Os Congressos da II Internacional
Bale, Suíça -1912

Edgard Carone

Agosto/Outubro de 1992


Fonte: Revista Princípios, nº 26, ago-out/1992, pág. 66 a 71.

Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo.


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O congresso de Copenhague, 1910, marcara para 1913 o evento seguinte, a ser realizado em Viena. Entretanto, o aceleramento de problemas bélicos nos Bálcãs obrigaria os partidos socialistas a mudarem o seu calendário e a convocar, extraordinariamente, o Congresso de Bale (Suíça), para os dias 24 e 25 de novembro de 1912. Esse torna-se, então, o IX Congresso da II Internacional e o último deles, pois o de Viena, transferido para agosto de 1914, não se realiza em razão do conflito mundial iniciado em 1º de julho de 1914.

O perigo de guerra surge no cenário europeu com certa frequência, como no caso do incidente provocado pela Alemanha contra a França no Marrocos, em 1905, episódio que demonstra o escasso limite entre a paz e o conflito armado. Como definem os historiadores, são países imperialistas sob o signo de uma “paz armada”. Esta incerteza se reflete ainda mais na região dos Bálcãs, dominada pela Áustria e pela Rússia, onde além do conflito de interesses existem choques entre a Turquia e a Itália e da Turquia com a Rússia e com a Áustria. Sem contar com os movimentos nacionalistas dos albaneses, montenegrinos, sérvios, etc. Só na Áustria coexistem 12 nacionalidades, muitas delas procurando se libertar do domínio dos Habsburgos. O imbróglio balcânico « motivo de preocupação para os socialistas desde a sua primeira crise, em 1907, e das posteriores, em 1911 e 1912. A crise dos Bálcãs também viria a ser o estopim da I Guerra Mundial. Problemas nacionalistas semelhantes podem-se verificar na Rússia, onde georgianos, armênios, bielo-russos, cossacos, etc. reivindicam o direito de autodeterminação política e cultural, razão da força e da pressão destes movimentos e do aparecimento dos estudos marxistas sobre a questão nacional na Áustria e na Rússia — daí os ricos e inovadores trabalhos de G.H. Bauer, Lenine, Stalin, Rosa Luxemburgo e outros.

O perigo de guerra provoca manifestações dos socialistas em toda a Europa

A crise balcânica de 1912, que se prolongou até 1913, dominou as relações entre as grandes potências. A revolução dos jovens-turcos (1908) dera esperança aos dominados países balcânicos, de que poderiam ter representação parlamentar em Istambul. Entretanto, o novo governo de Kamel Ataturk, logo depois, provoca reforçar, em seus domínios europeus, os elementos turcos da população, marginalizando outras nacionalidades, os cristãos, etc. A “turquisação” procura agitação na Macedônia; em Belgrado reaparece o sentimento nacional e os sérvios, residentes na Macedônia, lutam para se libertar do jugo turco. A guerra da Tripolitânia, em 1911, entre Turquia e Itália, ajuda os búlgaros e os sérvios a se unirem unilateral- mente para libertar a Macedônia e sua população: acordos separados são feitos por eles com a Rússia e com a Áustria-Hungria, e entre Bulgária e Grécia, entre outros. Na verdade, quem usufrui das novas posições políticas e estratégicas nos Bálcãs são as duas grandes potências. O que se produz, no entanto, são agitações de caráter nacionalista, com o consequente atentado ao pretendente ao trono da Áustria, o arquiduque Francisco Fernando. Dessa maneira, como consequência das agitações políticas após 1908, a Sérvia — que se beneficiara da guerra contra a Turquia — pretende atrair a população sérvia fixada em território húngaro; na região eslovena, o clero católico orienta a minoria eslovena contra os tchecos; na Hungria, são os croatas que querem liberdade; e na Bósnia-Herzegóvina são os sérvios que se agitam. Num certo sentido, as questões políticas dos dois grandes Estados Áustria-Hungria e Rússia se confundem com os movimentos nacionalistas, no momento em que a ameaça de guerra parece ressurgir e tomar amplitude.

Os socialistas europeus, preocupados com essa série de incidentes, procuraram tomar posição contra o perigo de guerra. Nos congressos de Stuttgart (1907) e Copenhague (1910), a esquerda enfatiza o perigo de um conflito armado, denuncia os interesses capitalistas e imperialistas das grandes potências, o sacrifício imposto à classe operária e a necessidade de aplicar estratégias contra a guerra — que vão da greve geral à sabotagem contra seu próprio país. A palavra-de-ordem, Abaixo a Guerra é lema vivo na memória do proletariado mais consciente. Daí a mobilização imediata em vários países, logo ao primeiro chamado de Bureau Socialista Internacional, que marca a data para a manifestação universal — o 17 de novembro de 1912. O Partido Socialista francês realiza mais de vinte encontros em território gaulês e envia representantes seus para outras partes da Europa: Jaurés para Berlim, Jean Longuet e Rognon para Londres; Campére-Morel para Milão; Gustave Hervé para Roma; Cachin para Estrasburgo. Em todas essas cidades — e em outras — acontecem comícios, mas o de Paris transforma-se em manifestação popular, grandiosa e imponente. Nela falam franceses, alemães e delegados de outros países. Quatro dias depois, no dia 21, reúne-se o Congresso Nacional de Paris que, apesar de convocado às pressas, reúne mais de 200 delegados, representando 79 Federações. Sua Comissão -Bracke, Cachin, Hervé, Vaillant e outros — lança um manifesto, com o qual ameaçam a burguesia pelas graves consequências da guerra, se esta for desencadeada, e avisam que “usarão, para a prevenir, de todos os meios legais. Nos parlamentos, denunciarão em público os tratados secretos; insistirão sobre os procedimentos de arbitragem; denunciarão os caminhos exclusivos e estreitos da diplomacia. No país, multiplicarão as reuniões e as manifestações de massa a fim de despertar os cidadãos de seu torpor e os preservar da mentira”(76-78).

A crise nos Bálcãs leva o Bureau Socialista a apressar o IX Congresso

A ação do Bureau Socialista Internacional (BSI) é, no entanto, mais ampla. Antes da mobilização para o dia 17 de novembro, ele se reúne, como vimos, no auge da nova crise dos Bálcãs, em outubro de 1912. Na reunião, em Bruxelas, no dia 29 de outubro, marca-se um Congresso para o Natal do mesmo ano. Porém é antecipado para 24 e 25 de novembro, em virtude do agravamento da situação. Na véspera, uma comissão se reúne para redigir a Resolução, sendo ela composta por Jaurés, Vaillant, Bebel, Keir Hardie, Victor Adler, Roubanovic e Camille Huysmans.

O convite para o Congresso indica o local e a data: Bruxelas, 9 de novembro de 1912, e especifica ser “contra a extensão do conflito balcânico”. As organizações operárias, sindicais e cooperativas, que dele participam, devem ser as que “aderem aos princípios essenciais do socialismo”: conquista do poder público, reconhecimento da necessidade do poder público, reconhecimento da luta de classes, etc. E, finalmente, o documento especifica que a ordem do dia se limita a um único tema: A Situação Internacional e a Aliança para uma Ação Contra a Guerra. No mesmo convite é indicado o número de votos de cada delegação — 20 para Alemanha, Áustria-Boêmia, França, Grã-Bretanha e Rússia; 15 para a Itália; 14 para os Estados Unidos; 12 para a Bélgica e Suécia; 10 para a Dinamarca, Polônia e Suíça; 8 para a Finlândia, Holanda, Hungria-Croácia; 6 para a Espanha e Noruega; 5 para Turquia-Armênia; 4 para Argentina, Bulgária Romênia, Sérvia; 2 para Luxemburgo, Bósnia-Herzegovínia, Canadá. O número de delegados presentes é: 127 pela França, 75 pela Alemanha, 70 pela Boêmia, 59 pela Áustria, 49 pela Suíça, 36 pela Rússia, 32 pela Bélgica, 20 pela Polônia, 18 pela Hungria, 13 pela Grã-Bretanha, 11 pela Itália, além de 12 outros países, somando 45. Entre as lideranças temos Keir Hardie, pela Inglaterra; Clara Zetkin, Bebel, Ledebour, Kautsky e Bernstein, pela Alemanha; Victor Adler pela Áustria; Albert Thomas, Frossard, Jaurés, Cachin e Longuet pela França; Angélica Balabanof pela Itália; Kamenef e Kolontay pela Rússia; Anseele pela Bélgica; Troesltra pela Holanda; Maris Nogueira e Antonio Pereira por Portugal e Rosa Luxemburgo pela Polônia.

Apesar de o congresso de Bale ser de menor duração que os anteriores — dois dias, enquanto os outros duraram seis o cerimonial e o comportamento obedecem às mesmas regras: no dia 24, às 9 horas da manhã reunião do BSI com a Comissão Especial encarregada de redigir o Manifesto: 10 horas: abertura do Congresso, discurso de boas vindas às delegações, verificação dos certificados dos delegados; 14 horas: ida à Catedral, discursos nas quatro tribunas ao povo. Dia 25: reunião do BSI e discussão da ordem do dia.

Centenas de pessoas se reúnem na Catedral de Bale para ouvir os líderes socialistas

O Congresso é aberto por Anseele, já que o presidente Vandervelde não se encontra presente. A palavra é dada a Wullschleger, presidente do governo de Bale. Depois de citar os esforços do movimento operário para desenvolver uma consciência universal, ele mostra que o “senso da realidade e a fé no futuro fundiram-se em um todo indissolúvel na classe operária, reunida sob a bandeira do socialismo nacional e internacional”. Em outra parte diz que a “diplomacia rotineira não pôde evitar nem a crise balcânica nem o perigo de extensão da fúria guerreira aos países da Europa ocidental e esta provocou mais uma vez sua incapacidade para resolver graves problemas. O chauvinismo excitador dos povos e o capitalismo ávido de lucros se revelam, ainda uma vez, mais poderosos que a diplomacia. A Internacional operária deve consagrar todas as suas forças para combater esses inimigos que são os mais nefastos da civilização humana. A guerra dos Bálcãs é uma realidade que não se pode mais impedir. Mas se a guerra se estendesse a outros países e a outros povos, isto seria um dos maiores crimes da história do mundo. Este crime deve ser impedido por todos os meios possíveis” (p 27-28). Logo depois é lida carta dos camaradas sérvios, justificando suas ausências. Vivendo em condições difíceis, decididos a lutar, eles esperam que “quanto mais bem- sucedida for a luta contra a política colonial e o imperialismo das grandes potências, maior será a possibilidade de lutar contra a política de nossa burguesia e avantajar a causa do proletariado. A política colonial realizada pelos Estados capitalistas estrangula e oprime as nações. Ela paralisa a democratização e as reformas. A metrópole sofre pesadamente com esta política, que castiga sobretudo as camadas proletárias beneficiando o militarismo, o marinismo, o monarquismo e o capitalismo”, (p. 29)

O morticínio nos Bálcãs demonstra como é miserável a política burguesa

Na tarde do dia 24, os congressistas se dirigem à Catedral de Bale, único local da cidade onde é possível reunir algumas centenas de pessoas; lotado o recinto, o resto da multidão se acotovela fora, para ouvir os delegados que discursam, em cada uma das quatro tribunas. Assim, o público pode escutar, nos cinco focos oratórios, a peroração dos líderes da social democracia europeia. Na Catedral é o presidente do governo do Cantão, Blocher, que dá as boas vindas; Hoase, da social democracia alemã, fala em ação proletária contra a guerra e que Constantinopla, Salônica e as Províncias da Ásia Menor “estão ameaçadas pelo polo imperialista” e que se o “proletariado não conseguir impedir resolutamente este atentado contra a civilização, a guerra mundial pode não ser de todo impossível” (p. 32). Keir Hardie repete sua afirmação de que o operariado inglês e o alemão “não têm inimizade um pelo outro”.

O suíço Herman Greulic sublinha a necessidade de luta contra a guerra e que a “Internacional não é antinacional, mas deseja a total autonomia para cada povo e para cada Nação. É partindo desta opinião que dizemos: os Bálcãs aos povos balcânicos” (p. 33).

O delegado da Bulgária, Sakarof, que é muito aplaudido, diz que a “guerra balcânica é a melhor prova do fundamento de nossas reivindicações socialistas. Este terrível morticínio humano mostrará, mesmo aos que são limitados, como é miserável a política das classes dominantes. Para se resolver pacificamente o problema balcânico haverá apenas um caminho a seguir — o indicado pela social democracia, isto é, a via das reformas na Turquia. Mas, nem as grandes potências nem o capital e seus servidores desejam tal caminho porque querem se servir dos Bálcãs como uma colônia onde reinaria a sua influência. Nossos governos balcânicos também não desejam reformas banais. Eles preferem representar o papel heroico de serviçais da Turquia. É assim que chegará a guerra”. Victor Adler, em nome dos austríacos, mostra que seu país pode facilmente passar por um processo de desmembramento, caso haja guerra. “Não depende de nós, social-democratas, se a guerra terá lugar ou não. Se a classe operária de todos os países ganha força a cada dia, nós o vemos, e este é o nosso trabalho e nossa vida. Mas não superavaliemos e, sobretudo, não exageremos sobre a intenção de nossos governos. O que podemos é impedir que a guerra tenha lugar. Não pode haver guerra, porque ela se tornará a maldição de todos os povos. Em todos os lugares onde penetram as nossas vozes, onde podemos nos tornar mestres da consciência pública, queremos fazer sentir que grande crime seria a guerra. Os povos saberão que a responsabilidade recai sobre os dirigentes e que estes carregarão toda a responsabilidade e todas as consequências” (p. 35). Jaurés é outro orador que ataca a guerra. Para ele existem correntes contrárias: uns contra a guerra, outros contra a paz. “A balança do destino oscila em mãos dos governantes. Mas, subitamente, a vertigem pode atingir os que ainda hesitam. É por isso que devemos intervir, é por isso que nós, os trabalhadores e os socialistas de todos os países, devemos tomar a guerra impossível, jogando a nossa força na balança da paz”. Mas não é só de boa vontade que se vai conseguir atingir a paz: “É preciso a unidade na vontade e na ação do proletariado militante e organizado”, (pp. 35-36)

Enquanto os oradores citados se fazem ouvir na Catedral, 10 a 15 mil pessoas (segundo os cálculos dos organizadores) rodeiam as quatro tribunas. Em cada uma delas discursam vários líderes socialistas. Vejamos sinteticamente as falas principais de cada um deles, precedidas, cronologicamente, pelos conselheiros nacionais Studer, Pafluger, Grimm e o cidadão Anest.

Unidade da vontade e da ação do proletariado é que pode assegurar a paz.

Nas tribunas os discursos são tão inflamados quanto na Catedral. Na Tribuna I, Studer diz que a Internacional “está reunida aqui para manifestar-se em favor da paz e da civilização”. Ellembogen fala que “até o presente, a política mundial foi dirigida pela sabedoria da diplomacia. Mas esta sabedoria está em bancarrota e a diplomacia europeia. tornou-se a coisa mais ridícula que existe. Por sua vez, em face do declínio da diplomacia, cresce a unidade e a vontade pacifista do proletariado universal”. Antonoff traz “a saudação do país do czar sangrento, onde o proletariado desenvolve há um século uma viva luta para conquista da liberdade existente em outros países”; “o proletariado russo respondeu à guerra fazendo a revolução. Ele foi batido, mas não sucumbiu”. Troelstra diz que, antes, as guerras eram consideradas como fatos naturais, “independentes da vontade dos povos. O proletariado letrado internacional se libertou desse erro. As guerras nos são impostas pelo capitalismo, pelas classes e pelos partidos”. Vaillant denuncia o perigo de uma guerra entre a Tríplice Aliança e a Tríplice Entente.

Na Tribuna II, o dinamarquês Borgbjerg diz que se todos os padres do mundo pregassem a paz, “a guerra seria suprimida; mas é o contrário que se dá. Pode-se duvidar que a Igreja tenha contribuído para suavizar os costumes, pois os povos cristãos dos Bálcãs tratam seus inimigos com a mesma barbárie com que os turcos os tratam. E durante este tempo, a Áustria, há muito cristã, está na primeira fila dos chauvinos”. Francis de Pressensé distingue as guerras “suscitadas pelo princípio das nacionalidades” e as que são provocadas pelas “cobiças egoístas, as sórdidas combinações de cenas potências e a estúpida divisão em dois campos hostis desta Europa que, nesta crise, deveria ser una”. O capitalismo que se precavenha, porque ele tem pela frente uma “força nova e considerável”.

Na Tribuna III fala Nemec, delegado de Praga, que acentua o direito dos “Bálcãs aos povos balcânicos. E se os povos balcânicos conseguirem jogar os Turcos fora da Europa nós nos esforçaremos em ajudar os camaradas de lá que, valentemente, protestaram contra a guerra”. Na Tribuna IV, os discursos se repetem. A fala de Alexandra Kolontay, entretanto, se restringe em acentuar o papel da mulher, de sua militância ativa, de suas prisões.

O dia 25 é o ponto máximo do Congresso. A atividade gira inteiramente em tomo da leitura do Manifesto e das observações dos delegados sobre o texto. A Comissão redatora, escolhida na véspera da instalação do evento, é composta por: Jean Jaurés e Edouard Vaillant, da França; Bebel, da Alemanha; Keir Hardie, Inglaterra; Victor Adler, Áustria; Roubanovic, Rússia e Camille Huysmans, secretário do BS1. A elaboração do documento não é pacífica, mas como diz Georges Haupt, na Introdução, desejou-se “evitar tornar públicas as divergências que subsistem”, pois o Congresso deveria ser, antes de tudo, “uma brilhante demonstração de unidade do movimento socialista contra a guerra, uma harmônica manifestação do poderio da Internacional”(1).

Apesar de a documentação publicada não revelar as posições antagônicas, alguns poucos dados nos revelam que havia discordâncias. E o caso da seção francesa, que votou unanimemente a favor do texto mas, na Declaração final, Vaillant confessa que: “na Comissão que elaborou o Manifesto, todos os membros declararam que o queriam animado do mesmo espírito que animava as resoluções do Congresso Nacional Francês. Havia, nesta resolução, termos que muitos de nós desejavam muito e que não podiam, sem perigo ou inconveniente para algumas seções, ser admitidos neste Manifesto. Mas não foram excluídos nem o pensamento nem a vontade da greve geral e da insurreição com o recurso supremo contra a guerra”. A greve geral é insurrecional, e o maior exemplo disso é a Rússia de 1905, quando são postas em xeque “as intrigas e as tentativas belicosas do czarismo. Mas a linguagem da Internacional não pode ser a de uma seção nacional”, (pp. 96) Outro caso é o de Rosa Luxemburgo, que pede que “seja incluído um parágrafo sobre a necessidade de recorrer a meios ativos para prevenir ou terminar com a guerra”, (p. 8)

O medo da revolução proletária foi fator essencial para adiar o conflito mundial

Quem lê o Manifesto é Jean Jaurés. O texto afirma que as regras de ação pela paz já estão formuladas pelos congressos de Stuttgart (1907) e Copenhague (1910), que decidiram: se houver ameaça de guerra, a classe operária e seus representantes no Parlamento, com ajuda do BSI, tem o dever de fazer ilimitados esforços para “impedir a guerra por todos os meios que lhe pareça possíveis...”. Mais do que nunca, os acontecimentos indicam que é o proletariado quem deve executar a tarefa de barrar a loucura arma- mentista, que -eleva assustadoramente o custo de vida e o mal-estar existentes.

Mas é com alegria que o Congresso constata a “unanimidade dos partidos socialistas e dos sindicatos de todos os países, na guerra à guerra”. Em todos os lugares o proletariado se mobilizou contra o imperialismo e cada seção da Internacional se opôs ao governo de plantão, levantando a opinião pública a seu favor. “Assim, afirmou-se uma grandiosa cooperação de operários de todos os países, que muito contribuiu para salvar a paz no mundo, seriamente ameaçada. O medo das classes dirigentes de uma revolução proletária, que seria o resultado de uma guerra universal, foi garantia essencial da paz.” O Congresso pede aos partidos socialistas que continuem nesta ação. Diz que os partidos da península balcânica têm uma “tarefa pesada”. A Turquia criou nesta região “desordem econômica e política, além de excitar as paixões nacionais, que deviam conduzir necessariamente à revolta e à guerra”. Os socialistas devem continuar na sua luta contra as dinastias reinantes e contra a burguesia, e a reivindicar a federação democrática; e também se opôr às antigas inimizades entre sérvios, búlgaros, romenos e gregos, como também a opressão sobre a população dos Bálcãs, incluindo turcos e albaneses.

Em seguida, o Manifesto volta-se para a situação dos socialistas da Áustria, Hungria, Croácia e Eslovênia, Bósnia e Herzegovínia, que devem “continuar com toda a força sua oposição enérgica aos ataques da monarquia do Danúbio contra a Sérvia”, que tentam transformar em “colônia austríaca”, comprometendo os povos da Áustria “e com eles todas as nações da Europa nos mais graves perigos. Os socialistas da Áustria-Hungria devem lutar também, no futuro, para que as facções dos povos eslavos, dominados agora pela casa dos Habsburgos, obtenham, no interior da própria monarquia austro-húngara, o direito de se governar eles próprios, democraticamente”. Atenção particular é dada ao problema albanês, cujo povo merece a autonomia mas, no entanto, não deve se subordinar às ambições austro-húngaras nem às italianas. A Albânia livre e independente deveria fazer parte de uma “federação democrática dos Bálcãs” e é um dever dos socialistas austríacos e italianos combater os seus governos e lutar a favor destes ideais.

E com alegria que o Congresso saúda as “greves de protesto dos operários russos”, prova de que o proletariado russo e polonês está se recuperando dos golpes da contrarrevolução czarista . “O Congresso vê nesta ação operária a mais forte garantia contra as criminosas intrigas do czarismo que, depois de ter esmagado com sangue os povos de seu Império, depois de ter infligido inúmeras traições aos povos dos Bálcãs, entregues por ele a seus inimigos, vacila entre o medo das consequências que teria uma guerra e o medo de um movimento nacionalista criado por ele próprio”. O czarismo mascara suas tentativas de domínio nos Bálcãs dizendo-se “libertador das nações balcânicas”, mas, na verdade, o que pretende é reconquistar a sua hegemonia. Cabe aos operários da Rússia, da Finlândia e da Polônia, “usando de sua força”, se opor a isso. Pois a Rússia é o berço da reação na Europa e a “Internacional considera que provocar a queda do czarismo é uma das suas principais tarefas”. Esta é uma luta internacional, cuja direção cabe aos trabalhadores da França, Alemanha e Inglaterra. Os trabalhadores desses países devem exigir de seus governos que recusem “qualquer socorro à Áustria-Hungria e à Rússia” e se abstenham de toda intromissão nos conflitos balcânicos, mantendo uma “neutralidade absoluta”.

A Internacional pede a todos os trabalhadores que se oponham ao imperialismo

Se houver o colapso militar da Turquia e o abalo do poderio otomano na Ásia Menor, é obrigação dos socialistas da Inglaterra, França e Alemanha se opor “à política de conquista na Ásia Menor, que nos levaria direto a uma guerra universal”. O Congresso considera um grande perigo para a paz a “hostilidade artificialmente pendente entre Grã-Bretanha e o Império Alemão” e saúda a classe operária no seu esforço de pôr fim a essa tensão. O melhor meio é um acordo sobre “limitação de armamentos. E o apaziguamento dos antagonismos entre a Alemanha, de um lado, e a França e a Inglaterra, do outro, afastaria o maior obstáculo contra a paz no mundo. Ele abalaria o poderio do czarismo, que explora este antagonismo. Ele tornaria impossível qualquer ataque da Áustria contra a Sérvia, assegurando a paz universal. Por isso, todos os esforços da Internacional devem se voltar para este fim”.

O Congresso constata que a Internacional “está unida sobre estas ideias essenciais da política exterior. E pede aos trabalhadores que se oponham ao imperialismo capitalista”. Também adverte as “classes dirigentes de todos os países para não aumentar ainda mais, por ações de guerra, a miséria infligida às massas pelo modo de produção capitalista. Os trabalhadores exigem a paz”. Os governos, com perigo para eles próprios, não poderão desencadear a guerra. Devem se lembrar da guerra franco-alemã (1870) e da Comuna (1870-1871), e da guerra russo-japonesa de 1905.

Os governos seriam loucos se não percebessem que “a guerra monstruosa provoca a indignação e a cólera do proletariado de todos os países. Os trabalhadores consideram um crime atirarem-se uns sobre os outros para proveito dos capitalistas ou orgulho das dinastias ou das combinações dos tratados secretos”. A Internacional redobrará seus esforços para prevenir a guerra e encarrega o Bureau Socialista Internacional de seguir, com atenção, os acontecimentos e apela aos operários e socialistas de todos os países para que, “nesta hora decisiva, façam ouvir sua voz”.

A maior parte dos dirigentes socialistas adere ao social patriotismo burguês

Ao terminar a leitura do Manifesto, Jean Jaurés — que também o lê em alemão — defende a posição do Congresso e indica as características do documento:

  1. ele define a “política estrangeira, que é comum a todos os países da Internacional”;
  2. afirma também que, pela “enorme diversidade de todas as eventualidades, nossa revolução não prevê um modo especial de ação, mas não exclui nenhuma delas (grifo meu). Ela dá um aviso aos governos, chama claramente sua atenção para o fato de que eles criaram facilmente uma situação revolucionária, a mais revolucionária que se pode imaginar. Se, verdadeiramente, o crime horrível da guerra mundial for cometido, os proletários estariam unidos no mesmo pensamento, e pelo mesmo sentimento, e os dirigentes devem saber que eles exigiriam dos trabalhadores que sacrificassem não somente sua vida, mas, também, sua consciência”;
  3. enfim, a resolução constata “a unidade e o poderio de nossa Seção” (pp 43-45).

Em outras palavras, Jaurés pergunta: o que querem a Áustria-Hungria, a Rússia e a Alemanha? O que existe é a grande confusão e o grande perigo para a paz. O contrário se dá conosco.

“Pela primeira vez, este será o significado histórico deste Congresso. Nós não exprimimos unicamente a reprovação, não fazemos unicamente apelo à energia, mas dizemos claramente e em termos categóricos qual a linha diretriz da política proletária, em todos os países, que nos deve orientar. E o que é mais importante: nós somos unânimes sobre este assunto.”

Na tarde de 25, a seção é dedicada à aprovação do texto. Haase adere ao Manifesto pela delegação alemã; Soukup em nome da social-democracia tcheco- eslovaca da Áustria; Troelstra pela social-democracia da Suécia, da Noruega, da Dinamarca, da Finlândia, da Bélgica, do Luxemburgo, da Suíça e da Holanda; Clara Zetkin em nome das mulheres socialistas de todo o mundo; Vaillant pelos franceses (Partido Socialista); e Agnini pelos espanhóis.

O agradecimento final é do presidente do Congresso e de Bebel, o fundador e chefe da Social Democracia Alemã.

O Congresso de Bale, como vimos, é o último da série, até 1914, e nele comparece a maioria dos partidos socialistas. Não é o mais importante, mas sua tomada de posição é significativa: é um recuo frente às conclusões mais radicais e revolucionárias do Congresso de Stuttgart. Contudo, em que medida as conclusões de 1907, se aprovadas em 1912, vigorariam no ano de 1914? Como sabemos, a maior parte dos líderes e militantes socialistas aderiu ao social-patriotismo, negando toda filosofia pela qual juraram lutar. O seu pacifismo e antimilitarismo mostrou-se inoperante na prática.

Se esta tornou-se a realidade de grande parte das correntes socialistas, uma pequena minoria, manteve-se coerente com seus ideais de luta revolucionária. Alguns membros da II Internacional realizaram conferências para denunciar e lutar contra a guerra: são os casos da Conferência Internacional de Copenhague (17 e 18/01/1915), Conferência Internacional de Viena (12 e 13/04/1915) de Londres (14/02/1915), de Haya (01 e 02/08/1916) e das reuniões dos partidos nacionais, como do PS francês. A Conferência Socialista de Estocolmo, em 1917, foi a mais importante delas. Esses episódios, no entanto, não fazem parte deste estudo. E sim de outro, que abarque o pós-I Guerra Mundial.


Notas de rodapé:

(1) A primeira citação é de Georges Haupt, (pp 7-8). a segunda de J. Longtet. Le Mouvment Socialisté Internacional, 1913. pp.71 (retornar ao texto)

Bibliografia:

Congrés Internationale Extraordinaire: Bale 24-25 novembre 1912. • Conférence Internationale Socialiste de Stockholm. 1917. Introcuction de Georges Haupt. Genéve. Minkoíf Reprint, 1980 {Histoire de Ia II Internationale, X-XI. tome 22). 847 páginas

Inclusão 05/10/2019