerra da Coréia que a medida que se aproximavam as tropas de MacArthur à fronteira chinesa e alguns falavam já de atacar o outro lado da fronteira, um milhão de combatentes chineses a cruzaram e chegaram até a linha actual, um milhão! Claro, o número de baixas mortais pode ter sido —não me comprometo com a exactidão—, talvez até de 200 000 combatentes chineses que morreram. Os Estados Unidos já possuíam bombardeiros de todas as classes, armas de todo tipo e a massa humana não pôde ser contida e não o teriam conseguido nem com as armas nucleares.
Como se aplica a doutrina na China, a que constantemente estão a fustigar com as campanhas sobre os direitos humanos, como fazem com o nosso país? Lá chegaram a produzir-se alguns problemas de certa envergadura, muito explorados pela propaganda ocidental. Mas calculem que desorientação haveria, caso ser a de aqueles jovens que tinham por símbolo a Estátua da Liberdade, que fica na entrada do porto de Nova Iorque. Tem que ter existido alienação a grande escala para escolher o que veio a tornar-se em símbolo desonrado pela hipocrisia e a voracidade dum império que em todas partes asfixia e ultraja toda idéia da justiça e a verdadeira liberdade humana. Chama a atenção que isto ocorresse num povo de cultura milenária e de identidade muito mais sólida que a de qualquer um de nós; mais integrado, mas distante de Ocidente na língua, na cultura, nas tradições e em outras muitas coisas. Não se trata dum país como o nosso, que tem muitos ingredientes dos costumes e da cultura ocidental, senão daquele tantas vezes humilhado, onde uma extraordinária revolução social erradicou as fomes milenárias e em apenas 50 anos o elevou ao prestígio que desfruta, e ao lugar impressionante que hoje ocupa no mundo.
Como o haveriam de resolver? Se os imperialistas e os seus aliados quiserem podem declarar violação massiva dos direitos humanos qualquer incidente que aconteça em zonas da China que foram convertidas em maçã da discórdia. Cita-se por exemplo, o Tibete, de religião budista, citam-se determinadas minorias de religião muçulmana que estão para o noroeste. E nós acompanhamos de perto, quando lemos os telexes, a constante fustigação contra China por parte de Ocidente. Eles poderiam pensar que qualquer problema político interno é uma violação massiva dos direitos humanos. Constantemente eles se esmeram inclusive para provocá-lo, movido por mesquinhos objetivos propagandísticos e a tentativa estúpida de fazer com a China o que fizeram com a URSS. Simplesmente, eles têm medo dessa grande nação.
É claro que os chineses são políticos sábios —não é à toa que se fala da sabedoria chinesa— e não cometem facilmente erros que nenhuma equipa de dirigentes sérios e capazes comete. Eles não vão invadir nenhum país para se apoderar dele. Porém, são bem zelosos nas questões que dizem respeito aos seus próprios assuntos. Regem-se rigorosamente pelo princípio da não ingerência nos assuntos internos dos demais países. Levam muitos anos a reclamar a reintegração de Taiwán ao território chinês, mas eles são capazes de esperar 100 anos tranquilamente; mentalidade de paciência milenária. Eles falam do que propõem para dentro de 50 ou 100 anos como se fosse amanhã ou depois de amanhã.
Qualquer um destes problemas pode se tornar num pretexto para enviar bombardeiros B-2, mísseis de todo tipo, bombas com raios laser. Alguns dos princípios da sua absurda e soberba doutrina poderia ser um pretexto para agredir a China. Não é louco o que estão a colocar? Não estou a falar já da Colômbia, falo da China e falo da Rússia, ou da Índia, ou do conflito entre Paquistão e a Índia. Vamos ver se os da NATO e o seu marechal, o seu chefe ou marechal Secretário Geral estão bem animados a resolver com uma "intervenção humanitária" o conflito de Cachemira.
Eu pergunto: Para quê essa doutrina? Por que pensar em tais métodos? A quem os vão aplicar? Unicamente aos países mais pequenos, aos países que não têm armas nucleares, a todo o resto do mundo onde pode existir algum problema dos que constantemente surgem.
Receitas, é óbvio, que no nosso caso —por se alguém pensa que estamos preocupados pelo que nos possa acontecer—, bom, sem nenhum tipo de fatuidade ou de vanglória, o nosso país, que passou por provas tão duras, pode repetir A canção do pirata: E se morro/ o quê é a vida/ por perdida já a dei/ quando o jugo do escravo/ como um bravo sacudi.
Ainda me lembro de alguns daqueles versos que estavam entre as 100 melhores poesias da língua castelhana. Nesta época não abundam muito por aqui, mas tínhamos obras literárias e decidi aprender quase de cor aquelas poesias; pelo menos ficou-me uma idéia.
Os revolucionários cubanos podemos dizer: Se morremos, o que é a vida?, e somos muitos os revolucionários cubanos, e sabemos que não haveria hesitação em nenhum revolucionário verdadeiro, em verdadeiros dirigentes da Revolução Cubana em morrer, se o nosso país for alvo duma agressão desse tipo (Aplausos).
Digo mais uma coisa, porque analisamos muito todas as suas tecnologias e as suas tácticas, não há guerrinha dessas, ou guerra ou guerrota, ou bombardeamentos criminosos e covardes que não os tenhamos estudado bem. Para além de que não terão um pretexto facilmente.
Eles todos os dias estão a provocar e a inventar coisas contra Cuba, tentando criar conflitos dentro do nosso país; investem uma quantidade enorme de esforço nisso para nos criar qualquer conflito de tipo interno que justifique monstruosos crimes como os que acabam de fazer com o povo sérvio.
Aqui os irresponsáveis que se colocam ao serviço dos Estados Unidos da América, a receber um salário do Repartição de interesse dos Estados Unidos da América, realmente estão a jogar com coisas sagradas; estão a jogar com a vida do nosso povo e devem estar cientes disso. O império, sabendo que não há forma de vencer Cuba, anseia acumular suficiente força com o seu bloqueio, com a sua propaganda e o seu dinheiro, para criar conflitos internos. Não se trata de remessas familiares, é dinheiro do governo dos Estados Unidos da América, lá está reconhecido publicamente e nas suas próprias leis ou emendas. Declararam presentemente que qualquer norte-americano pode enviar dinheiro a um cubano; praticamente disseram: Que cada norte-americano compre um cubano. Eu me disse: Caramba, vamos aumentar de preço (Risos), porque somos um cubano por cada 27 norte-americanos.
Eles autorizam remessas familiares, mas sem ultrapassar 300 dólares de três em três meses. Único país do mundo ao qual lhe é estabelecido esse limite. Não aumentam nem um centavo o limite autorizado pelas pessoas de origem cubano que queiram enviar remessas aos seus familiares, ao passo que estão a convidar norte-americanos a fazer remessas para um cubano qualquer, o farão através da guia telefónica, sei lá, a qualquer grupinho, grupelho, a qualquer. Declaram-no, legislaram-no, enviar dinheiro, no seu afã de criar conflitos. É grave, é grave!
Na sua soberba e prepotência não se resignam que Cuba resista e é difícil que se resignem, desejariam fazer-nos desaparecer da superficie da Terra como tentaram fazer com a Sérvia. Só que aqui há uma diferença. Não, não há diferença nenhuma. Não vou questionar no mais mínimo o heroísmo e a valentia do povo sérvio. Não , não vou questionar no mais mínimo. Nenhum pais é mais valente do que outro; o que faz valente o homem são as convicções e determinados valores morais (aplausos). Inclusivamente, às vezes pode ser uma convicção religiosa que o leva ao martírio, ou pode ser uma convicção política à qual se serve com fervor religioso.
Por exemplo, os nossos médicos estão nos lugares mais afastados de alguns países do continente, ou lá no vizinho país de Haiti, para onde saíram alguns jornalistas, segundo li hoje, para informar o povo, a família do trabalho que estão a fazer, nos lugares mais afastados, exprimem uma atitude heróica, uma moral de missionários, de verdadeiros padres da saúde humana, de pastores ao serviço da vida, pelos valores que têm dentro. Muito desses médicos são mulheres —algumas têm filhos que estão cá— e trabalham nos lugares mais longínquos, onde as vezes é necessário até três dias para chegar pelos caminhos pantanosos.
Há alguns que têm estado a impugnar —a agitar aliás—, alguns têm estado a agitar os médicos num desses países irmãos, onde começaram a pôr em causa o título dos nossos médicos. Ah!, não, nós logo humildemente, quando nos for solicitado, enviar-lhe-emos o curriculum vitae de cada um destes médicos e os resultados que obteve aquando o bacharelado, as que obteve na carreira, as especialidades pelas que passou, as intervenções que fez, as vidas que tem salvado. Ah!, seria uma maravilha enviar o histórico escolar de cada um deles.
Nossos médicos estão lá, com humildade, com dedicação, por acordo com os governos, não estão lá pela nossa vontade nem menos, e quando qualquer governo nos dizer que não é conveniente que estejam ou que lhe criam problemas políticos, retiramos os nossos médicos imediatamente. É mesmo assim. Mas o trabalho que fazem é trabalho de missionários, de mártires, poderia se dizer, de verdadeiros heróis. E o conhecemos muito bem, porque estamos informados do que fazem, e conversamos muito quando vem qualquer dos responsabilizados com a direcção da sua actividade. Exprimem os valores que levam dentro.
Nós podemos dizer com satisfação que caso for necessário 10 000 médicos na América Latina, para um programa de saúde que queira fazer a Organização Mundial da Saúde, ou Europa se o desejar, ou inclusivamente os nossos vizinhos do Norte para saldar um bocado a dívida com as suas próprias consciências, e estiveram dispostos a contribuir com medicamentos, nós poderíamos enviar os médicos. Também temos médicos no norte da África sub-sariana a trabalhar lá de graça , e um programa de saúde ambicioso.
E se este país —tenho que o dizer mais uma vez— enviasse um cada três médicos a missões desse tipo, os dois que fiquem cumprem a tarefa do outro, a saúde no nosso país não se afecta. E se enviássemos um de cada três, continuaríamos a ser o país com mais alto índice de médicos per capita entre todos os países do mundo, mais do que a industrializada Europa, mais dos que a Suécia, mais do que a Dinamarca, logicamente mais do que os Estados Unidos da América, o Canadá e outros gloriosos países industrializados. Pois é, também um país pobre e bloqueado pode fazer coisas, está demonstrado. E também seriamos o país com mais professores per capita, possivelmente com mais instrutores de arte per capita que qualquer desses países.
No desporto o afirmo também, porque temos ao redor de 30 000 professores de educação física e desportos, a maioria deles são licenciados universitários, por conseguinte não só sabem palpar um músculo, mas também qual é músculo, porque o nível que tem é universitário.
Também temos outro pequeno mérito per capita, que é o maior número de medalhas de ouro per capita nas olimpíadas, e vamos continuar a obtê-las, embora se tornem profissionais, porque acabamos de demonstrar que o nosso modesto desporto amador pode jogar com grandes equipas profissionais. É claro que um país pequeno e pobre pode fazer coisas; erram quando o subestimam.
Na realidade há muitas coisas nas que a nós —não por querer fazer propaganda de nós próprios, tudo o contrário, preferimos falar dos nossos erros, das nossas críticas—, quando vemos o descaro, a demagogia, a mentira e as calúnias contra Cuba, não temos outro remédio do que falar dalgumas questões que temos feito; o resto é parvoíce, estar a nos gabar aqui do que tenhamos feito, tudo o contrário, o que podemos é nos criticar muitíssimo por não ter feito mais e não ter feito melhores as coisas. É mesmo assim, digo-o com toda franqueza. Acho que uma das razões da sobrevivência e da resistência da Revolução está nessa inconformidade eterna que sentimos os dirigentes, e aspiramos e sonhamos que a continuem a sentir também no futuro, e logicamente, temos uma grande confiança no nosso povo.
Dizia-lhes que se eles pensassem uma dessas loucura conosco, não só vão encontrar com pessoas como as que fiz referência, mas que têm uma cultura política sólida e valores muito importantes, sagrados que defender. Tem-se estado no exercício dessa luta durante muitos anos, e posso lhes dizer que conosco não há trégua, não há trégua! (Aplausos), e que os homens responsabilizados com esta Revolução são homens que morrem antes do que fazer uma só concessão de princípios ao império (Aplausos).
Antes que renunciar a um átomo só da nossa soberania, os homens que temos a responsabilidade de dirigir o nosso povo na guerra e na paz, e em qualquer tarefa, somos homens que não iriamos sobreviver a uma rendição, somos homens que estamos muito engajados com o que temos feito toda a vida e porque o sentimos muito profundamente, porque temos convicções e valores, somos capazes de nos colocar . inclusivamente, debaixo das bombas antes que nos render.
Não é difícil morrer numa aventura desse tipo. Que maior glória!, pelo menos estaríamos a dar um exemplo aos outros. E o povo iugoslavo o deu, resistiu quase 80 dias, os mais incríveis bombardeamentos, sem hesitação. Sabemos, porque nós temos lá aos nossos representantes diplomáticos, qual era o espírito do povo.
Não estou criticar ninguém, nem nada disso. Respeito a decisão que adoptar qualquer outro governo, sei que são difíceis as decisões em determinadas circunstâncias; mas para nós não serão nada difíceis, porque há muito tempo que esse problema ficou resolvido. Vou dizer mais uma coisa: Simplesmente se fizerem isso vão sair derrotados; nem com um genocídio, porque eles têm um limite na sua capacidade de serem criminosos, na sua capacidade de matar, e tenho a convicção de que se esses agressores tivessem tido que prolongar mais 15 ou 20 dias estes bombardeamentos a opinião pública do mundo e de Europa não o aceitaria. Já era crescente a inconformidade —por ai tenho um monte de artigos— uns dias antes de que lhe impusessem a Iugoslávia a famosa fórmula de paz.
Logicamente, a nós não haveria ninguém que nos a pudesse impor, porque há muito tempo que estamos aqui sozinhos, sozinhos, sozinhos, perto da mais poderosa potência que tem existido jamais. De tal maneira que quem poderia vir a impor-nos essa fórmula?
Também não precisaríamos de mediadores de nenhuma classe. A honra não se negocia, a dignidade não se negocia, a independência, a soberania, a história, a glória não se negocia! (Aplausos prolongados.)
Conosco não há que negociar o cessar de bombardeamentos. De antemão, se algum dia o fizerem , têm que continua a o fazer 100 anos, no caso de querer fazer uma guerrinha por ar, ou deixar de lançar bombas, porque enquanto houver uns quantos combatentes vivos neste país terão que enviar uma pequena tropa por terra. Gostaria saber o que passaria se fizessem isso.
Como dizia, nós não fazemos parvoíce de nenhum tipo, que lhes sirvam de pretexto a eles. Vejam a paciência que temos tido com essa base. É um pedacinho de terra cubana, temos todos os direitos a que nos seja devolvida. E as pessoas têm tido uma posição bastante radical; nós não, nós pacientes. Nós dizemos: Não, é mais importante que se libertar o mundo antes que se libertar esse pedaço de terra, querido e irrenunciável. Eles bem gostariam que nós tivéssemos desatado um forte movimento nacional a reclamar a base, para ter um pequeno pretexto fácil com que fazer aventuras, enganar a opinião pública norte-americana e mundial, dizer que os atacamos. Antes de acabar, vou-lhes mostrar algumas coisas nesse respeito. Mas nunca tiveram nem a mais remota chance de dizer que Cuba tem sido hostil e agressiva contra o pessoal militar norte-americano estabelecido lá.
O que é que podem dizer de nós sobres questões humanitárias?. Que não temos nenhum analfabeto, que não temos nenhuma criança sem escola, nem um só doente sem assistência médica, cá não há mendigos. Há família irresponsáveis que as vezes enviam às crianças pedir. Isso pode estar ligado também ao turismo, e se não afecta a nossa identidade, pelo menos, a nossa honra. Aqui não há ninguém abandonado na rua.
O que podem dizer? Quer temos massivamente os médicos dos quais falei. O que podem dizer? Que podemos salvar centenas de milhares de vida todos os anos no nosso hemisfério e na África.
O que lhes dizemos aos haitianos? Propomos-lhes um programa com o qual podem ser salvadas aproximadamente 30 000 vidas todos os anos, delas 25 000 crianças.
O que lhes propusemos aos centro-americanos? Um programa com o qual poderiam salvar todos os anos tantas vidas comos as que matou o furacão, se fossem realmente 30 000 os que morreram. Essa cifra depois foi diminuindo, porque muitos dos desaparecidos foram aparecendo. Disse-lhes que todos os anos podem ser salvados tanto quanto os que matou o furacão, no caso de ser a mais alta cifra anunciada, e era uma cifra conservadora. A realidade é que com esse programa nós estávamos dispostos a colocar o pessoal necessário e pedíamos que um país industrializado, qualquer, colocasse os medicamentos. Todos esses que gastam tantos milhares de milhões em bombas e genocídio, por que não empregam um bocado de dinheiro para salvar vidas?
Há dias lhes disse como nos era imputada coisas infames, e falei-lhes de algumas questões. Dizia-lhes e mais uma vez o digo aqui: Nem um só caso de torturado neste país, nem um caso de assassinato político, num só caso de desaparecido! E há mais de 40 anos desde o triunfo da revolução, apesar de todas as conspirações e de todos os esforços que têm feito para nos dividir, para subverter a Revolução e que têm batido contra a férrea unidade e o suficiente patriotismo do nosso povo e a sua cultura política, e em circunstâncias muito difíceis.
Estou absolutamente certo de que haverá muito poucos povos que possam resistir os quase 10 anos que temos resistido nós quando perdemos todos os nossos mercados, nossas fontes de fornecimento, e o bloqueio tem aumentado. Subestimaram-nos.
Também se fizeram uma loucura das apontadas nos estariam a subestimar, e não acho que nos subestimem tanto, compreendem? Não digo mais nada. De tal maneira que não é por nós, estamos a defender o direito doutros povos que não têm as possibilidades, nem a nossa unidade, nem a capacidade de luta que temos nós, de todo um povo organizado e preparado.
Disse-lhes, sem dramatismo de nenhuma classe, que não necessitamos muito desse tipo de especialistas que apareceram nesta guerra na Iugoslávia com a categoria de mediador. Podem vir só para informar que procederão a suspender os bombardeamentos, ou retirar tropas o cessar qualquer hostilidade. Ainda não há arma, não existe, capaz de vencer o homem!. É algo que nos atrevemos afirmar. E essas guerras repugnantes e covardes, sem arriscar uma vida só, não nos amedrontam, faz com nos sintamos asco, repugnância, fazem com que sejamos mais socialistas e mais revolucionários. É assim (Aplausos).
Disse-lhe que nas Nações Unidas foi levada a cabo uma importante batalha. Aqui está a famosa Resolução. São uns trapaceiros incorrigíveis, políticos medíocres e incapazes. Trouxe alguns papeis, mas só utilizarei algumas coisas sublinhadas.
Bom, aqui está o acordo, o que foi aprovado, o Projecto de Resolução. Quem o propõem? Alemanha, um país da NATO; Canadá, um país da NATO; Estados Unidos da América, um país líder e chefe da NATO; os Russos estão entre os que propõem porque chegaram a acordos com o Grupo dos Oito com antecedência, contudo, o seu discurso lá foi um discurso crítico; França, um país da NATO; Itália, um país da NATO; Países Baixos, um país da NATO; Reino Unido de Grã Bretanha e Irlanda do Norte, um país da NATO. Comecei a tirar contas e vi sete países da NATO dos 12 que apresentaram o projecto no Conselho de Segurança, sete países que participam na agressão.
Bom, além disso Gabão, um domínio neo-colonial francês, Eslovénia uma ex-república da Iugoslávia, a primeira que, abandonando as normas constitucionais estabelecidas aquando a criação da federação iugoslava, e que reconhecia o direito à separação e , além disso, os procedimentos para o fazer, alentada pela Alemanha e pela Áustria, declarou a sua independência unilateralmente sem trâmite legal nenhum. É indiscutível que houve um trabalho com antecedência, também era a época das desintegrações.
Existe uma das repúblicas que constitucionalmente se separa através de um plebiscito, foi a Macedónia; mas a Eslovénia a 25 de Junho de 1991 declara a independência. Na Europa havia hesitações sobre o que deveria ser feito. Mais para frente acontece a declaração de independência da Croácia —dos desmembramentos sem trâmite constitucional nenhum—, que foi promovida, como disse o nosso Embaixador nas Nações Unidas por alguns países europeus e apoiada depois de maneira unânime pelo Ocidente.
Isto é importante porque quando esse país surgiu, a Iugoslávia heróica que resistiu às próprias tropas de Hitler, a República Federativa Socialista de Iugoslávia viveu em paz, apesar de centenárias lutas nacionais, étnicas, culturais e religiosas. Esse foi o campo de batalha, essa zona de Iugoslávia, entre o Império Otomano e o Império Austro-Húngaro. Sabe-se que os otomanos chegaram até as proximidades da Viena. É uma história conhecida.
Nós temos procurado muita informação sobre todos os antecedentes, e realmente as chamadas guerras étnicas que foram desencadeadas na década de 10 têm os seus responsáveis, os que ajudaram., certamente de maneira inconsciente —não o atribuo a concepção pré-determinada e cínica, mas sim a uma actuação irresponsável—, desencadearam a desintegração de Iugoslávia, e ai começou a questão, como disse, por Eslovénia a 25 de Junho de 1991. Declaram-se sem outro trâmite independentes; os seus líderes assomem o comando das tropas que lhe correspondiam a essa república, porque cada república tinha as suas tropas de auto-defesa. Eram aproximadamente 40 000 homens. De uma república vizinha, Croácia, saíram para a Eslovénia 2 000 homens aproximadamente, segundo sei, jovens, recrutas, praticamente não houve combates. Só houve pressões desse tipo.
O mal começou a se espalhar; outra república, Croácia, também o faz. Nesse caso aconteceram conflitos mais violentos.
O que acontece? Estas repúblicas tivessem podido seguir os trâmites constitucionais; a Iugoslávia já não era nem sequer um país socialista, era um país que tinha estabelecido todas as normas capitalistas e de mercado. Não era a antiga Iugoslávia da época de Tito e de um período posterior, mas um país capitalista, incluindo o multipartidarismo receitado de ofício pelo Ocidente.
Na Eslovénia influi muito que o seu Produto Interno Bruto no ano de 1981—isto é, 10 anos antes disto— era cinco vezes o Produto Interno Bruto per capita do resto da Iugoslávia, e sentia-se já como uma carga a existência das outras repúblicas mais pobres e sentiram-se incentivados para uma maior integração econômica com Ocidente. Houve quem os apoiaram; houve quem —como disse— entregaram-lhes armas nessa fase, inclusive desde antes de que se declararam independentes. E um dos seus líderes o reconhece. A 21 de Junho de 1996, num programa de televisão de Liubliana, dedicado especialmente ao quinto aniversário da independência, o presidente Kucan admitiu que "Eslovénia já se armava antes de 1990, prevendo uma guerra." Na mesma entrevista, o presidente, da Eslovénia acrescenta: "A União Europeia jogou um grande papel na hora de fazer possível o rompimento da Iugoslávia.
É histórico, não quero ofender ninguém, nem tenho o propósito de magoar ninguém; baseio-me em factos e dados históricos, que temos estado a procurar muito, para além dalgumas informações que tínhamos quando começou este conflito.
Então, foi irresponsável e verdadeiramente criminoso incentivar e apoiar a desintegração desse país, que conseguiu o milagre de viver em paz durante 45 anos.
Houve vários factores, houve aqui factores econômicos e nacionalista que influíram; mas havia na Europa muitas pessoas que compreendia as possíveis conseqüências. Tenho conversado com dirigentes europeus, políticos europeus que compreendiam que isso era muito arriscado; contudo, um dia dois países, nomeadamente Áustria e Alemanha, reconheceram Eslovénia e reconheceram Croácia e logo o resto da Europa se viu arrastada pelo reconhecimento, e ai começaram os conflitos de qualquer tipo que se conhecem.
Em Cossovo havia dificuldades, existia um forte movimento nacionalista, os cossovares- albaneses ou albaneses-cossovares já eram a grande maioria; muitos sérvios, inclusive, tinham emigrado para a Sérvia por se sentirem inseguros, lembro-o, antes de morrer Tito; mas em 1974 fizeram mais uma vez a Constituição e a Cossovo lhe deram a autonomia. Na verdade, não tenho lido essa Constituição. É precisamente nessa zona onde começaram os sérvios. lá há muitos lugares históricos, altamente apreciados por eles, alguns deste lugares têm sofrido com os bombardeamentos, mas não sei se essa Constituição —que estou a tentar obter— que concedia a autonomia à província de Cossovo admitia o direito à separação, como tinham as repúblicas. Não foi declarada república, mas província autónoma, acho que não teria reconhecido esse direito e acredito que, em qualquer caso, haveria um processo, como o processo utilizado pela Macedónia.
Aquilo que começou em 1991 tem continuado até hoje e ninguém sabe quando acaba. Houve guerras de todo tipo, foram sangrentas de ambas as partes, incontestavelmente essa é a verdade, tal e como eu a vejo.
Então, em vez de começar a arrumar esses países, o melhor teria sido que não os tivessem desarrumados, não os tivessem desorganizado. Logicamente que eram desiguais os níveis de vida, os da Macedónia e os da Eslovénia eram muito diferentes. Mas aquela Constituição na virtude da qual foi criada a república socialista federativa -tinha o nome de socialista e mais ou menos depois da perestroika e todo o resto até lhe tiraram o nome de socialista, por ai está claro. Hoje o nome actual é República Federativa de Iugoslávia, o que resta chama-se assim, porque o que restava era Sérvia e Montenegro, porque Cossovo não era república; é o que resta e chama-se República Federativa de Jugoslávia, não é? Tenho por aqui papeis, mas não queria estar a procurar muito o nome exacto. Aqui está, até a Resolução do Conselho de Segurança: exactamente República Federativa de Iugoslávia; o de socialista há muito tempo que desapareceu.
Pode que o governo se chame socialista, porque vocês sabem que há partidos socialistas, mas os países não são socialistas. Há partidos socialistas em muitos lugares, e no governo, mas isto não quer dizer que o país seja socialista nem o pense a ser na realidade; são países de livre empresa, neo-liberalismo, capitalismo puro.
A nossa posição parte de princípios, e de princípios tanto no relativo aos sérvios quanto aos cossovares, defendemos o seu direito à autonomia. Ainda mais, inclusive, defendemos não só o direito a sua cultura, a suas crenças religiosas, aos seus sentimentos e direitos nacionais, e se um dia, depois de terem alcançado uma paz equitativa e justa e não desde o estrangeiro por uma guerra, os cossovares de todas as etnias e o resto da Sérvia decidirem se separar pacífica e democraticamente, os apoiaremos.
Não se sabe o que vais acontecer com Montenegro: Montenegro no meio da guerra comportou-se o melhor possível, para o gosto da NATO, fez críticas, oposições, e por isso a quantidade de bombas deve ter sido muito por debaixo da quantidade de bombas que lançaram contra a Sérvia. Li muitas mensagens dirigidas pelos agressores a Montenegro para que se separasse, e teve um tratamento diferenciado, especial na guerra. Todas as bombas foram para a Sérvia.
Quando se fala no acordo do Grupo do Oito de substancial autonomia para cossovares, pode-se perguntar: Inclui o tipo de autonomia que tinha Macedónia? Não sei, não sabemos; mas nesse caso existiria um caminho pacífico para a independência. Há 20 aspectos nos que se podem por de acordo sérvios e cossovares. É indiscutível que a maioria da população de Cossovo não é Sérvia, a Sérvia constitui uma minoria, e é muito provável, agora, depois dessa cruel guerra, que depois das tropas sérvias, os civis sérvios se retirem.
Sabemos, chegaram notícias de que estavam a desenterrar os seus mortos, por que têm o hábito de emigrar com os restos dos seus antecessores, isso é certo.
Não sei o que farão, se estão a lançar mensagens para que não aconteça uma emigração massiva, e não apareça a violência contra os sérvios residentes lá. Esses são riscos que existem neste momento. Mas que se declara culpado de todos os factores que decidiram o que chegou a esta situação e a todos os conflitos étnicos, se há muitos a reclamar a vitória? Estão a chamar vitória a um horrível crime. Uma vitória da qual deveria estar envergonhados, realmente, visto que do ponto de vista moral, no caso de se falar de vitória e de derrota, os derrotados moralmente foram os que fizeram uma guerra cobarde e lançaram 23 00 bombas sobre Sérvia, das mais modernas e das mais destrutivas, das mais avançadas tecnologicamente. Vejam só que vitória.
O nosso Embaixador na ONU calculou que o Produto Interno Bruto dos países da NATO é mil e cento e treze vezes maior do que o Produto Interno Bruto de Sérvia; e que os países que fazem parte dessa aliança militar possuem quarenta e três vezes mais tropas regulares. Mas as tropas regulares não contam para nada numa guerra aérea, como a que foi desenvolvida alí, a diferença era de zero ao infinito; bombardeiros que chegavam desde os Estados Unidos da América podiam lanças as bombas a muita distância sem o menor risco. Na realidade tem acontecido uma guerra de 80 dias. na que se lançaram contra um país 23 000 bombas e os atacantes não tiveram em combate nem uma baixa só, questão que acontece pela primeira vez na história.
Há que dizer desta guerra, da qual ninguém pode estar orgulhoso, que é uma guerra covarde, a mais cobarde de todas as guerras que tenha sido feita jamais, moralmente pírrica suposta vitória, e uma guerra genocida.
Por que é genocida? O que é o genocídio? A tentativa de exterminar uma população: Ou rende-te ou extermino-te. Até quando iam durar os bombardeamentos? Eles falam que até Outubro ou Novembro, isso eram tagarelices, nós sabemos muito bem como pensavam muitos dirigentes europeus, E há muitos artigos publicados sobre o crescente descontentamento e a oposição na Europa e até nos Estados Unidos da América aos bombardeamentos, e mais oposição à participação de tropas terrestres. Ao meu entender a NATO já não estava em condições de prolongar muito mais tempo esse bombardeamento; nem a Europa o tolerava, nem o mundo. Desintegra-se a NATO no caso de persistir nisso.
Disse-lhes que temos alí três companheiros com um telemóvel dia e noite, manhã e tarde, sob as bombas e com os alarmes, a trabalhar, ou quando não havia energia e sempre estávamos a perguntar qual era o estado de ânimo da população, qual era o espírito. Cobriam as pontes com multidões, lá iam homens, mulheres e crianças para que não as destruíssem; como por exemplo, na última ponte que tinham em Belgrado. Atacaram todas as pontes, e houve momentos em que atacaram sobretudo o sistema de energia completo. Destruíram, praticamente, quase todas as usinas eléctricas, deixaram sem luz e electricidade a milhões de pessoas. Imaginem numa casa, se tiverem qualquer coisa para cozinhar, com que iam cozinhar?, se não há combustível, se não há luz, se não há água. Todos esses sistemas de bombeio eléctrico são através de motores eléctricos, se for cortada a electricidade, ficam sem água as cidades, se for destruídas todas as pontes, as cidades ficam sem fornecimento nenhum.
Mas quando o serviço eléctrico é suprimido, suprime-se um monte de serviços básicos. Imaginem as salas de terapia intensiva sem energia e sem água, os hospitais sem energia e sem água, as escolas sem energia e sem água, os lares, os serviços médicos, educacionais, todos os serviços, os fornecimentos, tudo é interrompido. Então estava-se a fazer um tipo de guerra não contra os militares, tem-se estado a fazer uma guerra contra a população civil.
Então a Solana, o marechal, lhe veio a mente fazer uma declaração: que "as instalações eléctricas eram objectivos absolutamente militares "- Com as palavras, as idéias e os conceitos não se pode ser tão arbitrário para justificar um genocídio. Todos os meios de vida foram atacados; tinham sido destruídos os serviços fundamentais, meio milhão de trabalhadores sérvios ficaram sem emprego, agora não se sabe quantos serão. Foram atacados hospitais, escolas, embaixadas, cadeias, colunas de cossovares. Diziam que eram bombas erradas.
Lembro-me que li um telex de um general da Força Aérea Britânica, que depois de 15 ou 20 dias dos bombardeamentos disse: "Bom, acontece que até agora tivemos muito restringidos os pilotos; simplesmente, cada avião sairá atingir um alvo." Saem atingir uma alvo, o mesmo se encontravam uma coluna de refugiados cossovares e atacavam-na, porque achavam que era uma tropa sérvia ou não sei o quê, que um cárcere, e atacaram-no, mataram 87 pessoas nessa instalação, hospitais de maternidade, hospitais pediátricos, há um monte de fatos dessa natureza. E sobretudo, admitindo que possa ter alguma bomba errada, a destruição de todas as pontes, de todo o sistema eléctrico, não é nem pode ser errado.
O que teria acontecido se houvessem continuado a resistir os sérvios? Até quando poderiam ter prolongado essa barbárie?
No Conselho de Segurança acordam um projecto de resolução: de 12 países que o apresentam, sete pertencem à NATO, outro é uma neo-colónia de um dos sete da NATO que o apresentam, o outro que desata a desintegração de Iugoslávia em 1991, e está também Japão, do Grupo dos Sete mais ricos —e este projecto é do Grupo dos Sete—, a Federação Russa, que participa na reunião do Grupo dos Sete mais a Rússia que acorda um plano de paz e enviaram os emissários a Belgrado a apresentar o plano, e finalmente a Ucrânia, que é eslava, está separada da Rússia, embora mantém relações normais com a Rússia, e muito boas relações com a NATO, são os 12 que apresentam o Projecto de Resolução ao Conselho de Segurança, surgido neste caso do chamado Grupo dos Oito.
Isto é, vem-se claras aqui as coisas que aconteceram em estrita ordem cronológica.
O marechal Solana ordena atacar, e os disciplinado generais norte-americanos, que dirigiam a operação, iniciam os ataques na noite de 24 de Março. Estavam absolutamente certos de que só durariam três dias os ataques, vejam só se são disparatados, imprevidentes, maus calculadores e irresponsáveis: calcularam três dias de bombardeio e que Sérvia render-se-ia logo. Passou o quatro dia, o quinto, o sexto, o sétimo...
Temos alguns documentos interessantes, que talvez algum dia sejam publicados, de várias mensagens, nas várias direções, fazendo o papel de profetas, e as coisas foram acontecendo exactamente como nós as prevíamos, a partir de um cálculo elementar do que ia a acontecer, porque conhecíamos das tradições dos iugoslavos: lutaram contra 40 divisões de Hitler, e a Iugoslávia foi o país de maior percentagem de mortos com relação a sua população total. A União Soviética teve por volta de 20 milhões, segundo o que foi dito sempre, com uma população de ao redor de 250 milhões de habitantes. Depois têm dito outras cifras maiores, mas a que sempre foi informada foi a de 20 milhões, número exacto. Os sérvios devem ter tido ao redor de 1 700 000 mortos nessa guerra, agora não posso assegurar a exactidão da cifra. Mas sei que foi o país com o maior número de mortos com relação à população. Lutaram, então, com métodos irregulares e tinham uma concepção de luta com participação de todo o povo.
Neste momento estão a se retirar as tropas sérvias de Cossovo —fico admirado!— com quase todos os seus tanques, os seus canhões, os seus blindados. Fico admirado porque as unidades inteira se retiram completas —as que aparecem na televisão—, com a densidade e a intensidade dos ataques lançados contra elas. Estavam em condições de combater perfeitamente por terra.
Na verdade, eu acho que, inclusive, deveriam ter elaborado outros conceitos, digo-o com sinceridade. É um tema sobre o qual todos nós temos tido que meditar. Dispunham de unidades completas. Esta não era uma guerra de unidades sérvias convencionais contra unidades da NATO. Podem ser empregados tanques, canhões e tudo o que se queira, mas em composição de unidades nada convencionais. Talvez e quase é seguro que as tinham desdobradas de forma absolutamente adequada ao tipo de guerra que podiam travar. Não dispomos de informação do que fizeram e a maneira em que o fizeram.
Sabíamos o que ia passar, que iam resistir. E sem as pressões que receberam de amigos e inimigos, que parecem que foram tamanhas, possivelmente os líderes sérvios teriam continuado a resistir. Só digo isso. Com certeza o povo teria resistido indefinidamente. A NATO haveria tido que se decidir a travar a batalha por terra —e por terra para a NATO nem era fácil vencer os crescentes obstáculos políticos, nem a guerra nunca teria acabado—, ou suspender os bombardeamentos. Esse é o meu ponto de vista.
Ora bom, foi aprovou o Projeto de Resolução da NATO e do Grupo dos Oito e acabaram os bombardeamentos. O Projeto de Resolução aprovado num dos seus pontos diz textualmente.
"Decide o desdobramento no Cossovo, sob os auspícios das Nações Unidas, de presenças internacionais" —pareciam inofensivas as palavras—, "uma civil e outra de segurança, e acolhe com agrado que a República Federativa da Iugoslávia esteja de acordo com essas presenças." Bom não disse quis as presenças; forças internacionais de segurança, não disse de quem.
Mais adiante disse o seguinte: "Pede ao Secretário Geral que nomeie, em consulta com o Conselho de Segurança, um representante especial para controlar o desdobramento da presença internacional civil." Ai quem comanda? É uma pergunta que há que colocar. As Nações Unida dirige a presença civil. "E além disso pede ao Secretário Geral que dê instruções ao seu representante especial para coordenar estreitamente o trabalho dessa presença com a presença internacional de segurança, para que as actividades das suas presenças sejam orientadas para os mesmos objectivos e possam ajudar-se mutuamente."
Pede-lhe ao seu homem que coordene com os chefes daquelas tropas, sem dizer ainda quais as tropas —um comando civil, que é aquele que está às ordens das Nações Unidas—, e lhe pede ao representante civil que coordene com as forças de segurança, se lhe fizerem algum caso.
"Autoriza os Estados membros e as organizações internacionais competentes, estabelecer a presença internacional de segurança no Cossovo, mencionada no ponto 4, do anexo 2, com todos os meios necessários para que cumpra com as obrigações estabelecidas no parágrafo N. 9.
"Autoriza", não estão sob o seu comando. "Escolhe", conhecendo-se de antemão quem são os "escolhidos". Há quem diga que muitos são os escolhidos e poucos os convidados.
"Afirma a necessidade dum desdobramento rápido e antecipado das presenças internacionais civis e de segurança efectivas no Cossovo e exige" —palavra terrivelmente enérgica— "que as partes cooperem na íntegra nesse desdobramento", isto é que os vários países cooperem totalmente. Até nós estamos dispostos a cooperarem, se nos pedirem médicos; mas nem um soldado, porque aquilo não é uma missão internacionalista nem de paz, é uma missão imperialista, com os sus objetos muito precisos. Para salvar vidas estamos dispostos a cooperar, de resto não nos importam as decisões que tomarem os outros.
O que sabemos é que os britânicos vão ter no Cossovo 13 000 homens —a grande maioria— e um general britânico à cabeça, não se sabe quantos norte-americanos, já há alguns marinhos que desembarcaram na Grécia, terão milhares; os outros também, os franceses e todos os países agressores; os russos não se sabe, o que se sabe é a quantidade de russos que pode haver ali mais ou menos. Algum telex deu a notícia de que alguém declarou que pode ser entre 2 000 e 10 000. Quem os comanda? Já veremos, esse é um ponto de discórdia. Mas sobre as possibilidades de presença de soldados russos há uma declaração feita ontem pelo actual Primeiro Ministro russo que disse: "As Forças Armadas estão num estado tão catastrófico, o Complexo Militar Industrial e o exército apenas sobrevivem. Para o orçamento do próximo anos há que lembrar-se disso." Qual será o orçamento do ano que vem? Ninguém sabe. No caso de ser catastrófica, teriam que correr com as despesas das tropas que chegarão a 4 000 ou 5 000; se chegarem a 5 000, constituiriam só 10% das chamadas forças de segurança.
O que se sabe é que, quaisquer que fossem os acompanhantes da NATO, ela terá 90% das tropas ocupantes sob o seu comando directo, e não só as suas tropas, mas as tropas acompanhantes dos que se oferecerem. Haverá países, nomeadamente a Ucrânia, que oferecerão alguns soldados; pode haver um latino-americano que ofereça alguns soldadinhos ali, alguns jovens recrutas. Mas a NATO terá tudo ali, e para além disso os 1 000 aviões que bombardearam.
Talvez os russos tenham algum helicóptero, alguma avioneta para se trasladar de um lugar para outro (Risos). Os ucranianos talvez um jeeps e até algum helicóptero. A NATO terá o comando de todo o transporte naval, terrestre e aéreo, o comando de tudo. A discrepância está agora em que os russos que se têm sentido amargados, humilhados e ameaçados, digamos a verdade porque com esse precedente qualquer pensa que um dia lhe comecem a cair os mísseis, bombas laser e milhões de coisas, especialmente se for reconhecido que "as forças armadas estão num estado catastrófico", o qual não exclui que funcionem os projecteis estratégicos, dos quais têm mísseis. Pois, têm milhares de projecteis estratégicos, são uma potência nuclear, e logicamente tudo isso é caro.
"As Nações Unidas acolhe com agrado o trabalho iniciado pelas União Europeia e outras organizações internacionais para elaborar uma focagem completa do desenvolvimento económico e a estabilização da região prejudicada pela crise de Cossovo, incluindo a aplicação de um pacto de estabilidade para o sueste da Europa, com ampla participação internacional, com o objectivo de fomentar a democracia, a prosperidade económica, a estabilidade e a cooperação."
O projeto aprovado não diz: a comunidade internacional deve contribuir à reconstrução de todo o que foi destruído ali, seja cossovo ou sérvio. Não, o que estão a declarar os líderes da NATO é que se o governo que fez o pacto com eles e acedeu aos conselhos aos às pressões dos mediadores do Grupo dos Oito, agora deve-se reformar e comparecer perante o Tribunal Internacional para Iugoslávia onde está acusado.
De construir qualquer coisa na Sérvia nada disso; mas no Montenegro sim, dizem que terá um tratamento adequado, que se tem comportado muito bem e acolheu refugiados, mas na Sérvia nada. Antes, por ter esse governo, lançavam-lhe tais bombas e agora por ter tal governo não o ajudam a se alimentar, depois de que lhe destruíram tudo. Vejam só o nobre que são, que generosos, que humanitários são os Estados Unidos da América e a NATO. Não acham? As crianças de lá de zero a 1 ano, a 10, a 15 anos são culpados de o quê? Os idosos são culpados de o quê? As grávidas, os reformados, os homens e mulheres simples do povo são culpados de o quê depois de terem atravessado a trauma? Muitas vezes dos bombardeamentos o que mais traumatiza são as explosões, o barulho.
Os nazis, que têm sido nesta guerra impiedosa bastante bem imitados —digo-o com toda franqueza—, empregavam uns alarmes aterrorizantes nos seus aviões Stukas quando atacavam em picada sobre os seus objectivos. Lembro-me dessa guerra, que quando começou eu acabava de fazer 13 anos, mas tinha curiosidade por todas as notícias e as lia, lembro-o como se fosse ontem. Tinham nos seus aviões de ataque uns alarmes que faziam um barulho infernal, para semear o terror, o pânico e desatar a desorganização, enquanto deixavam cair os seus cachos de bombas, que não eram parecidas com estas em nada; eram bombas de brinquedo comparadas com as bombas lançadas pela NATO sobre a Sérvia.
O terror dos bombardeamentos traumatiza às pessoas para toda a vida, a uma criança de três anos, quatro, cinco, seis, sete, oito anos, todos os dias sob o barulho das alarmes, todas as noites, e todas as explosões. Algum médico, psicólogo se atreveria afirmar que a essas crianças e a milhões de pessoas não fiquem com uma trauma para toda a vida, independentemente do terror sofrido durante 80 dias pelos alarmes, para além do rugido infernal dos reactores dos aviões de combate a voar baixo, muito mais ensurdecedor do que os alarmes dos Stukas e as explosões muito mais poderosas do que as bombas nazis?
Ah!, agora há que puni-los: nem um centavo para reconstruir uma escola nem sequer das que dizem por equivocação destruíram, nem um hospital, nem uma geradora de electricidade. E vão viver de o quê? Bom, agora o bombardeamento de fome. Eles subscreveram um acordo com determinados dirigentes. Eles saberão outras coisas e saberão o que fazem. O que posso assegurar que é criminoso, depois de lançar 23 000 bombas e mísseis, negar-lhe até um grão de milho ao povo sérvio. E se o homem que preside a Sérvia estiver três meses ou seis no governo, ou simplesmente, permanece mais tempo, um ano, por exemplo, isso não o pode predizer ninguém, aquele povo vai estar um ano submetido a uma guerra genocida, todos os civis, todos os que não têm uma responsabilidade com nenhuma limpeza étnica, ou responsabilidade com os refugiados em massa.
Havia 20 000 refugiados e quando começam os bombardeamentos massivos, as pessoas se retiram por várias razões , por medo ou por que pudessem ser expulsos, pela repressão, ou pelo terror dos bombardeamentos, ou porque sintam medo de morrer. Por várias razões, nunca se pode dizer que é por uma razão só. Que culpa têm as crianças, os civis, as centenas de milhares que ficaram sem emprego e os outros trabalhadores, e os camponeses, os agricultores, os reformados e a população civil em geral? Que culpa têm, realmente? Fazer com que esperem um dia em que houver uma mudança de governo, é um crime. Fazer com que esperem um mês é 30 vezes mais criminoso, e um ano seria 365 vezes mais criminoso, cada dia que se lhes negar o alimento.
Lembro-me que na nossa luta de libertação tínhamos uma unidade sitiada, sem água e sem alimentos, porque já lhe tínhamos cortado a água e os alimentos se tinham esgotado: os nossos combatentes, aos soldados rendidos, cansados, entregavam-lhes os sus cigarros, os seus alimentos, porque se tinha criado na tropa revolucionária um sentido do cavalheirismo, porque inclusive havia uma política para o inimigo, Se não houver essa política, não se ganha uma guerra. Se os maltratar, se os torturar, nunca se rendem, lutam até o último cartucho. Nós tivemos uma política rigorosa nisso, às 24 ou 48 horas estavam em liberdade. No começo lutavam muito duro, e depois quando se viam perdidos, parlamentavam, e os oficiais iam-se embora com as suas pistolas. Não tínhamos que deixá-los passar fome, nem distribuir os poucos alimentos que tínhamos connosco. Nalgumas ocasiões chamávamos à Cruz Vermelha Internacional, como aquando da última ofensiva inimiga, quando lhes fizemos centenas de prisioneiros em dois meses e meio de combates. Durante a guerra fizemos milhares de prisioneiros em combate, unidades inteiras foram cercadas, e lhes dávamos um tratamento excelente, porque eram os nossos fornecedores de armas; nós é que não recebemos armas de ninguém na nossa curta mas intensa guerra de libertação, lutando contra forças bastante poderosas.
Nenhum de nós pensou em se render, eu fiquei com dois fuzis, outros companheiros ficaram com cinco. Foram dois grupos armados os que nos voltamos a reunir, depois de uma grande derrota, para reiniciar a luta, o grupo do companheiro Raúl, que tinha cinco fuzis e quatro homens, e o meu que tinha dois fuzis e três homens, em total fomos sete com sete armas, não nos desanimamos: vinte e quatro meses depois tínhamos obtido a vitória.
Não é uma auto-exaltação, foi uma realidade que tivemos o privilégio de viver e não posso deixar de lembrar neste instante. Quando há vontade, quando o homem não se desalenta, quando acredita no que está a fazer, não há derrota que o possa fazer recuar.
Agora , o nosso fornecedor que foi o exército de Batista (ditador e presidente de Cuba antes de 1959), organizado, equipado, trinado e para além disso assessorado durante todo esse tempo por oficiais norte-americanos. Não era um exército desprezível, nem muito menos e achavam-se os donos do mundo. Tivemos que suportar muitas necessidades, mas aos prisioneiros inimigos lhes dávamos os nossos alimentos e inclusive os nossos medicamentos.
Temos direito a nos perguntar, na Sérvia destruída pela NATO, Ocidente, a uma mulher grávida, não lhe vai dar sequer um grão de milho, nesse país que, segundo dizem se rendeu e aceitou todas as condições, e ainda mais condições que lhe acordou o Grupo dos Oito? É correcto? É justo? É humanitário? Necessitava fazer essas perguntas.
Disse-lhes que estavam a se disputar quem ia dirigir essa força de segurança. Logicamente, aqui está em primeiro lugar, o Embaixador dos Estados Unidos da América, o seu discurso de ontem nas Nações Unidas. Porque, na verdade, esse acordo do Conselho de Segurança não diz sob o comando de quem vai estar as forças de segurança. Pede só para irem embora, sabe-se de antemão quem vão e que podem ir.
Já os norte-americanos estão a interpretar o acordo, vem o momento das interpretações. Nesta Resolução é estabelecida uma força internacional de segurança no Cossovo. Vejam só o truque. No seu discurso, entre outras coisas, o representante dos Estados Unidos da América exprime: As autoridades da República Federativa da Iugoslávia aceitaram que a KFOR —não sei como se pronuncia, mas é uma sigla, não sei se em inglês ou em que idioma— , Força Internacional de Segurança para Cossovo, operará com uma hierarquia de comando da NATO unificada —isso foi ontem mesmo, depois da Resolução—, sob a direcção política do Conselho do Atlântico Norte, em consulta com os que contribuíssem com forças que não sejam membros da NATO.
É a NATO e sob a direcção do Conselho do Atlântico Norte, isto é, da NATO. Quem lhe deu licença, e o Conselho de Segurança. Não. Esta demanda estava contida no acordo da reunião do Grupo dos Oito de 6 de Maio; porque a 6 de Maio, quando viram que os bombardeamentos se prolongavam, Março, Abril completo, já tinham passado quarenta e tal dias, tinham passado muitas vezes três dias e não havia o menor sinal de rendição, começaram a se preocupar, muitos da NATO a inventar coisas e inventaram uma reunião do Grupo dos Oito que teve lugar a 6 de Maio, uns 44 ou 45 dias depois de começados os bombardeamentos, e ali são adoptados determinados acordos. Ainda não tinha acontecido a mudança do Primeiro Ministro da Rússia, mas antes de acontecer essa mudança tinha sido nomeado alguém enviado especial do governo russo para as chamadas gestões de paz.
Na verdade, não critico, acredito que foi muito correcto que o governo russo fizesse tudo o possível por procurar uma solução política ao conflito. Esse conflito não podia ter uma solução militar, nem eles estão em condições ou possibilidades de ajudar militarmente os sérvios, unicamente com armas nucleares, e não se concebe, nem muito menos, a ideia de um apoio com armas nucleares, ninguém estaria de acordo, a nós nos pareceria absolutamente louca e impossível essa forma de apoio que haveria sido um suicídio mundial. Mas estava claro que os russos não tinham nem com que fazer chegar um avião para transportar munições para a Sérvia, nada, nem por mar, nem por terra, lá está a Hungria, novo membro da NATO, na fronteira, estão outros países semelhantes; por terra não podia fazer chegar nada, por ar também não e por mar tampouco, só lhes restavam as armas nucleares; por exemplo ,apoio político, a denúncia firme de tudo aquilo.
Aparece o Acordo do Oito, onde é adoptado um plano de paz; plano de paz que, depois de muito discutido, é assinado a 6 de Maio e é aprovado, ou aceitado pelos iugoslavos, a 3 de Junho, isto é, quase um mês depois. Desde que foi aprovado em Maio, foram muitas as gestões, Ahtisaari, o da Finlândia, vai e vem, o mesmo acontece com Chernomirdin, conversam, e emissários norte-americanos, emissários russos, até que a 3 de Junho , numa visita a Belgrado do emissário russo e o Presidente da Finlândia, convencem o Presidente da Jugoslávia de que aceitasse essa fórmula.
Diz-se que o enviado russo ficou sozinho, saiu o Presidente da Finlândia e aquele convenceu finalmente o Presidente da Iugoslávia. Algum dia saber-se-á mais ou menos o que falaram, como falaram e o que disseram. Por tanto eu não critico os esforços russos por atingir a paz; são coisas muito diferentes à questão de que os dirigentes iugoslavos aceitaram esse tipo de condições que lhes foram impostas. Tenho as minhas opiniões sobre as várias variantes do que possa ter acontecido. Limitar-me-ei a dizer que, embora o seu imenso poder, a posição da NATO já era muito fraca, porque não se pode estar a bombardear e a matar todos os dias perante os olhos do mundo que acompanhava na realidade o que estava a acontecer, chega um momento em que matar e matar é escandaloso de mais e intolerável.
Mas ai não se falou de quem mandaria as tropas, isso ia ser discutido depois. Até última hora os russos se opunham a que as tropas que participaram na agressão estivessem ali, também era a posição iugoslava, também com a idéia de que houvesse um comando único sob as ordens da NATO, no fim, na véspera de apresentar a resolução no Conselho de Segurança. Porque os mediadores tinham que consultar com os chineses, e os chineses estavam zangados justificadamente pelo método, o procedimento utilizado pela NATO, o ataque a sua Embaixada, todos esses factores. Inclusive, os russos aceitaram discutir primeiro no Conselho de Segurança o projeto, e depois de discutir as modalidades de organização e distribuição, as questão das forças de segurança no Cossovo, Não é uma boa táctica ceder primeiro qualquer coisa, para discutir depois outro ponto importante; cede e quando vai discutir depois te pedem mais. De maneira nenhuma, uns minutos mais, vamos deixar esclarecido isto antes de apoiar o acordo, antes de renunciar ao veto e votar em favor.
Conheço dirigentes russos que fizeram esforços sérios e sinceros por encontrar solução a uma situação realmente complicada e perigosa. Eles próprios enfraqueceram muito e não são respeitados como antes. Por isso, sabia-se lá quem ia dirigir as tropas.
Mas os norte-americanos encontraram rápido a sua solução, que é o que se diz no discurso do representante dos Estados Unidos da América perante o Conselho de Segurança. Olhem só o que inventou: Estavam a discutir na Macedónia, com os representantes das tropas sérvias em Cossovo, e discutiram um dia inteiro, não resolveram o problema; voltaram a seguir num segundo dia, aproveitaram a situação para solicitar uma licença espúria; mas foi um descobrimento —isto aparece ontem—, já estavam autorizados na questão do papel da NATO. Não foi o Grupo dos Oito, nem as Nações Unidas, nem os russos os que deram o seu consentimento, senão discutiram com aqueles chefes militares sérvios na Macedónia e, segundo dizem, as autoridades da República Federativa de Iugoslávia aceitaram que a KFOR operasse com uma hierarquia de comando da NATO unificada, sob a direcção política do Conselho do Atlântico Norte; isto é, a licença a deram os iugoslavos, enganaram totalmente os russos. Há provas, foi transmitido hoje num telex publicado que o prova, que demonstra que não gostaram muito.
Estou-lhes a fazer uma história, abusando da paciência de vocês —também é voluntária a presença aqui—, mas não tenho outro remédio do que acabar, quando concluir, não é?, quando acabar de dizer o que tenho a dizer (Risos e aplausos). Saibam que não cobro salário extra por este trabalho e faço um esforço; o que eu quero é, visto que me trouxeram aqui —que os culpados são vocês, percebem?, eu é que vim de voluntário, (Risos)—, acabar as idéias que quero colocar, que são úteis também para o nosso povo, não posso esquecê-lo, gostaria saber muitas coisas e esta é uma oportunidade, embora se prolongar o tempo.
Quem foram os que resolveram o problema? Os vencidos os têm autorizados, e ninguém mais, os norte-americanos e os da NATO, o general inglês que discutiu com eles, e logicamente a cumprir a estritas orientações do marechal Solana. Com o maior respeito para o novo Ministro de Relações da Europa, da Europa pré-unida. É um pré-ministro de uma pré-autoridade supranacional, são os títulos, mais ou menos, falando com propriedade. Não precisam nada mais.
Imediatamente fala o do Reino Unido, e outro fragmento sublinhado: "As autoridades da República Federativa da Iugoslávia e o Parlamento sérvio têm aceitado os princípios e as exigências estabelecidos na Declaração do Grupo dos Oito de 6 de Maio e o Documento Chernomirdin-Ahtisaari."
"A presente Resolução e o seu anexo colocam, com toda clareza, as exigências chaves da Comunidade internacional." Eles são a comunidade internacional, sim, a NATO, à qual Belgrado deverá satisfazer.
"Da mesma maneira, prevêem uma presença civil internacional, chefiada pelas Nações Unidas, para além de uma presença internacional eficaz em matéria de segurança norteada ao restabelecimento dum ambiente seguro no Cossovo. (...) É mesmo por isso que a NATO explicou claramente a importância quem tem contar com uma cadeia de comandos unificada sob a direcção política do Conselho do Atlântico Norte" —Não Nações Unidas— "em consulta com colaboradores não membros das forças da NATO. Essa força, com a NATO no centro, obedecerá as ordens dum general britânico. O Reino Unido oferecerá a principal contribuição, com 13 000 soldados no mínimo."
"Chegar até este ponto, conseguir a aprovação de Belgrado de todas as nossas exigências, precisou dum grande esforço diplomático. O meu governo elogia e agradece ao senhor Chernomirdin, ao presidente Ahtisaari e ao senhor Talbott a sua excepcional contribuição. Tem sido insoslaiável a participação positiva do governo da Rússia, através do seu enviado especial e o seu papel na elaboração desta Resolução, com os ministros do Grupo dos Oito."Eles dizem que foram os jugoslavos os que lhes têm autorizado para que a NATO seja a que chefie as forças de segurança.
Por acaso os russos estão contentes? Ah!, infelizmente esse telex não o trouxe. Mas hoje chegaram notícias da Europa, de que uma força russa, de 500 pára-quedistas aproximadamente, que estavam na Bósnia, em mais de 20 veículos blindados, caminhões e alguns tanques, avançaram, cruzaram por Sérvia e iam em direção à fronteira com Cossovo, para esperar ali que entrassem as várias forças, a solução do problema de como iam ser distribuídas as forças, e que logicamente, têm dito que as forças russas não aceitarão o comando da NATO.
Devem estar zangados porque, sem dizer nada a ninguém, antes das 24 horas da Resolução e das interpretações norte-americanas, têm enviado uma coluna de pára-quedistas em carros blindados; mas não para cruzá-la, até agora. Trata-se, incontestavelmente, de uma resposta a todas estas interpretações. Amarga-lhes aceitar a idéia, e imagino que internamente, no seu próprio país, que tem tido muito trauma com todo isso, seja muito difícil para a direcção russa que as suas tropas ali, sejam 2 000,
4 000, 5 000, com salário ou sem salário, estejam sob o comando da NATO. É uma armadilha da parte dos que desataram a suja guerra. Assim foi tudo.
Logicamente estes são os dois principais líderes: Os Estados Unidos da América e o Reino Unido. Também são os dois que todos os dias bombardeiam o Iraque. Ninguém se lembra disso. Acontece todos os dias, já é um costume, uma prática de tiro diária, para manter o direito de lançar bombas todos os dias. Isso é por conta dele, e ninguém com esses problemas se lembra disso.
Nós tínhamos denunciado que a Iugoslávia foi tornada num polígono de tiro.
Numa declaração de um de Junho, isto é, há apenas nove dias, antes que o governo da Iugoslávia aceitasse o plano do Grupo dos Oito, Cuba fez uma declaração na que abordou vários pontos; apontava-se dia por dia o que passou ali, cada um dos objectivos dos ataques. Essa declaração dizia entre outras coisas:
"A Iugoslávia tornou-se um polígono de provas. Aviões que descolam dos Estados Unidos deixam cair a sua carga mortífera sobre o povo sérvio, regressando às suas bases sem fazer escala, reabastecidos no ar; mísseis lançados em vôos a distância fora do alcance das defesas anti-aéreas. Aviões sem tripulantes que bombardeiam hospitais com doentes, moradias com habitantes, pontes com transeuntes e autocarros com passageiros."
Qualquer um poderia dizer que essa era uma denúncia gratuita da nossa parte; mas por casualidade ontem, 10 de Junho —uns nove dias depois—, desde Washington, um telex da Agência France Presse, assinado por Benjamin Kahn, informa:
"Os bombardeamentos da NATO na Iugoslávia contra objectivos militares e infra-estrutura civil permitiram à Força Aérea dos Estados Unidos da América experimentar várias armas de alta tecnologia, melhoradas desde a guerra contra o Iraque em 1991.
"As bombas 'inteligentes' desenhadas para ajustar a sua trajectória no ar foram empregadas na guerra do Golfo; mas as nove versões melhoradas foram empregadas na Jugoslávia, e em maior quantidade que nunca antes.
"Essas bombas norteadas por computadores permitiram aos Estados Unidos da América matar milhares de soldados iugoslavos desde grande distância, sem arriscar os seus pilotos ou tropas terrestres."
Mais adiante:
"Os analistas asseguram que o uso massivo dos novos mísseis de cruzeiros e outras armas de ponta continuará a crescer como conseqüência da procura da parte dos militares dos Estados Unidos da América para o melhoramento da sua capacidade para atacar desde fora do alcance das defesas inimigas", acaba.
"Outro avanço desde a guerra do Golfo foi o reforço do nariz dos mísseis com titânio para lhes permitir penetrar espessa camadas de cimento e detonar provocando maior prejuízo.
"A nova geração de bombardeiros furtivos B-2, os mais caros de todos, também fizeram a sua estreia na Iugoslávia.
"Os B-2, por um custo de 2 200 milhões de dólares cada, duma tecnologia super-sofisticada, fabricados por Northrop Grumman, Boeing e General Electric, voaram desde uma base no Estado de Missouri e evadiram a defesa anti-aérea iugoslava e lançaram numerosas bambas norteadas por satélites em cada passada."
Hoje há um outro dado por ai, dizia um telex, que três missões destes bombardeiros alcançaram 20% dos objectivos onde fizeram alvo as bombas e mísseis. Estavam a falar nisso.
Acho que hoje o senhor Clinton estava nessa base aérea para felicitar carinhosa e fraternamente os super-heróis que, estando fora do alcance das armas inimigas, mataram centenas ou milhares de pessoas, ou sabe lá quantas destruições provocaram. Uma prática com a nova tecnologia, e por ar, não aterraram em nenhum ponto intermédio. Os B-52, procedentes directamente do território norte-americano, lançavam toneladas e toneladas de bombas. Tinham que ser provados com fogo real contra alvos reais.
"As bombas usadas pelos B-2 JDAM, também é nova, empregam um sistema de orientação GPS. Pesa entre 450 e 900 quilos e custa 18 000 dólares cada", é bastante barata para um avião que custa, segundo o repórter desde Washington, 2 200 milhões. Com 2 200 milhões, segundo os programas que tenho estado a fazer referência a vocês, podem ser calculadas as centenas de milhares de vidas de crianças, de pessoas, no Haiti, na América Central e noutros pontos semelhantes, que podem ser salvadas nuns poucos anos. Realmente sim. Quase pode ser calculado quantos podem ser salvados num ano (tira contas). Isto pode ser mais de 400 000. Salvar a vida duma criança não custa nunca, nunca, mais de 500 dólares, desde uma criança que morre porque lhe falta uma vacina que vale 25 centavos, até uma sais de rehidratação, etc. Poderia ser 500 dólares, é uma cifra exagerada. Com 500 milhões —compadre, serão tantos?— poderiam ser salvados quase um milhão, se houver médicos que os atendam, e se tiverem os medicamentos.
Com 1 000 milhões, 2 milhões de crianças; com 2 000 milhões, 4 milhões; com 2 200, poderiam ser salvadas 4 400 000 crianças e todo o mundo sabe e a OMS sabe que morrem por doenças curáveis ao redor de 12 milhões de crianças; está entre 10 e 12 milhões, não lembro exactamente qual é a última cifra.
Quase a metade dos que morrem num ano com o custo de um avião só. Realmente, que humanitário seria investir o que vale um destes aviões em salvar quase quatrocentos milhões e meio de crianças a um custo alto, calculado com amplitude!, porque nos programas que nós estamos a colocar os médicos não custam nada, nós pagamos os médicos aqui com a nossa moeda. Não temos que gastar um dólar, porque com a nossa moeda têm o que têm eles, e há pouco todos os médicos obtiveram melhora, incluindo a renda. Toda uma bíblia humanitária é o que está a escrever a NATO.
O triste é a mentira, a demagogia, a manipulação das pessoas.
Na verdade vocês não deveriam ir embora sem alguns pequenos dados, que tenho aqui.
Digo que há três idéias fundamentais. Falei do Grupo dos Oito, já disse quem apresentaram a moção, fica claro? De 12, sete são da NATO; os que apontei.
Bom, o que é o Grupo dos Oito? O Grupo dos Oito é uma sociedade de super-ricos, um pequeno Clube, mas com tem tanta influência e tanto dinheiro, e estão entre os Estados Unidos da América, o Japão, a Alemanha. imensamente ricos, e os outros, bom fazem as políticas monetárias para o Fundo Monetário, medidas para encarar alguma crise, determinados acordos: no caso de houver uma crise no sueste asiático, ou na Rússia, ou há um perigo que seja espalhada pela América Latina.
Todos os anos os sete ricos se reúnem. Mas como a URSS desapareceu e existem as melhores relações com a Rússia, às vezes é convidada. Só da Rússia, o Ocidente, nomeadamente a Europa, tem extraído 300 000 milhões de dólares. Logicamente não foram procurá-los lá a ponta de pistola, não é?, também não fazia falta, porque ali apareceram pessoas com tal habilidade para os negócios que se tornaram até multi-milionários em poucos anos só.
Como conseqüência das reformas introduzidas por Ocidente, a Rússia tem sofrido terrivelmente, a sua economia diminuiu à metade, a sua defesa enfraqueceu consideravelmente. Hoje para lhe outorgar um crédito de 20 000 milhões o Ocidente os raciona, exigem-lhe vinte condições que a Rússia não pode cumprir, algumas humilhantes. E o que representam 20 000 milhões que tanto estavam a precisar depois da crise de Agosto, partilhados durante todo um ano, se é a décima quinta parte das divisas que foram para o Ocidente. Mas não é só isso, se o rublo se tem desvalorizado duas vezes. Dantes havia um rublo equivalente a um dólar, com mais capacidade de compra ali na Rússia que um dólar, em poucos anos passou a ter uma capacidade de compra seis mil vezes menor; isto é, fazia falta 6 000 rublos para arranjar um dólar. Todo aquele que tinha poupanças, os aposentados e outros, a perdeu; todo o dinheiro duma nação inteira, como conseqüência da desvalorização.
Voltaram a estabelecer outra medida e um novo rublo, tiraram-lhe todos os zeros, dividiram-no por 1 000, e então com 6 rublos era adquirido um dólar.
Ora bom, os que voltavam a ter rublos poupados, quando surge a crise vieram que o seu rublo em vez de valer seis por um dólar, valia apenas 24 por um dólar, isto é, a quarta parte. Mais uma vez, os que pouparam perderam as suas poupanças. Isso não aconteceu apenas com a Rússia, mas também a muitos países. América Latina está cansada de conhecer essa experiência; as desvalorizações periódicas, já falei delas. A moeda se torna um capital andorinha.
Que cidadão num país onde em duas ocasiões perderam todas as poupanças, que ter os seus efectivos na moeda nacional? Ainda que lhe paguem um juro de 40%, 50%, 80% até. Por outro lado, nenhuma economia resiste isso, é impossível, visto que o mecanismo que os teóricos do neoliberalismo, do Fundo Monetário recomendam aos países, é a elevação da taxa de juros para que as pessoas não levem o seu dinheiro. Se elevar a taxa para 80%, qual orçamento poderia suportar isso? Não é possível. E, além disso, ainda quando não for elevada a taxa de juro a esses níveis, a desvalorização pode ser um 400%, um 500%, incomparavelmente maior do que o juro se tenha elevado. O que faz perante a insegurança o poupador ou aquele que obtenha alguma renda? Troca o seu dinheiro em dólares. Não há banco que possa resistir. Quanto dinheiro precisaria o país para manter a convertibilidade do rublo em divisas? Um barril sem fundo de dólares.
Quantos anos deverão passar para que o cidadão de um país que sofre um problema desse tipo volte a ter confiança na sua moeda? E lá vai o Fundo Monetário exigindo-lhe a livre conversão e mais outras vinte condições. E na verdade, são impossíveis de aplicar. Só é necessário fazer alguns pequenos cálculos. Então, esse é o problema, tudo o trocam em dólares, guardam-no no colchão ou o transferem.
Portanto, o país ficou muito empobrecido, muito dependente dos créditos exteriores. Porém, julgo que necessariamente não tenham que sê-lo. Aqueles que viveram a experiência que tem vivido Cuba: sem combustível, sem aço, sem nada —e estamos resolvendo sem um tostão de nenhum organismo internacional—, sabe que com os enormes recursos que tem esse país, simplesmente não precisaria de créditos. Não digo nada mais. Apenas acrescento que se nós tivéssemos esses recursos estaríamos a crescer a um ritmo de dois dígitos, como se diz. Sem ter nada, a pesar de tudo, a pesar do bloqueio, estamos a crescer, e este ano cresceremos de um 3% a um 4% mais ou menos.
Temos direito a imaginar o quê se pode fazer, e a receita da maior parte das nossas exportações é investida apenas em combustíveis, porque a Revolução levou a electricidade até os cantos mais afastados, às montanhas. 95% da população recebe electricidade, ao passo que antes da Revolução era menos de 50%, e na altura em que o petróleo valia sete dólares por barril e com uma tonelada de açúcar se podiam comprar de sete a oito toneladas de petróleo. Depois, quando vem o colapso do campo socialista, já tinham aumentado muito os preços do petróleo, e com uma tonelada de açúcar podíamos comprar apenas uma tonelada de petróleo.
Não temos as florestas imensas da Sibéria, jazidas de gás e de petróleo, também não temos importantes indústrias de aço e de maquinarias. Se nós tivéssemos apenas matérias primas, a economia deste país, com a experiência de agora —devemos acrescentar isso, que temos aprendido muito e tivemos de aprender a ser muito mais eficientes, a usar melhor os recursos— cresceria não se sabe se ao 12% ou ao 14%.
Esse país pode, tenho a certeza e digo-o aqui, é a primeira vez que o digo publicamente, esse país pode salvar-se, não tem necessariamente que depender dos créditos de Ocidente, e tarde ou cedo os seus dirigentes o compreenderão; mas, induvitavelmente, hoje depende dos créditos.
Falei do Grupo dos Oito, os sete mais ricos do mundo, deles, seis são membros da NATO, que desataram e participaram activamente nessa guerra; um que não é da NATO mas é o principal aliado estratégico dos Estados Unidos no Pacífico, o Japão. Não é o meu propósito criticar o Japão, temos boas relações com esse país, e quando nos açoitou o último furacão, depois de uma forte seca, espontaneamente nos ofereceram uma ajuda em alimentos, para a parte mais vulnerável da população, equivalente a 8 milhões de dólares, com os quais foram adquiridas 30 000 toneladas de arroz, gesto que muito estimamos. Limito-me simplesmente a expor factos.
No grupo dos sete países mais ricos do mundo, todos salvo o Japão, que não é membro da NATO, participaram no ataque a Sérvia. O oitavo, a Rússia, é por ironia o país que mais se tem empobrecido em menos tempo; o seu Produto Interno Bruto per capita está a nível do Terceiro Mundo.
Um país empobrecido, endividado e dependente dos créditos ocidentais. Porém, não vou sugerir no absoluto, que essas fossem as razões do pobre papel que desempenharam no Grupo dos Oito. Acho que eles estavam muito preocupados, realmente, com a crise que fora criada e o perigoso dessa guerra aventureira, o impacto na sua própria população e o reflexo do que lhes podia acontecer numa dada altura. Devem ter tomado consciência de tudo o que perderam em influência e em força. Na verdade, tenho de reconhecer que eles têm uma posição correcta, como defensores das soluções políticas aos conflitos e da Carta das Nações Unidas. O discurso deles no Conselho de Segurança nos pareceu crítico e positivo; porém, esse é o Grupo dos Oito.
Eles já estavam abandonando o hábito de convidar Rússia, mas a chamaram, reuniram-se, e naquela circunstância é quando se produz...
Acho que hoje de manhã vi nas notícias algo sobre o rápido avanço de uma coluna de pára-quedistas russos rumo a Cossovo, isto surpreendeu a NATO, surpreendeu a todo o mundo. Resulta evidente que foi uma resposta ao engano de negociar com os iugoslavos a licença para que a NATO assumisse em Cossovo o comando das forças de segurança. Não o decidiu a organização das Nações Unidas, não foi discutido com a Rússia; nisso consistiu a humilhação, o engano e a trapaça.
Em fim, a NATO ataca e se estagna; inventam uma reunião dos Oito, fabricam um plano de paz, e o plano de paz que teve bastantes discrepâncias e diferenças com os russos é aprovado finalmente, levaram-no ao Conselho de Segurança sem estar resolvida a questão de quem tem o comando daquela força, e a questão estava decidida, e ali mesmo o informa no seu discurso o representante dos Estados Unidos. Tinham uma licença dos iugoslavos para assumir o comando na província iugoslava de Cossovo. Assim é como se conduz o assunto; parece-me que tudo fica bastante claro.
Outro facto que quero salientar. Começamos a aprofundar em tudo o que pudemos sobre a história dessa região, a história passada e recente, e fomos reunindo algumas informações interessantes. Mas há uma em especial, que nos chamou muito a atenção, e ontem foi denunciada pelo nosso Embaixador nas Nações Unidas, que quando Hitler invadiu Iugoslávia estabeleceu um governo fascista em Zagreb, que abrangia Croácia, Bósnia, Herzegovina e uma grande parte de Voivodina, quase até as portas de Belgrado.
O regime fascista, isto é, Ante Pavelic, implantou uma doutrina chamada doutrina dos três terços, o que queria dizer? Um terço dos sérvios devia ser deportado, outro terço assimilado e convertido ao catolicismo pela força —era a religião oficial desse país, a Croácia; os outros, os sérvios, eram também cristãos, mas de outra igreja, a ortodoxa, bastante próxima em geral à católica no que a doutrina respeita, ainda que com evidente tensão entre ambas— e o último terço seria fisicamente eliminado. Essa doutrina se transformou na orientação política da maquinaria do Estado, que se dedicou a organizar as três coisas, com desigual eficácia nos resultados.
Muitos dos convertidos eram finalmente aniquilados, ao passo que a deportação não era fácil; assim o extermínio físico foi o que mais se generalizou. Coisa assombrosa, para nós foi como uma descoberta, um holocausto, um verdadeiro holocausto de enorme magnitude.
Relativamente à população daquela época —dos sérvios, não de iugoslavos—, é possível que tenham eliminado fisicamente —digo apenas que é possível, porque estas contas ainda não as tirei com exactidão, haveria que o fazer— uma percentagem maior de sérvios com relação ao total da população sérvia que residia em Croácia, Bósnia e Herzegovina, do que a percentagem de judeus que eliminaram na Segunda Guerra Mundial se for comparado com o número total deles. Haverá que precisar esses pormenores. Este holocausto foi ocultado, Ocidente nunca quis falar disso.
Tratamos de conhecer no possível a respeito do autor da investigação que aparece neste pequeno livro. É jornalista, participa em muitas organizações humanistas, é de educação católica e nada próximo do Marxismo-leninismo ou ao comunismo. Nós, a procura de materiais, demos com este, estamos a recolher mais informação. Há alguns artigos dele publicados; mas sem dúvida, o livro está muito bem feito, tem muitos dados de interesse.
Ora bom, o que dizem os cronistas croatas e o que dizem os cronistas sérvios? Os cronistas croatas reconhecem que as vítimas forma 200 000, isto é, os que foram liquidados em virtude da doutrina fascista dos três terços.
O que dizem os cronistas sérvios? Dizem que um milhão.
O que dizem as fontes mais confiáveis? que foram entre 400 000 e 700 000.
O que diz uma das que se considera das mais confiáveis: os arquivos do Almirantado Britânico? Não esqueçam que o Reino Unido era aliado da Iugoslávia naquela época, que participava em operações nos Balcãs, e se consideram uns arquivos importantes, sérios; colocar a questão talvez provoca interessa para que mais pessoas informadas falarem sobre o tema. Os arquivos do Almirantado Britânico fixam em 675 000 os civis sérvios, entre eles muitos camponeses, de todas as idades e sexos, que foram friamente assassinados nos campos de concentração ou nos lugares onde viviam; aldeias inteiras foram exterminadas. Essa foi a cifra que ontem usou o nosso Embaixador nas Nações Unidas; mas há outros dados de interesse. Tenho a suspeita de que foram mais, suspeito que foi maior o número de vítimas.
Há uma análise de população —estão os dados de população do ano 1941 em três territórios: Croácia, Bósnia e Herzegovina—, das diferentes culturas, etnias e nacionalidades que os habitavam, ainda que entre bósnios-herzegovinos, sérvios e croatas não se pode falar propriamente de diferenças étnicas, visto que as três nações são de origem eslava, e existe até a língua sérvio-croata. A diferença é mais bem cultural, religiosa e de carácter nacional. Uma mesma etnia pode ter várias nações. Na América Latina, junto da língua há muitas coisas étnicas em comum. São Domingos e Cuba, se quisermos colocar um exemplo, são da mesma etnia e constituímos duas nações independentes.
Segundo os dados estatísticos, em 1941, quando ainda não havia guerra, quantos croatas viviam nesse território? Nesse território viviam 3 300 000 habitantes. Quarenta anos depois, num recenseamento em 1981, quantos viviam? Quatro milhões duzentos e dez mil. Um crescimento de quase um milhão.
Muçulmanos, que também são eslavos, mas de religião muçulmana: em 1941 eram 700 000; em 1981 existiam 1 629 000, mais do dobro.
Sérvios, quantos havia nesse mesmo território em 1941? Um milhão novecentos e vinte e cinco mil. Quantos depois de 40 anos, no recenseamento de 1981? Um milhão oitocentos setenta e nove mil. Aproximadamente 45 000 menos.
A partir destes dados, pessoal que tem analisado a população, costumes, hábitos, crescimento, calcularam que pereceram nesse holocausto entre 800 000 e 900 000 sérvios.
Todos ouvimos falar de Oswiecim e outros campos de concentração, alguns tivemos a possibilidade de os visitar e ter uma visão aterradora do que foram aqueles campos de concentração, e resulta que agora descobrimos, informamo-nos de que existia um campo de extermínio chamado Jasenovac, equivalente ao Oswiecim que estava lá na Polónia. Em Jasenovac jazem os restos de centenas de milhares de sérvios e também de milhares de judeus, ciganos e democratas de toda filiação étnica. Diz-se que lá está emprazada, sob terra a maior cidade sérvia depois de Belgrado.
Quantos de vocês sabiam disso? Algum de vocês o sabia ou tinha ouvido falar desse dado? Nós nos propomos continuar a averiguar. Que erga a mão aquele que o sabia (alguém ergue a mão). Bem, carrega no botão e conta lá (Um dos assistentes coloca que um livro sobre o tema foi publicado na Sérvia e traduzido a várias línguas, mas que na população da Europa existe um desconhecimento geral sobre essa aliança dos fascistas croatas, com os nazis e o genocídio que cometeram).
Quem era o autor desse livro? (Disse-lhe que lhe parece que os autores foram os sérvios).
Este que eu cá menciono, do qual tomamos o dado e estamos a aprofundar —o facto de que os mesmos cronistas croatas admitam uma cifra, reconheçam 200 000, é significativo—, é de Josep Palau; de origem catalã, jornalista, que desde 1982 tem desenvolvido uma ampla actividade internacional ligada aos movimentos europeus pela paz, e ostentou responsabilidades de representação de diversas organizações não governamentais. Foi consultor das Nações Unidas.
Perguntei-lhe ao nosso Embaixador em Nova Iorque se tinha algumas informações, porque lhe tínhamos recomendado que adquirisse esse livro (mostra-o), lhe tínhamos enviado os dados, mas numa livraria lhe disseram que em seis semanas o conseguiriam para ele. Imediatamente nós, ontem, remetemos-lhe uma cópia impressa, por correio eletrónico; lá tinha o seu livro completinho. Então me disse que tinha lido um outro artigo muito interessante do autor e que era considerado um dos que mais conheciam sobre a história dos Balcãs e, em geral, sobre estes problemas. Não sabemos mais. É por isso que perguntei se algum de vocês o sabia.
Explica-se, é claro, que os dirigentes iugoslavos não tenham querido aprofundar no tema. Quando acontece uma coisa tão terrível não é possível fazê-lo. Quando têm existido conflitos durante séculos, aprofundar em problemas desta natureza teria conspirado, sem dúvida, contra o propósito de criar uma federação sólida, um estado unido e justo; uma sociedade pacífica.
Mas podemo-nos perguntar por que Ocidente não fala deste holocausto. A gente o toma em conta especialmente agora quando estavam a lançar milhares e milhares de bombas contra essa mesma nação. A isto deveríamos acrescentar que se trata apenas dos que morreram no território da Croácia, Bósnia e Herzegovina, porque o governo fascista imposto por Hitler, abrangia uma extensão maior, tinha parte de Voivodina; mas parece que os dados que existem são os dos três territórios mencionados, sem incluir Voivodina.
Há que calcular os que morreram nas partes onde estava esse governo e calcular os que morreram nas partes que estavam ocupadas pelos fascistas italianos, ou pelos fascistas húngaros durante um tempo.
O massacre deve ter concluído a finais de 1942, porque em 1943 já existiam muitos territórios libertados, a força guerrilheira era mais forte. Vou tentar procurar dados para ver qual era a percentagem da população daquela época que morreu nos campos de concentração, não digo já nos combates, mas nos campos de concentração, e assassinados friamente.
Um holocausto. Por que não se fala nisto? São tristes e dolorosas as histórias que se contam de massacres e limpezas étnicas mais recentes, e não tenho a menor dúvida de que aconteceu; não estive ali nem o vi, nem vou pedir papéis, basta-me com conhecer um pouco a história dos ódios que foram desatados e os conflitos reais.
Mas também me consta que em 45 anos de existência da República Federativa Socialista da Iugoslávia, houve paz entre todas estas etnias. O próprio Tito era de origem croata, mas soube ganhar-se o carinho dos sérvios e de todos, porque os sérvios foram, realmente, a espinha dorsal da resistência. Portanto, resulta explicável que na época de Tito não se falasse muito no assunto. Hoje, numa Iugoslávia desmembrada e quando numa das suas partes se acaba de cometer um crime como o que se tem cometido, então bem vale a pena que essas verdades sejam conhecidas.
Devo esclarecer que não tenho a menor intenção de estimular nem de culpar ninguém, nem muito menos a nenhum povo. Não tenho a menor intenção de culpar os croatas por isto. Seria como acusar os alemães dos massacres que fez Hitler e do holocausto dos judeus, ciganos e outros muitos que morreram nos campos de concentração: mortes sistemáticas, tentativa de extermínio frio de uma etnia, de uma nação, de uma população multi-étnica, ou de uma só etnia.
O holocausto, quando atingiu uma cifra desta natureza, tem uma enorme importância. Culpar o povo croata seria o mesmo que culpar o povo italiano dos crimes do palhaço de Mussolini. Não encontro outra forma de chamá-lo, porque isso era, em grande medida, e matou muita gente, invadiu, fez toda essa guerra, enviou tropas à União Soviética e seria injusto, é como culpar qualquer povo dos crimes que tenha cometido um sistema fascista. Quero esclarecer isto sinceramente. Não pretendo culpar ninguém, mas ajusto-me aos factos históricos.
É preciso dizer também outra realidade: os judeus, que sofreram o holocausto na Alemanha e noutras partes, desenvolveram bastante amizade com os sérvios e estavam agradecidos deles, porque os sérvios salvaram a vida de muitos judeus. Inclusive, diz-se que a Secretária de Estado norte-americana, de criança, refugiou-se, procedente da Checoslováquia, em território sérvio e lá recebeu auxílio e apoio dos sérvios. Eles desempenharam um papel, lutaram heroicamente contra o nazismo. E repito que a nossa posição, a que mantemos e manteremos, é uma posição de princípio.
Se tiverem oportunidade, podem ler os discursos do nosso Embaixador nas Nações Unidas, aí está bem clara a posição sobre Cossovo; não só agora, mas ao 12 dias de terem começado os bombardeamentos em que, como conseqüência direta ou indireta —com certeza, ao meu ver, na sua imensa maioria por causa direta— dos bombardeamentos, devem-se ter desatado ou agudizado conflitos de todo tipo, oferecemos médicos a uma comunidade católica, religiosa, que assiste os refugiados. Estiveram a contar-nos a tragédia ali e nós lhes oferecemos até 1 000 médicos. Doce dias depois!, não é uma invenção de agora ou de uma semana antes de falar Cuba nas Nações Unidas. Não o dissemos publicamente, porque o deixamos nas mãos deles. Um dia, há várias semanas, também o dissemos publicamente.
Também quando os norte-americanos, que ocupam uma base no nosso território, informaram —questão que não soem fazer—, mais do que solicitar, informaram que iam trazer 20 000 cossovares, o que viola todos os termos do acordo em virtude do qual eles estão aí, acordo que tem sido violado por vinte vias diferentes. Porém, tiveram, pelo menos, o gesto de nos informar. Talvez pensaram que nós íamos dizer que não os levaram para ali. Dissemos-lhes: Estamos absolutamente de acordo em que os tragam, estamos dispostos a cooperar em tudo, podemos-lhes facilitar os nossos hospitais, serviço de água, toda a ajuda que possamos dar-lhes.
Depois, talvez se aconselharam, porque era realmente antipático isso de desatar uma guerra que pela sua vez desata uma colossal emigração, um drama humano, os trouxessem desde Albânia para uma base naval num país tropical, sabe-se lá a que distância. Finalmente trouxeram 2 000, segundo soube, para um acampamento no seu próprio território. Desse milhão, eles, generosa e humanitariamente, assistiram não acho que muito mais de 2 000 refugiados; a Grã Bretanha outro pouquinho; acho que entre os dois 0,8% ou uma cifra dessas bastante insignificante de refugiados.
Nós dissemos que sim, que estávamos dispostos a que fossem acolhidos em território cubano ocupado pelos Estados Unidos, oferecemos brindar-lhes ajuda médica e agora o reiteramos. Essa foi a nossa posição, clara, categórica: respeito aos seus direitos culturais, nacionais, religiosos, apoio à autonomia. E fomos mais além, inclusive —é possível que muitos iugoslavos não entendam isso, ou os sérvios não o compreendam bem—, admitíamos a idéia da independência, se todas as etnias de Cossovo alcançarem uma paz justa e os sérvios do território restante dessa república acordam pacificamente e decidem fazê-lo. Sim, coloco que tem que ser de forma pacífica e de mútuo acordo.
Eu acho que essas possibilidades existem, mas, não devemos meter-nos nesse tema delicado. Colocamos as nossas posições, cumprimos o nosso dever. Não fazemos coisas nem para ganhar amigos nem para ganhar inimigos. Às vezes magoamos amigos e ganhamos ao mesmo tempo inimigos; mas há uma coisa que vale muito mais que todas as vantagens temporárias, é a seriedade e a honradez.
Inclusive, eu critiquei os europeus com as palavras que tenho usado, sem ter nenhum sentimento de animosidade contra eles; mas um dia posso perfeitamente demonstrar que de alguma forma lhes adverti, com muita precisão, e só sete dias depois de iniciados os ataques, exactamente o que ia acontecer. Desculpem que me reserve e guarde, que não desclassifique esse material.
Um dos grandes erros da Europa foi que em lugar de trabalhar com as forças moderadas, trabalharam com as forças mais extremistas, às que até há apenas uns meses qualificavam de terroristas temíveis. Só que em 1998 esse movimento atingiu, de algumas centenas de homens armados a mais de 15 000 ou 20 000 homens armados. Agora é preciso averiguar o que fez a famosa instituição que se chama CIA, quantos treinou, que armamento lhes deu, quais tarefas. Do que não há dúvida é que essa guerra, realmente, quase foi programada. Parece-me que a maior possibilidade de paz estava em apoiar os grupos moderados e não aos grupos extremistas, considerados como terroristas até há bem pouco. Eles usam qualquer termo, qualquer qualificativo.
E por que é muito preocupante —é a última idéia que quero expor— esta política, a ofensiva contra a soberania, esta tentativa de varrer os princípios da Carta das Nações Unidas? Por que são inventadas todas essas teorias, doutrinas que mencionava, tantos pretextos de intervenções humanitárias, ou contra ameaças globais? Além disso, como lhes explicava há uma coisa que se chama diplomacia ao abrigo da força, outro conceito. Até quando?
Temos experiências muito amargas sobre o comportamento dos dirigentes políticos norte-americanos. De vez em quando elegem um que tem, por exemplo, uma ética religiosa; atrever-me-ia a citar um caso: Carter. Não concebo Carter a fazer este tipo de guerra genocida. Contudo, temos conhecido vários presidentes dos Estados Unidos dos quais não se pode afirmar a mesma coisa.
Acabamos de apresentar uma demanda aos Estados Unidos por 181 000 milhões de dólares —já lhes contei algo, oxalá lhes ofereçam um exemplar, acho que tinham um na pasta que lhes deram, mas pelas dúvidas, para aqueles que ainda não o leram, não devem ter tido muito tempo—, nessas linhas há duas coisas, dois grandes exemplos de cinismo. Dizíamos aqui na demanda, em duas palavras: "A incontestável veracidade histórica destes acontecimentos e do cinismo e as mentiras que invariavelmente acompanharam todas essas acções dos Estados Unidos contra Cuba, oferecem-na os seus próprios documentos da época, emitidos pelos que desde aquele país desenhavam a política de agressão e subversão contra Cuba."
A conspiração contra Cuba e as acções iniciaram-se logo que elaboramos uma Lei de Reforma Agrária, visto que havia empresas norte-americanas que tinham 10 000, 50 000 e algumas delas até 150 000 hectares, e nós elaboramos uma Lei Agrária que afectou lógica e inevitavelmente a propriedade e a partir desse momento começaram os seus crimes contra Cuba. Já em Agosto realizaram-se os primeiros actos de terrorismo, os primeiros planos de assassinato contra dirigentes, e a mim fizeram-me a honra de dedicar-me um bom número deles; começaram em Novembro de 1959, por aí está, nessa mesma secção.
Ainda não se tinha falado em socialismo. Cá se falou de socialismo no dia 16 de Abril, quando fomos ao enterramento das vítimas, dos combatentes que morreram como conseqüência do ataque de aviões de guerra norte-americanos tripulados por mercenários cubanos, pintados e com insígnias cubanas. E até fizeram com que Stevenson dissesse uma grande mentira lá na ONU onde era embaixador, a mesma explicação oficial que deram, quando afirmaram que eram aviões da nossa Força Aérea sublevados. Na verdade, o que fizeram foi avisar-nos de uma coisa que esperávamos, vimos a iminência do desembarque mercenário na tentativa de destruir a nossa pequena Força Aérea, que não conseguiram destruir porque os aviões de combate estavam espalhados e a base estava defendida por baterias antiaéreas; destruíram uma parte, mas ainda nos restavam mais aviões do que pilotos, e com os que restaram foi suficiente para o tempo que durou a aventura.
Referia-me a isso, não é nenhuma mentira das que invariavelmente acompanharam todas as actividades dos Estados Unidos contra Cuba.
Numa das seções da demanda se exprime: "Em tal sentido, pode resultar ilustrativo o facto de que no dia 17 de Março de 1960, no decurso de uma reunião em que participavam o Vice-Presidente Richard Nixon" —um santo—, "o Secretário de Estado Christian Herter" —não chegou a ser presidente depois—, "o Secretário do Tesouro Robert B. Anderson, o Secretário Assistente de Defesa John N. Irwin, o Sub-secretário de Estado Livingston T. Merchant, o Secretário Assistente de Estado Roy Rubottom, o almirante Arleigh Burke, do Estado Maior Conjunto, o Director da CIA Allen Dulles, os altos oficiais dessa agência Richard Bisell e J.C. King, e os funcionários da Casa Branca Gordon Gray e o general Andrew J. Goodpaster, o Presidente dos Estados Unidos aprova o chamado 'Programa de Acção Encoberta contra o Regime de Castro'" —já antes se fez referência a uma série de factos brutais— "proposto pela CIA, no qual, entre outras coisas, era autorizada a criação de uma organização secreta de inteligência e acção dentro de Cuba, e para tal eram destinados os fundos necessários à CIA. Num memorando desclassificado recentemente" —porque já desclassificaram, devido a que passaram 40 anos, é um hábito—, "sobre o desenvolvimento desta reunião, o general Goodpaster apontou" —o que apontou o homem—: "O Presidente disse que ele não conhecia um plano melhor para conduzir esta situação" —trata-se do Presidente Eisenhower— "o grande problema é a filtragem e falha da segurança. Toda a gente tem que estar disposta a jurar que ele (Eisenhower) não sabe nada disso. [...] Disse que as nossas mãos não devem aparecer em nada do que seja feito."
E já vinham acontecendo coisas realmente sérias, inclusive, começaram desde Agosto de 1959 os ataques piratas, os bombardeamentos, incêndios de canaviais com aviões procedentes dos Estados Unidos, a explosão do navio La Coubre que matou 101 cidadãos deste país e aconteceu poucos dias antes. Em realidade essa foi uma reunião formal, mais porque a CIA já tinha recomendado o meu assassinato antes de finalizar 1959, no dia 11 de Dezembro. Ainda não se tinha completado o primeiro ano após o triunfo da Revolução. Ora bom, outras coisas já produzem maior nojo, e cá está para aqueles que ainda não o leram.
Este é um outro documento desclassificado, já Nixon não estava de Vice-Presidente, nem Eisenhower de Presidente, estava Kennedy, e foi depois da invasão de Girón:
"No dia 17 de Março de 1962, a Junta de Chefes de Estado Maior afirmou num documento secreto que 'a determinação de que a sublevação interna com possibilidades de êxito é impossível dentro dos próximos 9 a 10 meses, exige de uma decisão por parte dos Estados Unidos no sentido de fabricar uma 'provocação' que justifique uma acção militar norte-americana positiva.'
"No dia 9 de Março de 1962, com o título de 'Pretextos para justificar a intervenção militar dos Estados Unidos em Cuba', o Gabinete do Secretário de Defesa submeteu à consideração da Junta de Chefes de Estado Maior um pacote de medidas de flagelo que visava criar as condições para justificar a intervenção militar em Cuba". Reparem, sempre têm estado à procura de pretextos, e tudo o que fazem é procurar um pretexto. Entre as medidas consideradas estavam as seguintes (o que é levado à Junta de Chefes de Estado Maior por parte do Gabinete do Ministro de Defesa):
Cinco meses mais tarde, em Agosto de 1962, o general Maxwell D. Taylor, Presidente da Junta de Chefes de Estado Maior, confirmava ao Presidente Kennedy que não se observava possibilidade nenhuma de que o governo cubano pudesse ser derrocado sem a intervenção militar direta dos Estados Unidos, pelo que o Grupo Especial Alargado recomendava um rumo ainda mais agressivo da Operação "Mangosta". Kennedy autorizou a entrada em funcionamento: "É um assunto de urgência".
1962: Surge a Crise de Outubro. Resulta simplesmente que a ouvidos dos soviéticos e aos nossos chegaram notícias —não este documento que acabo de ler, pelo menos nós não o conhecíamos.
Porém Jrushove tinha uma convicção total. Para nós era uma questão à qual estávamos habituados, de vez em quando estávamos mobilizados por notícias de alguma possível invasão. Não tínhamos interessa algum em ter aqui projecteis estratégicos; realmente nos interessava mais a imagem do nosso país, que não fosse parecer uma base dos nossos amigos soviéticos.
Aí, na verdade, a decisão obedeceu a um sentido de solidariedade, porque antes de Girón nos enviaram muitas armas. Nós tínhamos centenas de milhares de armas que havíamos adquirido do campo socialista e a URSS desde aquele 4 de Março em que explodiu La Coubre, que vinha com um carregamento de armas da Bélgica em 1960, durante o resto do tempo até a invasão de Girón, no mês de Abril, isto é, um ano e um mês depois, nós recebemos dezenas e dezenas de barcos com armas que vinham da URSS através da Checoslováquia; tanques, canhões, artilharia anti-aérea e fuzis.
Aprendemos a manejá-los a grande velocidade, visto que as mais pesadas chegaram aqui no primeiro trimestre de 1960, e quando se produz a invasão de Girón tínhamos algumas armas que foram ocupadas ao exército de Batista, algumas que tínhamos comprado na Bélgica, mas foi o segundo carregamento que estourou. Quer dizer, não queríamos dar-lhes nenhum pretexto, como aconteceu em Guatemala, que utilizaram o pretexto dum navio que levava armas para o governo de Arbenz procedentes de Checoslováquia, tínhamos preparados e armados centenas de milhares de homens, milhares e milhares de artilheiros de todo tipo de armas. Não tinham muita experiência, mas sabiam manejar essas armas e tinham espírito de combate.
Os soviéticos estavam muito preocupados, muito mesmo, porque receberam notícias sobre uma provável invasão. Eles nos deram as fontes, não exactamente a mim, mas as mais importantes; não foi uma informação total a que eles possivelmente receberam, mas sim a que deduziram de intercâmbios mantidos por eles com Kennedy e outras personalidades de muito alto nível.
Mas eles, aquando Girón, não só nos enviaram armas, mas fizeram declarações muito fortes e falaram até dos mísseis; estavam irritados porque naquele momento a Revolução Cubana era algo que surgia como uma espécie de milagre, nem imaginavam isso. E não foi importada, nem foi promovida por ninguém desde o exterior, foi autêntica e totalmente nossa.
A única coisa que importamos, realmente, foram as idéias, ou os livros com que adquirimos uma cultura política revolucionária, à qual lhe aplicamos algumas idéias produto da criação nacional para ajustá-la à realidades do nosso país; porque de acordo com as teses de Engels, devo dizê-lo, desde que foram feitas as grandes avenidas em Paris e inventaram um fuzil de ferrolho que disparava cinco balas, considerou que em diante seria já impossível um levantamento insurrecional em Paris ou em cidades semelhantes.
A nós nos coube adquirir uma consciência revolucionária quando havia aviões, tanques, canhões, comunicações e muitas coisas que não eram sequer imaginadas naquela altura, e como acreditávamos numa série de princípios e partíamos de uma tradição, foi que concebemos a idéia da luta armada, a estratégia e a táctica a seguir.
Nenhum russo teve a ver absolutamente nada, nenhum soviético, ninguém; nem ninguém nos enviou uma arma, nem ninguém nos deu um tostão. Depois houve movimentos revolucionários neste hemisfério que tinham até dezenas de milhões de dólares. Um dia fiz cálculos de tudo o que custou o Moncada, o Granma e a guerra na Sierra Maestra, e talvez não esteja muito enganado se somando-o tudo, custou o equivalente a 300 000 dólares. Portanto, podemos anotar-nos outro pontinho por aí e dizer que fizemos a revolução mais barata que haja existido jamais (Risos e aplausos).
Sou franco. Sim, fomos solidários com o movimento revolucionário, não o ocultamos. Nunca dissemos uma mentira. Também não informamos, se não queremos, ao inimigo daquilo que não queremos informar-lhe, e pronto, acabou. Mas o que nunca dissemos é uma mentira, nem a eles, nem a um jornalista, nem a ninguém. Esse é um princípio invariável.
Explicava-lhes a questão da crise. Nós compreendíamos que os norte-americanos tinham alguns mísseis em Turquia e na Itália, que eram mísseis de alcance médio, que chegam muito mais rápido que os projécteis estratégicos e os bombardeiros, que indiscutivelmente a presença de um número de 42 projécteis aqui dava-lhes aos soviéticos um determinado balanço estratégico. Então, se nós que recebemos as armas, o apoio, inclusive a esperança de que lutassem por nós, por muito que nos interessasse a idéia de manter uma imagem determinada da Revolução, não era justo, não era honorável que nos negássemos a chegar a um acordo sobre a questão dos projécteis de alcance médio. Na verdade, para nós teria sido preferível correr os risco de não os ter, ainda que pelo que conhecemos hoje, a invasão era absolutamente certa.
Para aquela altura, a quantidade de armas que tínhamos e a quantidade de pessoas preparadas era considerável, teríamos sido o Vietname, e teríamos pagado um preço muito alto.
Por que não se produz um ataque? Finalmente, a tese dos soviéticos, para além das notícias que nós recebíamos, mas perante o qual éramos indiferentes, preferíamos outras coisas, tínhamos a mentalidade adaptada a esse tipo de risco, nenhum temor ao imperialismo nem muito menos. A experiência surgida da nossa guerra, que foi breve mas intensa, e uma escola insuperável, digamos, em factos que enriqueceram muito essa experiência. Os soviéticos tinham uma convicção total de que não podia ser obtida assim, com certeza total, sem possuir estes documentos ou outras fontes de informação com acesso a informação sensível.
Lembrando-me bem daqueles tempos vejo que as recomendações para aplicar o pretexto foram no dia 9 de Março de 1962.
Como é conhecido, os soviéticos tinham alguns amigos ou alguns colaboradores em muitas instituições norte-americanas, que participavam nas reuniões onde assiste muita gente, reuniões das quais emanam montes de papéis e eles os tinham. Nós, naquela época, como já disse, não conhecemos nada desses documentos. Mas, ao lembra-me minuciosamente da história dos contactos, não guardo a primeira vez que nos falaram do tema os enviados que chegaram a Cuba, quem eram e o quê falaram, o quê disseram e como o disseram e a forma em que nós analisamos; não tenho dúvidas de que o que conheciam era de fonte muito segura. Eu coloquei a questão à direção revolucionária. Naquela época estavam o Che, Raúl e outros companheiros, os dirigentes principais, analisamo-lo com eles e tomamos a decisão.
Eles perguntam, fazem-me uma pergunta, devo dizê-lo, dizem-me: "O que vocês acham que evitaria essa invasão?" Digo-lhes —e até acredito nisso—: "Uma declaração da União Soviética afirmando que um ataque a Cuba seria o equivalente a um ataque à União Soviética." Dizem: "Sim, sim, mas como fazemos para que seja acreditável?" Então é que sugerem a idéia da instalação dos projécteis. A essa hora fomos pensar e analisar entre nós, e o analisamos do ponto de vista que lhes expliquei, no sentido da honra e da solidariedade. A resposta foi positiva. Isso foi semanas depois de que foram emitidas as instruções para criar o pretexto para a invasão.
Tenho que reconstruir um bocado esta história, fazer alguma averiguação sobre dados e datas, já que lhes falei disto —ia apenas ler o que cá estava— e precisar ainda mais; porque desde o momento em que subscrevemos um acordo sobre aquilo, a velocidade com que se trabalhou foi impressionante, e reparem que já em Agosto, Kennedy aceita o plano e diz que "é questão urgente".
Possivelmente nos evitamos a invasão directa naquele período. Depois começaram a correr boatos de movimentos de armas e de barcos e de tudo; em Julho e Agosto já circulavam alguns boatos, porque estavam a chegar projécteis, mísseis terra-ar e sabe-se lá a quantidade de armamentos, aviões modernos e outras muitas coisas. A Crise desata-se realmente depois do dia 20 de Outubro. Tinham toda a razão os soviéticos, Jrushove tinha toda a razão, mas uma segurança tão total, como a que eu lembro, não se poderia ter se não for com o conhecimento de documentos e de actividades que estavam a realizar os Estados Unidos, e eles tinham muitos mais recursos do que nós para obter essa informação.
Nós tínhamos alguma, algumas importantes, bastante, e sobretudo, muita intuição, adivinhávamos, e um hábito: que um ataque nunca nos tomasse de surpresa. É preferível mobilizar-se vinte vezes e que não aconteça nada, antes de mobilizar-se uma vez e ser atacado. Uma tropa, um país mobilizado tem, poderíamos dizer, vinte ou vinte e cinco vezes mais fortaleza do que um pais atacado por surpresa. Isso lhes aconteceu aos soviéticos em Junho de 1941, isso lhe aconteceu a Stalin quando fez o papel de avestruz e meteu a cabeça num buraco, enquanto os alemães concentravam 3 milhões de soldados nas proximidades da fronteira, dezenas de milhares de veículos, milhares e milhares de tanques, milhares e milhares de aviões, e atacaram num domingo, quando muitos oficiais e soldados estavam de descanso, e lhe destruíram em terra quase toda a aviação. É incrível essa história sobre aquela guerra, conhecemo-la muito bem porque a temos lido muitas vezes, e tem contribuído a enriquecer a nossa experiência em muitos domínios.
Mas, só quando os norte-americanos decidiram revelar estes documentos, conhecemos em detalhes aqueles planos macabros e a sua incrível falta total de escrúpulos. A gente diz: "Eu não sei nada, têm que jurar que eu não sei nada disto." Outro recomenda formas bochornosas de provocar incidentes para justificar uma guerra. O outro, que os aceita. Tudo isto ajuda hoje, com o passar do tempo. Haverá documentos que também continuarão a sair, porque têm esse hábito, e nisto eles têm contribuído — como lhes dizia — com os documentos desclassificados, para além de todas as provas que nós temos, não é? Porque uma questão como a de Girón é absolutamente fácil de provar, não é? A história completa do primeiro até ao último, quem o recrutou, onde o enviou, que armas lhe deram. Tivemos aqui mil e duzentos prisioneiros que os trocávamos por alimentos para as crianças e por medicamentos. Pagaram uma indemnização. Isso foi o que fizemos. Mas eles nos deram documentos, precedentes e fatos. Agora estamos debruçados nessa batalha legal, espero que não nos invadam por considerá-lo uma ameaça global.
Eu posso, sim, falar de uma ameaça global: as idéias, as idéias claras, isso que vocês analisaram e aprovaram. Globalizemos as idéias, estendamo-las; obremos o milagre de fazê-las chegar a todas partes, como lhes afirmava no primeiro dia. Sim, essas são ameaças globais: falar, razoar, pensar, explicar, demonstrar. Se fui excessivamente extenso para vocês, para mim não.
Eu lhes falei de tudo isto com muito gosto e lhes contei algumas coisas, inclusive, inéditas. Fi-lo com muito gosto, com muita satisfação. É o menos que posso fazer perante a honra que vocês nos concederam, a visita que nos fizeram, sem medo nem temor, porque em determinadas circunstâncias há que ser valente para nos visitar. Falo-lhes aos do Congresso; falo-lhes também, ainda que não é o mesmo caso, aos ministros. Os ministros têm um bocado mais de poder e são um pouco menos vulneráveis do que vocês.
Pelo espírito de amizade que temos visto, sincera, solidária, com muita satisfação dirigi-lhes a palavra durante, sei lá, apenas pode ser calculado o número de horas; mas posso-lhes assegurar que se comecei a falar às 17:00, está muito longe ainda de ser um recorde (Risos). Tomara seja útil!
Muito obrigado! (Ovação.)